A Última Chance escrita por Caroline Oliveira


Capítulo 28
A estrela azul


Notas iniciais do capítulo

Oiee gente!! Mais um capítulo para vocês!! Como estão as emoções??
Espero que gostem! Boa leitura e nos vemos nas notais finais!



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Liliandil

Os olhos azuis escuros de meu pai me encaravam com irritação, rancor e até certa confusão. Foi então que pensei que se não era possível obter de volta a minha magia, não havia razão para ele ter descido até o Ermo para falar comigo. Eu devia mesmo estar no lugar certo, mas a visão do lampião apagado me levava a crer que tinha feito tudo errado.

— O que pensa que está fazendo? - Bradou meu pai, a voz rígida e inquiridora de sempre.

— Tentando recuperar a magia que o senhor tirou de mim! - Retruquei, as mãos fechadas em punho. Estava extremamente incomodada com sua presença. Ele já tinha me tirado a única forma de salvar Edmundo, por que queria me atormentar ainda mais? - E o senhor? O que quer?

— Aprendeu a ser malcriada assim com seus amigos humanos? - Rebateu e eu comprimi os lábios - Acha que é assim que recuperará seus poderes?

— Não vim até aqui para implorar pelo seu favor, pai! - Exclamei - O senhor não compreende que meu casamento com Caspian seria completamente infeliz?!

— E você trocou aquele rei sem palavra pelo rei traidor? - Inquiriu venenoso - Está se exaurindo para recuperar sua magia apenas para salvar o humano que quase entregou Nárnia de bandeja para a feiticeira branca?

— Pai, apesar de o senhor não acreditar, eu o respeito muito, porém o senhor não tem o direito de julgar Edmundo por um erro de um passado longínquo se o próprio Aslam o perdoou! - Ele pareceu surpreso e até ofendido com a resposta, mas continuei mesmo assim - E se quer saber, o senhor me devolvendo ou não os meus poderes, eu salvarei Edmundo nem que eu morra tentando!

Ramandu protestou contra o fato de eu deixá-lo falando sozinho, porém não lhe dei ouvidos. Caminhei de volta ao lampião e olhá-lo me proporcionou uma sensação de vergonha e frustração.

Toque o lampião— A voz de Aslam repetiu, prolongando-se na palavra “toque”. Baixei os olhos, analisando bem a forma como pronunciou as palavras. Finalmente entendi o que ele queria dizer.

— Você apagou o lampião? - Ouvi Ramandu indagar alguns metros atrás de mim, o tom de advertência e julgamento ameaçando me tirar do foco, mas não permiti.

A magia que mantinha o metal intacto e a chama acesa devia ser de natureza semelhante à magia utilizada por Aslam durante a criação de Nárnia. Talvez o "tocar" a que Aslam se referia era na verdade "sentir". Sentir a magia presente no artefato, a mesma magia que originou a terra, as florestas, os animais, os rios, os céus e as estrelas. Que originou a mim.

Coloquei as duas mãos sobre o metal frio do lampião, segurando suas laterais. Senti a escuridão do bosque recair sobre mim, as nuvens cobrindo a lua e boa parte das estrelas. Estava quase no completo escuro.

Fechei os olhos e procurei naquele artefato algum indício da energia que fez minhas mãos vibrarem. Um humano, ou narniano, não teria sentido qualquer coisa ao tocá-lo, contudo minha natureza sobrenatural me permitia encontrar resquícios de magia profunda.

De início, eu nada senti, porém me concentrei e voltei a sentir a vibração. A força não me repelia como antes, ela se conectava comigo, conversava com a própria vibração que eu parecia emitir, como se ainda houvesse magia dentro de mim, adormecida.

Foi quando percebi que o lampião piscava. Abri os olhos de imediato e a luz procurava se estabilizar. A presença da magia tornava-se mais forte, perpassando cada célula do meu corpo, percorrendo meus nervos e me fazendo sentir viva. Foi quando a chama do lampião ficou azul e minhas mãos começaram a brilhar, uma luz daquela mesma cor.

