Monarquia Serpente - Bughead escrita por Fortunato


Capítulo 42
Capítulo 42 - Bônus


Notas iniciais do capítulo

Música do Capítulo: Labrinth - Mount Everest



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 (música)

Alice Smith – Diário I

A semana que se seguiu foi torturante, não havia sequer um maldito segundo que eu não me sentisse nauseada até colocar as tripas para fora. Me sentia fraca conforme nada parava no estômago.  

Não sabia ao certo se era a agonia da ansiedade apertando a garganta ou se era o bebê, ainda pequeno e inocente demais para assumir tal culpa.

A carta da faculdade já havia chegado há cerca de três horas atrás, mas eu estava afetada demais para ter coragem de abrir. Independentemente do resultado, o que eu faria com a criança? Como seria capaz de esconder a gravidez no campus? Eu não tinha ideia se seria capaz de sustentar a mim mesma. A não ser que alguém fizesse isso por mim.

Quando a ideia começou a se formar em minha mente eu já estava a caminho da casa dele. Andando desesperadamente sem me dar conta de onde estava ou o que estava fazendo.

À deriva, o chão passava pelos meus pés e rapidamente ficava para trás. E num piscar de olhos eu estava no lado Norte da cidade, com o cheiro leve de pinheiros salpicando meu nariz. Aparentemente até a atmosfera era menos poluída neste lado da cidade, como se eles pagassem a mais pelo luxo do ar puro.

Quando o vi pela última vez, a uma semana atrás, estava com o uniforme dos Bulldogs, pronto para assumir seu posto no time. Assumir sua responsabilidade de capitão. Eu não soube se ganharam de fato, ou não, mas Hal pouco precisava ser notado pelos olheiros.

Ele era muito aplicado e inteligente. Um tanto quanto metódico e chato. Observando a similaridade das casas pelas quais eu passava em passos apressados me veio à mente que não poderia ser diferente. Ninguém criado no lado Norte sairia dos padrões ali estabelecidos, tudo era tão certo para eles que chegava a me indignar.

Voltei à realidade quando um carro passou ao meu lado tencionando estacionar na garagem. Eu nunca havia frequentado a casa de Hal, nem me interessava em tal passatempo, apesar de ele me passar diversas vezes seu endereço insistindo que estudássemos juntos.

No reflexo do vidro do carro eu pude sentir vergonha pela minha aparência. O cabelo desgrenhado, fazia quanto tempo que eu não o penteava e o lápis preto dos olhos tinham derretido pela pele com o suor da caminhada. De resto eu estava completamente pálida sem conseguir me alimentar bem nos últimos dias.

A porta do carro se abriu revelando uma mulher de meia idade que sorriu formando pés de galinha ao redor dos olhos enquanto saia de dentro do veículo.

Pela cor de seus olhos eu rapidamente supus ser a mãe de Hal.

Imediatamente eu passei a mão pelos cabelos tentando melhorar minha própria situação.

— Com licença querida, posso ajudar em algo?

Tentei um sorriso, mas estava tão nervosa. Notei que estava na porta da casa deles já a alguns minutos antes que ela chegasse.

— Você é a Srª Cooper? Eu… - fitei minha mão, de alguma forma havia trazido a carta da faculdade comigo quando sai.

— Eu sou uma amiga do Hal, ele está?

Ainda mantendo o sorriso ela acenou positivamente com a cabeça.

— Me ajude com essas compras e vamos entrar.

No porta-malas do carro estava uma infinidade de sacolas de supermercado. Segurei uma em cada braço entrando na casa. A cozinha era duas vezes maior que o trailer e a Sra Cooper percebeu minha admiração.

— Hal deve estar saindo do banho. - ela apontou para cima - Sei pelo som do chuveiro ligado. Você aceita um lanche Alice?

Eu iria recusar, mas percebi que ela havia me chamado pelo nome.

— Como sabe…

— Ora garota - ela deu um tapa leve em meu ombro atravessando a copa para ir até a geladeira - Não existem muitas garotas com o “cabelo loiro como o de um anjo e olhos verdes como esmeraldas” nessa cidade.

Gesticulou possivelmente imitando a forma com que Hal falava.

— Se ele perguntar, você não sabe de nada. - levou o indicador à boca para pedir segredo.

Antes que pudesse lhe responder, ouvimos passos na escada. Ele descia com uma toalha amarrada na cintura e outra esfregando os cabelos loiro-escuro molhados.

— Mãe você viu minha camiseta branca? Preciso dela para a festa de hoje.

— Querido, sua amiga Alice está aqui. - ela disse em alto tom preparando o que parecia ser um sanduíche.

Hal atravessou o arco incrédulo procurando por mim no ambiente da cozinha.

— Hal querido, primeiro vá se vestir. - ela passou por ele com o prato de sanduíche para me entregar.

Ele analisou seu corpo e por um momento enrubesceu subindo as escadas de onde viera em um salto.

