Sangue de Arthur escrita por MT


Capítulo 1
1- Capítulo, o pequeno pai


Notas iniciais do capítulo

Será que você vai gostar? Será? Será?
Eu aposto no sim, você fica com o não.



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A propriedade era cercada por uma parede de pedra tingida de bege que erguia-se a pouco mais de quatro metros do solo. De fora era possível vislumbrar a ponta de algumas árvores e a telha que revestia o teto da construção principal cobertas pelo suave amarelado do início de manhã.

 A garota percorria parte de seu perímetro com um assobio tomando-lhe os lábios e uma mochila preenchida por compras para o desjejum as mãos. Os pães estavam quentes e o salame parecia tão pálido e estranho quanto um amontoado de restos de animais tinha direito a ser. Mas possuía um gosto bom e isso bastava.

O céu vestia-se de azul e branco, mas não há muito ela tinham-no observado laranja e carmim. As suaves brisas tinham um odor fresco e a luz do sol esquentava sua pele de forma prazerosa. Antes de ir lembrava-se de ter reclamado, recusado a ordem e mesmo dito algumas palavras rudes. Sentia que fora um uso desnecessário de rebelião, buscar comida no mercadinho logo cedo não era assim tão ruim. Mesmo que fosse mais ou menos a décima quinta vez.

Nada do desembainhamento do aço ou a derrota de um inimigo, isso era certo e é claro que fora para isso que viera e havia sido chamada. Mas a relutante aceitação não dependia apenas do que a caminhada por um pacífico lugar oferecia. A residência cercada pelo muro bege, ela notara que suas íris moviam-se na direção daquilo quase inconscientemente. Um estranho arrepio que começava no centro da bunda e subia até o pescoço surgia também, mas isso Mordred preferia fingir que não existia. Obviamente por ser muito esquisito.

Para os tijolos colados um ao outro, as rachaduras e as formas verdes das folhas que erguiam-se acima do muro e por vezes caíam dançando à sua frente ela apenas dava olhares. 

Os passos da garota chegaram, como sempre acontecia, ao local onde a dianteira seguia uma fila de residências compactas, que ou estavam diretamente coladas as suas vizinhas ou viam-se paralelas ao asfalto da pista. Nesse ponto, onde seu caminho e a rasa muralha se desencontravam, notou uma saliência marrom e quadrada emergindo da continuidade plana do muro. Uma das portas duplas. Sabia que ali estava a entrada para o recinto, mas era a primeira vez que via ela aberta. O ar balançou seus cabelos e arrepiou os pelos de seu corpo. Antes que se desse conta já havia virado na direção do portão e ido a seu encontro. Um ímpeto que podia custar-lhe a vida em meio a guerra do santo graal, mas... O que havia ali? E por quê estava curiosa quanto a algo tão banal quanto um terreno murado? Não conseguia deixar de se perguntar enquanto, quase que ao mesmo tempo que engolia em seco e sentia o início da formação de gotas de suor na face, tentava dissuadir-se da ideia de responder às questões. 

Mas era uma criaturinha de sangue e espírito quente. Filha do rei dos cavaleiros, comandante de rebeliões e legítima herdeira do trono da grã-bretanha. Sua essência era o fogo nascido da faísca que surge no momento em que duas lâminas se encontram no campo de batalha repleto de sangue e suor. O ardor das brasas curvava-se ao seu espírito. Não havia em si temor diante a luta, qualquer tipo que fosse.

Então olhou para dentro, além das paredes e portas.

Não havia nada além de algumas árvores e edifícios no estilo tradicional japonês, ela não conseguiu deixar de rir diante a aquela constatação. O som da gargalhada da jovem cavaleira rasgou o marasmo silencioso da manhã como uma rosa repleta de espinhos faz em meio ao contínuo verde de um gramado. Sua barriga começou a doer e então viu-se forçando a parar. Ri daquele modo soava ao tipo de coisa que vivia dizendo ao mestre que precisava fazer, a forma como ele não contava piadas, ao menos nenhuma boa, e corava quando escutava-a dizer algo obsceno quando deveria abrir um sorriso era quase constrangedor. E, agora mesmo, ele já deveria estar começando a ficar impaciente. Deixou de lado o que estava observando e pôs-se de volta ao seu caminho. 

