Hapiness and it's side effects escrita por Lillac


Capítulo 1
Takoyakis e a intervenção de Mina.


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!
P.S: as atualizações serão semanais.



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Cada novo passo lhe machucava um pouco mais profundamente as feridas que ainda cicatrizavam, circundando seus pés. Mais do que isso, quando avançava, sentia aquele peculiar desconforto de andar sem as sapatilhas. Era estranho pisar e sentir o algodão da meia, o aperto folgado do calçado, a ausência das faixas e laços que já lhe eram tão familiares.

Haviam luzes neon mesmo dentro do cinema, o que era uma extravagância desnecessária, aos olhos dela. O pensamento fez Momo sorrir minimamente. Estava longe de ser alguma alma desapegada ao luxo. Mesmo que o tempo passasse, ela sempre seria e filha única e mimada de uma das famílias mais ricas do Japão. Era só que o rumo que a sua vida vinha tomando a estava direcionando para outros... horizontes. Outros horizontes onde seus finais de semana se resumiam menos em chás centenários e recitais de pianos, e mais em ginásios abafados com o chão meramente encerado machucado suas coxas quando se alongava, e a voz da treinadora em suas orelhas lhe berrando que ainda não estava bom o suficiente.

Ela pensou em comprar alguma coisa antes de entrar, mas, por fim, desistiu. Gostaria de jogar tudo para o alto, como nos filmes. Levar um balde de pipoca pingando de manteiga e um litro de refrigerante, com direito à um alcaçuz ou barra de chocolate, e, entretanto... existiam certos luxos que nem Momo podia dar a si mesma. Contentou-se com um pacote de queijo defumado em rodelas e uma caixinha de suco de pêssego e seguiu sozinha para a sala.

Não demorou muito para que o lugar abarrotasse. Ela já havia ido ao cinema antes, é claro. Com suas amigas do balé, quando elas tinham mais tempo para serem adolescentes, mas isso parecia ter sido há tanto tempo. Não estava ainda completamente acostumada ao conceito de dividir uma sala com mais setenta ou oitenta pessoas, mas afundou-se na poltrona e tentou abafar o barulho.

Um par de adolescentes de cabelos loiros e camisetas que pareciam combinar o design de caveiras sentou do seu lado esquerdo. A garota estava falando tão rápido que ela não conseguia entender direito (ainda mais com a quantidade de gírias que usava) enquanto o garoto do cabelo espetado contentou-se em ficar calado com uma carranca capaz de congelar água. Ela tentou não dar atenção à eles. A poltrona do seu lado direito foi tomada por um rapaz alto, que trazia apenas uma garrafa de chá e—

Macarrão... instantâneo?

Momo piscou, tentando verificar com certeza, mas ele sentou-se antes que ela pudesse ler o que estava escrito na embalagem. Ficou calada, perguntando a si mesma que tipo de pessoa levava macarrão instantâneo para uma sala de cinema. O garoto tinha um cabelo excêntrico, e um olhar tão calmo que parecia apático.

O filme teve início, e ela tentou não dar atenção ao par resmungão ao seu lado, e ao garoto do macarrão instantâneo.

Não era um bom filme. Sob qualquer perspectiva. De forma alguma.

E, ainda assim, Momo encontrou-se inexplicavelmente emocionada pela história do casal principal, decidindo ignorar completamente os comentários rudes do garoto loiro que havia saído assim que o créditos começaram a rolar. Momo dobrou o pacote com o que havia sobrado do queijo sobre o colo e segurou a caixinha vazia de suco com a outra, decidindo que assim que subisse no carro, mandaria uma mensagem para as outras meninas perguntando se elas já haviam visto essa grande obra cinematográfica.

Quando a cena pós-crédito terminou de passar, ela preparou-se para ir embora, notando como a sala já estava majoritariamente vazia. Foi quando notou o garoto adormecido na poltrona ao lado.

Os fios ruivos e brancos se misturavam na franja formada quando ele pendia a cabeça para um lado, a boca levemente aberta, e o peito subindo e descendo com cada respiração suave. A embalagem de macarrão instantâneo estava realmente ali, entre as pernas dela, com nada mais do que um pouco de caldo no fundo. Ele parecia estar dormindo tão tranquilamente que Momo teve medo de dar um passo e acordá-lo.

Todavia, ela imaginou que, estivesse no lugar dela, acharia um pouco menos embaraçoso ser acordada por uma desconhecida que ela jamais voltaria a ver, do que por um grupo de funcionários do cinema...

Muito cautelosamente, ela tocou com sutileza no ombro dele. Precisou sacudi-lo duas vezes antes que houvesse alguma reação, e, quando o teve, foi apenas um resmungo.

— Com licença...? Hã... —

— Hum? O que? — ele piscou, finalmente acordando, e seu ombro imediatamente escapou da mão dela.

— O filme já acabou... — disse, em uma voz miúda.

— Ah. — ele ergueu as sobrancelhas. Momo precisou de um segundo para registrar a heterocromia de tons tão divergentes. — Obrigado.

