Vampires will never hurt you escrita por manasama677


Capítulo 14
Epilogue




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Sete anos depois…

 

— Mark! Não corra para tão longe! – Margarida pediu ao seu pequeno filho de cabelos castanhos.

— Eu queria um daqueles doces, mamãe! – o menino apontou para um homem velho, que guiava um carrinho com as mais variadas compotas, balas, pirulitos e iguarias para satisfazer a fome de açúcar de uma criança.

— Já disse que não trouxe tanto dinheiro! Você é mesmo um menino caprichoso! Comporte-se! Estamos na frente do trabalho do seu pai, e ele não pode ser envergonhado por seu comportamento intransigente! Além disso, eu não posso ficar correndo atrás de você com uma barriga desse tamanho!

 

Amuada, a criança cruzou os braços e se aproximou de novo da mãe. De repente, de um prédio comercial, saiu Sean. Ele vinha bem vestido, engravatado, de bengala na mão, e colocava um elegante chapéu preto enquanto cumprimentava alguém na recepção, anunciando sua partida.

 

— Oh, vocês vieram mesmo! – disse, ao encontrar a mulher e o filho.

 

Margarida sorriu para ele com candura, enquanto segurava a mão da criança.

 

— Eu não perderia jamais a chance de almoçar fora com meu querido marido recém promovido.

— E eu também não perderia a chance de comemorar minha promoção ao lado da minha linda esposa e dos meus dois filhos maravilhosos.

 

Tocando na barriga de Margarida, ele falou, colando a boca ao ventre dela:

 

— Olá, bebê! Aqui é o papai! Como está aí dentro? Está bem acomodado?

— Sean, para! Que vergonha! As pessoas estão olhando!

— Eu não me incomodo nem um pouco que todo o mundo à minha volta saiba que eu estou muito feliz, vivendo o melhor momento da minha vida!

 

Os dois se acomodaram no restaurante. Após fazerem seus pedidos, Sean percebeu que Margarida ajeitava o guardanapo distraidamente, como se estivesse com alguma ideia paralela em mente.

 

— Tem algo de novo a me contar, querida?

— Eu vi uma das meninas, dia desses.

— Qual delas?

— Maria. Ela se casou com um comerciante daqui de perto. Eu estava pensando se não poderíamos visitá-la.

— Imediatamente! Sem problema nenhum.

— Mas você soube… que ela entrou para a “vida” antes de se casar? Você não vê problema nisso?

— Meu amor, eu nunca fui preconceituoso. Na verdade, quando anunciei a todos o fechamento do circo, uma das coisas que mais me causou preocupação foi que destino teriam todas aquelas lindas garotas que trabalhavam lá. Já imaginava que fosse acontecer esse tipo de coisa. Que bom que ela conseguiu se casar.

— Eu já te disse mil vezes que o circo não fechou, ele apenas se fundiu a outra companhia.

— Que seja. Um monte de gente teve que sair.

— Foi realmente triste.

— Foi terrível. Mas, enfim, não vamos falar de coisas tristes!

— Pai, eu quero comer doce.

— Ah, então olhe bem para a vitrine! Hoje você vai ganhar o doce que quiser! Pode escolher!

— Verdade, pai?

— Absolutamente verdade. Vá lá, e diga que tomem nota para esta mesa, que é… 9?

— Eu acho que é seis, querido.

— Ah, é verdade! A placa está de cabeça para baixo – riu-se Sean.

 

Quando o menino tomou o rumo da vitrine, correndo com empolgação, sob repreensão de ambos os pais, estagnou ao ver uma linda menina vestida de branco. Suas roupas pareciam desgastadas, apesar de limpas. Dentro do que sua condição permitia, tinha porte e era asseada. Usava fitas no cabelo dividido em duas cascatas de cachos vermelhos e tinha enormes olhos azuis. Devia ter a mesma idade que a dele. Hipnotizado pela pequena ruivinha, ele se esqueceu completamente dos doces. Ela, porém, só fazia contemplar a vitrine sem escolher nada, desatenta à presença dele.

 

— Você é daqui de perto? – Mark perguntou. – Eu nunca te vi. Qual é o seu nome?

— Você está falando comigo? – a menina rebateu.

— Existe outra pessoa aqui?

 

A menina franziu a testa, emburrada com a grosseria dele. Virou as costas para se mandar.

