Vampires will never hurt you escrita por manasama677


Capítulo 13
Capítulo 13 - Desolation Row




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Vince era assaltado de lembranças a cada passo. Uma cadeira de espaldar no canto de um salão de festas o fez se lembrar de Anna tecendo passanamarias; o piano refez memórias de Emma sentando-se em seu colo, pousando um beijo em seus lábios e perguntando, deslumbrante em seu novo vestido de festa:

 

— Que tal estou?

— Majestosa, minha linda irmã – ele teria lhe respondido.

 

Mais adiante, a sala de jogos com mesas forradas de veludo desgastadas por séculos de bebidas e atrito de dados e cartas o transportou para apenas algumas horas antes, quando seus irmãos despreocupados jogavam e subestimavam a caça que se iniciava, escutando, indiferentes, os nomes dos primeiros mortos. As cartas continuavam nas mesmas posições. Uma, caída ao chão, o fez pensar em tom de repreensão em qual teria sido seu irmão relaxado a deixar ela ali. Aquele era, simplesmente, o seu baralho favorito.

Um grande retrato pintado a óleo na parede maior de outra sala o fez recordar que as feições de seu pai foram exageradamente refeitas, pois ele foi retratado de modo a corrigir todos os seus defeitos. Ele próprio, Vince, estava ao seu lado em um quadro menor. Era um adorável garotinho de longos cabelos negros atados com uma fita de seda e tinha belos olhos azuis. Trazia a aparência de uma criança de dez anos, na época. Abaixo, em uma urna de vidro, em grande parte chamuscada e coberta de cinzas, estava a última roupa que seu pai usava quando fora assassinado pelo caçador Richard van Gloire.

Mais alguns passos, e ele acessou o seu próprio quarto. Era um recanto escuro, com uma grande cama de dossel ornamentada com lençóis de veludo azul bordados com fios de ouro. Compridas velas em castiçais posicionados em cada ponta da cama eram responsáveis pela baixíssima claridade do ambiente, naturalmente sem janelas. Naquela cama, ébrio após uma noite de recitais, músicas, jogos e bebedeiras, acordou com o beijo atrevido de sua amante favorita, Justine, que revelou ter trazido para baixo de suas cobertas as duas amigas que se revelariam em seguida: Laianne e Alicia. Ali, aquecido e amado por três garotas lindas que o disputavam como se ele fosse o último homem do mundo, Vincett viveu os que ele qualificaria como melhores dias de sua vida. Justine, ao sair, havia deixado em sua mesa de escrita um desenho dela própria nua, feito por algum artista ordinário. A arte se aproximava muito de sua beleza original, mas ainda assim não lhe fazia justiça completa. As outras, sem ter o que escrever por falta de escolaridade, colheram uma folha em branco e aplicaram beijos de carmim por toda a extensão da página. Ambas as cartas – o retrato e os beijos de batom – estavam dobradas em quatro pedaços e presas por um peso de papel. Tudo seria encontrado na manhã da despedida.

Uma grande cama redonda sem cabeceira, de fabricação exclusiva, no centro de um salão, cujo acesso se dava por uma escada de três degraus de mármore por todos os lados, o fez recordar de Bertrand e as muitas amantes que seu irmão levou para aquele lugar. Ruídos de gozo e dor foram testemunhados à larga por aquelas paredes, que, talhadas com temas obscuros, caligrafia profana, representações sexuais, símbolos circulares repletos de ideogramas sem tradução e esculturas de bestas infernais de todo o tipo cruzando com mulheres e torturando homens, estavam ainda limadas de sangue humano. Cabeças de touro, de bode e peles diversas de animais encerravam a decoração da tétrica edificação, que era cercada por uma grossa corrente, numa representação próxima do que seria um tatame moderno. Pela primeira vez na vida, sentiu um medo inexplicável de estar naquele lugar.

 

Ali aconteceu um fenômeno que, à época da ocasião, ele ignorou completamente, mas que agora fazia sentido. Numa das muitas noites de bacanal que teria participado, Vince se lembrava de ter acordado nu, debruçado na cama, com a perna de George por cima de seu corpo. Do pouco que se lembrava daquela noite, via-se deitado olhando para o teto. Por vezes, encarava acima de si o rosto de Bertrand, que se revezava na ação com George, Ian e Ramon. Ele em si tinha as pernas abertas, ora enlaçando a cintura de um, ora a de outro. Prostitutas risonhas beijavam-lhe a face ou a boca, enquanto lhe ofereciam mais bebida para distraí-lo. Ele mesmo havia se importado muito pouco com aquilo tudo, acreditando que sonhava, ou qualquer coisa parecida. Acordou muito indisposto, é verdade, mas creditou tudo o que havia à agitação da noite anterior. Até sorriu das marcas que trazia no corpo, acreditando que as meninas haviam sido especialmente violentas naquela orgia. Achou estranho trazer no pescoço também a marca das presas de um vampiro, mas pensou consigo que talvez uma de suas irmãs tivesse escapado do salão de festas principal para lhe fazer uma surpresa; ele realmente não havia entendido nada, nem sequer se empenhou.

Não sabia que explicação dar, no entanto, à intensa dor que sentia em cada passo e ao fluido que parecia vir de trás, algo que nunca tinha lhe ocorrido. Lembrava-se de ter sido trazido para ali carregado pelos irmãos, e, portanto, parecia-lhe inviável que ele tivesse possuído qualquer uma das garotas que vieram ao castelo naquela noite. No entanto, as preocupações e absorções da sua vida de primogênito levaram-lhe embora todas as suas teorias, que, aliás, se extinguiram no primeiro dia, já que, como foi dito, ele nem havia pensado muito a respeito. No fim, a coisa toda caiu no esquecimento graças à sua confiança exacerbada na própria autoridade. Quando pegou o irmão com a coxa por cima de seu corpo, pensou apenas que, como eles dividiam a mesma cama na orgia, era natural que acordassem lado a lado. Não fez qualquer cogitação maior, levantou-se irrefletidamente e seguiu sua rotina.

Com o passar dos dias, seus irmãos foram acometidos de uma insolência maior do que a habitual, descumprindo suas ordens com uma frequência irritante. Também era comum vê-los conversarem qualquer coisa em tom jocoso e pararem de falar imediatamente ao vê-lo adentrar qualquer ambiente em que estivessem. Ele nunca fez qualquer associação com aquele acontecimento, nem sequer lhe passava algo remotamente semelhante pela cabeça. Seus irmãos nunca morreram de amores pela posição que ele ocupava. Alfred e George eram os maiores agitadores, convidando os demais a questionar a primogenitura de Vince, então ele imaginava que estavam conspirando, como sempre estiveram, para convencer o pai de que qualquer um deles tinha mais valor do que ele.

O velho Seingalt, no entanto, mais e mais agradava-se de Vincett. Achava-o objetivo, preciso, decidido, solidamente capaz de tomar decisões nas experiências que fez onde deixou o filho tomar conta do castelo, além de admirar sua capacidade inventiva. A contra-armadilha do calabouço com as notas musicais foi uma coisa saudada como um grande feito, proveniente de uma inteligência que só poderia pertencer a um líder. Seus irmãos, por sua vez, consideravam que todo o apreço que o pai tinha pelo irmão mais velho resumia-se no fato de ele ser filho de sua primeira mulher, à qual dizem que foi a que ele mais se afeiçoou, além de ser fisicamente idêntico a ela. Diziam eles que Vince poderia ser uma nulidade, mas seria amado da mesma forma.

Charles, seu leal companheiro, estivera distante nesses dias estranhos. Andava às voltas com aquela cara de quem tinha algo a dizer, mas nunca dizia. O tempo foi passando e os dois voltaram à comunicação usual e, mais uma vez, o fato foi esquecido em meio a uma panaceia de resoluções que o jovem vampiro teve que tomar para os muitos problemas de sua família. O próprio Vince estivera tão ocupado que sequer havia se dado conta da indiferença dos irmãos. Empolgado com os incentivos do pai, distraía-se a equipar todo o castelo com ciladas, labirintos, salas secretas, caminhos sinuosos, corredores incompletos que visavam fazer os caçadores despencarem de alturas expressivas, além de muitos solos removíveis. Puxando uma simples alavanca, ele poderia fazer todo o espaço abaixo dele ceder, matando qualquer adversário. Seus irmãos achavam suas ideias uma estupidez, afinal, eles poderiam derrotar qualquer pessoa – já eram poderosos por si só. Mas Vince persistia, labutando solitariamente pela proteção de todos. Agarrando a corrente de uma armadilha incompleta, lembrou-se de quando Christopher, um pequerrucho à época muito menor do que ele, perguntou, com suas presinhas sorridentes:

 

— O que o irmão Vince está fazendo?

 

Christopher, futuramente, se tornaria um dos vampiros mais indolentes do clã, simpatizante incondicional da dupla de irmãos que conspiravam pela sua deposição.

