Aquele Idiota: Camisa 10 joga bola até na chuva! escrita por Gleici Carvalho


Capítulo 1
A festa acabou


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! :D



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Eu me lembro de poucas coisas da noite passada, mas eu sei que tinha música, álcool e mulher bonita — o trio que, provavelmente, vai me garantir uma viajem só de ida para o inferno. Eu já até me conformei.

Devo ter exagerado de uma forma surreal nos vícios, porque agora parece que a minha cabeça vai explodir de ressaca e destruir tudo o que encontrar pela frente. Não sobraria nada. É isso até que não seria uma má ideia, olhando por esse lado, porém, não sou tão sortudo, nem tão otimista assim.

Eu só queria um café.

— E então eu disse: "você tá maluca? Você não pode me dar três e meio!", e, então, a vaca respondeu: "Não fui eu que te dei a nota, Alicia...

E que a Alicia calasse a boca.

— ...foi você que a tirou". Pode acreditar nisso?

Foi a única parte da história que eu realmente ouvi. De resto, não faço a menor ideia do que Alicia Muller está falando.  Aliás, eu nunca sei do que ela está falando. É um processo automático: a boca dela abre e a minha mente começa a divagar em alguma parte do espaço onde eu possa ficar em paz e longe do som da sua voz.

Que pensamento romântico.

— Se em três anos de ensino médio você não aprendeu nada... — murmuro, minha voz soando arrastada pelo sono. — Não vai ser uma recuperação no final do ano que vai fazer milagres.

Sentada ao meu lado no banco de madeira, a loira parece levar certo tempo para entender o que eu disse. É fácil lidar com Alicia. Raramente tenho que me concentrar nas nossas conversas ou torná-las profundas, já que ela costuma falar por nós dois. Na maior parte do tempo, ela sempre está reclamando de algo ou alguém, com requintes de crueldade nos comentários. A única coisa que tenho que fazer em contribuição é concordar com ela e tudo fica bem. Não preciso me esforçar para tornar o papo complexo ou minimamente intelectual.

É simples. É raso. É Alicia Muller.

Agora seus olhos azuis me encaram confusos, enquanto ela tenta se decidir se eu tinha concordado com ela ou ficado do lado da tal professora que lhe deu a nota baixa.

— Pois é! — ela balança a cabeça positivamente, apesar de seu olhar continuar enuviado. — Eu pensei exatamente isso.

Estico o canto dos lábios, em uma mistura de sorriso e careta de dor, enquanto minha cabeça lateja.

— Ai, Pê... — ela suspira, deitando a cabeça em meu ombro esquerdo. — Não sei o que faria sem você. A minha vida anda um caos, sabe? Se não fosse por você e a Virginia, eu já teria pirado... Eu te amo tanto!

"Eu te amo". Décima vez que ela diz isso só nessa manhã.

— A Virginia vem hoje? — questiono, enjoado só em ter que dizer o nome.

— Acho que sim, já deve estar chegando. — ainda com a cabeça deitada sobre o meu ombro, Alicia ergue o celular e bate uma foto de nós dois,metade da sua cabeça na vida real e a outra ocupada com a vida perfeita que ela, minunciosamente, esculpe diariamente na internet. — Por quê?

Porque ela é uma maluca que fica me mandando mensagens às três horas da manhã!

— Por nada. — resolvo colocar fim no assunto.

Alicia não é de ficar desconfiada com nada ou, pelo menos, ela finge muito bem, a ponto de eu realmente acreditar que ela não liga para essas coisas — e, "com essas coisas", eu quero dizer outras garotas. Nós não namoramos e, em diversas oportunidades, já senti vontade de terminar esse pseudos-relacionamento nosso, que não tem nome e, na maior parte do tempo, não tem nem sentido. Porém, como é que se acaba o que nem sequer começou?