— Não é possível… - Ouvi Ramandu murmurar.

Quando a concentração de energia pareceu à ponto de estourar, soltei minhas mãos do lampião. Sua chama voltou a ficar amarela, o fogo crepitando mais forte e vivo do que nunca.

Fitei minhas mãos e não pude conter a emoção. As lágrimas desciam copiosamente à medida que a luz se expandiu para todo o meu corpo. A aura azulada voltou a contornar o meu corpo e eu senti a magia fluir. Melhor ainda: senti-me capaz de controlá-la.

O bosque em torno do lampião se iluminou com minha magia e eu me permiti usá-la para levitar. 

Eu consegui. Com a graça de Aslam, eu consegui recuperar a minha magia e estava a um passo de salvar o homem que eu amava.

— Bom trabalho, Liliandil - A voz de Aslam, não mais na minha cabeça, mas a alguns passos de nós se pronunciou.

A boca de Ramandu tornou-se um O e ele reverenciou o leão de imediato. Voltei a colocar os pés no chão, a luz ofuscante voltando a ser apenas a aura que me rodeava.

— Não sabe o quanto estou agradecida, Aslam! - Mais lágrimas de emoção transbordaram pelos meus olhos. - Pensei que não ia conseguir.

— Mas ainda assim você teve fé e foi em frente! - Retrucou, o tom gentil e complacente acalmando meu coração. - Seu pai não retirou os seus poderes. Ele retirou a sua capacidade de controlá-los. A sua magia permaneceu adormecida, até que você se reconectou com ela ao entrar em contato com uma fonte de poder tão antiga quanto a sua criação.

— Perdão por fazer essa objeção, grande Aslam - Ramandu se pronunciou - Mas creio que eu tenha o direito de repreender minha filha!

— E eu não tiraria esse direito de você - Aslam respondeu - Porém você deixou a sua filha à beira da morte por dias e baseando-se em uma razão totalmente egoísta e soberba! Apesar de ter toda a abóbada celeste para governar, você almejou colocar Liliandil no trono de Nárnia para exercer poder sobre a terra também! E por causa da sua crueldade, o resgate de um dos reis de Nárnia está se demorando.

— Edmundo está bem, Aslam? - Preocupei-me.

— A vida dele está sendo preservada - Explicou o leão - Mas será sacrificado a Tash se não agirmos depressa. Onde estão Lúcia e o menino Rilian?

 

Alguns momentos antes…

Lúcia Pevensie

Acordei de repente durante a madrugada, embora não tivesse tido sonhos ou coisa parecida. Sentei-me atordoada e bebi um pouco de água. Foi quando percebi que Liliandil, Theodor e Windren haviam sumido.

Rilian dormia ao meu lado, as sobrancelhas unidas e os braços cruzados. Estava deitado de lado, as pernas levemente flexionadas para dar apoio e a cabeça inclinada para baixo. Senti pena por ter que acordá-lo, mas não devia ser coincidência três dos nossos terem saído sem avisar.

— Rilian! - Sacudi seu braço - Rilian, acorde!

— Hmm… - Respondeu ao despertar, abrindo os olhos de repente e piscando um par de vezes logo em seguida. - O que houve, rainha Lúcia?

— Os outros sumiram - Contei. Ele parou por um momento para absorver a notícia e logo se virou de barriga para cima a fim de se sentar. Olhou em volta, mirando as esteiras vazias, os cobertores revirados. A fogueira crepitava menos intensa, a lenha bem consumida, sinal de que era alta madrugada. - Nem Windren que deveria estar de vigia está aqui!

— Lord Theodor é um homem esquisito - Observou ele - Mas não acho que Windren e Liliandil sairiam sem avisar. - Rilian tirou os cobertores de cima das pernas - O que fazemos? Esperamos aqui ou vamos procurá-los?

— Pior que eu não faço ideia - Respondi confusa - Ficar aqui sem notícias é angustiante, porém se formos procurá-los, pode haver algum desencontro!

Rilian suspirou.