 

Mais adiante, Vince rumou para uma longa e retangular banheira, que ficava plantada no centro de um salão, sendo o seu único móvel, além é claro de um estranho quadro que retratava a réplica exata da parede oposta. Pétalas de flores mergulhavam na água inerte, e soluções perfumadas das mais finas fabricações repousavam na borda de azulejo com motivos blasfemos. Era quase uma arte sacra, mas ao contrário. Lake, a seu mando, havia, horas antes, preparado este banho para ele usar ao fim de mais um dia de expediente, quando discutiriam com Arthur suas descobertas sobre o mundo dos humanos, uma reunião canônica que acontecia todos os dias ao cair da noite. Mas o fato de aquela água estar intacta àquelas alturas era uma forma de atirar à sua face que aquele dia havia sido bem diferente do habitual. Retirando a roupa devagar, dentro do que suas chagas permitiam, Vince passou a tatear o corpo e fazer um inventário do quanto estava ferido. O ferimento no flanco e os cortes na perna provocado pelos estilhaços da bala eram as coisas mais dolorosas. Em alguns pontos, a roupa colava ao sangue, e feridas foram reabertas. Livrando-se da última peça de roupa, Vince se sentou à borda da banheira e foi entrando devagar, uma parte do corpo por vez. A água estava terrivelmente fria. Tentou, sem sucesso, atar o cabelo espesso e longo, e livrá-lo da água. O coque improvisado se soltou e os fios negros que acabavam na altura do quadril imergiram. Sem ter coragem para permanecer imerso, ele se sentou de volta na borda da banheira e, em conchas feitas com a mão, higienizou braços, pernas e rosto. Foi com especial indignação que limpou o gozo de George de suas pernas. Estava justamente nessa parte quando se deu conta de que, ao lado dele, numa das paredes, havia uma pessoa. Sobressaltado e agitado, moveu-se bruscamente. Foi nisso que observou que a pessoa presa àquela moldura realizou os mesmos movimentos. Sem querer acreditar no que estava vendo, levou a mão trêmula ao rosto, e a linda criatura de cabelos compridos do outro lado da sala imitou sua ação. O mesmo aconteceu quando seus dedos escorregaram pelo pescoço e caíram na direção do colo. Comparando-se com o outro, tocou na ferida lateral da cintura, realizou movimentos pacificadores levando o cabelo para trás, como uma pessoa faz quando tenta se acalmar, cobriu a boca soluçante com a costa da mão e, quando sentiu os olhos arderem de frustração, viu que a criatura ali refletida também lagrimava. Refreando a vontade de desfalecer, Vince rapidamente correu da banheira para a direção daquela moldura dourada que, antes de mais nada, não deveria ilustrar nada além da imagem da parede e do tremular das velas que clareavam modicamente o local.

 

Agora, havia ali um elemento novo que não deveria existir. Ele conseguia enxergar o próprio reflexo. Vincett havia se transformado em um mortal.

 

 

(…)

 

— Ela estava tão feia! – ecoou, estridente, a voz do menino pelo castelo.

— Ela foi muito torturada – Sean disse, sobre o estado em que Helena foi encontrada. – Mais de uma vez, aquele velho maldito bateu nela! Fora o combate com os ghouls, os tiros que a acertaram…

 

Sean não conhecia a terça parte do que havia, de fato, acontecido com a jovem caçadora.

 

— Mas ela estava muito, muito diferente!

— Helena passou por horas seguidas de muito sofrimento. É natural que ela estivesse um tanto abatida.

— Será que o vampiro também bateu nela?

— Pelo que entendi, ele a protegeu. Como todas as mensagens parecem vir de Helena, ele deve ter morrido antes dela. Duvido que não soubesse escrever.

 

Margarida, em passos vacilantes, apenas enxugava as lágrimas, não dizia nada. Aliás, quanto mais a criança fazia comentários reforçando o estado em que sua amiga foi encontrada, maior era a torrente que subia aos seus olhos. Sean fez mímicas para o menino, a fim de que ele encerrasse suas observações. A criança deu de ombros e continuou andando tranquilamente. Sean queria entender como aquele moleque era capaz de ignorar completamente a morte brutal de seu pai e ficar metralhando-o de questionamentos supérfluos. A insensibilidade e resiliência infantis o surpreenderam a ponto de ele se perguntar se, em algum momento, ele foi do mesmo jeito. Não queria, no entanto, trazer esse assunto à tona, afinal já estava difícil lidar com um chorando, avalie dois. Quando o menino começou a atirar as adagas para cima, uma após a outra, em círculos, aparando-as com habilidade sem deixá-las cair, ele aproveitou o feito para tentar distrair Margarida:

 

— Veja, que perfeito malabarista!

 

Ela enxugou os olhos molhados e tentou sorrir:

 

— Muito talentoso!

— É verdade? Então, eu vou poder ir com vocês para o circo?

 

Margarida e Sean se entreolharam, afinal, o dono do circo estava morto. Para qualquer um dos efeitos, os dois estavam desempregados. Aliás, não apenas eles, como todos os seus colegas. Que eles soubessem, o dono do circo não tinha nenhum sucessor, e eleger um dentre todos aqueles funcionários que não eram parentes do falecido era uma coisa inviável, ia gerar uma guerra sem precedentes. Cada um deles reclamaria dons especiais em si mesmos, discutindo tempo de casa, arrecadação maior, espetáculos mais arriscados, trabalhos mais indispensáveis, mais abrangentes, redes de contato com autoridades e patrocinadores, contato maior com o dono daquilo tudo e portanto conhecimento sobre a administração do local, enfim, não ia ser algo bonito de se ver. Mas, para tranquilizar aquele menino órfão num primeiro momento, Sean sorriu e disse:

 

— É sim! Você trabalhará conosco!

— Sean! – Margarida tentou contestá-lo, mas ele sorriu amigavelmente para ela e a moça compreendeu suas intenções.

— Vocês vão me adotar?

 

Mais uma vez, o casal se entreolhou, surpreso. Margarida, emocionada com o convite, sorriu e assentiu sem nem pestanejar:

 

— Claro, meu querido!

— Então, eu vou voltar a ter uma mamãe?

— Eu não tenho muita experiência na função, mas vou dar o meu melhor.

— Eu não entendo nem de ser pai e nem de ser marido, mas também vou tentar dar o meu melhor nos dois.

— Sean, isso quer dizer que…?

— Se você aceitar, é claro.

 

(…)

 

Vince, após aplicar medicinas em suas feridas e pessoalmente fazer pontos em todas elas, envolveu sua perna, ombro e cintura com ataduras. Vestiu uma roupa à moda das de sempre, encarando a própria imagem com descrença e ceticismo enquanto ajeitava o lenço justo à gola, que ele prendia com um broche. Ainda carregava certa insegurança quanto a ficar perto de janelas e claraboias, e, por isso mesmo, evitava ambientes onde sabia que teria qualquer um dos dois. Durante todo o seu período de tratamento e troca de roupa, ficou se perguntando se estava mesmo certo quanto ao que teria acontecido consigo. Se ele estivesse enganado e, por distração, ficasse diante de qualquer claridade, a morte era certa, mas teria que arriscar em algum momento (agora, Arthur estava morto. Não poderia mais servir de teste). Colocou o colete e, quando ia vestir a sobrecasaca, seu cabelo, que estava solto, prendeu num dos botões. Ele, então, decidiu deixar o casaco para depois e pentear o cabelo primeiro. A tarefa exigiu que, mais uma vez, ele se olhasse no espelho. Se ele tivesse algum tempo para fomentar vaidades, talvez ficasse satisfeito com o que via, mas seu olhar era vago e sua boca ostentava uma linha reta, infeliz. Vince era, pelo menos naquele momento, indiferente aos próprios traços. Ao analisar aquela imensidão de fios que tinha nas mãos, ele foi transportado para uma desagradável recordação: George comparando-o à irmã Anna, por seus longos e negros cabelos, enquanto os agarrava para imobilizá-lo. Lembrou-se dos dizeres humilhantes, do coito forçado, da sua incapacidade de se defender, do rosto da filha do caçador vendo-o naquela situação… De uma gaveta, sacou uma tesoura e tinha realmente a intenção de cortá-los até a raiz, quando foi atraído por um barulho. Desistiu. De forma muito discreta, caminhou até a sacada e verificou que lá abaixo Sean, Margarida e seu futuro filho adotivo estavam acertando o rumo do pátio principal onde o confronto começou, além de conversarem alegremente sobre a futura adoção do pequeno. E foi nesse momento que seus planos mudaram por completo de direção.

 

(…)

 

 

— Eu quero morar em algum lugar perto do colégio das freiras! Eu não era matriculado, mas elas me deixavam assistir às aulas! Por isso, eu já sei ler algumas coisas – comentou o garotinho, alegremente.

— Vamos ver se é verdade! Escreva seu nome! – Sean desafiou.

— F.R.A.N.K.L.I.N. – o garotinho soletrou enquanto riscava com o punhal na parede as letras, conforme ia falando. – O mesmo nome do meu pai – disse ele, em tom mais triste.

— É um lindo nome, Frank. Posso te chamar assim? – Margarida perguntou, sobraçando-o.

— É claro que…

 

Margarida não escutou a conclusão da frase. Ouviu dois barulhos: um se assemelhava ao agitar de uma espada, ou de um leque – era aquele ruído de quando algo é agitado ao vento – e o outro era um baque que se assemelhava a algo explodindo, estourando, mas também lembrava o som emitido por um tapa. Em um segundo, Franklin, este personagem recém nomeado, estava ao chão, com uma seta cravada na lateral superior da cabeça. Seu corpinho ainda se contraía nos espasmos finais quando Margarida avançou em cima dele, negando o que estava vendo em dizeres desesperados. Sean, mais objetivo e de raciocínio ligeiro, entendeu imediatamente o que havia acontecido sem nem olhar: era um ataque vindo de cima. Agarrou a noiva pelo meio do corpo e saiu correndo com ela nos braços. Margarida pedia para descer e resgatar o pequeno amigo dos dois, e enquanto corria, Sean repetia:

 

— Ele está morto! Um deles o acertou na cabeça! Você também viu!

