Monarquia Serpente - Bughead escrita por Fortunato


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Música do Capítulo: The Score - Higher



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Elizabeth Cooper

Eu me lembro de minha mãe dizer sobre como o ambiente em que vivemos reflete a pessoa que somos. Por isso ela nunca me permitiu doar os meus ursos de pelúcia ou mudar o papel de parede florido do meu quarto, talvez quisesse que cada detalhe daquele me mantivesse como uma garota doce e meiga para sempre. Bufei observando minhas roupas camufladas de alguém que eu não era para me encaixar a um lugar que eu não pertencia.

Contudo, ela tinha razão. O ambiente devastador que ela havia deixado quando desapareceu refletiu completamente em mim, em minha personalidade e consequentemente na forma como me vestia para provar não ser mais a garota doce e meiga, mas sim digna de entrar em uma gangue miserável.

Analisei os carros velhos do leilão enquanto Kevin tagarelava sobre como era bom finalmente se relacionar com alguém que não tinha receio de “sair do armário”. Ele havia me ligado mais cedo pedindo ajuda para escolher um carro por motivos não tão sensatos.

Agora que temporada fria havia passado e a neve já estava totalmente derretida, o Drive-in voltaria a exibir filmes, mesmo que esporadicamente. Obviamente, Kevin precisaria de um carro para um encontro romântico desse tipo.

— O que acha desse? - abri o capô do carro avaliando que talvez tivéssemos que trocar somente o carburador.

— Claro Betty, se você quiser que eu me pareça com um personagem de Mad Max - ele comprimiu os lábios arregalando os olhos e eu ri enquanto abaixava o capô.

— Na verdade o carro do filme é um Ford Falcon GT e você teria muita sorte de encontrar um desse por aqui - me virei caminhando pelo corredor de carros.

Um segundo a mais e eu percebi porque Kevin acreditava que estávamos em um cenário de Mad Max. O ferro velho tinha chão de terra seca, cheiro de ferrugem e todos os carros tinham pelo menos uma camada de poeira, mesmo os carros mais elegantes perdiam sua graça naquele lugar.

— Kevin, tem certeza que quer comprar um carro aqui? - indaguei observando ao redor em repúdio.

— O meu dinheiro não dá para um carro zero Betty - ele correu para o meu lado - e o meu pai garantiu que não vai completar nada que faltar, infelizmente.

— Porque você não veio com ele aliás?

— Ele está em um projeto "sigiloso" com a prefeita McCoy - ele gesticulou aspas com os dedos à altura da cabeça.

— Que estranho - arqueei a sobrancelha enquanto seguimos pelo corredor de latas velhas empoeiradas.

— E você? Por que não está com Verônica hoje? - bufei - Até fiquei surpreso quando topou vir comigo.

— Você sabe que não te nego nada Kevin - dei um leve empurrão em seu ombro tentando evitar falar sobre Verônica.

Eu amava Verônica e tudo o que fazia por mim, mas sempre evitava me posicionar sobre o poder que ela achava que possuía sobre minha vida. Desde que ela chegou à cidade e se tornou minha amiga, eu seguia fielmente suas decisões sobre o que era melhor para mim. Após o desaparecimento da minha mãe algumas coisas haviam mudado e isso estava mais do que claro.

— Na verdade Betty, eu sei que vocês brigaram ontem à noite... - Kevin disse quase em um sussurro me tirando dos meus pensamentos - Ela me ligou assim que saiu da sua casa e disse que você está impossível de convencer - parei de andar o encarando perplexa.

— Espera, você me chamou aqui querendo me fazer desistir também? - Kevin retesou os ombros tenso e eu balancei a cabeça em negativa sem acreditar - Olha, vocês podem confiar em mim, eu vou ficar bem, aquela dança no bar foi só uma iniciação.

Kevin permaneceu calado e continuamos a andar chegando ao fim da fileira de carros onde tinham também algumas motos velhas, uma delas me lembrou a moto de Joaquim e complementei meu argumento me agachando ao lado da mesma fingindo analisar seu motor.

— Se você for concordar com Verônica, vai ter que terminar com Joaquim – ergui uma sobrancelha sem encará-lo.

— Como? - ele perguntou com clara irritação na voz.

— Seria hipócrita da sua parte - dei de ombros - Se acha tão errado que eu me torne uma Serpente, então porque namora um?

Kevin encarou o ar parecendo pensar fazendo um bico com os lábios unidos, por fim me encarou tombando a cabeça.