— Vamos esperar um pouco. - Sugeriu ele - Se não aparecerem, vamos procurá-los. Tem um riacho aqui perto, certo? - Assenti - Podemos aproveitar para encher os cantis e ver se os encontramos pelo caminho.

— É uma boa ideia - Reconheci.

Suspirei e encarei o céu, as árvores em volta. Boa parte delas estava começando a secar, mas não tão gravemente quanto nas florestas próximas ao castelo e nas plantações. Talvez a intenção da maldição fosse realmente atingir a nós humanos e aos animais e narnianos, e como o Ermo era deserto, não havia razão para castigá-lo tão fortemente.

— Sabe - Falei - O Ermo do Lampião foi o primeiro lugar que conheci quando vim a Nárnia pela primeira vez. - Rilian se ajustou na esteira para me ouvir melhor - Foi na clareira do lampião que eu encontrei o Sr. Tumnus.

— Eu ouvi algumas poucas histórias - Comentou Rilian - Era um fauno, não?

— Sim, um dos mais gentis que conheci - Respondi - Ele pretendia me entregar para a feiticeira branca, mas gostou tanto de mim que desistiu. A feiticeira descobriu depois e o transformou em pedra, mas Aslam o trouxe de volta.

— Eu queria conhecer Aslam um dia. - Confessou ele e eu sorri surpresa com seu desejo - Ele parece ser tão bom, como nenhum humano seria.

— Nisso você tem razão - Concordei sorrindo - Ele sempre tem os melhores conselhos e sempre nos ajuda.

— Será que ele espera algo especial de mim? - Indagou - Quero dizer, aparentemente ele quer que eu reconheça a serpente do deserto para derrotá-la, mas… será que é só isso?

— Por quê? Você almeja mais? - Lembrava-me de Caspian comentar que Rilian havia jogado em seu rosto que alguns telmarinos ainda eram fiéis à memória de Miraz e que talvez fossem favoráveis a Rilian tomar o poder. Temia que o desejo por grandeza corrompesse sua redenção.

Rilian passou alguns segundos sem responder.

— Antes eu diria que sim - Confessou sem me olhar - Que gostaria de herdar algum tipo de fortuna que Miraz tivesse deixado ao morrer, se é que um bastardo tem direito a alguma coisa. - Uma longa pausa - Mas agora eu sei que correr atrás de riquezas e reconhecimento só me trouxe frustrações e eu virei um monstro por causa disso.

— Não seja tão duro… - Era triste ouvi-lo falar daquela forma, lembrava-me o diálogo que tivemos na cela.

— Não, eu estou bem, de verdade - Assegurou - Eu quero ser outra pessoa, finalmente acho que é possível. - Me ofereceu um sorriso tímido - E eu devo muito à senhora por isso.

— Só aceito seus agradecimentos se parar de me chamar de senhora - Retruquei e ele riu, sacudindo a cabeça - Eu sou mais nova que você! Aliás, mesmo se não fosse, me faz sentir uma idosa de setenta anos!

Ele não segurou a risada e eu o acompanhei, não deixando de reparar no quanto seu sorriso era bonito e no quanto ele parecia se sentir livre para mostrá-lo. Era gratificante saber que de alguma forma eu o tinha ajudado.

— Bom, acho que eles não vão voltar - Rilian avisou, reparando na demora de nossos amigos - Temos que saber o que aconteceu.

Assenti em resposta. Levantamo-nos e Rilian bebeu um pouco de água antes de irmos, não sem antes eu colocar o coldre com o elixir e o punhal, que eu havia retirado para dormir. Tinha colocado uma segunda adaga escondida na coxa, ainda precisava me familiarizar com o uso simultâneo delas.

Por motivos de segurança, não foram dadas armas a Rilian e nem ele mesmo fez questão. Ele sabia que precisava ganhar a confiança de todos aos poucos.

À medida que andávamos entre as árvores e arbustos, o som do riacho correndo se tornava mais forte, embora provavelmente seu volume estivesse reduzido. Rilian se encarregou de pegar os cantis e eu seguia à sua frente para guiar o caminho.