— Não! Ele ainda pode estar precisando de nossa ajuda!

— Não há como sobreviver a um ataque daqueles, e o vampiro deve estar atrás de nós agora! Precisamos nos esconder!

— Vamos até uma janela!

— Mas, e se for daqueles vampiros que não se afetam pela luz do sol? Olhe em volta! Olhe acima de nós, a claraboia! Se ele fosse afetado pelo dia, não estaria nos seguindo! Ir para perto de uma janela não é mais garantia!

 

Ao escutar este dizer de Sean, Vince, que estava cauteloso quanto à sua nova condição, foi só agora prestar atenção que acima dele o dia estava absolutamente claro. Nublado, é verdade, mas perfeitamente amanhecido. Sorriu de um jeito macabro, e seguiu andando calmamente com uma segunda flecha já armada para disparar.

 

— Como pode ter tanta certeza? - Margarida perguntou.

— O namorado da Helena era um meio-vampiro, não era? Talvez ele não fosse o único meio-vampiro da família…

— Aproximem-se, queridos visitantes aliados de Karl Lee Rush! Sinto que estão pesarosos pelo amigo que se foi, mas não se preocupem! Farei com que todos se reúnam no inferno agora mesmo!

— Quem é ele? – Margarida perguntou, chorando nos braços de Sean. Os dois estavam escondidos atrás de uma coluna, esperando o melhor momento para saírem dali correndo – Já não estavam todos mortos? Como isso pôde acontecer?

— Shhhh! – ele a orientou a fazer silêncio.

— Hah! Que interessante – eles ouviram a voz de Vince dizer. – Se não são as armas lendárias! Então, temos aqui pessoas que não são caçadoras! Sim, porque, se o fossem, não deixariam artefatos com essa importância nas mãos de um pirralho imprestável!

— Esse bastardo!! – Sean cochichou para Margarida, cobrindo a boca dela para evitar que ela dissesse qualquer coisa.

 

Mesmo assim, ela retirou sua mão de lá e falou:

 

— Ele deve estar perto do Franklin!

— Frank já deve estar com o pai dele.

— E se ele estiver vivo?

— Eu imagino que tenham dúvidas quando ao estado do amigo de vocês – Vince prosseguiu – Bom, eu tenho más notícias. Não acreditam? Certo… farei com que tenham certeza.

 

Margarida tentou gritar algo e correr na direção de Frank, mas Sean cobriu sua boca e a deteve. Alguns segundos de silêncio se passaram, e os dois viram Vince caminhando com o corpinho do menino pendurado de cabeça para baixo. Vince o segurava pelos dois tornozelos. Sean cobriu os olhos de Margarida ao ver que ele ia em direção da janela. Margarida teimosamente descobriu os olhos, a boca, tudo o que Sean tentou cobrir, e gritou do fundo da alma:

 

— NÃO FAÇA ISSO!!!

 

Mas era tarde demais. Vince havia atirado o garoto pela janela, de forma que sua cabeça, uma vez viva, se despedaçasse nas pedras muitos metros abaixo.

 

 

 

Margarida saiu de seu esconderijo e caiu de joelhos em área bem exposta. Sean correu atrás dela e tentou levantá-la, sob brados histéricos. À essas alturas, Vince já apontava novamente o seu arco na direção deles. Sean se colocou na frente de Margarida enquanto literalmente a empurrava, para que ela corresse.

 

— Corra! Corra e não olhe para trás! – ele ordenava.

— Sean!

— Pare de me atrapalhar! Se eu tiver que te proteger todo o tempo, vai ser pior para mim!

 

Ainda hesitante, Margarida começou a correr para longe de Sean. Ele, em contrapartida, veio na direção de Vince, que soltou a flecha. Sean saltou para o lado no último momento e a seta que deveria atingi-lo em alguma parte do tronco o acertou na coxa. O jovem caiu no chão tentando não gritar, pois isso chamaria a atenção de Margarida e a colocaria em perigo. Mesmo sem conseguir realizar seu intento, que era entrar em combate corporal e impedir Vince, ele continuou arrastando passos na direção do inimigo.

 

— Maldito!… Você não irá machucá-la!

— Não irei. Não é mesmo essa a minha intenção.

 

Vince levou as mãos à sacola de couro atada às costas, onde ele guardava as flechas, para pegar mais uma.

 

— Contudo, não irei mais perder tempo dialogando com o inimigo. Isso já me custou muito caro – ele completou, armando a mira outra vez.

— Você vai deixar a Margarida em paz? Você vai deixar ela ir embora em paz? – Sean insistiu, se permitindo chorar ao sentir a morte próxima.

— Eu prefiro temperar a sua morte com um pouco de incerteza – Vince respondeu, soltando a flecha na direção do rapaz.

 

Um objeto colide com a seta, mudando sua trajetória ao ser espetado. Margarida, ainda arfante pela carreira e pelo esforço de lançar aquilo – era um livro –, gritou:

 

— Você não vai matar o Sean, seu desgraçado! Não no que depender de mim!

— Prefere você mesma fazer isso?

— Mas que brincadeira é essa? – Margarida gaguejou, diante do absurdo que estava ouvindo.

— Margarida, o que foi que eu te falei?

— Eu não vou ficar fugindo enquanto você fica aqui ferido, lutando por mim!

— Se você continuar aqui, eu lutar por você não vai adiantar nada!

— Então, morreremos juntos, como a Helena e o seu meio-vampiro! Eu não aceito sair daqui sem você!

— Interessante – Vince sorriu e voltou a apontar uma nova flecha para Sean – Amigos de Arthur e sua amante caçadora.

— O que você tem contra nós?! – Margarida gritou, enquanto corria para proteger Sean, que protestava chamando-a de burra para baixo.

— Em termos práticos, nada. Mas preciso limpar este castelo. Não quero caçadores aqui, vocês não são bem vindos. Uma vez saindo daqui seguros, falarão deste lugar a outros como vocês. Não posso correr esse risco.

— Deixe-nos ir embora, e nunca falaremos daqui para ninguém, eu juro!

— Sai da minha frente! Margarida, pelo amor de Deus, saia daqui! Vá embora!

— Não vou embora! - ela gritou de volta, resoluta.

— Eu nunca me casaria com uma pessoa tão idiota e desobediente! Mulherzinha estúpida! – ele mentiu, para que ela o dispensasse e fugisse.

— Não importa o que você diga! Não vou embora!

— Eu estou ferido por sua causa! – ele tratou de misturar um pouco de realidade aos seus comentários para passar maior credibilidade – Eu te odeio! Você está me ouvindo? Vá embora, eu não quero mais te ver!

— Já disse que não vou embora! Não vou embora, ouviu? Não vou embora! Não vou embora! Não vou!! Anda, senhor vampiro, atire sua flecha! Vamos morrer juntos! – Margarida insistiu, abraçando Sean.

— Tenho uma pergunta a fazer, antes de tudo.

— Você disse que não queria conversar! – Margarida o contestou.

— Onde está a filha do caçador?

— Não sei! – muito nervosa, Margarida respondeu.

— Se não são capazes de responder a esta pergunta…

— Por favor, poupe Margarida – Sean estendeu a mão, pedindo clemência – Ela é uma boba, jamais saberia dizer onde fica este lugar se acaso saísse daqui! E sabe conservar segredos! Ela não vai dizer nada a ninguém sobre este lugar, esteja certo disso!

— É claro que ela não vai contar sobre este lugar a ninguém, afinal, não irá sair daqui.

— Por favor! Por favor, não faça mal a ela, ela é indefesa, estúpida, praticamente uma criança! Não representa ameaça alguma!

— Ei! – Margarida ficou ultrajada com as definições apontadas por Sean.

— Sei que não – Vince sorriu ao evocar alguma lembrança – Poucas vezes durante minha longa existência capturei alguém com tanta facilidade.

— Sean não é um caçador – Margarida interveio – Nós dois somos apenas artistas de circo! Nós só estamos aqui ainda porque estávamos à procura da minha amiga Helena! Oh, por Deus! Não permita que minha insistência neste assunto cause também a morte de meu amado Sean!

— Você é leal, doce e agradável… E o melhor de tudo: é ridiculamente estúpida. Pode ser de grande utilidade para mim. Mas este homem… Definitivamente, preciso me livrar dele.

— Não, por favor! – Margarida se atirou diante dele, de joelhos – Eu faço o que você quiser, não mate o Sean!

— É uma proposta atraente – Vince respondeu, ainda com a seta apontando para os dois – Com a capitulação de todos os meus irmãos, preciso reconstruir o clã e, para tal, necessito de uma mulher.

 

Margarida ficou em um silêncio aterrorizado. Sean, ao contrário, começou a gritar provocações e a pedir para ser morto, contanto que Margarida fosse libertada.

 

— Venha comigo – Vince solicitou a Margarida.

— Não!! Não, Margarida, não vá com ele! Merda! Mulher, não ouse cometer uma estupidez dessas! Não o siga! Não se atreva! Não admito! Me enfrente como um homem!! Não envolva minha noiva nisso!! Seu grande pulha! Devolva minha Margarida!!! – Sean gritava, tentando se arrastar, enquanto Margarida e Vince se distanciavam dele.

 

Sem se importar com a contestação de Sean, Vince caminhou com Margarida para uma câmara diferente. Margarida cruzava as mãos diante do busto, nervosa, pensando que só estavam nessa situação por sua causa, e que agora ela se tornaria mãe dos filhos de um vampiro por isso.

