Uma Filha Do Cemitério De Čelákovice escrita por kagomechan


Capítulo 2
A viajante




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O clima esfriando lentamente anunciava que o inverno em breve estaria chegando na capital tcheca. Por mais frio que o inverno pudesse ser, as maravilhas do século 21 permitia coisas como aquecedor e água aquecida para deixar a vida das pessoas mais confortável.

Era exatamente dia 2 de Novembro e uma viajante solitária tirava uma foto com um sorriso do alto da colina na qual havia sido construído séculos antes o Castelo de Praga. Seu nome era Ciara e estava realizando um grande sonho, uma volta ao mundo mesmo que fosse com cada centavo contado.

Com o sol já quase tocando o horizonte, a foto da mochileira de sardas e cabelo ruivo havia ganhado uma coloração especial que muito combinava com a cidade. Ela verificou a qualidade da foto e, sorrindo satisfeita, ela continuou a descer de volta para a cidade. Viajar com pouco dinheiro significava economizar onde dava e, por isso, ela voltava para o hostel completamente a pé, o que fez com que a noite caísse sobre Praga. Depois de passar tanto tempo andando pela cidade, com os pés doendo ao voltar para o hostel no qual estava hospedada por um caminho diferente, Ciara notou que à alguns metros de seu hostel havia uma igreja de aparência antiga, com certeza medieval.

Todavia, o que atraiu a atenção dela não foi a aparência da igreja, mas sim o que acontecia em sua lateral, num cemitério. Na calada da noite, uma figura solitária estava diante de uma tumba e, Ciara não sabia dizer porque, a visão fez com que os cabelos de sua nuca se arrepiarem. Talvez ela podia culpar a estranha visão de uma mulher completamente vestida de negro e com cabelos lisos negros estar num cemitério ou o fato estar quieto ao seu redor.

A curiosidade fez com que Ciara desse dois passos mais para perto do muro que limitava o cemitério e pousasse a mão levemente ali até sentir a frieza da pedra contra seus dedos. A figura da mulher de negro se moveu tirando da bolsa pendurada em seu ombro o que parecia uma grossa vela que lentamente acendeu com um isqueiro. Por três segundos, que mais pareceram uma eternidade, a figura permaneceu com a vela na mão até pousa-la com delicadeza diante de um dos túmulos. O ato fez Ciara perceber que aquele não era o único túmulo com velas, vários outros também estavam, alguns até com flores. Claro, era normal cemitérios receber visitas, mas então ela lembrou do que havia lido na internet… 2 de Novembro… era dia de Dušičky, a versão tcheca do Halloween e que não envolvia nenhuma festa a fantasia.

Mordendo o lábio ao se sentir culpada por estar atrapalhando um momento especial da mulher, Ciara achou que estava na hora de ir embora. Foi também nessa hora que ela notou que estava prendendo parcialmente a respiração de tão tensa que aquela cena havia lhe deixado.

— Deixa de ser boba, Ciara. - murmurou ela revirando os olhos antes de dar as costas para o cemitério.

Foi também nessa hora que ela notou algo estranho, um homem que, quando ela se virou, rapidamente desviou o olhar e se virou tirando o celular do bolso como se para fingir que estava olhando para o celular desde do começo. Tal breve cena fez seu coração palpitar, sabia que, no final das contas, ainda era uma mulher sozinha nas ruas de uma cidade a noite. Com medo, ela se virou para o lado oposto que o homem estava mesmo se aquela não fosse a direção de seu hostel.

Ofegante pelo medo e sentindo o coração acelerado, ela mal conseguiu dar dois passos, pois à centímetros de seu pé, como se tivesse simplesmente aparecido do nada, um gato preto de vibrantes olhos dourados miou. O susto que levou fez um grito sair de seus lábios, um grito que atraiu a atenção da mulher envolta em trevas no cemitério. 

Ciara mal teve tempo de dizer para si mesma que era apenas um gato bobo, quando sentiu que algo ou alguém estava atrás dela. Ela mal terminou de se virar para ver o que era quando teve sua boca tapada pela mão grossa do homem. Não sabia o quão rápido ele havia vencido a distância que os separava, mas essa pergunta nem havia surgido em sua mente, pois estava mais surpresa e amedrontada pelos olhos extremamente vermelhos e pelas grandes presas que haviam em sua boca.

Os olhos de Ciara se arregalaram e ela teria fugido se a grande força não humana do homem não estivesse a segurando impedindo que ela tentasse impedir as presas do homem de rasgarem a pele de seu pescoço. O desespero crescia dentro de si mas, de repente, tudo mudou num piscar de olhos quando alguma força muito maior do que a do homem havia o empurrado para longe dela. Tudo havia sido muito rápido para que Ciara notasse, tudo o que entendia foi que, naqueles breves segundos que se passaram, o homem estava largado no chão com a mão na bochecha machucada enquanto ao seu lado estava uma mulher de longos cabelos pretos e roupas igualmente pretas.

— V-Você…. é.. - gaguejou Ciara olhando para o cemitério mais uma vez e não vendo a mulher que estava ali antes - Você estava ali… botando a vela naquele túmulo. Como está aqui agora?

A fala de Ciara foi claramente ignorada, pois a mulher falou algo para o homem que tudo o que Ciara pode fazer foi reconhecer que o idioma usado era tcheco. A conversa continuou enquanto Ciara arriscava dar um ou outro passo para trás mas, notando isso, a mulher de cabelos negros olhou para ela.

— Não vá. Não ande sozinha por aí nessa noite. - alertou a mulher num inglês perfeito - O Dušičky não é um bom dia para andar sozinha.

— S-Só quero voltar… prometo não sair mais. - disse Ciara.

— Mora muito longe daqui ou é turista? - questionou a mulher suspirando pesadamente.

— Turista. - respondeu Ciara.

Talvez como resposta ao fato da garota ser turista, o homem disse algo com raiva e desgoto que Ciara não pode entender. Por outro lado, a mulher misteriosa entendeu com perfeição, pois ela foi até o homem com passos pesados e agarrou-o pelos cabelos. Naquele momento, Ciara daria de tudo para poder saber tcheco, pois seja lá o que a mulher disse entredentes, fez a cor do rosto do homem desaparecer por completo.

Com brutalidade, a mulher soltou o cabelo do homem que, depois de alguns segundos para considerar suas opções, fez algo que Ciara nunca iria ter acreditado se não tivesse visto. Ele se transformou num morcego.

— C-Como…? - gaguejou Ciara - Isso é uma pegadinha? Ilusão de ótica? Tenho certeza que não bebi hoje! Ele acabou de virar um morcego!

— Tem muito sobre esse mundo que você não sabe. - disse a mulher misteriosa soltando um pesado suspiro enquanto olhava para a viajante - Onde está hospedada? Te acompanharei até lá.


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