Internamente Evans escrita por psc07


Capítulo 7
Capítulo Seis


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, pessoal! Hoje temos novamente um capítulo curtinho, mas que serve de base para coisas futuras da história.

Ontem terminei a minha au!text no twitter; quem quiser dar uma olhada é só ir no meu perfil: @psc_07_

Enjoy!



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Parecia quase destino quão rápido Lily se adaptara à rotina do rodízio de cirurgia. Ela já imaginava que se daria muito bem, mas não nessa velocidade. Em duas semanas ela já se sentia quase em casa no Centro Cirúrgico, ou até mesmo na enfermaria.

Lupin era um excelente residente: sempre se preocupava em explicar tudo que Lily tinha dúvida, o paciente era sua prioridade máxima, e discutia muito bem com os preceptores.

Ela não tivera oportunidade de pegar um paciente com Black ou Potter, mas de longe conseguia perceber que eles trabalhavam de maneira muito semelhante a Lupin.

Ia além: por algum motivo pareciam sempre preocupados com o bem estar de Lupin. Lily não sabia muito bem o motivo, mas achava muito interessante a relação de amizade dos três (ou quatro, quando Peter eventualmente aparecia).

Na verdade, os únicos momentos em que Lily não sentia estar no lugar certo eram aqueles em que Snape – ou como ele solicitava ser chamado, Dr. Snape – estava presente.

Todos os internos se impressionavam como ele aparentava sentir prazer em ser extremamente desagradável. Lily ao menos ficou aliviada em saber que não era somente com ela; era pior com ela, sim, mas não exclusivo.

Dr. Snape exigia que os internos vissem seus paciente antes, sem se importar com os demais. Não parecia muito aberto a discutir, e sempre que algum estudante ensaiava começar a conversar sobre um paciente com algum preceptor, ele fazia questão de interrogar coisas que definitivamente os internos não tinham como saber.

—Isso é falta de sexo – Marlene disse na segunda-feira após a ida ao Três Vassouras, fazendo Lily rir. Ela tinha ficado com um paciente de Dr. Snape pela primeira vez. Até Mary riu.

—Lene, nem todo mundo que é mal-humorado é por falta de sexo – Mary opinou. As três estavam sentadas no sofá, dividindo pipoca enquanto assistiam a Grey’s Anatomy.

—Me recuso a acreditar que ele tenha namorada – Marlene bufou.

—Talvez ele tenha namorado.

—Me recuso a acreditar que ele seja do vale.

Mary e Lily riram novamente.

—Eu sempre disse que ele era desagradável, e você não acreditou em mim – Lily disse, jogando uma pipoca em Marlene.

—Eu achei que você estava exagerando um pouco – Marlene admitiu – pelo fato de ele não estar lambendo o chão que você anda.

Mary riu e Marlene jogou uma pipoca de volta em Lily.

—Ninguém faz isso, Lene, larga de drama.

—Ah, sim, com certeza. Só Lupin e Potter.

Lily revirou os olhos.

—Eu ainda estou meio chocada que vocês são alunas de Remus – Mary comentou.

—E nós que você o conhecia – Marlene replicou – Ele sempre foi tão legal?

—Remus é maravilhoso, apesar de sempre ter sido meio doentinho. As pessoas na vizinhança sempre pegaram no pé dele por causa disso, mas ele nunca ligou muito. Pelo menos não aparentava. 

—E ele sempre foi tão bonito? 

—Bem, sim. Aquele jeitinho tímido dele é meio cativante, não é?

—É aquele ditado – Marlene disse – quem come quieto, come duas vezes.

Mary e Lily riram e jogaram pipoca na morena.

—Apenas a verdade. Você já saiu com ele, Mary?

—Não, nunca chegamos nesse nível – Mary respondeu e depois se virou para Marlene – Mas aquele Sirius…!

Marlene apenas fechou os olhos e concordou com a cabeça.

—Marlene concorda e muito. Está sempre flertando com ele. – Lily disse, com um meio sorriso. Marlene ergueu uma sobrancelha.

—Como se você não tivesse flertado com Potter sexta-feira… – Marlene provocou. Lily arregalou os olhos.

—Eu definitivamente não flertei com Potter! – Lily exclamou. 

—Talvez – Mary interferiu – Mas ele estava flertando com você.

—Vocês estão viajando!