 

“Burra, mil vezes burra!”, pensava. “Eu poderia ter ficado escondida e em silêncio na hora que o Sean falou! Estava evidente que ele só fez aquilo com o corpinho do Frank para nos provocar, e eu caí na cilada!”

 

Mas era tarde demais para divagar sobre arrependimentos, e ela precisaria ser objetiva agora, se quisesse salvar Sean e a si mesma. Margarida não estava tendo boas impressões acerca daquele isolamento que Vince estava providenciando. Se separar de Sean não lhe transmitia a menor segurança. Numa situação daquelas, ele era a cabeça pensante, ele era o freio de racionalidade que a separava de suas decisões irrefletidas. Sem Sean, ela não era mais do que um coração impulsivo e imprudente, capaz de cometer um sem-número de deslizes fatais.

 

— Por que estamos indo para tão longe dele?

 

Como Vince a guiava em silêncio, ela se recusou a continuar a caminhada e o empurrou:

 

— Responda!

— Precisamos chegar a um lugar.

— Que lugar é esse?

— Confie em mim, você não vai gostar de saber.

— Por quê…?

— Olhou bem para o seu amigo? Esta foi a última vez em que você o viu.

— O… o quê?

 

Vince caminhou um pouco mais e, quando Margarida achou que ele não fosse mais fazer nada, o ex-vampiro puxou uma alavanca na parede, e do nada um enorme conjunto de engrenagens e placas de pedras sustentadas por correntes começou a se movimentar, como se eles estivessem do lado de dentro de um imenso relógio. Margarida gritou ao ver todo o cenário em volta deles se transformar em frações de segundos. Era uma coisa fora da realidade, que parecia nem ser dali. Era visão tecnológica para dali a um século ou mais.

 

— Se você tivesse que sair daqui, agora, em busca de seu amigo, para qual destes lados iria? – ele perguntou divertidamente, como se estivesse falando das opções simples de uma gincana.

 

O cenário em torno havia se fechado e aberto em escadas incompletas de um lado, rampas de descida em outro. Paredes se levantaram onde antes haviam corredores, e do chão surgiram elevações que montaram caminhos novos defronte, nas laterais e por trás deles. Eles mesmos foram descidos por uma placa cuja sustentação parecia vir apenas de baixo. Margarida só não se desequilibrou e caiu porque Vince a segurou pelo braço. Ao término de toda a operação, Margarida nem viu quando, eles pararam em um quarto com uma cama, normal. O tablado abaixo deles não tinha desacordo nenhum com o restante do cenário, parecia que nada havia se desfeito.

 

— Não! Não! Sean! Sean! Onde ele está? Você prometeu que não iria machucá-lo! Você disse que iria fazer um acordo comigo! E, nesse acordo, Sean ficaria vivo!

— Seu amigo não foi morto, não ainda. O destino dele, é claro, depende de você e da sua capacidade de me obedecer.

— Onde está Sean? – Margarida perguntou, entredentes. – ONDE ESTÁ O SEAN???

— Em primeiro lugar, acalme-se.

— “Acalme-se” nada!! Eu quero falar com Sean, quero saber se ele está vivo! De outra forma, não vou obedecê-lo em nada, e você pode me matar se quiser, que eu não tenho nada a perder!

— É muito simples: ele está do outro lado da parede. Você pode se comunicar com ele agora mesmo.

— Não é verdade! Eu vi que tudo se mexeu em volta, como ele pode estar do outro lado da parede? Ele deve ter caído!

— Posso assegurar que isso não aconteceu.

— Quem está aí? – eles escutaram a voz de Sean arfante, abafada e muito baixa, do outro lado. – Margarida…! Margarida!? É você?

— SEAN!! – Margarida se jogou contra a parede e começou a dar tapas seguidos nela, para fazer muito barulho. – Sean, meu amor! Você está mesmo aí??

— Margarida! Que bom que você está bem!

— Estou! Estou bem! E você também vai ficar!

— Margarida, o que está acontecendo aí? Como está você?

— B-bem! – ela tentou falar em tom alegre – Estou muito bem!

— Margarida, eu sei que você está mentindo! Maldito, o que você vai fazer com ela?

— Não se desgaste com curiosidades sem sentido, homem mortal. Não é essa a sua função.

— E qual é a minha função, seu filho de uma puta?

— Garantir a obediência de sua… noiva, você disse noiva, ainda há pouco?

— BASTARDO! EU VOU TE MATAR! EU VOU TE MATAAAAAAAR! – Sean gritou, batendo na parede com todas as partes do corpo.

— Sean, fica calmo, vai dar tudo certo – Margarida pediu, enxugando os olhos.

— NÃO VOU PERMITIR! NÃO VOU PERMITIR, ESTÁ ME OUVINDOOOO? – Sean batia repetidamente do outro lado da parede. – DEIXE A MARGARIDA EM PAZ, MALDITOOOOOO!

— Do que você está falando, seu macaco? Diferente dos meus irmãos, esta cabeça ainda é governada por um cérebro. Não tenho tempo para assuntos de pouca importância como este. Sua companheira nada mais é do que a peça mínima de um plano futuro que eu obviamente não seria estúpido de executar agora. Ouça: tenho coisas a fazer – ele disse a Margarida. – E você irá me esperar aqui, pacientemente. O resto, você já sabe: se me desobedecer, ele morre.

 

Margarida abraçou o próprio corpo, em repulsa. Em seguida, acariciou a parede, pensando em Sean, que estava do outro lado.

 

— Que coisas você vai fazer? Você vai machucar o Sean?

— Seu amigo, como eu já disse, vai garantir que você seja obediente comigo pelos próximos dias, meses, anos talvez – Margarida arregalou os olhos diante dessa possibilidade. – Mas sim, tenho outras pessoas a “machucar” – disse ele, sorrindo. – E uma dessas pessoas é a filha do caçador. Não admito que nenhum membro daquele clã saia daqui com vida, ainda que seja uma mulher.

— Eu vou ficar aqui sozinha?

— Não sozinha; com o seu amigo. Acreditei que apreciasse a companhia dele. Há algum problema com isso agora?

— Não! Não quero! Preciso saber como ele está! Preciso saber como ele vai ficar! Alguém precisa cuidar dos ferimentos dele!

— Eu acho que você ainda não se deu conta do quanto é substituível! Pare de me fazer exigências descabidas, ou eu vou acabar perdendo a paciência com os dois.

 

Margarida recuou, temerosa.

 

— Vou explicar de forma precisa o que está acontecendo, para que você entenda o cenário que tem em torno de si e de seu amigo e saiba decidir as coisas de forma mais… sábia, vamos dizer assim. – Vince suspirou, e voltou a falar: – Há uma pedra acima do seu amigo neste exato momento e um movimento que eu fizer pode levá-la abaixo. Falando vulgarmente, ele morreria esmagado como um inseto. Não acredito que seja essa a sua vontade, então vamos às minhas condições: em primeiro lugar, eu adoro o silêncio. Acho que essa frase condensa a ideia toda, certo? Parem de fazer barulho. Segundo: eu não gostaria de que meus convidados tentassem fugir na minha ausência, isso seria muito ruim para os dois. Terceiro: encerrada a minha missão lá fora, daremos início aos planos que tenho para você, e…

 

Margarida não esperou ele terminar de falar. Puxando-o pelas mangas da roupa, a ex-circense o empurrou de encontro à parede e o beijou.

 

 

 

Enquanto aprofundava o beijo, Margarida agarrou o líder dos Seingalts pela nuca, enrolando sua mão com uma volta e meia ao redor de seus cabelos, para impedi-lo de se soltar. A outra mão enlaçava sua cintura, aproximando-os. Sem ligar para qualquer consentimento, ela o guiou até a cama e sentou por cima de seus quadris, tentando estimulá-lo com beijos insistentes enquanto abria o espartilho para liberar o decote. Ao sentir o busto livre, ela tomou uma das mãos de Vince e o fez agarrar um de seus seios nus.

 

— Eu prefiro fazer os meus próprios planos – Margarida disse, tentando sorrir, mas soava apenas nervosa. Suas mãos estavam trêmulas.

— Sei… e nesse seu plano nós dormimos juntos, você escapa do leito sem eu perceber e foge com seu amigo na mais absoluta segurança. É isso? – ele perguntou, com uma expressão entediada.

 

Margarida deu de ombros, sem resposta. Para não ter que falar, colou os lábios aos dele num movimento muito breve que não tinha mesmo a intenção de durar, mas que serviu para umedecer sua boca minúscula e deixá-la ainda mais tentadora. Vince, terrivelmente atraído por aquele conjunto gracioso de fisionomia e medidas, fechou os olhos para não ter que encará-lo.

 

— Ouça… – disse, tentando não olhar para ela – Eu poderia, perfeitamente, ficar aqui e fingir que tudo isso está funcionando, mas realmente tenho pressa. Mais do que pressa: prioridades.