Logo chegamos à margem, onde as árvores davam lugar a um tapete de folhas caídas e um solo calcário. Rilian se abaixou próximo ao riacho e passou a encher os reservatórios. Enquanto ele enchia, passei a olhar em volta.

Não pude evitar o grito quando vi o corpo de Windren caído mais adiante, próximo às árvores.

— O que houve? - Rilian largou os cantis e se colocou perto de mim, até que percebeu o que eu olhava - Eu não acredito!

Rilian e eu trocamos um olhar e corremos para nos aproximarmos de Windren. Seus cabelos cacheados estavam emaranhados nas folhas, os braços e cascos sem vida. A centauro tinha sido golpeada no peito do tronco humano e na lateral do lombo de cavalo. Seus olhos estavam abertos e ela parecia ter sido pega de surpresa.

Lágrimas se acumularam no canto dos meus olhos e eu me abaixei para fechar suas pálpebras, sentindo sua pele já fria.

— Quem será que fez uma coisa dessas? - Indaguei, a voz embargada, a primeira lágrima caindo.

— Eu tenho um palpite - Ergueu uma das sobrancelhas e eu demorei a entender o que ele queria dizer.

De repente, senti um puxão de cabelo que me arrancou um grito e me fez levantar, batendo com as costas no peito humano de alguém que pôs sua espada suja de sangue em meu pescoço.

— Talvez você esteja certo, rapaz! - A voz de Theodor dirigida a Rilian bradou próxima aos meus ouvidos e eu já não estava entendendo mais nada.

— O que está fazendo, Theodor? - Indaguei assustada, o cheiro de sangue na espada embrulhando-me o estômago. Ergui o pescoço para evitar o contato com a lâmina, mas quanto mais eu me afastava, mais Theodor aproximava o metal de mim.

— Você matou Windren?! - Questionou Rilian - Por quê?!

— Theodor, nós não somos ameaça para você! - Assegurei - Por que está fazendo isso?

— Depois da nossa conversa, a centauro veio atrás de mim me interrogar - Explicou ele, ignorando-me completamente para responder a Rilian. Eu não estava gostando daquilo. - Eu não podia deixá-la viva depois de ter ouvido nossa conversa!

— Ela… ela ouviu? - Rilian baixou os olhos, confuso. Minha respiração já alterada acelerou mais ainda com a possibilidade de ele estar envolvido em algo ruim. - Mas você não podia tê-la matado, ela… ela era boa!

— Fiz o que era melhor para nós dois! - Retrucou Theodor, remexendo-me ao bradar e a espada ainda mais rente ao meu pescoço - Agora que eu demonstrei minha lealdade, você precisa aceitar minha proposta!

— Solte a rainha Lúcia! Agora! - Ordenou Rilian. Percebi que ele lançou um olhar para a espada no lombo de Windren, mas ele não podia usá-la contra Theodor enquanto eu estivesse em perigo.

— Vai aceitar, ou não?! - Insistiu o homem.

— Do que estão falando?! - Inquiri já irritada.

Theodor soltou uma risada de escárnio que corroeu meus ossos de raiva.

— Se tomar conhecimento disso, também terei que matá-la, majestade - Ameaçou.

— Não se atreva! - Avisou Rilian.

— Fale de uma vez! - Ordenei, olhando bem nos olhos de Rilian - Que proposta é essa?

— O seu protegido pode ser o novo rei de Nárnia - Theodor pronunciou cada palavra com deleite e meus lábios se entreabriram - Alguns lordes telmarinos, assim como eu, não concordamos com a forma que Caspian conduz as coisas, portanto… nada melhor do que trocá-lo pelo herdeiro de seu tio, que sempre nos atendeu tão bem!

— São fiéis a Miraz? - Questionei - Depois de tantos anos?

— É melhor a senhora começar a ficar quietinha, majestade - Ele apertou a arma contra mim de novo e senti um filete de sangue escorrer - Ou eu posso perder a paciência!