 

— Espere! Não vá embora! Qual é o seu nome?

— Lee Rush.

— Isso não é nome, é sobrenome!

— É Nora. Nora Lee Rush – ela respondeu, em um tom tão rude quanto o dele.

— Nora – repetiu o menino, encantado.

— Margarida, o teu filho acabou de escolher o doce dele – Sean comentou, sorrindo, cutucando a esposa.

 

Margarida, surpresa e sorridente, ficou apreciando de longe a paquera do menino.

 

— Mark, não vai convidar sua amiguinha para comer uma fatia de bolo conosco? – alcovitou.

 

O garoto, tímido com a percepção dos pais, ficou mudo. A menina, impaciente, parecia aguardar um convite partindo do menino. Por troca de olhares com o pai, Mark percebeu o que teria que fazer:

 

— Venha comer uma fatia de bolo com a gente. Os seus pais estão aqui perto?

— Ehhh…

— Espero que ela não esteja incomodando vocês – uma garçonete pegou a menina pelo braço, de forma bem pouco gentil. – Ela sempre está aqui, atrapalhando os clientes. É uma pedinte das mais inconvenientes.

 

Margarida arregalou os olhos e encarou o marido, sem saber o que dizer.

 

— Não se preocupe. Ela é amiga do meu filho – Sean falou, apaziguador.

— Nora! – eles escutaram uma voz feminina chamar. – Nora, minha filha!

 

A menina tentou se esconder atrás da cadeira de Sean, mas não teve jeito, a mãe dela a viu.

 

— Quantas vezes eu já te disse para você parar de vir aqui?

 

As pessoas em volta começaram a olhar. Margarida e Sean acompanharam o ritmo dos demais, e qual não foi a surpresa deles quando perceberam que a mãe da menina era ninguém menos do que Angela Lee Rush, a prima de Helena! Estava muito mais velha, como se houvesse desabado sobre sua aparência as agruras de vinte anos em apenas sete. Seus cabelos originalmente ruivos estavam matizados de fios brancos e o rosto havia perdido completamente o frescor, ostentando uma magreza pálida e macilenta. Os cabelos vinham atados em um lenço no alto da cabeça, muito mal dispostos, ressequidos, espigados. O rosto, que era coberto de sardas delicadas e graciosas agora tinha um conjunto de rosáceas profundas e manchas escuras. A boca, outrora fresca e rosada, agora era uma linha fina e com sulcos muito bem definidos. Seus olhos eram cansados e mortos, caídos, sem a expressão nem a altivez que tinham na mocidade. Ela toda se vestia de forma muito modesta, mas seguindo os mesmos critérios da filha: limpa, apesar das vestes desgastadas. Sua postura era curva, envergonhada, constrangida, e ficou ainda mais quando bateu os olhos em Margarida e a reconheceu de volta. A ex-circense assumiu seus cabelos originalmente castanhos, mas ainda se fazia reconhecer, pois sua graça era exatamente igual à daqueles tempos, exceto talvez pelos poucos quilos ganhos com a gravidez de duas crianças.

 

— Vamos embora daqui! – determinou Angela, puxando a filhinha pelo braço. Sua voz era quase desesperada – Este lugar não é para você, já disse!

— Mas mãe…!

— Seu pai está procurando você por toda parte! Aliás, ele já deve estar a caminho!

— Então, é aqui que você está…?

 

Aquela voz fez Margarida estremecer como se fosse com ela. Era como se ela houvesse sido repentinamente transportada para a presença do dono do circo, naqueles anos tenebrosos dos quais ela nunca mais gostaria de lembrar. Sean, que abanava a cabeça lamentando o espetáculo encenado ao pé da sua mesa, confortava com um afago no ombro o filho, sem prestar atenção em quem se apresentava como o pai da criança. Margarida só conseguiu voltar a respirar quando o trio constituído por Angela Lee Rush, sua linda filha e um homem muito velho sem a parte inferior de um dos braços foram embora, com este último arrancando a menina dali com muita brutalidade. Nenhum dos senhores sentados à mesa fez coisa alguma. A única voz que se fez ouvir foi a da garçonete, que gritou para o trio que se afastava:

 

— E nunca mais voltem aqui, mendicantes torpes e bêbados!

 

Em poucos segundos, tudo retornou à normalidade, como se nada daquilo tivesse acontecido. Só Margarida, chocada, que perguntou a Sean:

 

— Você viu e entendeu a mesma coisa que eu?