—Na verdade, você não percebeu porque estava conversando com Tonks o tempo todo, mas ele não tirava os olhos de você.

Lily revirou os olhos, mas por algum motivo suas bochechas coraram.

—Não estamos julgando, Lil – Marlene disse – Muito pelo contrário. Potter não é nenhum Black, mas ainda está na frente de Lupin…

—Parem de falar besteira e prestem atenção no seriado.

—Pra quê? Todo mundo sabe que o paciente não vai morrer – Marlene disse. Lily e Mary atingiram a morena com almofadas simultaneamente.

***

Depois da insinuação de que ela teria flertado com Potter, Lily passou a prestar mais atenção em como se relacionava com os residentes para não gerar mais dúvidas.

Não com Dr. Snape; com esse não havia nenhum risco.

No momento, ela só estava com pacientes com Dr. Longbottom. Ele trabalhava de maneira semelhante a Lupin, o que era excelente para Lily pois já se acostumara.

Além de poder discutir bem com ele, Longbottom era bastante paciente e sempre tinha pequenas dicas para memorizar detalhes – o tipo de dicas que Lily apreciava e não deixava de anotar em seu caderninho.

—Então é alta, certo? – Lily confirmou com Dr. Longbottom.

—Certíssimo, Evans – Ele confirmou com um sorriso – Se puder preparar os papéis…

—Já estão prontos – A ruiva respondeu e Longbottom ergueu uma sobrancelha – Eu achava muito que seria alta.

Longbottom sorriu.

—Então você terminou por hoje, certo?

Lily confirmou e foi devolver os prontuários, retornando para acompanhar os outros casos.

Para sua surpresa, Dra. McGonagall estava na sala de prescrição. Aquele era o dia de Moody de comandar a visita com os residentes.

—Lupin, você terminou? – A cirurgiã perguntou. Lupin negou com a cabeça, fazendo uma careta. Lily percebeu que ele parecia um pouco mais abatido que o normal.

—Precisa de alguma coisa, Dra. McGonagall?

—Preciso de um R1 para uma hérnia inguinal. Weasley entrou numa urgência e pediu para eu fazer essa hérnia, que dá para fazer na sala de Shacklebolt, já que a dele foi suspensa por causa de febre.

Lupin olhou ao redor, e Lily tentou não atrapalhar a conversa ao retornar para seu lugar. 

—Minha interna já acabou, Dra. McGonagall – Longbottom sugeriu com um sorriso, e levou alguns poucos segundos para Lily compreender que a interna era ela. A preceptora olhou para a garota especulativamente, e assentiu.

—É uma alternativa possível. Vamos lá, Evans. 

Lily assentiu e imediatamente levantou para seguir Dra. McGonagall. A ruiva tentou não ficar nervosa ou ansiosa, mas o máximo que conseguiu fora não transparecer o fato. Quem não ficaria nervoso ao acompanhar um ídolo no seu trabalho?

—Já entrou numa hérnia inguinal antes, Evans? – Dra. McGonagall perguntou enquanto caminhavam para o centro cirúrgico.

—Uma vez só, mas tem certo tempo.

—Sem problemas. Lembra da anatomia da região inguinal? É o mais importante nessa cirurgia.

—Lembro do básico.

—Basta. É um procedimento simples, e por isso consigo fazer com você – Dra. McGonagall explicou e Lily assentiu – Mas é fundamental que se conheça. Ouvi dizer que você quer fazer cirurgia.

—Sim, senhora – Lily confirmou, imaginando como isso teria chegado à preceptora.

—Então esse é um bom treinamento. Te espero na sala 03 – Dra. McGonagall disse, entrando no centro enquanto Lily ia se trocar.

Ao chegar na sala correta, ficou feliz em ver Dra. Figg já preparando o material. Dra. McGonagall chamou Lily para irem se lavar – essa cirurgia já teria uma instrumentadora, e Lily seria a primeira auxiliar.

—Certo, vamos testar a sensibilidade. Pegue uma pinça, e veja se ele reage… Perfeito, já serve também para demarcar nossa incisão… lembra como deve ser?

Era impossível não se encantar com Dra. McGonagall. Ela era extremamente paciente com Lily, não tinha problemas em explicar o passo-a-passo cirúrgico, nem em tirar as dúvidas da garota. Também a deixava participar bastante da cirurgia, o que por si só já era fantástico.