Olhei para Rilian novamente. Ele estava envergonhado. Não por ter aceitado a proposta, claramente não havia feito isso, mas sim por ter sido alvo dos planos ardilosos de Theodor.

— Rilian, você não precisa fazer isso - Falei a ele.

— Calada! - Ordenou Theodor, o hálito quente contra minha orelha. - Não escute o que ela diz, Rilian! Caspian não hesitará em matá-lo quando voltar, será que não percebe que a única forma de ficar vivo é tomando o trono?!

— Pedro lhe deu a chance de provar que está do nosso lado, Caspian levará isso em conta! - Rebati - Você acabou de dizer que não quer mais correr atrás de riquezas e de poder!

— Cale a maldita boca, não pode prometer nada a ele! - Theodor falou entredentes. - E então, Rilian? Vai aceitar a minha proposta?

— Deixará a rainha Lúcia viver? - Perguntou.

— Rilian, não! - Pedi.

— E por que se importa com ela? - Indagou Theodor.

Rilian piscou um par de vezes. As lágrimas voltaram a se acumular no meu rosto diante da possibilidade de ele deixar Theodor me matar.

— Tem razão. - Fechei os olhos decepcionada ao ouvi-lo.

Os passos de Rilian até mim foram vagarosos. Senti-o retirar minha adaga do coldre e por isso abri os olhos. Ele não podia estar falando sério, não era possível. Eu não podia ter me enganado tanto assim com ele.

— Rilian, por fav… - Seu movimento foi tão rápido que sequer consegui completar a frase.

Em uma fração de segundos, Rilian cravou meu punhal no lado de Theodor e puxou o braço do telmarino para frente, livrando-me da ameaça de sua espada.

Theodor urrou de dor e caiu de joelhos ao passo que Rilian me puxou pela mão, trazendo-me para debaixo de seu braço em um abraço de lado.

— Precisamos encontrar Liliandil! - Falou Rilian, levemente corado e eu demorei a entender porquê, mas logo me separei dele, igualmente envergonhada. 

— Você acaba de perder a oportunidade da sua vida, moleque! - O golpe com a adaga não foi incapacitante o bastante, pois Theodor ergueu-se com a espada em riste para nos atacar, correndo desajeitado contra nós.

Rilian e eu nos afastamos para lados opostos e eu levantei a saia o bastante para pegar a adaga escondida. Rilian correu até o corpo de Windren e pegou a espada dela com dificuldade, afinal os centauros costumavam usar espadas muito pesadas.

Theodor e Rilian cruzaram suas lâminas, o som do metal ecoando pelo bosque. Eu não sabia que Rilian era bom com espadas, mas ainda que Theodor estivesse ferido, sua frustração parecia ter lhe dado mais forças.

Os dois continuavam num combate ferrenho. Rilian tentava ser ágil apesar da espada e parecia não querer ferir Theodor, apenas se defendia e o mantinha ocupado para me deixar em paz. A espada de Windren era pesada demais para ele, eu precisava pensar em algo para ajudá-lo.

As espadas continuaram a se cruzar, mas Rilian não teve forças para sustentar a que usava e Theodor o feriu no braço. Olhei de um lado para o outro e encontrei o meu punhal, que Rilian deve ter abandonado enquanto pegava a espada de Windren. Corri até ele e decidi que era a hora de agir.

— Ainda posso ser misericordioso se voltar atrás e nos ajudar! - Theodor avisou a Rilian, apontando-lhe a espada e o encurralando para longe da que o rapaz usava. - Não banque o herói, rapaz! Caspian vai enforcá-lo assim que pisar em Nárnia outra vez!

— Se esse for o preço a pagar pelos meus atos, eu aceitarei! - Retrucou Rilian. - Não vou desperdiçar o perdão de Aslam!

— Que bobagem!

Aproximei-me devagar, rezando para que Theodor não me percebesse. Ele estava tão cheio de expectativas, tão ávido para levar Rilian para o mal caminho que sua percepção estava comprometida.

— Desista, Theodor! - Ralhou Rilian - Não vai conseguir me convencer e aposto que quem vai ser morto é você por ter matado a esposa do general! 