— Como vocês são na cama? Comparam-se a homens comuns ou têm alguma coisa de diferente? Esta é uma pergunta que eu gostaria de ter respondida desde que vi o meio-vampiro da Helena – Margarida o segurou pelo queixo e tentou beijá-lo, mas ele virou o rosto. – Eu não tinha reparado que vocês também são quentes…

Considerando essa observação muito perigosa, Vince tergiversou:

 

— Eu não entendo muita coisa de relações humanas, mas estou ciente de que fiz coisas hoje pelas quais não faz o menor sentido você me perdoar. Assassinar um de seus aliados, aprisionar seu amigo, ameaçar a integridade de outros eventuais caçadores que estejam espalhados ao redor do castelo… Faça esse favor a si mesma: seja coerente. Sua segurança depende disso. Não tente se meter em situações que superam sua capacidade…

— Margarida!! Margarida, fala comigo! MARGARIDAAAAAA! – Sean gritava, do outro lado.

— … e contente-se em esperar os meus comandos. Porque é isto: eu estou no comando agora, independente do que você pense a respeito de vocês todos enquanto grupo, ou mesmo enquanto caçadores individuais.

 

Margarida deu uma breve olhada para a parede, mas voltou-se novamente para Vince, tentando bajular o inimigo no aspecto que lhe pareceu mais óbvio. Contornando suas feições com a ponta do dedo indicador, ela disse, enquanto mordia com leveza o lóbulo de sua orelha:

 

— Você é tão bonito que nem parece um monstro. Parece até o protagonista de um romance… Essa sua forma de falar me põe louca, nunca conheci alguém como você.

— Seria estúpido até para alguém no nível do meu irmão mais novo acreditar que esta é a causa de você estar aqui.

— Ei, desarme-se! Não está cansado? Acho que gostaria de se divertir.

— Não ainda!... Não ainda. Não enquanto meus adversários continuarem rondando este castelo à minha procura.

— Eu sinto você “crescendo”, não adianta fingir. É só um minutinho! Faça! Eu quero senti-lo dentro de mim.

— Eu já disse, não agora.

 

Sentindo o nervosismo e o desespero aumentarem, Margarida investiu novamente no inimigo, teimando no mesmo plano que já tinha dado errado. Forçou um beijo nos moldes do primeiro, e foi tão persistente nisso que, mesmo contra a vontade, o corpo de Vince começou a reagir. Ele se contorceu e se apoiou nos cotovelos para tentar se levantar e sair dali, mas a jovem forçou seus ombros para baixo, fazendo-o ficar deitado novamente, tudo isso sem descolar os lábios dos dele. Tomou seus pulsos que tentavam afastá-la e os colocou acima do nível da cabeça. Mordiscava e lambia sua boca com perícia e experiência, enquanto desatava a fita que encerrava a frente de sua camisa. Vincett tentou impedi-la de fazer isso, pois, uma vez que ela visse seus ferimentos, perceberia nisso uma vulnerabilidade. Margarida também anteviu essa defesa, descendo a boca por seu pescoço enquanto movia-se sobre ele num ritmo lento e contínuo, para excitá-lo também na parte de baixo. Chegou a mordê-lo, arrancando sussurros e gemidos involuntários do inimigo. Sorriu ao ver o curativo em seu ombro, e de fato imaginou um horizonte azul à sua frente com aquela nova informação. Para soar desinteressada daquele êxito, contentou-se apenas em excitá-lo abocanhando um de seus mamilos, lambendo-o, chupando-o, estimulando aquela área de acordo com a reação do outro, usando a boca ou as pontas dos dedos. O fato de ele agarrar os cabelos dela para mantê-la ali já dava amostras de que sua tão anunciada racionalidade estava se esvaindo. Margarida, confiante da vitória, desatou mais alguns cordões da blusa do ex-vampiro, deixando-o com a frente exposta até o umbigo. Novos curativos foram revelados. Margarida escalou por seu corpo e repousou sobre ele seus fartos seios, levando-os para cima e para baixo, numa carícia sedutora que o fez esquecer-se completamente de Sean, de Angela, de Karl Lee Rush e de todos os seus irmãos mortos na véspera. Apenas o seu corpo ardia, numa febre de volúpia tão voluntariosa que se fazia soberana sobre tudo o que realmente interessava. Independente de ele ter se tornado um humano, séculos de luxúria muito bem exercitados continuavam ali, reinando sobre aquele corpo, sobre aquela vontade. Vincett tentou proferir alguma objeção ao avanço da mão atrevida daquela menina, que tentava descer e se enfiar dentro de sua roupa, mas novamente a artista o silenciou com beijos, pressionando sua mão contra o colchão para contê-la ou fazendo-a agarrar alguma parte macia de seu corpo. Vince oscilava entre empurrá-la, apertar sua cintura e coxas, beijar seus lábios e seios e recomeçar esse ciclo infinitamente, de acordo com sua vitória ou derrota naquele duelo contra a própria natureza. Sua ereção estava muito bem desenhada, apesar da roupa. Margarida havia chegado onde queria, mas ainda não estava plenamente satisfeita. E, da mesma forma que ele era suscetível à sua sedução, repentinamente recuperava um fio ou dois de juízo, o que o tornava potencialmente perigoso e volúvel. Ela precisava dominar aquela situação por completo.

 

— Basta!… – ele, mais uma vez, tentou repeli-la, sem sucesso.

 

A menina, ágil, mais uma vez assaltou sua boca. Enquanto o beijava até extrair todo seu fôlego, Margarida desceu a mão pelo tórax e cintura do inimigo e finalmente, mesmo ele tentando contê-la, agarrou sua parte íntima por dentro da roupa. Nesse momento, suas pernas relaxaram-se e abriram-se em rendição; ele estava completamente derrotado.

 

Enquanto se desfazia de suas roupas de baixo e subia em Vince para completar a cópula, Margarida se lembrou vagamente de como fazia a mesma coisa para livrar seus colegas das enrascadas com o dono do circo. Sendo ele um homem muito mau, castigava duramente o artista que não entregasse números à altura do que ele esperava, ou que não arrecadasse o suficiente nas apresentações. Era comum que seus colegas mais vagarosos pela idade ou os recém contratados com problemas de adaptação sofressem castigos físicos por qualquer erro, por menor que fosse. Quando os castigos não eram físicos, era comum que eles fossem obrigados a emendar dias seguidos sem comer. A própria Margarida passou pela experiência de ficar trancada por horas numa mala até que conseguisse executar com perfeição o seu número habitual de contorcionismo. Por isso, empática ao sofrimento dos outros, pensava da seguinte forma: se podia distrair o mestre com seu corpo, era esse o seu papel no mundo. Com o tempo, os outros também se habituaram a isso: quando algum deles se via em apuros com aquele homem, pediam sua intercessão.

 

— Só a Margarida é capaz de aplacar a fúria daquele demônio! – diziam.

 

“Vá, Margarida, faça algo por mim!”, pediam a ela. Quando ela soube da exata função de Helena no clã Lee Rush escutando seus amigos e os hóspedes da estalagem conversando, não pôde deixar de se identificar com ela. Apesar de toda a virtude de suas funções, eram mal vistas e julgadas como cúmplices dos opressores. Não poucas vezes, Margarida foi esbofeteada por colegas distantes que não compreendiam o que ela estava fazendo. Outros, gratos por sua boa vontade, começaram a chamá-la de Dalila, a salvadora. O nome, obviamente, tinha a ver com a personagem bíblica, aquela que, seduzindo Sansão, o israelita, conseguiu obter o segredo de sua força e com isso ajudou, ainda que por um curto espaço de tempo, os filisteus, seu povo. Sean, de início, estava entre aqueles que não compreendiam a relação entre Margarida e seu mestre. Por isso, condenava-a veementemente. Isso, até o momento em que ele viu a filha de fachada do dono do circo salvando uma garotinha que errou sua apresentação no trapézio, causando risos e escárnio por toda a plateia. Era certo que, naquela noite, a menina perderia o couro das costas se Margarida não tivesse ido para o leito com aquele homem. Na verdade, toda aquela sua condenação, no fundo, era ciúme. Quando ela entregava seu corpo grácil e nu àquele homem, causava-lhe um estremecimento de consciência, um incômodo profundo que ele era incapaz de compreender. Detestava-o tanto quanto a amava. Achava insultante que ela saísse daquela tenda de cara alegre, como se não tivesse nada de triste a relatar. Na verdade, o que Margarida queria, com sua falsa alegria, eram duas coisas: fazer com que seus amigos não se sentissem culpados pela sua rotina e convencer a si mesma de que as horas pavorosas que passava com aquele homem não eram capazes de causar danos ao seu espírito. Por isso, impunha a si mesma esta missão: a Margarida de dentro da tenda seria uma, a de fora outra.

 

— Ela deve gostar de tê-lo a seus pés! É uma maldita vaidosa! – Sean se pegou refletindo várias vezes, equivocado.

 

O mágico só se deu conta do peso daquela função quando a viu chorando, um certo dia, do lado de fora do acampamento. Tinha o rosto vermelho e molhado, e suas roupas estavam completamente despedaçadas.

 

— Se sofre tanto, por que continua a fazer isso? – ele lhe perguntou.

— Não é óbvio? Eu me submeto para que elas – as novatas, ela dizia – não passem pelo mesmo. Enquanto eu for jovem e fresca, enquanto ele me quiser, eu as protegerei. Uma noite de livramento que eu garanta para elas, é um peso a menos na minha consciência.

 

(...)

 

Por ironia do destino, Vince, com seus cabelos compridos, parecia a exata personificação de Sansão. Margarida tinha certeza de que não obteria o segredo de sua força através de seus lábios, mas queria ganhar tempo. Seu juízo sobre aquilo tudo continuava exatamente o mesmo: alguns minutos de vida que ela conseguisse para Sean, eram o suficiente para mantê-la aliviada. No entanto, ela não chegou a pensar no que faria depois, se é que haveria um depois. Por atraente que fosse, Vince não era um dono de circo com um chicote na mão, era uma besta do inferno com poderes sobrenaturais que poderia transformá-la em um deles, ou simplesmente eliminá-la do mundo em um estalar de dedos. Todo cuidado era pouco.