Lily via ali o que ela queria ser no futuro: certa do que fazia, respeitada e feliz no trabalho. Não tinha como Dra. McGonagall não gostar de estar ali – ninguém teria tanta paciência se odiasse o que estava fazendo.

Era também fantástica e uma grande inspiração a forma que ela tratava os pacientes – quando terminaram a cirurgia, Lily resolveu seguir a preceptora pela emergência até dar a hora do almoço, já que ela ficaria no plantão de enfermaria pela tarde.

Apesar do jeito severo de Dra. McGonagall, os pacientes se sentiam extremamente bem acolhidos. A mesma calma que ela demonstrava com Lily era passada para os pacientes, e ainda mais paciência para traduzir as doenças para quem não estava acostumado.

—Lembre-se sempre – ela disse a Lily depois de passarem bons trinta minutos conversando com um só paciente – que faz parte do seu papel se fazer ser entendida. Se seu paciente não entende o que está acontecendo com ele, a falha é sua.

O aprendizado com Dra. McGonagall ia além da cirurgia, as vezes além da medicina: era uma lição de humanidade e civilidade.

Ver Dra. McGonagall trabalhando lembrava a Lily o porquê de sua escolha.

A animação da garota estava tão grande que Dr. Longbottom percebeu logo que ela chegou na enfermaria.

—Se uma hérnia inguinal lhe deixa assim, imagina alguma cirurgia maior… – Ele comentou. Lily sorriu.

—Não foi apenas a cirurgia, sabe. Dra. McGonagall é fabulosa!

Longbottom sorriu e concordou com Lily.

—Todos os residentes amam ela. A única exceção é Snape, mas acho que é porque ela joga duro com ele. O que é meio irônico, considerando que ele quer seguir cirurgia do trauma…

—Er… ele gosta de alguém?

A risada de Longbottom serviu de resposta, mas antes que ele pudesse dizer alguma coisa, uma bela loira entrou na sala de prescrição.

Se Lily não tivesse reconhecido Alice da faculdade, teria suspeitado quem ela era pelos longos cabelos loiros e também pelo pijama com estampa de Bob Esponja.

Ou pelo jeito que ela se direcionou para Longbottom.

—Você vai sair antes de mim, pelo amor de Deus compre o vinho para levarmos para a casa de sua mãe! – Ela disse ao entrar na sala. Longbottom ergueu as sobrancelhas e deu um pequeno sorriso. Alice se virou e percebeu que tinha mais gente na sala – Ai céus, me desculpe! Espera, eu conheço você!

—Er, eu estudo em Hogwarts – Lily disse – Você me deu um curso de radiologia.

A loira sorriu.

—Exato! Obrigada, sabia que seu rosto não era estranho! Lily Evans, é isso?

—Exatamente.

—Eu sou Alice, prazer. Mas você já deve saber disso, já que me reconheceu. De qualquer sorte, me desculpe, eu não sabia que você já tinha chegado.

—Sem problemas – Lily garantiu – Nenhum estrago.

Alice se virou para Frank novamente.

—Você vai comprar o vinho. Se sua mãe gostar, eu comprei. Se não gostar, você comprou. Combinado?

Longbottom apenas riu e concordou com a cabeça. Lily achou melhor procurar outra coisa para fazer, para dar privacidade ao casal.

—Vocês receberam um garotinho que foi meu paciente hoje pela manhã – Alice disse, sentando-se ao lado de Longbottom. Lily voltou a prestar atenção – Ele tem anemia falciforme e vai fazer uma esplenectomia. A mãe é muito assustada, então ela provavelmente vai querer conversar com vocês.

—É Mark? – Longbottom perguntou. Alice assentiu – Snape já fez a admissão hoje, espero que tenha conversado com a mãe. Mas por que ele está na nossa enfermaria e não na sua?

—Estamos lotados – Alice explicou – Como ele é um caso cirúrgico, pensamos que dá para ele ficar aqui com vocês sem que vocês matem a criança.

—Tá tranquilo. Sei tudo de pediatria. Da minha costela pra baixo, metade da dose. Da cintura pra baixo, um terço da dose. Tudo sob controle – Longbottom disse com um grande sorriso. A namorada revirou os olhos e lhe ofertou um belo tapa na cabeça, enquanto Lily se segurava para não rir.

—Ele já veio prescrito e o cirurgião pediátrico fará o seguimento, Frank. Não fale assim de meus meninos, ou então você fica sem meninos.