E então fiquei sozinha com a Srª Cooper, conversando sobre seus assuntos. Sobre sua vida medíocre de dona de casa que simplesmente saia para comprar todas as baboseiras que eu nunca sonharia em comer ou vestir. Sobre como seu marido, o Sr Cooper gostava de frango assado e seus planos para o jantar de Natal que iria acontecer dali duas semanas. Ou sobre como sua vizinha a invejava porque ela conseguia decorar a casa maravilhosamente bem nas datas festivas.

Naquele intervalo de tempo eu não me sentia nem um pouco culpada pelo que planejava fazer. O lado Norte da cidade tinha muito, só por quê tirava tudo o que havia no lado Sul, explorando a mão de obra barata e despejando todas as mazelas da cidade ali.

A reparação histórica deveria ser feita.

Eu poderia muito bem me passar por um deles sem me sentir egoísta com tudo e todos que estava abandonando. Poderia tranquilamente usar suas roupas de marca e comer sua comida mesquinha.

Sem nenhum remorso. Nenhum.

— Você aceita outro? - ela perguntou com voz doce fitando meu prato vazio.

Eu conseguira comer todo o sanduíche sem nenhuma perturbação do estômago. Me veio à mente que as minhas crises de enjoo não eram sobre a ansiedade ou sobre a gravidez. Talvez fosse a comida estragada ou enojada do lado Sul. Sorri acenando positivamente.

E então Hal desceu.

— Oi - dessa vez eu cumprimentei.

Ele esperou que eu explicasse minha presença ali, percebi.

Depois do jogo eu sumi por uma semana, nós dois sabíamos disso. Peguei o envelope em cima da mesa.

— A minha carta chegou, estava tão nervosa e pensei que poderíamos abrir juntos.

Ele coçou os cabelos ainda úmidos.

— Eu já abri a minha.

— E então?

— Eu fui aprovado. - sorriu.

— Hal isso é ótimo, parabéns!

Simulei a maior falsa alegria que uma garota desesperada poderia sentir. Me levantei abraçando-o pelo pescoço, como se estivesse perdidamente apaixonada. Como se ele fosse Forshyte me dando a notícia.

— Quer abrir a sua agora?

Acenei com a cabeça.

— Querido, mostre a casa para ela. - sua mãe incentivou.

— Claro, vamos abrir lá em cima, você vai ter mais privacidade. - ele me puxou pela mão escada acima.

Seu quarto era simples, tinham troféus, livros, um espelho e outras coisas normais para um adolescente filhinho de mamãe que mora no lado Norte.

Hal parecia estar alegre com a minha presença, um tanto quanto surpreso, mas alegre.

Porém ao fechar a porta atrás de si seu semblante se transformou, como se uma outra personalidade tivesse assumido o comando, como se seu ódio pudesse ser manifestado sem pudor de nenhum julgamento além do meu. Agora seus olhos eram de um verde muito escuro. 

— Agora me diga Alice, o que é que você veio fazer aqui? Não encontrou Forshyte e veio procurá-lo debaixo da minha cama? – ele sorriu sarcasticamente. – Caso o encontre, pode foder com ele em cima dela.

Permaneci estática tentando entender se era uma brincadeira ou se ele estava realmente chateado pelo bolo que lhe dei.

— Quer conferir se ele está aí? – repetiu. 

Não, isso não era natural.

— Hal, eu… - ergui a carta lhe mostrando - eu não sei do que está falando.

Mantive minha postura. Alice Smith não deveria sentir medo de muitas coisas para além de uma gravidez indesejada.

Seus olhos passaram rapidamente pela carta e pararam no nome da faculdade.

— Ora, vamos abrir então. - disse docemente ignorando o assunto anterior.

Aparentemente o demônio que assumira seu corpo a pouco tempo, já o havia deixado em paz.

Estremeci por dentro e sei que ele percebeu quando vacilei na abertura do envelope. Retirei seu conteúdo me lembrando de manter meu teatro, mesmo após sua bizarra alteração de humor.

— Você pode ler? - o ofereci o papel afigurando uma expressão de garota gentil - Estou nervosa demais.

Ele pegou o documento sem cerimônias.

— Alice Smith, bla bla bla bla, venho através deste, portanto, informar que a senhorita está aprovada. – seu sorriso agora era singelo – Você passou.

Pulei em seus braços comemorando. Não estava feliz de verdade, eu perderia a oportunidade da minha vida depois de muito esforço.

— Precisamos comemorar! – eu disse – Em que festa você estava indo?

Após várias doses de bebidas duvidosas eu entreguei meu corpo àquele garoto. Infelizmente consciente de tudo o que estava acontecendo, me recusei a ingerir álcool, eu não queria a criança, mas não seria imprudente por conta disso.

Mesmo ignorando o sinal que foi dado naquela noite eu acabei descobrindo algum tempo depois que Hal Cooper não era a vítima da situação.

Em sua mente perturbada pela dupla personalidade a vítima era eu.

 

 


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Notas finais do capítulo

Querem que eu termine essa história ou não?!



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