 

E Sean, mais uma vez, ao escutar sua voz delirando sob o toque de outro, tornaria a desprezá-la. Mas ela precisava fingir, precisava arriscar. Quando ouviu Vince tocando no assunto das armas lendárias em posse do menino Franklin, calculou que ele as tivesse trazido consigo. Tudo o que ela precisava fazer agora era tomar uma delas e pôr fim a toda aquela situação absurda, apunhalando-o no coração. Só havia se esquecido de um detalhe: ela, que colocou a todos em risco repetidas vezes por seu demasiado apreço à vida alheia, não era uma pessoa que estivesse pronta para matar alguém, ainda que fosse um monstro. E aquele vampiro tão entregue, tão vulnerável, com aquela mocidade sedutora, a voz tão suave, aquele a quem apenas alguns minutos separavam de um assassínio tão brutal como o fora o do menino, a fez se perder de seu raciocínio inicial. Encarar aquelas feições joviais embevecendo-se dela, controlado, dependente, excitado, atingia-a fundo em sua vaidade, ainda que ela não quisesse admitir. Que maldade seria destruí-lo…! Logo ele, que deveria estar em busca de vingança por todos os seus irmãos mortos, e, no entanto estava ali, abandonando a tudo apenas para ficar nos braços dela…

 

— Margarida! Margaridaaaaaa! – Sean continuou batendo na parede, e então ela se lembrou.

 

Não poderia esquecer de Sean! Não poderia esquecer de Franklin! Não poderia se esquecer da pilha de mortos que aquela criatura debaixo dela havia colecionado, tanto no pátio principal, naquela noite, como daqueles a quem sacrificou ao longo dos séculos para conservar a sua maldita existência! Se sua futura família com Sean não teria um terceiro ente, a culpa era exclusivamente dele! Ela deveria vingá-lo!

 

Estava dividida em ideias, mas sabia o que tinha que ser feito. Movimentando-se sensualmente e sentindo-o preenchê-la e abandoná-la continuamente, Margarida tentava não se distrair enquanto acurava a vista em busca do elemento faltante para consumação de seus planos: o punhal. Vincett a tomou pela nuca e a beijou, um beijo carregado de tanta luxúria que ela, que estava ali como sedutora, viu-se de repente acanhada. Ao desfazer o contato com ele, sentiu sua mão, que segurava o rosto do vampiro, empapada de sangue. O curativo do ombro de Vince voltava a sangrar. Como sentisse que isso pudesse alertá-lo quanto ao próprio estado, ela tentou escondê-la, mas em vez disso ele a agarrou e começou a lambê-la inteira, dedo a dedo. Em seguida, forçou os ombros de Margarida para cima. Queria levantá-la de cima dele, para melhor apreciá-la. Sean ainda gritava no cômodo ao lado e fazia perguntas sobre o que estava acontecendo e Margarida, fechando os olhos, tentava se esquecer de quem era seu acompanhante, do que Sean pensaria ao vê-la ali. Vince, debaixo dela, a apalpava inteira, indeciso entre vê-la e agarrá-la. A artista tirou as mãos dele de cima de seu corpo e mais uma vez as colocou acima do nível da cabeça do jovem monstro, unindo-as pelos pulsos, e contendo-as por apenas uma de suas mãos. A outra mão, livre, alternava entre excitar a si mesma e tatear tudo em busca do punhal, de acordo com a movimentação e observação do inimigo. Margarida percebeu sua grande chance quando o viu fechar os olhos e gemer alto, ébrio de excitação, completamente alheio ao perigo. E foi exatamente nesse momento propício que o punhal de pedra vermelha retiniu seu brilho prateado.

 

Margarida o agarrou sem pensar duas vezes, acreditando que, talvez, ferido, o vampiro não tivesse tempo para reagir. Porém, os dois segundos que ela passou com aquilo empunhado sem uso efetivo inverteram o jogo em favor do monstro, que a percebeu de bote armado para atacá-lo. Neste momento, a única coisa que ele fez, e isso levou um quarto de segundo, foi segurar a mão armada de Margarida e inverter a posição dos dois – agora, quem estava por cima era ele.

 

 

Estava tudo perdido! Margarida sentiu os olhos arderem. Imaginou Sean esmagado pela pedra da chantagem, imaginou ela mesma acorrentada sendo obrigada a copular com aquele monstro até ele ter em mãos o monstrinho que tanto queria! Como pôde ter se dado o luxo de hesitar, quando tanta coisa dependia unicamente daquele gesto? Como pôde ter tido dúvidas se era a vida de Sean que estava em jogo? Ela, que teve a chance de matar o último membro dos Seingalts, como pôde deixar passar a oportunidade de fazer algo tão decisivo?

 

— Não me machuque!… – implorou, realmente temendo pela sua vida.

 

Vince segurou o rosto dela e a beijou na boca, tudo muito afetuosamente, mas ela estava com tanto medo que não conseguiu raciocinar com clareza, mordendo-o no lábio inferior, fazendo borbulhar considerável quantia de sangue. Indiferente a isso, o líder dos Seingalts sorriu, lambendo uma pequena parte do sangue que escorria e deixando, afinal, escorrer o restante.

 

Sem dizer uma palavra, ele a posicionou de bruços, quadris elevados, bem aos moldes do que George fez com Angela, ou com ele mesmo. O medo dela facilitou todo o processo. Margarida mal conseguia se sustentar naquela posição, tamanha era a tremedeira de seus joelhos, mas mesmo assim buscou conservar a obediência para não irritá-lo. Principiava a chorar; isso ela não conseguiu controlar. Quando suas pernas iam cedendo, ela se sentiu repentinamente suspensa pelo meio do corpo. Vince a agarrava pela barriga, elevando seu quadril mais uma vez. Essa mesma mão subiu para o seu seio direito, agarrando-o dolorosamente, enquanto a outra empurrava sua mão armada de encontro à cama. Margarida sentiu uma respiração em sua nuca e tomou ciência de um recado muito assustador, que se tornava ainda mais arrepiante dito com aquela voz sem nenhuma entonação exaltada:

 

— Você vai me pagar por isso.

 

Inesperadamente, essa frase ameaçadora veio seguida de um beijo em suas costas. A partir daí, a tortura começou. A primeira coisa que ela sentiu foi um corte na palma da mão – Vince a fez fechá-la em torno da lâmina e não apenas isso: segurando-a daquele modo, ele a obrigava a conservá-la assim. Em seguida, após sentir a carícia de uma glande em sua vulva por uns breves e surpreendentemente prazerosos segundos, Margarida foi penetrada de uma vez. Sua voz saiu estrangulada, mas não era possível identificar o que ela sentia nesse momento. A mão com que Vincett agarrava seu seio antes subiu para o pescoço, então, a sensação de medo gratuito agora se ampliava somada ao enforcamento. Margarida queria se levantar, mas a mão armada sendo pressionada contra a cama não lhe permitiu mais do que apenas deitar a cabeça de lado, puxando o ar precariamente através das narinas atoladas de cabelos ruivos.

 

— Não consigo respirar – queixou-se, num fio de voz.

 

Ele, então, soltou sua mão ferida e ela, chorando, pôde avaliá-la. Vince agarrou os cabelos da jovem e os enrolou num tufo único, puxando-os de modo a mantê-la de cabeça erguida enquanto suas partes íntimas se encaixavam em movimentos rápidos e ruidosos. Do nada, ele a soltou outra vez, e Margarida, enfraquecida de medo, caiu de cara no colchão. Ela passou alguns segundos sem entender o que ele estava fazendo, então cabe explicar ao leitor que Vince tentava atar os próprios cabelos no alto da cabeça. Encerrada a operação, ele agarrou novamente o pescoço da ex artista de circo e movimentava molemente o quadril, preenchendo-a de forma a alternar a penetração entre o prazer e a violência. Margarida cobria a boca, pois não queria se permitir gemer sob os comandos daquele miserável. Com a mão dela acidentalmente se aproximando do punhal de novo, Vince o tomou e o atirou para longe. Ele ficou afincado na parede, e essa foi a última visão que Margarida teve antes de fechar os olhos e rilhar os dentes, sem conseguir governar os próprios movimentos, a própria voz. A precariedade de seu autocontrole só aumentou quando o vampiro, perito no que fazia, começou também a excitá-la tocando-a no clitóris.

 

Ultrajada, ela não conseguia acreditar que seu corpo a estava traindo mais uma vez, e desta vez de uma forma muito pior do que todas as outras vezes. Enquanto Sean ficava rouco perguntando por ela e pela situação de sua segurança, a garota, volúvel, louca e excitada, soltava a voz com tudo, delatando o seu prazer.

 

— Que pervertida temos aqui…! – Vince exclamava, aos risos – É assim que você vai vingar seu aliado morto?

— N...não! Seu miserável!

— Diga…! Diga para mim, que se importa com ele! Anda! Fala!

— Aihhhh….!

— Eu não escutei.

— Paraaaaaa…!

— Você ainda se importa com ele? Ainda se sente triste por ele? Ainda se lembra do nome dele?

— Seu idiotaaaa, para com isso!

— Agora diga, diga ao seu noivo: o que você veio fazer aqui?

— Eu não sei!