Lily achou que essa ameaça seria o suficiente para impedir que Longbottom provocasse ainda mais a namorada, mas aparentemente aquilo era um jogo entre os dois: quanto mais o residente provocava, mais Alice sorria.

Lily pensou que talvez fosse legal uma relação assim.

Ainda mais porque Alice fazia questão de também colocar Lily na conversa. A garota era absurdamente simpática, e mesmo sem o pijama de Bob Esponja ou a Peppa Pig no estetoscópio, não haveria muita dúvida a respeito da especialidade de Alice.

Assim como não havia como questionar quão apaixonados eles eram um pelo outro – isso iria decepcionar Marlene levemente.

Alice só foi embora quando seu celular tocou avisando que ela era requisitada na enfermaria pediátrica. Com um suspiro, ela se levantou, olhou para os dois lados e deu um beijo suave e rápido em Longbottom, fazendo com que os dois exibissem um sorriso bobo.

Isso, Lily supôs, também deveria ser muito bom.

—Lily, querida, prazer lhe conhecer. Espero que desista dessa monstruosidade da cirurgia. Já passou por pediatria?

—Ainda não – Lily disse com um sorriso. Alice fez um gesto de agradecimento aos céus, fazendo todos rirem.

—Eu não desistirei quando você passar por mim, então. Crianças são fabulosas. Até mais!

Lily se virou para Longbottom, que estava rindo com a saída da namorada.

—Me desculpe por isso, Lily. Alice é… animada, se assim podemos dizer. Ela tenta convencer todos os internos a fazer pediatria.

—Não há problema, Dr. Longbottom. Eu acho muito legal ver as pessoas apaixonadas assim – Lily disse, sorrindo de volta e sentando ao lado do residente – E crianças realmente são especiais.

—Então você gosta de crianças?

Eles começaram a conversar e Lily percebeu que Longbottom era tão simpático quanto Lupin – ou Potter – apenas mais reservado que os colegas.

Quando chegou uma papelada para Longbottom resolver, Lily sentou em um dos computadores e foi revisar anemia falciforme e esplenectomia. Se a mãe viesse tirar dúvidas, ela gostaria de estar preparada.

Depois de relembrar a doença em si, era hora de ver o prontuário do paciente. Mark tinha quatro anos, fora diagnosticado com anemia falciforme quando o Teste do Pezinho viera alterado e foi confirmado aos seis meses. Desde então vem sendo acompanhado da maneira correta.

Mesmo assim o pequeno tinha algumas crises – ela sabia que isso podia acontecer. Então não julgava a mãe do garoto pela ansiedade. Ela também ficaria ansiosa se estivesse fazendo tudo certo e mesmo assim seu filho ficasse dando entrada no hospital.

A última crise tinha alguns meses; um sequestro esplênico. O segundo do garoto, fazendo com que fosse indicada a cirurgia para retirada do baço. Ele precisaria tomar algumas vacinas e manter o antibiótico até os cinco anos de idade, além de todas as outras medidas que ele já fazia.

Lily ainda estava lendo e pensando no plano que iriam seguir com Mark quando Longbottom retornou para a sala de prescrição.

—Hey, Lily, eu preciso resolver umas burocracias da enfermaria, mas a mãe de Mark já veio perguntar. Pode conversar com ela? – Ele pediu. Lily assentiu e foi no leito do garoto.

Mark estava adormecido na maca, abraçado firmemente a um pequeno macaco de pelúcia, enquanto sua mãe o observava, as mãos apertadas no colo e as pernas sacudindo em claro sinal de ansiedade. Lily se apresentou, e Amanda conseguiu exibir um pequeno sorriso.

—Eu sei que meu filho tem anemia falciforme. Mas… eu não sabia que seria assim – Amanda desabafou – Mark vai ter uma vida normal alguma vez? Eu fico tão confusa.

E Lily explicou tudo. Explicou que a doença falciforme é uma doença genética causada por uma mutação genética que modifica a forma da hemácia, a célula que leva oxigênio para o corpo todo. Quando Amanda perguntou porque a mutação aconteceu, Lily explicou que a primeira ocorreu há muito tempo atrás na África, e que acabou sendo uma proteção contra a malária e por isso a mutação prosperou.

—Muitos dos africanos que foram escravizados eram dessa região da África – Lily contou, tentando colocar da maneira mais explicada o possível – então nos países que receberam escravos é mais comum ter a doença.