— Ninguém vai colocar as mãos em mim! - Theodor retrucou.

Ele lançou a espada contra o abdômen de Rilian, que pulou para trás, mas se desequilibrou ao fazê-lo. Theodor avançou contra ele, erguendo sua espada.

Foi quando rasguei suas costas em um X com as lâminas dos punhais ao mesmo tempo.

Theodor urrou novamente. Rilian levantou-se e roubou sua espada, cravando-a no corpo do telmarino. Ele olhou nos olhos de Rilian uma última vez antes de sucumbir e Rilian retirou a espada antes que ele caísse no chão.

Meu rosto e o busto do meu vestido continham os rastros do sangue que espirraram quando o atingi. Limpei o que consegui do rosto e ouvi Rilian largar a espada de Theodor no chão, sentando-se ao lado do corpo, os braços apoiados nos joelhos e a cabeça baixa, os olhos fitando o nada.

Esperei que ele dissesse o que o aflingia.

— Eu não queria ter tido que matá-lo - Confessou ele, a respiração ainda irregular - Não queria matar mais ninguém.

— Eu também não queria - Falei, sentindo a culpa pesar nos meus ombros enquanto o sangue de Theodor coagulava no meu corpo - Mas ele estava disposto a nos matar. Era a gente ou ele.

Ele assentiu em resposta. O silêncio perdurou entre nós até que uma luz ofuscante brilhou na direção do Lampião, fazendo Rilian se levantar no mesmo instante. Trocamos um olhar e decidimos correr até lá.

 

No presente...

Rilian

A luz que emanava da direção do Lampião diminuía conforme nos aproximávamos. O golpe de Theodor no meu braço incomodava, mas a tensão fez seu papel de amenizar a dor por enquanto.

Lúcia guiava o caminho, correndo diante de mim. Atravessamos um curto percurso pelas árvores até encontrarmos a trilha que levava ao lampião. Ao chegarmos, vi um homem de vestes brancas, uma aura luminosa contornava seu corpo. Liliandil tinha uma aura também, mas azulada e estava radiante, o semblante animado, diferente do que eu vira durante todo o dia. Havia outra moça, de cabelos escuros e vestes caras surradas.

Meus pés pararam imediatamente ao ver o leão. Ele era enorme, maior do que todas as feras que eu já havia visto. Apesar de ser imponente e amedrontador à primeira vista, seu semblante expressava uma paz sem fim. Senti os joelhos fraquejarem e os deixei cair sobre a terra diante da face de Aslam.

— Aslam! - Lúcia exclamou, o rosto se iluminando. Ela abraçou o leão como uma criança que abraça o pai que chega de viagem. - Lilian, você conseguiu!

— Com a ajuda de Aslam! - Completou a estrela.

— Neriah, o que faz aqui? - Indagou Lúcia à moça de cabelos escuros e me recordei de que esse era o nome da princesa de Arquelândia.

— É uma longa história, porém se posso adiantar, estou aqui para ajudá-los contra os calormanos e as feiticeiras - Explicou a princesa.

Aslam pousou os olhos em mim e eu senti um arrepio. Senti o lábio inferior tremer e os olhos se encherem de lágrimas.

— Acalme o coração, meu jovem - Meu coração obedeceu ao pedido de Aslam quase que imediatamente e senti o alívio me preencher. - Não vim julgá-lo.

— Eu não sei… - Engoli em seco - Eu não sei nem o que dizer. - Senti as lágrimas caírem - Você disse a todos que… que eu ajudaria a salvar Nárnia… mesmo quando eu não merecia perdão, ou confiança!

— Eu vi em seu coração a vontade de mudar - Explicou o leão - E você provou que eu estava certo. Resistiu à tentação de pleitear a coroa que não lhe pertence, derrotou Theodor e não se alegrou com sua morte. Pedro, Caspian e todos os outros saberão reconhecer isso. 