— É um bom argumento Betty Cooper, desde que você me garanta que não vai mais fazer streap tease ou qualquer outra coisa do tipo... – rimos juntos sendo interrompidos pelo dono do pátio que havia recebido Kevin a pouco tempo atrás.

— E então, gostou de alguma coisa? – ele disse limpando as mãos sujas de graxa em um pano velho se aproximando de nós.

— Ainda estou me decidindo – Kevin sorriu simpático – são muitas opções.

— Só que não – sussurrei erguendo as sobrancelhas enquanto passeava por entre as motos distraída.

— O que disse? – o homem pareceu irritado e eu quis disfarçar.

— Só que é uma pena não fabricarem mais motos como essa – fingi um sorriso para ele enquanto passava a mão sobre o tanque de uma delas, me arrependendo imediatamente ao reparar as manchas escuras de poeira nas pontas dos dedos.

— Não te recomendaria essa Scrambler - deu de ombros – Você ainda é muito jovem e delicada, devia dar uma olhada nos carros de pequeno porte - ele sorriu de canto - é mais seguro.

Ele piscou com um olho e eu franzi o cenho.

— É mesmo? – sorri também, ele não imaginava a forma com a qual acabava de me insultar – É uma pena você não recomendar, vim levar ela.

◙ ○ ◙ ○ ◙

— Betty, caso não tenha ficado claro, quando eu mencionei que você não deveria fazer streap tease e coisas do tipo, eu também me referi a virar uma motoqueira louca! - ele arregalou os olhos comprimindo os lábios e tombando a cabeça, não contive o riso - Por acaso você sabe quantas pessoas morrem por dia em cima de motos?

Terminei de limpar o banco de couro que agora parecia novo jogando o pano em cima da mesa da garagem. Destino ou não, a moto não estava em perfeito estado e o homem arrogante relutou em vendê-la para mim, a entregando em minha casa após muita insistência.

— Qual é Kevin, vou ter que te lembrar o lance com o Joaquim? - ele bufou cruzando os braços pronto para contradizer - Eu vi você de moto com ele chegando ao Whyte Whyrm aquele dia - o rubor preencheu suas bochechas e eu sorri gentilmente.

Ele suspirou por um tempo observando o painel que agora também reluzia com a limpeza.

— Seu pai vai te matar quando souber que gastou seu fundo da faculdade com isso – ele fitava a moto agora.

— Qual é Kevin, eu posso dizer que é de um amigo e estou aprendendo a concertar. Além do mais, eu vou arrumá-la e vender mais caro do que comprei – dei de ombros me sentindo genial.

— Você ao menos vai saber ligar isso?

Esse era um ponto que eu não havia pensado no meu ato impulsivo. Meu pai e eu concertávamos carros nas horas livres e eu tinha total entendimento sobre essas máquinas, mas uma motocicleta era algo totalmente inovador para mim. Subi na moto apoiando todo o peso na perna esquerda analisando superficialmente o seu funcionamento.

— Tudo bem - disse calmamente colocando o cabelo solto atrás da orelha para que não me desconcentrasse - É só dar a partida, não deve ser tão diferente - me preparei para girar a chave quando a campainha tocou.

— Salva pelo gongo - Kevin sorriu levando a mão ao peito.

Cobri a moto com um cobertor velho imaginando que meu pai provavelmente estava chegando antes do previsto.

Mostrei a língua passando por Kevin ao correr até a porta da entrada e ele me seguiu se sentando no sofá. Abri a porta esperando pelo meu pai e me deparei com Verônica e Archie, que provavelmente perceberam minha insatisfação em recebê-los. Afinal, eu ainda estava convicta sobre o que queria e meus motivos eram plausíveis o suficiente.

Ao contrário do que pensavam eu não seria persuadida por uma gangue, mas talvez a gangue fosse persuadida por mim.  Eu conhecia plenamente os limites das minhas atitudes e caso isso refletisse em quem eu estava me tornando seria porque sempre fui assim, e ninguém, nem ao menos eu, havia percebido.

Sem dizer nada, apenas dei passagem para que entrassem e assim fizeram, parando na sala para cumprimentar Kevin, que fez um leve movimento negativo com a cabeça, provavelmente informando Verônica que não havia conseguido me convencer de desistir do plano.

Quando os segui até lá, me sentando também, ambos se viraram para mim.

— Betty, eu vim pedir desculpas por ontem – ela sorriu de lábios fechados, com as feições baixas – Eu só tenho receio de onde isso pode terminar – ela estendeu um pacote do Pop’s que eu apenas observei sem me mexer.