— O que você veio fazer aqui?

— Não sei! Não sei! Não sei!

— Ora essa… nem consegue falar?

— Eu vou te…!

— Vai fazer o quê?

— Filho da puta…!

— O que você vai fazer?

— Seaaaaaaan!…

— Oh, então é este o nome do corno que vai morrer esmagado? Grita para ele ouvir, quero escutar o nome dele bem alto…!

— Não…! Pare!

— Sua grande vadia, você deveria estar de luto! E, no entanto, olhe o que está fazendo…! E com o seu noivo na sala ao lado, que vergonha!

— Paraaaaaaa! É você que está me obrigando!

— Estou? Você está se movimentando sozinha…

— Mentiroso!

— É assim que eu costumo punir mentirosas.

— Não estou… mentin… do!

— Ele consegue ouvir você daqui.

— Não! Não pode!

— Mas está. Mostre para ele a grande libertina que existe aí!

— Seu… maldito! Maldito, maldito! Ele me pediu em casamento hoje! Para! Para! Para com isso! Para… para… não…! Não… não… não… ah… não!

— “Não” o quê?

— Não para…!

 

Margarida queria por tudo desfazer aquele contato para não entregar essa visão de si mesma ao noivo, mas Vince não a soltava sob nenhum argumento, obrigando-a a liberar mais e mais de si, num ato autoacusatório. Se Sean ainda tinha alguma dúvida do que acontecia, perdeu-a completamente quando Vince soltou o pescoço de Margarida e ela pôde gritar em sua máxima capacidade. Quando saiu de dentro dela, o ex-vampiro sorriu ao constatar que ela havia encharcado o lençol todo.

 

 

 

— Margarida, o que está acontecendo? – Sean perguntou. Era perceptível que sua voz oscilava em falhas furiosas. – O que ele está fazendo com você?

 

Trêmula e assustada com aquele fenômeno desconhecido, com saber que estava sendo ouvida por Sean, com tudo, Margarida recuou, vexada. Mas não podia desistir, então saltou em Vince tomando-o pelas mangas da camisa aberta, soluçando de desespero, ao achar que tinha praticado algum inconveniente:

 

— Perdão! Perdão, eu não tive a intenção de fazer isso! Prometo que irei recompensá-lo, por isso, não se irrite comigo! Por favor, não me lance fora agora!

— Do que está falando? – Vincett levou a mão ao rosto dela, acariciando a lateral de sua cabeleira – Isto é você, é o seu corpo. É o seu prazer. Algo assim nunca me irritaria.

— Eh…? – ela nem conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Margaridaaaaa! – Sean prosseguia as batidas na parede. – Você ainda está aí?

 

Vince se aproximou dela para beijá-la mais uma vez, quando ouviu o toque grave de uma nota musical.

 

— Errado – sussurrou.

— Hã? O quê? – Margarida tomou distância dele, focando na parede.

— Seu amigo parece ter acabado de descobrir que existe uma senha para sair da armadilha.

— Existe?! – em tom esperançoso, a garota vibrou.

— Ele precisa de algum talento musical para ativar a contra-armadilha e sair do lugar ileso.

— Sean toca um pouco de piano e acordeão. Acordeão é um instrumento curioso que ele ganhou de um amigo da França, eu não sei se você conhece. Não vejo muitos por aqui – disse ela, tentando disfarçar sua alegria combinada a nervosismo. – Ele toca um pouco durante as apresentações, para animar os números! Temos uma orquestra, e lá ele substitui o pianista oficial… Mas ele toca mais de ouvido, sabe?

— Dá para saber. Ele é péssimo – Vince comentou, após escutar uma segunda nota errada.

— E… espere! O que vai acontecer com ele se ele errar?

— Ele já errou duas vezes – o ex-vampiro a beijou suavemente, raspando a boca na dela.

— Quantas vezes ele pode… quantas dessas ele pode errar?

— Cinco. Nessa armadilha, são cinco.

— Preciso avisá-lo – Margarida tentou se desviar dele, mas Vincett a agarrou pela cintura e a empurrou lentamente na cama outra vez. Apavorada, ela pediu: – Preciso avisá-lo… por favor! Por favor…! Não me detenha! Não me detenha! Eu preciso avisá-lo!

 

Vince aproximou o rosto do dela e a beijou novamente. Ela correspondeu, acreditando que isso abrandaria sua decisão.

 

— Gosta tanto dele assim?

— Sim. Eu gosto. Eu o amo!

 

Vince a encarou demoradamente. Disse:

 

— Você me lembra de uma pessoa que conheci há muito tempo.

 

Nessa ocasião, ele se referia a Justine, que também o conheceu numa situação parecida, onde ela o seduziu para proteger outra pessoa, só que no caso era uma amiga. Margarida sorriu, embaraçada, sem saber se ele a elogiava.

 

— Gostei de você. Em vista disso, vou propor um acordo.

— Q-que acordo?

 

Vince beijou a mão dela que tentava empurrá-lo para ela se levantar. Disse em seguida:

 

— Vamos testar se ele realmente é bom nisso. Se ele acertar o que precisa para ativar a saída, eu o deixarei ir.

— Verdade?!

— Sim, mas com uma condição.

— Sim? Diga! Pode dizer! Eu faço! – Margarida, sem controlar sua alegria, olhava impaciente para a parede e para ele ao mesmo tempo.

— Eu quero fazer amor com você uma última vez.

 

Margarida chorou de contentamento, a situação toda parecia um milagre. Como eles já haviam acabado de se unir, repetir a operação não parecia algo tão complicado. Até que Vince esclareceu a coisa que ela ainda não havia pensado:

 

— Eu a quero aqui comigo, independente do resultado. Até o final, até que meu prazer também seja completo.

 

O sorriso dela rapidamente se desfez. Sean já havia errado duas notas logo de cara. O cenário não era nem um pouco promissor. E, enquanto ele poderia ser vitimado por uma pedra de toneladas, ela iria ficar ali, se divertindo? Isso não parecia certo. E se ele acertasse? Ele a veria ali…

 

— Eu não consigo fazer isso – Margarida confessou, pranteando ainda mais.

— Eu não acredito que você tenha alternativa – foi a resposta do inimigo, que enxugou suas lágrimas gentilmente.

 

Vincett a beijou mais uma vez. Envolveu-a com tanta sedução, tanto ardor, que, mesmo diante de toda aquela situação absurda, Margarida conseguiu abstrair que um perigo indissolúvel ameaçava a vida de seu noivo. Enquanto escutava as notas serem tocadas em espaços cada vez mais hesitantes, sentia os cabelos de Vince, que se soltavam, roçarem em sua pele.

 

— Ele está acertando? – perguntava a cada vez que se via com a boca liberta, recebendo em resposta mais um beijo ou um movimento de quadris que arrebatavam sua voz.

 

Segurando os pulsos de Margarida na cama, Vince garantia sua imobilidade. Abertas e dobradas, as pernas dela também não ofereciam resistência e, de tempos em tempos, abraçavam-no, aprofundando o contato entre eles. Era impossível discernir se ela o fazia por prazer ou para apaziguá-lo.

 

— Margarida! Eu acho que isso daqui é para eu conseguir sair! Deve ser algum tipo de senha! Ele ainda está aí? – Sean perguntou, do outro lado.

 

Margarida puxou o ar para avisá-lo sobre os cinco erros, mas Vince cobriu sua boca com uma mão, enquanto solicitava silêncio com o dedo em riste em frente à dele.

 

— Eu acho que eu vou conseguir! Margarida! Você ainda está aí?

 

Vince logo o faria saber. Aumentando a intensidade dos movimentos, dominou mais uma vez o controle sobre o corpo de Margarida, que ali parecia completamente esquecida do amigo. Era como se tivessem retomado a coisa toda do ponto em que parou. Ignorando o cenário e as suas novas informações, a garota do circo se entregava ao inimigo voluntariamente, agora. Em sua mente hipnotizada pelas novas sensações só havia um pensamento possível: ela queria atingir o ápice antes que saísse o resultado das notas musicais, qualquer que fosse. Ter aquele homem, sentir um prazer como aquele, só poderia ser uma compensação dos deuses por tudo o que ela havia passado nas mãos do seu dono. Então, era justo que ela se entregasse e obtivesse uma satisfação só dela, um segredo interno de mulher, a lembrança de uma realização suprema que guardaria até o fim dos seus dias tranquilos de bem casada, onde Sean morreria numa cama quentinha, bem longe das agitações nervosas de uma batalha sem sentido em um castelo de vampiros, onde eles sequer chegavam a ser um dos combatentes.

 

Nada ali era sentimento, e Margarida sabia disso de forma bem consciente. Mas ela sabia também que devia algum tipo de vingança sobre todos os homens que a controlavam e Sean, com sua aliança de compromisso, não deixaria de ser um desses muitos controladores a esperar dela um comportamento ideal. Esse presente do acaso a vivificava, trazia à tona a sua necessidade de protagonizar a própria existência, e não apenas satisfazer a alheia. E era isso que ela levaria de Vincett Seingalt, esse inimigo cujo nome lhe era completamente desconhecido: por breves minutos que fossem, ela foi capaz de abandonar a tudo, sentindo apenas a si mesma e colocando-se em primeiro plano. Era uma coisa que ela acreditava que se devia.