Fato é que ficar com Alicia é cômodo. Talvez até previsível. Se eu fosse do tipo de cara que namora, provavelmente, daríamos um bom casal. Mas eu não sou assim e isso não é segredo para ninguém. Muller sabe e aceita. A verdade é que relações duradouras e cheias de cobranças me dão preguiça. Estar com Alicia, ainda que eu não sinta nada profundo por ela, me poupa tempo e dor de cabeça. Além disso, é inegável que ela é bem bonita... Quando está de boca fechada, tipo agora, fica mais ainda.

— Fala, cambada do mal! — Felipe Giorno, meu melhor amigo, chega cumprimentando. — Vocês já estão se agarrando a essa hora da manhã? Ficassem em casa!

— Deixa de ser estraga prazeres, Felipe! — Alicia faz uma careta, olhando para Giorno com desprezo. Ele não liga, já que sabe que ela olha assim para todo mundo. O apito de uma notificação lhe chama a atenção em seu celular: — Ai, a Virginia já chegou! — ela se anima, ao ler a mensagem. — Tchau, lindo, a gente se vê depois... — despede-se, ao se levantar, ignorando a presença de Felipe ao passar por ele.

Quando Alicia vai embora, Giorno joga sua mochila no chão, sob o banco, e se senta de qualquer jeito ao meu lado, no lugar onde antes ela estava.

— Casalzinho mixuruca vocês dois... — ele murmura, desgostoso.

— Você não tem vergonha na cara de falar mal de mim na minha frente, não? — fecho os olhos e encosto minha cabeça na parede atrás do encosto do banco, agoniado com a claridade.

— E que graça teria te criticar se você não estivesse por perto para ouvir?

Ele tem um ponto, preciso admitir.

— Magoar meus sentimentos é o seu novo hobbie? — finjo que estou arrasado, abrindo os olhos para encará-lo diretamente.

— Que nada, esse hobbie aí é só seu com a Alicia, pelo visto. — ele rebate, sem papas na língua. — É deprimente o jeito que você trata sua namorada, Pedro.

— Eu não namoro.

— Mas a Alicia age como se namorasse com você.

— Isso já é não problema meu. — reajo truculento, exausto demais para buscar palavras menos duras na minha cabeça. — Ela sabe no que está se metendo, Felipe, não tem nenhuma donzela indefesa aqui, relaxa.

Ele fica me encarando por um tempo, não de forma surpresa, mas decepcionada.

— Quando a sua mãe saiu da maternidade com você, os médicos não estranharam o fato de ela levar um bebê que não tinha um coração batendo para casa?

A fala me arranca uma gargalhada involuntária e, por um breve instante, eu até me esqueço de que estava querendo ser enterrado vivo agora a pouco.

Felipe é um cara alto, loiro e de olhão azul. Até eu tenho que admitir: o cara é bonito pra caralho. Sério, sem brincadeira. A gente se conheceu no meu primeiro dia de aula aqui no Pentágono, uns 10 anos atrás, e o moleque já era galã nessa época. Contudo, o que é mais admirável no Giorno vai muito além da aparência.

Ele leva a vida dele da forma mais tranquila e simples possível, sem fazer mal para ninguém, como se estivesse o tempo todo de férias na praia. Felipe se preocupa em salvar tarturugas, o meio-ambiente e o planeta, no geral. Como ele é apenas um agente bom jogado em um mundo cruel, às vezes sinto que ele pegou para si uma missão menos louvável, que é a de me salvar.

Uma missão tão difícil quanto a de salvar o resto do mundo, convenhamos.

A gente é bem oposto em muita coisa. Minha rotina é no ritmo da cidade: movimentada, barulhenta, um caos. Autodestrutiva. Se não fosse pelo Felipe balancear as coisas, nem sei onde estaria agora.

— Você tirou a manhã para me atacar, Felipe? — questiono, mas não estou bravo de verdade. Solto um bocejo, morto de sono. Odeio os primeiros dias de aula, meu relógio biológico demora uma eternidade para se ajustar. — Me fode a essa hora e não me traz nem um café?