 

(…)

 

Depois que se deparou com o pai após a perda do último caçador aliado, que, para quem não lembra, foi empurrado da escada principal do castelo dos Seingalts e teve o pescoço quebrado, Angela foi arrastada para fora do castelo por ele. Desesperada por não querer sair, chegou mesmo a chamar pelo nome de Vince, que obviamente não a atendeu – naquele momento, o vampiro deveria estar muito distraído com Margarida. Quando se viu na mata que dava acesso ao local, longe da proteção daqueles muros e paredes, longe de seus sedutores constituintes, percebeu finalmente que se rebelar seria inútil. De uma vez, a filha de Karl se deu conta de que toda a rebeldia que ostentou naquelas poucas horas não poderia continuar em sua vida cotidiana. Se em algum momento voltou-se contra o pai, o fez pela incerteza do cenário, pela consciência de que qualquer um dos elementos que tiveram com ela poderiam ser a parte vitoriosa daquele grande confronto. Estando mortos alguns e inacessíveis outros, e sendo ela uma fraca mulher no meio de uma selva, precisando de um guia para voltar à civilização, nada poderia fazer a não ser aceitar seus comandos. Karl era o único que entendia o caminho de volta e, sem ele, Angela pereceria pela fome, pela sede ou pelas garras de algum animal selvagem. Ao contrário do que ela esperava que fosse acontecer ao clarear daquele trágico dia que demarcava o início de sua nova e sofrida existência, seu pai não estava morto, apesar do dano grave que carregava no braço. Ela ia ter que lidar com ele dali em diante, e com os novos acontecimentos catalisando o comportamento posterior tanto do pai quanto da filha.

 

Após muito caminhar em busca de uma trilha para sair, os dois encontraram atados a uma árvore qualquer o cavalo e a carruagem que Helena guiou para ir até o castelo dos vampiros com Sean. Como havia um barril com água na bagageira, saciaram-se e também ao animal, que agitou-se, jubiloso e grato, pronto para uma nova. Karl enfiou os braços cheios de sangue na água antes de seguir viagem, o que muito enojou Angela, mas ela não emitiu comentário sobre aquilo (o cheiro de sangue se tornaria um trauma permanente para ela, depois disso). Por exigência do pai, ela o ajudou com o ferimento no braço, produzindo uma espécie de tipoia com um pedaço de sua saia, até ver como tratariam daquilo mais tarde. Silenciosa como morta, temia que qualquer movimento ou palavra pudesse irritá-lo. Por todo o caminho, escutou resignada seus insultos e provocações enquanto guiava o cavalo. As palavras que ele lhe dirigia para ferir sua dignidade lembravam muito as que ele usava para se referir à sobrinha. Ele a incitava a dizer qualquer coisa para contrariá-lo e, na falta de reação por parte da filha, socou seu rosto do nada para instigá-la, mas não obteve resposta a não ser um pranto silencioso.

 

Quando chegaram à metrópole, por volta das seis e meia da tarde, o corpo dela só se deu conta da fome ao sentir na casa vizinha o cheiro de um guisado. Seu olho atingido pelo golpe do pai mal se abria, e ela usou os cabelos para disfarçar o machucado.

 

A estalagem estava completamente aberta, e Angela percebeu que muitos itens foram subtraídos, de economias pessoais aos lindos vestidos com que se exibiu para Helena. Seus dois baús de roupas estavam espalhados pelo chão, e as únicas peças que ela tinha agora eram as encardidas do fundo, que pegaram manchas de madeira e traças. De igual maneira, seus potes de moedas estavam quebrados, ou vazios, ou ambos. Até um cofre que ela improvisou atrás de um quadro havia sido saqueado. Não havia nenhum hóspede no lugar, então qualquer um poderia ser o autor daquela vilania.

 

Os ghouls nada mais eram do que esqueletos queimados espalhados por todo o seu quintal. Exausta como estava, foi obrigada por Karl a reuni-los, despedaçá-los e atirar seus restos mortais na lareira, para que o ambiente funesto pudesse novamente ser chamado de hospedaria (não poderiam chamar um médico para Karl com a coisa daquele jeito). O processo levou muitas horas, mas ela estava tão anestesiada pelo choque que não era capaz de sentir cansaço nenhum. Vez por outra, encarava o sangue seco que descia por suas pernas, e não era mais capaz de enxergar seu atrevimento com a mesma satisfação de antes; as consequências de sua liberdade momentânea estavam começando a aparecer.