Mas no momento que suas costas fitaram o que havia além do muro bege, a risada, a doce risada infantil que fez todo o corpo da cavaleira ser atravessada por uma lança feita do mais puro frio surgiu como uma lufada repentina de ar. 

Eu sou o rei dos cavaleiros! Hahahaha! - a voz proclamou com a certeza ingênua de uma criança sobre o som do metal cortando o nada.

Ela virou-se num espasmo violento. E viu, com as entranhas girando dentro da barriga e um estranho calor agarrando-se com garras de aço a sua garganta, a espada da seleção. Quase um metro de metal afiado e mortal ligado a uma base de ouro talhada com inscrições tão antigas que nenhum homem jamais foi capaz de decifrar, usada pelo maior cavaleiro que já viveu e alcunhada pelo nome de…

Mas que porra!

Ei, não diga palavrões! - respondeu com um franzir de sobrancelhas a pequena garotinha empunhando uma arma capaz de varrer Fuyuki do mapa. 

O sol refletia tanto no aço quanto no dourado cabelo da menina em pé de frente a varanda da casa. Ela possuía íris verdes e um rosto solene e belo que fez a cavaleira suar do mesmo modo que a espada fizera. De maneira gelada. Era quase como se voltasse a sala do pequeno conselho e estivesse a olhar para a face do pai do outro lado da távola redonda enquanto cavaleiros e conselheiros discutiam sobre algum assunto. Mas não podia ser seu pai. Aquela garotinha soltara uma risada, alta e cheia de vida como só uma criança feliz faz, e o rei Arthur nunca ria. Seus lábios viviam rijos e retos, não conheciam calor e exalavam um frio determinado a cada movimento. Antes o veria pôr ovos do que ser algo como aquela menina. Uma existência quente. Lágrimas ameaçaram saltar-lhe dos olhos, mas rapidamente esfregou-as para longe.

— Você tá chorando? - a menina se aproximava com a lâmina da espada traçando uma linha no gramado. Mordred sentiu um estranho calor insistir nos seus olhos e, deixando de lado a espada e a pequena criança similar a seu pai, correu para longe. Para casa.  

 

Abriu os portões, do outro lado estava seu mestre.

— Demorou um pouco mais que o de sempre, a fila tava grand… - as palavras dele foram interrompidas abruptamente pelo abraço da cavaleira. O peito do mestre era quente e isso foi no que tentou pensar enquanto o apertava e sentia o tecido da camiseta dele umedecer. 

As mãos do rapaz demoraram, mas por fim retribuíram o gesto, enquanto dizia algumas palavras que ela não chegou a discernir. Seu pai sorrindo e o rei Arthur severo, naquele momento tentava com todas as forças entender isso e não pensar nisso. Procurara por anos a fio fazê-lo demonstrar alegria ou amor e, agora como serva, já não acalenteva qualquer esperança quanto a isto, mas então… a garotinha idêntica a ele sorriu e gargalhou. Fez a tão contente e aterradoramente triste que lágrimas começaram a se acumular ao ponto de não poderem ser contidas. Não conseguia entender. Não deveria chorar, mas lá estavam as lágrimas e o embrulho na garganta pedindo para sair. 

E, apesar do desgosto, sentia-se estranhamente bem fazendo aquilo.


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Notas finais do capítulo

Então quem acertou?
O que achou da reação de Mordred? Dá para aceitar ou ficou muito estranho?
E o inicio? Muita enrolação com cenário ou não tem problema?
Obrigado por ter lido!