—Por isso é mais comum em negros? – Amanda perguntou.

—Sim, mas hoje em dia a gente não descarta a doença só pelo fato de a pessoa não ser negra. Os relacionamentos entre negros e não negros que deu origem a boa parte da população de países colonizados fez com que o traço se espalhasse.

Amanda, então, perguntou o que era o traço, porque, bem ela tinha, e aparentemente o pai de Mark também, mas eles não tinham sintomas como o filho. Lily tentou explicar da maneira mais simples toda a questão da herança genética, que uma pessoa podia ter nenhum gene para a doença, podia ter apenas um, o traço, ou dois genes, como Mark, e que quando duas pessoas com traço têm filho, a criança pode não ter nada, pode ter o traço ou ter a doença.

—Então foi tanto eu quanto meu marido? – Amanda quis confirmação.

—Foi um acaso genético. Não foi culpa de ninguém.

—Mas qual a relação de tudo isso com os sintomas de meu filho?

Lily falou como a anemia falciforme altera a forma da hemácia, fazendo com que ficasse mais difícil levar oxigênio para o corpo. Qualquer parte do corpo que fica sem oxigênio sofre, e é a causa das crises de dor de Mark. A palidez acontece porque a célula defeituosa tem menos tempo de vida, então é quebrada mais rapidamente pelo baço.

—Por isso o baço dele é tão grande?

—Um dos motivos, sim. Uma infecção simples por vírus pode causar um funcionamento exagerado, e daí muitas células são quebradas pelo baço, e o sangue fica meio que retido no baço.

Dessa vez Amanda parecia ter entendido. Lily achou que sim pelo olhar que a jovem mãe lhe lançou: o misto de compreensão e preocupação com o futuro.

—O baço tem algumas funções de defesa contra infecções, mas para isso ele vai tomar vacinas e continuar com o antibiótico que ele já usa. E também vai usar aquele comprimido para tentar produzir mais hemácias boas.

Amanda continuou calada, e, enfim, suspirou. Esses momentos eram difíceis. Os momentos em que nada que a medicina dissesse seria capaz de aliviar completamente o sentimento ruim do familiar ou do paciente.

—Então não existe chance de uma vida normal pro meu Mark?

O olhar de dor permeado por lágrimas que teimavam em serem produzidas, mas orgulhosamente eram presas por Amanda, fixou Lily de maneira a traduzir sem falsos cognatos a exata dor e desespero que aquela mãe sentia.

A ruiva engoliu em seco, segurando com ainda mais empenho o bolo na garganta.

—Eu realmente não posso dizer isso, Dona Amanda. Mark vai ter algumas limitações, sim. Provavelmente não vai conseguir correr grandes distâncias, nem vai poder fazer esportes de muito contato. Também deve evitar muitas mudanças de temperatura, e não vai conseguir fazer escaladas.

“Mas hoje em dia a perspectiva para pessoas portadoras de anemia falciforme é bem melhor, principalmente por causa da hidroxiureia, que Mark vai usar. Ele deve poder ter um emprego, deve ter menos crises a partir de agora, quem sabe até construir uma família dele?

“Não podemos garantir nada, Dona Amanda. Até porque o quadro dele pode variar bastante. Mas uma coisa que nunca deve ser perdida, principalmente pela senhora, é a esperança. A senhora é uma excelente mãe, e faz tudo pelo Mark. Não tenho dúvidas que apoio nunca faltará.”

O momento que se seguiu após a fala de Lily seria um dos que ela nunca esqueceria, mesmo à beira da aposentadoria, tantos anos à frente. A força do abraço, os soluços leves e contidos para não acordarem o filho, o “obrigada” sussurrado fervorosamente, cada lágrima que molhou o jaleco: tudo aquilo tinha um significado especial.

E quando Lily botou a cabeça no travesseiro aquela noite, tinha a certeza que tinha feito tudo certo.

Ou pelo menos achava.


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Notas finais do capítulo

A anemia falciforme é uma doença muito importante no nosso país, principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro. Como no Brasil tem uma grande miscigenação, é mais comum ver pessoas não negras com a doença. O SUS fornece tratamento/acompanhamento para a anemia falciforme. Uma parte considerável da população desconhece a sua existência, que por vezes é abordada nas escolas por ser mais uma evidência da teoria da evolução de Darwin.



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