— Na verdade a ideia foi minha, pedi Verônica para conversar com você – a voz de Archie soou rouca e ele passou a mão pela nuca enquanto seu olhar vagava perdido na busca pelo que dizer, por fim ele me encarou – Eu me assustei com o que aconteceu no Whyte Whyrm, não esperava isso de você. Entende? – ele fez uma pausa fechando os olhos – O que eu quero dizer Betty é que esse mundo não é para você.

— Vai ter que passar a ser por um tempo Archie, até que eu encontre pistas sobre minha mãe – expliquei docemente buscando aliviá-lo.

— Eu não posso permitir... – ele retrucou e eu me irritei.

— É, ao que parece ninguém pode – baixei as sobrancelhas nervosa aumentando o tom da voz – Mas a novidade é que eu não pedi permissão de nenhum de vocês! – olhei para cada um dos três – Parem de achar que eu sou uma garota delicada e inocente! Isso já está me enchendo!

— Ninguém nunca disse isso Betty! – Verônica respondeu incrédula.

— Vocês não precisam dizer, está estampado na cara de vocês! – gesticulei com a mão apontando para eles.

— E sabe o que estava estampado na cara daqueles porcos nojentos do bar quando você tirou a roupa Elizabeth?! – Archie se levantou gritando – Eu poderia matar cada um deles pelas coisas que estavam dizendo de você se Verônica não tivesse me tirado de lá!

(música)

O observei assustada, nunca havia visto Archie tão nervoso. Seus punhos cerrados estavam vermelhos devido à força com que ele os apertava, até mesmo sua respiração havia fugido do ritmo natural saltando seu peitoral para trás e para frente exageradamente.

Verônica se levantou também, tocando delicadamente seu ombro.

— Arch – ele a fitou de lado e ela ergueu as sobrancelhas.

— Desculpa – ele se sentou novamente levando as mãos ao rosto e em seguida ao cabelo, empurrando o topete ruivo para trás.

Suspirei lentamente fechando os olhos.

— Eu faria o mesmo por você, mas não vejo outra forma de fazer isso – quase sussurrei.

— Olha B, Kevin namora um deles... Eu sei lá, ele pode investigar isso sem precisar entrar para a gangue... – Verônica quase cuspiu a ideia fazendo todos os olhares se voltarem para Kevin que balançava a cabeça em negativa alternando o olhar entre nós.

— Eu não vou colocar em risco o relacionamento com um cara que finalmente me assume! – ele disse apavorado.

Verônica ergueu as sobrancelhas como se o estivesse ameaçando, quando alguém bateu à porta com força fazendo com que todos se assustassem.

— Ok, nada de falar sobre esse assunto mais – sussurrei – deve ser meu pai – encarei os três tentando deixar claro antes de ir atender a porta.

◙ ○ ◙ ○ ◙

A noite escura deixava ainda mais assustador o homem barbudo de cabelos compridos à minha frente. Quando ele deu um longo passo para trás pude perceber a presença de outras figuras no assoalho, ainda enegrecidas pela noite. Observei assustada até que um homem alto e aparentemente forte tomou a frente se aproximando devagar, quando a luz da porta o iluminou, eu analisei seu rosto. Era perfeitamente simétrico, mas um pequeno corte no lábio inferior destoava do restante, ele olhou rapidamente para trás e os outros também chegaram mais perto.

Toni, Sweet Pea, outros quatro homens que não reconheci, o homem assustador e o último a se aproximar estava com a cabeça baixa e as mãos na jaqueta. Estreitei o olhar reconhecendo os cabelos negros caindo sobre o rosto quando ele ergueu a cabeça revelando o olho roxo. Jughead... Todos permaneceram sérios me encarando e eu tentei entender rapidamente a situação, encontrando por fim o couro segurado pela mão do que estava à frente.

Ele seguiu meu olhar e sorriu satisfeito exibindo dentes perfeitos e covas cavadas nas bochechas.

— Seja bem-vinda aos Serpentes do Sul, loirinha – ele estendeu a jaqueta me entregando.

A estiquei entre as mãos fitando a cobra das costas. O encarei orgulhosa jogando a jaqueta no corpo que deslizou tranquilamente pelos braços, como se tivesse sido feita exatamente para mim. Quando a joguei para cima encaixando o eixo nos ombros, uma voz logo atrás questionou confusa.

— Betty?


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Notas finais do capítulo

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