— Não fica magoado, Margarida. — ele debocha. — Só tô falando a verdade. Você trata a menina feito uma prostituta e ela te trata como se você fosse o namorado da Barbie.

— Quem é o namorado da Barbie mesmo?

— Ele é. — assente.

— Quem? — pergunto, confuso.

— Sim, Ken.

Um ponto de interrogação deve estar desenhado na minha testa.

— Exato, é isso que eu tô te perguntando. — tento de novo. — Quem que é?

— Sim, eu já falei que é ele! — ele perde a paciência.

— Oh, filho da mãe... — eu me estresso. — Eu tô te perguntando quem é o namorado da Barbie.

— O KEN! — berra, exasperado. — Ah, Pedro, vai se ferrar, não dá para ter uma conversa normal contigo...

Ele fica reclamando, puto da vida, mas eu só consigo dar risada. Esse papo deve entrar facilmente para o hall das discussões mais sem noção que já tivemos. Infelizmente para a minha saninadade mental, essa nem foi a pior. Felipe balança a cabeça em negativa, entretanto, no fim, ele acaba rindo mais  do que eu da situação.

A gente fica rindo a ponto de doer a barriga e essa é a razão de a nossa amizade ser tão longa e forte.

— A culpa é sua, que me vem com essa conversa de doido a essa hora da manhã. — reclamo, sentindo os olhos lacrimejando por conta das risada. — Além disso, vai se ferrar você. Não trato a Alicia como prostituta coisa nenhuma!

Ele respira fundo, tentando recuparar o fôlego.

— Você me entendeu errado, cara, não falei prostituta no sentido de ela ser puta. Não tenho nada contra as putas. Eu posso até me tornar uma algum dia, nunca se sabe. Falei prostituta no sentido de conveniência. — revira os olhos. — Qual é, Pedro? Você só está com ela porque tem preguiça de procurar outra. A menina não tem nada a ver contigo...

— E desde quando você e a Virginia tem tudo a ver?

Felipe abre a boca, contudo, nenhuma palavra é proferida. No fim, ele abaixa a cabeça e fica pensativo com aquela cara de corno manso. Tudo bem, eu sei que peguei pesado, mas ele mereceu.

Depois de um tempo, me sinto amolecer.

— Foi mal, cara. — tento me desculpar, arrependido. — Não deveria ter falado dela.

— Fica de boa.

— Tá ainda bolado com o fora que ela te deu ontem na festa?

— Quê que você acha? — ele sorri, mas ainda está olhando para o chão. — Não entendo essa garota... Ficou a festa inteira se insinuando para mim, não tô maluco! Depois, quando eu me aproximo, ela foge, como se eu fosse um tarado obcecado...

— Mulher assim não presta, Giorno — decreto.  — É chave de cadeia.

Ele acena com a cabeça, mas não diz nem que sim nem que não. Provavelmente, está tentando buscar uma desculpa esfarrapada para justificar o porquê de a Virginia ser tão vadia com ele. Felipe não suporta encarar que essa garota é uma megera.

Até quando ela terminou com ele na frente do colégio inteiro, o otário ficou com pena e arranjou uma maneira de deixar a louca como vítima: "ela está com problemas em casa, não quer assumir um compromisso agora, eu entendo". Mas a verdade é que ele não entende. Aliás, ninguém entende a Virginia.

Quando ela gosta de uma pessoa, a coloca no centro do universo. Porém, quando perde o interesse... Finge que nem conhece e parte para outra. É como uma cascavel: fica ali mansinha só observando e quando você vê, ela já deu o bote. Foi assim que o panaca do meu melhor amigo se apaixonou por ela. E eu não sei que tipo de veneno a Virginia tem, mas sei que é bem poderoso, porque até hoje o Felipe ainda não foi curado disso. Ou ele só é burro mesmo.

