O Diabo do Sertão escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 41
Epílogo




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Os anos que se sucederam foram da mais completa paz para José e sua família. Até mesmo Sebastião – como ele se reconhecia – encontrou espaço e pôde ser feliz longe da brutalidade e da violência. Quem mais sofreu com a mudança de nome, na verdade, foram os filhos de Regina. Caio e Carla insistiam em chamar Sebastião pelo seu antigo nome. No entanto, o homem sempre lembrava:

— Diabo já morreu.

Assim, com o tempo, as crianças acostumaram-se e passaram a chamá-lo de “tio Tião”. No começo, o ex-cangaceiro estranhou aquele apelido, mas não havia nada que o tempo não resolvesse. Quando viu, ele mesmo já estava se apresentando a estranhos como “Tião, o amigo da família”. José e Bia sempre gargalhavam nesses momentos e, olhando para o céu, agradeciam a benção de terem sobrevivido. O homem agora trabalhava cuidando dos animais do sítio, enquanto a mulher aprendia com Socorro as habilidades essenciais para uma culinária de qualidade. Mais do que isso: ela finalmente podia conviver com sua mãe e aproveitar o tempo com a filhinha. Finalmente criara raízes.

E seguiram assim, com muita tranquilidade, desconectados de Água Funda e de toda guerra política. Viveram uma vida plena e feliz, com os pés no chão e a mente no céu, fazendo do próprio lar o Paraíso que tanto mereceram. Os dramas costumeiros da vida ainda estavam presentes e sempre estariam, pois eles eram humanos, afinal. Mas não estavam sozinhos e, como uma verdadeira família, encaravam os desafios juntos, sabendo que nada era mais milagroso que um dia após o outro. E essa foi a jornada deles.

Em Água Funda, entretanto, a história tomou outros rumos. Após o que ficou conhecido como “Dia da chuva de sangue”, Padre Miguel acabou assumindo a prefeitura. O apoio popular tornou-se ainda mais elevado e, usando todos os mecanismos políticos que tinha à disposição, o novo prefeito fez com que a cidade prosperasse. Não foi surpresa para ninguém quando, quatro anos depois, ele foi reeleito. Com discursos cada vez mais inflamados e um apelo à emoção, ele até mesmo utilizava a situação do pobre Valter Júnior – que agora era criado por Clara, viúva de Breno – para conseguir apoio em suas empreitadas. Aos poucos, ele construía a cidade de seus sonhos, mas no fundo sabia: sua alma estava soterrada há muito.

Só tornou a encontrar o próprio espírito um ano depois. Atuando como o padre mais descrente do século, ele seguia celebrando missas e ouvindo confissões. Após uma manhã especialmente escura, ele aguardou no confessionário até que uma pessoa adentrou o pequeno espaço. A treliça de madeira que os separava impedia a identificação do confessando, mas o perfume era forte e a voz logo revelou que se tratava de uma mulher.

— Padre — ela disse com uma tristeza palpável na voz. — Eu pequei e vim me confessar.

De maneira automática, Miguel fez os ritos tradicionais e pediu para que a mulher confessasse seus pecados.

— Eu era... Eu sou uma mãe de família, padre — ela falava com um tom choroso. — Eu pensava que minha vida era perfeita. Meu marido podia não ser o melhor homem do mundo, mas ele era bom para mim. Meus filhos? Tinha até quem desse trabalho, mas sempre os vi como verdadeiras bençãos na minha vida. Até hoje eu me pergunto a Deus onde foi que eu errei para merecer tanta desgraça. E a resposta nunca veio, padre. Ou pelo menos eu não tinha percebido até bem recentemente.

— E qual foi a resposta que você percebeu? — O discurso melancólico atraiu a curiosidade do religioso.

 — Eu... — ela riu de uma maneira que fez Miguel sentir calafrios. — Eu percebi que existe um culpado, sim, e ele está entre nós.

O padre ouviu um clique metálico, mas foi lento demais em sua reação. Com um estalo ensurdecedor, um pequeno projétil deixou o revólver e acertou o peito do religioso, que caiu do confessionário. Pressionando o ferimento de onde vazava sangue, ele mal pôde acreditar quando viu quem era a mulher: Francisca, a viúva de Marcondes Maia.

— Nós tínhamos uma boa vida, padre — ela começou a caminhar de um lado ao outro, mas sem nunca largar o pequeno revólver em sua mão esquerda. — Guilherme era meu filho, eu sei que era! E você o fez ir embora!

— Eu não... — Miguel tentava falar, mas era interrompido por tosses de sangue. — Eu não tenho culpa pelos pecados de Marcondes!

— Você não sabe de nada, padre. Eu busquei meu menino, procurei até o fim do mundo! — Francisca fez uma pausa e o tom choroso voltou a tomar conta de sua voz. Olhando para trás, ela sabia que precisava se apressar: chegariam na igreja em instantes. — Ele morreu, padre! Guilherme está morto! Juntou-se com um bando qualquer e morreu como um animal. E a culpa é sua!

— Espere! — o padre suplicou diante da arma. — Eu posso resolver isso! Confie em mim!

— Você não pode resolver a morte, padre.

E disparou.


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Notas finais do capítulo

E esse foi o capítulo final de "O Diabo do Sertão". A quem acompanhou toda essa trajetória, deixo aqui meu MUITO OBRIGADO!!! Agradecimentos especiais a Helen e Ísis, que acompanharam a obra desde o início e conhecem todos os perrengues do meio do caminho. Foi desafiador, mas eu espero que toda essa viagem tenha valido a pena.

Nos vemos nas próximas histórias o/



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