 

Lentamente, aquela sensação fervilhante, aquele impacto de nervos e sentidos, invadia seu corpo em convulsões desmaiantes. Ali, não havia acordo nem concessão: era o instinto irracional e primário das criaturas que não têm o que pensar, o que calcular, que não medem o que estão perdendo e seguem existindo apesar de tudo. Margarida teria que admitir que nem a música mais ela estava ouvindo ali. Quando o orgasmo arrancou o máximo de sua voz, maior, mais prolongado e mais intenso do que o anterior, então ela ouviu um estrondo estremecedor e um estalar contínuo de engrenagens e desmoronamentos. A pedra havia se deslocado.

 

A novidade inconveniente a golpeou com o impacto de um tiro de grosso calibre. Margarida queria ver o que tinha acontecido, mas Vince, que levou a sério o acordo de só permiti-la ir quando também se sentisse satisfeito, não cedeu um milímetro em sua promessa. Por vezes, perguntava em tom provocador o que ela faria se seu noivo morresse.

 

— Quantas vezes ele errou? – ela quis saber.

— Eu parei de contar na quarta – Vince respondeu, simplesmente.

— Se você o matar…!

 

Furiosa, ela tentou empurrá-lo, mas foi assaltada por uma nova torrente de prazer. Do pouco que deu para entender do que ela falou, constam as seguinte frases:

 

— Você é vil…! É o mais maldito dentre todos os malditos!…

— E você… se importa com isso?

 

Ela virou o rosto, sem querer responder. Ele roubou dela mais um beijo.

 

Quando o gozo dele a invadiu, Margarida apertou os lençóis. Estava fraca, pois a cumplicidade daquela traição havia levado o seu corpo ao limite. As pernas que se fechavam em torno do vampiro demoraram a se assentar. Quando Vince caiu por cima dela, sem se desconectar de seu corpo, ela não o contestou. Ao sentir a respiração dele na curva de seu pescoço, obedeceu seu primeiro ímpeto, que foi o de afagar os longos cabelos do inimigo. Apesar de tudo, estava grata pelo prazer que ele havia lhe proporcionado. Seu raciocínio lógico ainda estava comprometido, e seu corpo estava tão enlevado pela sedução que ela ainda não tinha calculado o caráter definitivo da possibilidade de perder seu noivo. Quando finalmente refletiu a respeito, mal dava conta de falar.

 

— Sean não apareceu!… Ele não veio…! Só pode ter morrido…! – concluiu, com a voz engasgada por uma combinação estranha de prazer e pranto.

 

Vincett fechou os olhos e ficou em silêncio.

 

— Você sabe que ele morreu, não é? Mas não quis me dizer… Meu Deus, como eu pude? Você matou… o Franklin…! Você matou o Franklin, e agora matou também o Sean!

 

Margarida o empurrou de cima dela e se levantou, ficando sentada na ponta da cama. Vince, com mais dificuldade, levantou-se em seguida, engatinhou até alcançá-la e tocou em seu ombro.

 

— NÃO ME TOQUE!! – ela o esbofeteou, como se a invadisse de uma vez só toda a fúria que a situação demandava desde o princípio. – Assassino! Assassino miserável! Eu nunca deveria ter me deitado com você!

 

Sem nada dizer, Vince baixou a cabeça. Examinou a ferida que tinha na lateral da cintura. Do lado onde seu ombro estava ferido, toda a manga de sua blusa estava tingida de vermelho.

 

— Quantos mais, hein? Quantos mais se foram hoje, pelas suas mãos?

 

Vince inspirou fundo, e respondeu:

 

— Sua amiga Helena Lee Rush e o amante dela, Arthur Seingalt, só para citar os mais famosos.

 

A fisionomia de Margarida mudou completamente nessa hora. As lágrimas desciam de seus olhos, mas não eram meramente sentimentais. Seu rosto carregava uma expressão endurecida, que lembrava a de um soldado voltando da guerra. O corpo, antes enfraquecido, recuperou de uma vez o vigor.

 

— O que você disse?! – ela rosnou, em um tom irreconhecivelmente grave.

— Precisamente o que você acabou de ouvir. Eu fui, com toda certeza, a última pessoa a vê-los com vida.

 

O que aconteceu depois disso nem parecia sequência do diálogo anterior. Foi de uma vez: Margarida caiu por cima dele aos tapas e socos, berrando injúrias, que iam desde insultos à espécie do inimigo até observações pouco generosas sobre seu desempenho sexual.

 

— Você sabe quem ela foi?? Ela era uma pessoa maravilhosa, não merecia isso! Tudo o que ela precisava era se encontrar com ele, ela nunca quis brigar com ninguém! Ela nunca foi feliz! Ela só queria encontrá-lo uma última vez! Não merecia passar por isso! Ela não mereciaaaaa!! Maldito, eu vou acabar com você!! Por Sean, por Franklin, por Helena, por todas as suas vítimas!

 

O vampiro se defendeu como pôde, mas houve um momento em que parou de bloquear os ataques para tocar na testa, porque sentiu a vista turvar. Era a perda de sangue cobrando o seu preço. Foi nesse instante de fragilidade do inimigo que Margarida viu, na ponta da cama, debaixo do travesseiro, o brilho verde da pedra da segunda adaga. A percepção desse objeto a fez hesitar um instante, talvez apenas o suficiente para que seu rival notasse algo de errado em sua movimentação. Mesmo assim, Margarida pulou para alcançá-lo e o ex-vampiro, se dando conta de que sua vida corria perigo, avançou naquela direção também, para disputar a arma lendária dos Seingalts. Margarida obteve a vantagem, tanto por não estar tão ferida como por ter cabelos mais curtos. Imobilizando-o deitado na cama, fazendo voltas com os dedos em torno de suas madeixas, Margarida desceu a lâmina de uma vez, e só não acertou o amante no coração porque ele desviou seu punho no último segundo. Contorcendo a mão de Margarida de forma muito dolorosa, Vince conseguiu também desarmá-la e, pior, o cenário agora se invertia da seguinte maneira: apontando o punhal para a ex-artista de circo, o líder da família de vampiros a encurralou na direção de uma sacada relativamente alta. Margarida olhou para trás de si mesma e não ficou muito contente com o que viu.

 

— É o fim – ele anunciou. – Despeça-se deste mundo, aliada dos caçadores! Considere encerrado qualquer acordo que um dia tivemos!

 

Puxando uma corda que, aparentemente, só servia para abrir cortinas, ele na verdade ativou uma armadilha que, em sã consciência, ninguém diria estar ali: do chão, brotou uma enorme engrenagem em formato de serra circular, e após Vince acionar outro mecanismo, ela disparou na direção de onde Margarida estava. Para não ser dividida ao meio, a menina se viu obrigada a pular para o lado, e pelo visto escolheu o lado certo, porque aquilo destruiu a metade oposta da sacada, deixando-a completamente sem comungois. Aliás, boa parte daquele lado da sacada e uma parte do quarto começou a desmoronar depois disso. O lado em que Margarida ficou, porém, não estava em melhor situação, e prometia ceder a qualquer momento.

 

— Farei você encontrar sua amiga muito mais cedo do que imagina! Vê como sou generoso?

— Não, por favor. Não!… – suplicou Margarida, ao escutar estalos e rachaduras no ponto em que ela estava.

— Sua carreira de assassino acaba aqui.

 

Vincett e Margarida olharam muito surpresos para esse terceiro personagem que todos ignoravam que estava ali. Era Sean, que, armado com o arco e flecha abandonado por Vince ao lado da cama no exato momento em que Margarida o seduziu, acabava de soltar uma de suas setas no mesmo ombro que o garotinho Franklin havia perfurado o vampiro horas antes. O impacto da flechada o fez perder o equilíbrio e cair justamente na enseada que se formou após a derrubada da sacada. Mas ele não se deu por vencido: agarrou com uma das mãos, naturalmente a do lado que o ombro não estava ferido, uma das correias que disparavam a armadilha. Sendo insuficiente, porém, para aguentar o seu peso, essa correia cedeu e o fez vir abaixo. Sean e Margarida não se preocuparam em saber se ele estava ainda vivo ou não; a prioridade agora era salvá-la.

(…)

 

Após o resgate de Margarida, Sean e ela seguiram em um prolongado silêncio até a entrada do castelo, num processo que não levou mais do que uma hora; agora que era dia, o caminho todo ficou mais fácil de acessar. Na hora de passar pelo pátio principal, onde havia um massacre de corpos e cinzas por todos os lados, Margarida escondeu o rosto na manga da roupa de Sean. Ele a abraçou, mas conservou o seu silêncio contemplativo. Finalmente, localizaram a saída.

 

— Eu estou com muita sede – a ex-contorcionista comentou, para iniciar uma conversação.

— Eu também.

— Estou toda descomposta. Como vou para a rua assim?

— Talvez achássemos algo em um dos quartos, para você vestir.

— Não!! – ela exclamou, em um tom assustado – Eu não quero mais entrar neste lugar nem por um segundo, nunca mais na minha vida, sob nenhum argumento, Sean…!

— Entendo…

— Para onde nós vamos? – Margarida perguntou, pensando que agora não teriam mais como trabalhar no circo.

— Teremos que avisar a todos sobre o que aconteceu na estalagem. Do jeito que sumimos, podem até pensar que temos algum envolvimento na morte do mestre.

— Eu só lamento…

— Hã?

— Helena. O corpo de Helena está lá dentro. Ela sequer vai ter um enterro…!

— É verdade. Mas, onde ela estiver, não necessita mais dessas cerimônias. Isso só serve para consolar o espírito dos vivos. Os mortos não se importam mais com essas coisas.

 


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