Certo, sei o que pareço um cara de pau por estar envolvido com a melhor amiga da Sodré e, ainda assim, ficar falando que o Giorno que é burro; contudo, há uma grande diferença entre nós dois que eu preciso ressaltar:

Felipe é do tipo que manda flores, retribui declarações de amor no Facebook e lembra a data do aniversário da sogra. Já eu sou do tipo de cara que você não conta para o seu pai que está se envolvendo, a não ser que queira vê-lo morrer de desgosto ou ter um ataque cardíaco.

O boato que rola por aí é que eu não presto.

E eu não vou dizer que eles estão errados.

E é aí que está: nunca fingi que sou um cara diferente nem para a Alicia, nem para nenhuma outra garota. Quiseram me dar uma carteirinha de cafajeste e nunca fiz questão de escondê-la ou revoga-la. Não estou enganando a Muller, ela sabe muito bem quais são as minhas intenções e o que sou. Assim como eu também sei quem é ela: uma patricinha esnobe, fútil e que adora se sentir superior.

Eu a amo? Não. Ela sabe disso? Claro que sabe.

Talvez um dia isso acabe. Provevelmente, do jeito que anda a minha paciência, será em breve. Mas, nesse meio tempo, a vida segue. Enquanto isso, Felipe nunca vai sair dessa fossa; não se ele ficar preso nessa de se iludir com a fantasia que criou de uma Virginia Sodré perfeita.

Vendo de fora, tudo parece muito óbvio para mim, a ponto de eu me sentir como um verdadeiro perito em relacionamentos, mesmo sem nunca ter estado propriamente em um. Gente que presta só atrai gente que não presta e vice-versa. Se essa fosse uma Lei de Newton, Física se tornaria bem mais simples... E eu não estaria levando bomba.

— Se eu fosse a Barbie... — começo, na intenção de tirar Giorno da bad em que ele tinha se enfiado desde que o nome da Virginia surgiu na conversa. — Largaria o tal do Ken e ficaria com o Max Steel.

Funciona: ele ri.

— Não daria certo. O Max Steel é de outro desenho. — contrapõe. — A Barbie seria péssima se largasse quem esteve do lado dela o tempo todo por uma aventura.

— Foda-se. Meu casal.

Felipe abre a boca para falar, contudo, no último segundo, ele para e franze a testa, enquanto reclama, parecendo agoniado:

— Nossa, eu tinha que te falar um negócio, mas eu esqueci o que é...

— Se esqueceu, não era importante.

— Não, cara, era importante sim! — ele coloca as mãos na cabeça, como se isso ajudasse a lembrar. — Era bem urgente, na verdade...

— Era alguma coisa a ver com Barbie? — pergunto. — Você começou a falar disso do nada... Aliás, que papinho, hein! Parece os papos do meu irmão ... Tá de rolo com o André?

Felipe não fala nada, ainda está com as mãos na cabeça e com o pensamento longe.

— Ou, sei lá, com alguém? — continuo. — Não te vejo com nenhuma mina há muito tempo, talvez tenha até começado a curtir outras coisas! Quem foi a última menina que você pegou, Felipe?

— Tua mãe... — ele murmura.

— TÁ MALUCO?!

— Hã, quem? Nãão! Não é nada disso.... Lembrei o que tinha que te falar. Era um recado da secretária do Diretor.

— E o que a minha mãe tem a ver com isso?

— Quem?

— Dá pra parar de começar conversa de hospício, Felipe?

— Ah, é... — ele bate a palma da mão na testa. — É verdade. O recado era que a sua mãe está em uma reunião com o Diretor para falar sobre as suas notas... Era para eu te avisar que você tinha que estar lá para...

— A minha mãe? — eu o corto, em choque. — Tem certeza?

Meu cérebro registra aos poucos o cenário, e ele é o pior possível. Se a minha mãe saiu do trabalho para vir ao colégio, de surpresa, em plena segunda-feira de volta às aulas, ela só pode ter um objetivo em mente: acabar com a minha raça.

— Lógico que tenho, era a tia Célia! — ele insiste. — Eu vi quando ela chegou e tentei ir atrás para falar com ela, mas a secretária me impediu e mandou eu te procurar para dar o recado. Acho que eles estão te esperando...