 

As janelas quebradas, a porta profundamente arranhada por unhas humanas, algumas manchas de sangue no chão e as cordas serradas pela fivela enferrujada do cinto de Sean abandonadas ao chão davam pistas do que havia sido a luta de Sean, Margarida e Helena para fugirem dali. Havia destroços de móveis quebrados, também. Ela os empilhou do lado externo da casa. Depois de lavar todo o pátio central sozinha, se viu obrigada a cozinhar enquanto seu pai era submetido a cuidados. O médico que o visitou não achou o estado de seu braço nem um pouco animador. Recomendou a visita a um hospital, mas Karl teimava pela sua recuperação. Impaciente da solução apresentada por ele, o despachou solicitando que nunca mais voltasse.

 

Angela botava uma sopa para o pai pontualmente às três da manhã. Esforçou-se para ficar longe dele, sentando-se na outra ponta da mesa, isso a umas doze cadeiras de distância. Ele encarou o prato cheio com uma sonora gargalhada, daquelas de louco, que agora era a característica maior de sua nova e estranha personalidade.

 

— Uma filha usada! – ria-se. – A filha de um caçador, usada por três vampiros!

 

Angela chorava em silêncio enquanto dava colheradas em intervalos cada vez maiores. Não tinha nenhuma vontade de comer, mas estava apavorada com a ideia de abandonar a mesa e ser agredida. Em certo momento, aconteceu aquilo que ela já previra desde o começo: o prato de Karl voou na direção da parede, mas deu para perceber que ele só não a atingiu por má pontaria. Lee Rush, na verdade, tinha a intenção de acertar a filha no rosto.

 

O dia seguinte não foi melhor do que o anterior. Angela, bem cedinho, foi se lavar e lavar também as poucas roupas que lhe restavam, para que se tornassem úteis. Enquanto estava no tanque, esfregando uma das peças, sentiu o pai agarrar sua cintura com a única mão disponível. Ela apertou os olhos, lembrando tanto de Helena sendo atacada do nada na frente de todos como dela mesma tendo os seios apalpados pela mão de Karl no meio de um combate. Estremeceu ao se lembrar das feições que o pai carregava no rosto, naquela ocasião. Ele lembrava um possuído, não parecia a mesma pessoa que ela conhecia.

 

— Pai, não faça isso – foi tudo o que conseguiu dizer, num fio de voz. – O seu braço vai piorar – tentou argumentar, mas não adiantou.

 

Karl subiu sua saia pelas coxas e, ao se deparar com a nudez branca de seu traseiro, começou a usá-lo da mesma forma que Bertrand. Em seguida, ele a debruçou no tanque e, sem se preocupar em conservar a higiene, fez uso dela do outro jeito, alternando entre as duas formas de copular pelo que pareceram horas na cabeça de Angela. Não houve comunicação nenhuma, e ela até achou bom que as coisas fossem desse modo. Graças a isso, conseguiu conservar sua altivez silenciosa. Não havia sido daquela vez que ela agraciaria o pai com suas lágrimas.

 

Depois disso, Karl adquiriu o hábito de sair e só voltar altas horas da noite. Trazia consigo várias mulheres, ou vários amigos. Bebiam, conversavam, e Angela só conseguia ouvir as gargalhadas de seu quarto. Percebeu que adquiriu algum tipo de fobia: o menor barulho a punha pronta, trêmula, em alerta. Seus medos se confirmavam pertinentes dia após dia. Em certa manhã, acordou molhada de alto a baixo. Em outra, com uma peça de carne crua atirada ao rosto, sendo forçada a cozinhar na primeira hora do dia. Uma vez que tirou um cochilo no meio da tarde, acordou com um cigarro aceso no seio. E os castigos seguiram piores e cada vez mais frequentes, de forma que ela simplesmente começou a abrir mão do hábito de dormir – percebeu que era punida por isso!

