Altivez Criativa escrita por Juarez Weiss
Notas iniciais do capítulo
Quando dei por mim, o capítulo já estava terminado.
Espero que gostem.
Talvez sua solidão completasse seu vazio.
-------
A conhecida sensação de despertar alcançou seu corpo, inabalável. Mesmo deitado, o instinto agiu sobre sua mente e as pálpebras levantaram, automáticas.
Era como estar morto, mas acordado. A costumeira névoa negra que pairava à frente de seus olhos defeituosos ficava ali, cruel e debochada. A vida seguia, visual e pulsante, e ele estava ali, cego.
Ergueu sua mão e pôs em seu próprio rosto. Correu os dedos pelas pálpebras, sentindo os cílios brincarem em sua pele, inocentes. Abriu os olhos e encostou em seu globo ocular. A sensação de incômodo que deveria acompanhar esta ação simplesmente não ocorreu. Era um sentido morto, uma privação injusta, uma afronta diária. Era um ser humano incompleto: paladar, tato, audição e olfato. E morte visual.
Ergueu a cabeça e encarou a vastidão infinita que veria para sempre: escuridão, solidão e frustração, suas companheiras até o fim da vida.
------
Ajeitou sua postura, levou os braços à frente e tocou as teclas. A energia correu por suas veias, seus dedos se movimentaram involuntariamente e, antes que percebesse, estava tocando "Nocturne 9", de Chopin.
E o som encheu a sala e os corredores, seus pulmões, sua mente, sua anti-visão, seus sentimentos, angústias, vida. E ele era só música, sobrenatural, fluído, desprovido de emoções, somente existindo e dançando nos alicerces musicais, certo de seu destino feliz de morrer em ouvidos satisfeitos, sentidos clássicos, completo por terminar sua existência fazendo do mundo um lugar mais musical, sereno, ondulatório...
E então, um som espectral se juntou, sem permissão, à sua existência sonora: eram cordas agudas e estridentes que pareciam gritar enquanto alguém as aliciava. E a vibração que elas causavam era cortante, agoniante, impossível de ignorar, e quando ele percebeu, estava gritando, com as mãos nos ouvidos, tentando, desesperadamente, parar aquela agoniante sucessão de notas e tons que pareciam querer explodir sua cabeça...
E elas pararam.
O silêncio o atingiu como uma pluma, e ele respirou fundo para retomar a calma. Em seus olhos, o infinito negro continuava ali, firme, mas em seus ouvidos reverberava as memórias do som que acabara de escutar... agudez e desespero.
Alguém, bem próximo dali, acabara de tocar um violino.
---------
Nos dias que se seguiram, piano e violino haviam se comunicado incessantemente, dia e noite, incansáveis. A música era sua linguagem, e o ar, seu instrumento.
O pianista ainda não conseguia entender esse novo dialeto, apenas respondia ao impulso musical que a junção causava: era impetuosa e sagaz, uma inteligência filosófica que vivia a partir do momento que existia, e existia a partir do momento em que era tocada. Dois sons distintos e crus que, juntos, faziam os transeuntes da Rua das Lamentações entrarem em júbilo auditivo, no momento em que eram alcançados pela frequência das ondas sonoras.
Estranhamente, enquanto piano e violino se entendiam no campo da música, o pianista experimentava algo novo: seu universo negro desenhava formas desconexas, traços fortes gravados na perspectiva, linhas e curvas subliminares traçadas por uma mão invisível. Já havia se acostumado às estranhas cores que o acompanhavam em sua estrada instrumental, mas os traços eram novos, desconhecidos e intrigantes, que somente ocorriam quando a junção de sons acontecia.
E ele então passou a aguardar ansiosamente por esses momentos, encontros às cegas de realidades alternativas, uma aceitação mútua de um ideal coletivo, uma vida a dois não-presencial, uma relação nivelada além dos limites humanos.
E descobriu então que estava apaixonado.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!