— Me esperando para quê?

— Pra decidir teu futuro, ué. — desdenha. — O futuro da educação da Pátria Amada Brasil. A gente não pode viver só de praia, futebol e mulher... Apesar de que seria muito bom se pudesse! Tudo seria perfeito... Eu nem ligaria para as Barbies da vida.

— Do que vocês idiotas estão falando? — Virginia Sodré chega na hora errada.

Aliás, não existe hora certa pra ela aparecer. Dessa garota eu só quero distância. Virginia tem um cabelo loiro acizentado e olhos felinos e fantasmagóricos, que são turvos feito fumaça. Apesar de ser bonita, tem algo nela que me causou repulsa desde o primeiro dia em que a vi.

— Sobre Barbie ter resolvido ficar com o Max Steel. — Giorno responde, sem querer revelar o real conflito, adotando a política de boa vizinhança que os dois mantem em público, mesmo com todos os problemas que tiveram no passado.

É por isso que eu não me envolvo com ninguém. Não teria saco para ficar de conversinha e sendo feito de trouxa. No lugar do Giorno, se a Virginia me dissesse até bom dia nos corredores, eu a mandaria se foder na mesma hora.

— Mas a Barbie não namora com o Ken? — Alicia se aproxima, no encalço de Sodré.

As duas parecem gêmeas siamesas, vivem grudadas.

— Pois é. Não se pode nem confiar mais nas bonecas! — retorque Felipe.

— Ai, não fala assim! — Alicia se ofende. — Eu adoro a Barbie... Eu colecionava várias. Uma das minhas favoritas foi perdida em uma caixa de areia, graças a uma menina ruiva esquisita que morava no meu condomínio, acredita?

— Essa ruiva é sensacional, então, parabéns para ela, salvou o dia. Um Ken corno a menos nesse mundo, graças a essa interferência dela.

Se eu não estivesse tão tenso, riria da situação. Virginia parece que sacou que tem uma piada interna no ar e, como sempre, ela não consegue ficar longe do centro das atenções.

— Ou talvez a Barbie tenha fugido para ficar com o Max Steel. — insinua.

De repente, a conversa não parece ser mais sobre algo fictício e todo mundo percebe; um silêncio estranho recai sobre o grupo. Por algum motivo inexplicavel, sinto um calafrio esquisito no corpo, quando Virginia lança seus olhos de fumaça em minha direção.

Poucos minutos depois, na sala do Diretor, começo a me arrepender por não ter ficado para ouvir o desenrolar daquela conversa, ainda que a presença de Virginia Sodré me atormente. Qualquer coisa parece mais ok do que ficar ouvindo o sermão interminável da minha mãe e o seu papo sem sentido com o Diretor do Pentágono, o senhor Frederico Muniz. Ou só Muniz, como todo mundo costuma chamá-lo.

Só escuto "blá-blá-blá o Pedro, mimimimi irresponsabilidade". Tô morrendo de sono, deveria ter enganado o cara da portaria dizendo que meu pai viria me trazer um trabalho que eu tinha esquecido em casa e aproveitado para vazar quando ele estivesse distraído. Depois, se ele me cobrasse algum dia, eu diria que meu pai abandonou nossa família e que, por isso, não pode vir. Não seria uma mentira.

Acho que estou aqui mais pelo choque. A minha mãe é Presidente de uma multinacional e raramente comparece as reuniões do colégio, porque está sempre ocupada demais. Ocupada demais para tudo, por sinal. Menos, claro, para o filho perfeito dela — que, evidentmente, não sou eu.

Sendo assim, encontrá-la aqui é quase surpreendente. Eu mal a vejo na nossa própria casa. Suas ameaças de vir ao colégio "para tormar providências" se tornaram corriqueiras nos últimos tempos, mas confesso que estava esperando que essa reunião acontecesse somente quando o meu pai voltasse de sua viagem. Que vai ser, tipo, nunca.