 

Paradoxalmente ao que poderia ou não fazer, sentia-se cada vez mais sonolenta. A comida também não lhe descia mais como antes e, mesmo isolada e sem ter como falar com outra mulher, pois era mantida num verdadeiro cárcere, ela sabia, pela experiência adquirida em seus anos como filha de dono de pensão, que estava grávida. Todas as gestantes que ela conheceu ao longo da vida queixavam-se das mesmas coisas que ela estava sentindo. Sabendo do que iria acontecer com seu filho ou filha se ela comunicasse seu estado ao pai, Angela começou a ocultar sua gravidez com ataduras enroladas ao redor do ventre. Ficou relativamente fácil para ela esconder sua situação quando o braço de Karl apresentou uma piora tão significativa que não houve outra solução, que não aquela apresentada pelo médico desde o início: a amputação. Enquanto a metade restante do braço de Karl cicatrizava, o ventre de sua filha crescia sem ele saber.

 

Numa das vezes que foi obrigada a comparecer como esposa do próprio pai (isso com ele já recuperado), e tendo ele reclamado de ela não tirar mais as roupas por completo, Angela finalmente revelou a Karl a gravidez. O estágio avançado da gestação não permitia mais um aborto. Ela contava com uma reação violenta que por sinal não veio, mas isso teve o seu preço: ele disse à filha que eles precisariam se mudar da estalagem imediatamente. Aquele lugar que guardava as lembranças mais preciosas de sua infância e juventude nunca mais tornaria a ser visto pela filha de Lee Rush.

 

Angela não maçou o pai com questionamentos a respeito do que foi feito. Como passou a saltar por vários quartos de pensão diferentes, e cada vez mais ordinários, ela supôs que Karl vendeu a propriedade. Seus gastos irresponsáveis ao longo dos próximos meses só confirmaram essa sua suspeita. Quando Nora nasceu, a família já se encontrava em um tal estado de penúria que suas primeiras roupas nada mais foram do que recortes de peças que a própria Angela vestia. Quando segurou a filha com uma camisola reduzida do que um dia foi um de seus vestidos, observou, pesarosa, lembrando-se dos improvisos da prima com retalhos de tecido:

 

— Eu poderia, perfeitamente, chamá-la de Helena.

 

E poderia mesmo, mas não só nesse aspecto.

 

Nora, mesmo implorando por piedade do pai e prometendo nunca mais voltar a incomodar os clientes do restaurante pedindo comida, veio sistematicamente arrastada por todo o caminho. Angela, sentindo em Karl o mesmo “demônio” das outras vezes, perguntava a todo momento o que ele iria fazer, o que ele iria fazer. A resposta dele foi:

 

— Vou ensinar essa tua filha o que eu faço com meninas malcriadas.

 

Enquanto a criança conhecia o inferno trancada com o pai no mesmo quarto, a mãe chorava, impotente, do lado de fora.

 

 

(…)

 

Christinna, uma belíssima cortesã, estava em apuros. Havia passado para trás o seu cafetão e, delatada por uma colega de ofício, tinha a cabeça a prêmio. Acordou com uma arma na cabeça, e a voz de um dos comparsas de seu homem falou ao seu ouvido a sinistra ordem:

 

— Venha comigo.

 

Forçada a trocar a camisola por um vestido acintado, entrou numa carruagem estacionada aos fundos do hotel onde estava hospedada fingindo que ia a um passeio comum. Não era muito inteligente, e nem precisava ser, para compreender que estava ingressando rumo à sua última viagem. Quanto mais a carruagem avançava por caminhos que ela nunca tinha visto, mais ela implorava por sua vida. Para piorar, três homens a escoltavam: o cocheiro, um homem a seu lado e outro à sua frente. Ela não tinha a mais remota chance de escapar dali com vida.

 

— Eu não gastei nada, estou falando a verdade! Levem-me de volta ao hotel, eu explico aonde escondi o dinheiro! – ela pedia, aos prantos. – Por favor! Eu trabalharei para ele o quanto ele quiser, mas não me façam mal!

 

Em um certo trecho no meio da mata, a carruagem parou. Aflita, a jovem observou o quanto o lugar era ermo e escuro, ainda mais naquela hora da madrugada. Não queria descer, pois sabia que, uma vez colocando os pés para fora do veículo, seria executada. Mesmo assim, fora empurrada para fora, caindo de quase um metro de altura. Os homens desceram em seguida.

 

— Ele me disse para quebrar suas pernas e dar um tiro no meio da sua cara, mas acho que seria uma pena fazer isso sem me divertir um pouco! – um dos homens comentou, sorrindo.