Lúcia esteve certa durante todo esse tempo. Aslam acabara de confirmar suas palavras. O grande Leão veio até mim e eu fiquei sem saber o que fazer. Foi quando ele abriu a boca, as presas de carnívoro ameaçando me devorar e eu fechei os olhos, temendo o pior. Foi quando senti seu sopro quente, acolhedor, que dissipou os meus medos e me deu a certeza de que eu estava perdoado.

— O que fazemos agora, Aslam? - Lúcia perguntou - Temos que salvar Edmundo, certo?

— Sim - Aslam disse, virando-se para as meninas. Levantei-me para acompanhar a conversa - Liliandil, você precisa tirar Edmundo da cela do castelo. Ela está enfeitiçada, de modo que só alguém por dentro poderá abri-la.

Por isso precisávamos dos poderes de Liliandil. Somente ela na forma de estrela poderia passar pelas paredes de concreto a fim de salvar o rei Edmundo.

— Leve meu elixir - Lúcia pediu, tirando o frasco do coldre e se dirigindo à estrela para entregá-lo - Ele pode estar ferido.

— Vocês sairão da cela, mas precisarão ficar escondidos no castelo - Aslam continuou - Alguma sugestão de esconderijo, princesa Neriah?

— Hmmm - Neriah estreitou os olhos ao pensar - Das masmorras, o local mais próximo é a lavanderia e depois a cozinha do castelo. Depois da cozinha, há um corredor estreito à leste que possui uma entrada para alguns túneis, que são usados para abrigar os nobres em caso de ataque. É possível que haja pessoas escondidas lá. Digam que vieram em meu nome e eles os ajudarão.

— Entendido - Liliandil assentiu.

— Permanecerão escondidos lá até que o exército calormano se desloque para o confronto - Aslam prosseguiu - Você e Edmundo devem participar da batalha. - Liliandil assentiu novamente - Pode ir. Ele precisa de você.

Liliandil se iluminou novamente e sua forma diminuiu, assumindo um formato esférico, como uma bola de luz e subiu aos céus rapidamente.

— Conversamos depois, Ramandu - Aquela foi a deixa de Aslam para que o homem de vestes brancas também se transformasse numa estrela e subisse aos céus. Fingi que não estava achando aquilo estranho, confuso, ou assustador e prossegui ouvindo.

— E quanto a nós? - Lúcia indagou.

— Irão comigo ao castelo - Explicou - Quando os exércitos de Nárnia e de Calormânia estiverem prestes a se enfrentar, você e Rilian partirão para Anvard e encontrarão o grupo de soldados liderados por Trumpkin que estão voltando da missão de Susana e Caspian. - O leão explicou.

— Voltando? - Lúcia repetiu - Mas e a lança? E Caspian e Susana?

— Eles prosseguiram - Assegurou - Vocês e os soldados ajudarão Edmundo e Liliandil a escapar do castelo. Depois, esperarão que Susana e Caspian retornem com a lança.

— Cietriz estará lá, não é? - Perguntei, tentando manter viva a voz daquela mulher ardilosa na minha mente.

— E será seu papel identificá-la - Declarou o leão por fim - A missão de vocês quatro será derrotar a serpente do deserto. Pedro, Liliandil, Edmundo e eu cuidaremos de Jadis.

Respirei fundo diante da responsabilidade. O futuro de Nárnia, em parte, estava nas minhas mãos. Logo eu que nunca me importei com aquela terra, que nunca quis ser parte daquele reino. Mas eu tinha sido chamado e daria o meu melhor por aquela causa. Se antes eu era um estrangeiro, Nárnia agora era a minha pátria e eu lutaria por ela.


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Notas finais do capítulo

Eai gostaram?
Não tivemos Suspian nesse capítulo, mas meio que foi proposital, eu realmente queria "resolver" essa parte da história para prosseguir com a jornada da Su e do Cas e encaminhar a galera de Nárnia pro confronto final!
Não sei exatamente em quantos capítulos a fic vai terminar, mas já estamos chegando nos trinta, ne? Ainda tem muita coisa pra acontecer!
Beijos e até a próxima!



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