Não faço ideia sobre o que eles estão falando, só sei que tem o meu nome no meio e a minha mãe não para de dizer que eu preciso de ajuda extra. Não sei o que "ajuda extra" significa exatamente, contudo, para ser ideia da Dona Célia, não deve ser coisa boa.

O Diretor pega o telefone da base em cima da mesa, tecla alguns números e solicita:

— Inspetora Simone, pode fazer um favor para mim? Vá até a classe A do terceiro ano e procure por uma aluna chamada Luciana Êvan... Diga que quero vê-la na minha sala imediatamente, sim?

Quando o Diretor desliga o telefone, estou mais atordoado do que um cego no meio de um tiroteio.

— Por que você está chamando essa garota? — pergunto, com a boca seca, torcendo para que isso não tenha nada a ver comigo.

— Luciana é uma das melhores alunas do seu ano... — O Diretor declara.

Mas e daí? Todo mundo sabe disso, que essa garota é uma nerd. O nome dela esteve na primeira página do jornal do colégio porque ela ganhou um super prêmio ou algo assim. A questão é: o que isso tem a ver comigo?

— O Diretor acha que essa menina pode te ajudar a recuperar as matérias que você perdeu porque esteve muito ocupado se dedicando a esse bendito futebol. —  minha mãe explica, em um tom mordaz. — Não acho que ela vá conseguir, pois teria que ser uma santa para realizar tal milagre, mas não custa tentar...

O jeito como a minha mãe demonstra o orgulho que tem de mim me deixa emocionado. Ela sabe como dar exatamente o tipo de incentivo que você precisa para se jogar de um prédio.

— Não preciso de ajuda. — reclamo, contrariado. — Principalmente dessa garota.

Ninguém parece entender o meu desespero, porém.

— Luciana tem excelentes recomendações dos professores, não acho que haja alguém mais qualificada do que ela para esta função. — insiste o Diretor.

— Não me interessa, eu não quero.

Qualquer outra pessoa. Menos ela. Luciana Êvan não!

— Pedro! —  minha mãe me repreende. — Você não está em condições de escolher. Aliás, terá que agradecer se essa garota aceitar te ajudar.

Não tem como discutir com a minha mãe nesta situação, porque eu sei que ela está certa: eu preciso de ajuda se quiser me formar. Vadiei demais nos últimos tempos e, em consequência, o colégio nem entrou na minha lista de prioridades. Só estava me concentrando nos treinos de futebol, nas festas e nas viagens com os meus amigos... Não tinha espaço para pensar em estudar para provas ou fazer trabalhos.

O resultado é que agora vou ter que recuperar todas as notas que perdi.

Ou seja, tô ferrado.

Minha última chance é apelar para o Diretor:

— O time do colégio tem grandes chances de chegar as finais se a gente continuar nesse ritmo... Mas com os estudos, eu não sei se vou conseguir conciliar tudo.

Minha mãe não deixa nem o Diretor Muniz abrir a boca:

— Então largue o time de futebol! — fala como se essa fosse uma solução brilhante. — Não me importo com finais de campeonato ou com qualquer outra coisa, Pedro, suas prioridades agora são somente os estudos!

Suspiro.

— Temo que a sua mãe esteja certa, Pedro... Sei que será uma grande perda para o time, afinal, você é o capitão... Mas os estudos tem que vir em primeiro lugar!

Batidas na porta encerram a discussão.

Uma vozinha fina diz timidamente um "licença" antes de entrar na sala.

Ah, Luciana, você já vai me arranjar mais problemas?

 

I N S T A G R A M

/livroaqueleidiota


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal!

Essa história já foi postada aqui no Nyah sob o ponto de vista de outra personagem e é um prazer estar de volta apresentando outra versão. Se vocês quiserem ingressar comigo nessa nova jornada, ficarei muito feliz! De verdade!
Por favor, deixem comentários, nem que seja um "oi". Faz toda a diferença!
Um beijo!



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