— Eu também faço questão de participar – um colega do primeiro acrescentou. – “Ele” foi bem específico quanto a tortura. Deu a ordem de que não a matasse imediatamente, e que a fizesse servir de exemplo para todas as outras!

— A menina tinha a fama de ser a melhor do bordel. Vamos testar se isso é verdade! – disse o terceiro comparsa.

— Sirvam-se de mim o quanto quiserem, mas deixem-me ir! Eu prometo que nunca mais vou aparecer, não lhes causarei problema algum! Eu tenho parentes no interior, posso ir ter com eles e nunca mais voltar! É verdade! Deixem-me ir, e digam a “ele” que me mataram!

— Aqui, quem dá as ordens somos nós! Tire a roupa!

— Aqui nesta floresta, há boatos de que pessoas têm desaparecido. Os senhores não temem por suas vidas?

— Tire a roupa, já disse!

 

Sem alternativas, ela começou a destrinchar os laços do espartilho. Tinha seios grandes e sedutores, e uma cintura fina que dispensava o uso do acessório. Sem o uso daquilo que o atava ao corpo da prostituta, o vestido escorregou até os seus pés.

 

— Deite no chão! – o primeiro homem ordenou.

— Quem vai primeiro? – o segundo quis saber.

— Claro que eu – disse o terceiro. – Eu que me arrisquei indo naquele hotel e conseguindo o número do quarto dela! Se me virem as fuças por lá de novo, vão me colocar na cena do crime!

— E eu fiquei de vigília observando os soldados da guarda urbana e dei o sinal de quando você poderia entrar! Quer risco maior do que esse?

— E eu consegui com a colega dela a informação de que ela fugiu com o dinheiro do chefe! Como eu fico nisso?

 

Enquanto os três homens brigavam entre si, a esperta e travessa cortesã já ia muitos metros além, para dentro da floresta. Em um segundo, estava com eles; no momento seguinte, era só mais um elemento obscuro naquela paisagem misteriosa. Nem os muitos tiros disparados selva adentro a detiveram. Teve um momento em que os homens tiveram que admitir, após muito procurá-la, que realmente a haviam perdido.

 

Christinna continuaria correndo até a manhã adentro se algo não a tivesse impedido. Uma alça em meia-lua afincada em uma tampa de pedra a fez tropeçar, e murmurar prolongadamente a avaria em seu pezinho delicado.

 

— O que significa isso? – perguntou, apavorada, ao constatar que diante dela havia um enorme e secular castelo que ela não tinha visto em nenhum momento antes da queda.

 

Era algo impensável e destoante de todo o restante do cenário, como se fosse algo surgido através de poderes mágicos. Talvez o fosse. Mancando, a menina percebeu que havia uma luz partindo de dentro. Era uma pequena clareira, que ela imaginou ser uma lareira acesa, e não estava enganada. Ao adentrar o enorme salão, ficou deslumbrada com a claraboia destacando todo seu contorno de arabescos em sombras pelo chão, e com as paredes ricamente ornamentadas. Mas o que o ambiente tinha de belo, tinha de assustador. Os tapetes tinham temáticas profanas, em teceduras que misturavam grafias estranhas a caracteres parecidos com cálculos matemáticos. As estátuas não eram de belas sereias ou heróis, ou seres mitológicos. Pareciam ser de demônios. Um estremecimento de corpo todo a dominou, e ela obedeceu seu ímpeto imediato de vestir-se, roubando de uma poltrona uma vestimenta luxuosa semelhante a um robe.

 

— Tem alguém aí? – perguntou, com a voz entregando em detalhes todo seu nervosismo.

 

Christinna não sabia se ficava ali ou se corria. Por um momento, chegou a pensar que seria melhor encarar as metralhas que a aguardavam do lado de fora. Isso, até que viu surgir de dentro de uma das câmaras interiores daquele rico castelo um rapaz tão belo que chegava a ser perturbador. Agora sim, ela tinha certeza de que estava em um conto de fadas.

 

— Boa noite. Seja bem vinda – disse a criatura de longos cabelos negros, cujo nome já conhecemos bem. Era Vincett.

— Quem é você? O que faz sozinho neste lugar? Tem mais alguém aqui?

— Acalme-se. Não precisa ficar nervosa. Eu não mordo – ele concluiu, sorrindo.

 

 

FIM

 

 


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