Ele rapidamente recolheu o pouco lixo que havia produzido, e, por algum motivo, Momo encontrou-se esperando por ele. Se ele percebeu, não disse nada. Ficando de pé ao lado dele, notou o quão mais alto o garoto era. Eles caminharam juntos para saída, jogando as embalagens vazias na lixeira que havia na saída. Com as compras de fim de ano, o shopping estava lotado, com blocos de pessoas se movendo de um lado para o outro e impedindo a passagem. Ela quis checar o celular para saber se Mina já estava chegando, mas antes que pudesse, alguém empurrou-a no ombro e ela vacilou para trás.

Foi o trombo forte, mas não forte o suficiente para fazer uma bailarina profissional perder o equilíbrio. Ela afundou os calcanhares na sapatilha e enrijeceu as pernas, mordendo a parte de dentro da boca para impedir-se de soltar uma exclamação. Quem a empurrou, fosse quem fosse, não lhe reservou um segundo de sua atenção, desaparecendo no mar de gente. Ela engoliu o próprio aborrecimento, apertando com firmeza a alça da bolsa, e só então notou que o rapaz ainda estava ao lado dela. Seus olhos parcialmente arregalados e uma mão estendida e uma pose que lhe dizia claramente que ele estivera esperando para segurá-la se fosse preciso.

Seus olhos voaram do braço estendido, para o rosto dele, e ela sorriu quase imperceptivelmente. Ele não chegara a tocá-la, e parecia estar querendo evitar isso, se possível. Notou o olhar dela, mas, ao invés de desviar o dele, abaixou a cabeça em uma pequena reverência.

— Obrigada — Momo disse.

— Só retribuindo o favor — ele respondeu, e, depois de olhar ao redor: — eu não deveria ter vindo hoje.

— Não gosta de multidões? — ela adivinhou.

— Particularmente, não.

Momo ponderou um pouco naquilo. Ela também não era a maior fã de tumultos, mas tinha seus próprios motivos para ter ido ao shopping — especialmente à um filme — sozinha. Perguntou-se qual seria o dele, mas ficou calada. Checou o celular rapidamente.

Ashido.

Chegando! Me espera na sorveteria??

Ela voltou a olhar para o garoto, que parecia tentar encontrar um caminho menos abarrotado, e, antes de pensar muito no assunto, digitou:

Momo

Pode ser no sushi-bar?

— Com licença — chamou. — Eu não quero presumir, mas você gosta de comida japonesa?

 

 

— Eu tenho que agradecer — ele admitiu, ajudando a garçonete a colocar o pratinho com takyoakis na frente dele com uma voz gentil. — Acho que não teria encontrado um caminho para fora daquele pandemônio sozinho.

Era a primeira vez que ele falava com ela desde que o havia guiado para o pequeno sushi bar no canto da praça de alimentação. Previamente, havia apenas dito seu pedido ao garçom de forma sucinta e rápida e aguardado em silêncio enquanto suas comidas ficavam prontas. Houvera sido tão desconfortável que Momo havia considerado ir embora e pedir desculpas pela inconveniência.

— Não tem de quê — garantiu, acenando levemente com uma mão — eu sempre me escondo aqui.

Só notou as próprias palavras quando elas já estavam pairando no ar entre eles. O garoto a observou com um olhar indecifrável enquanto ela abaixava o próprio para as mãos, repousadas no colo. Sabia que não tinha motivo para sentir medo — ele nem a conhecia, e não havia forma daquilo vazar para ninguém do seu círculo de amigos —, e, ainda assim—

— Entendo. — disse. — O gerente da loja de mangás sempre me deixa ficar na saleta de funcionários, mas eles não abriram hoje. 

 Ela não teve coragem de erguer o olhar de novo, mas conseguiu captar uma camada de cumplicidade na voz dele. O silêncio instalou-se de novo, cortado apenas pelo som do rapaz comendo os takyoakis eventualmente. E então, a cortina do sushi bar foi puxada com violência e uma explosão de cor de rosa e correntes prateadas entrou saltitando, até colocar as mãos nos ombros de Momo, exclamando alegremente:

— Te achei!

— Você já veio aqui — Momo respondeu, sentindo um sorriso se expandir no rosto. — Não pode ter sido difícil.

— Não — Mina admitiu — mas eu não gosto desse cheiro.

— Você sempre diz isso, mas eu não sinto cheiro nenhum.

— Tem cheiro de gente rica — retrucou — você não sabe porque está acostumada.

Mina pareceu finalmente notar o rapaz sentado do outro lado da mesa. Seus olhos o fitaram por um momento, antes dela estender uma mão para um cumprimento:

— Ashido Mina, amiga da Momo. E você é...?

Ele, por sua parte, pareceu um tanto perdido por um momento. Mas Momo não podia culpa-lo. Mina era uma visão e tanto para quem não estava acostumado. Com os cabelos tingidos de rosa e os toda a parte visível do corpo (deixada exposta pela blusa sem mangas e short preto), coberta de tatuagens intricadas e piercings. Os olhos também eram tatuados, com o globo ocular preto e as írises vermelhas, o quadro finalizado pelos quatro anéis prateados que ela tinha na boca.

— Todoroki... Shouto.

Elas tentaram trocar um olhar discreto, mas talvez não houvesse sido tanto assim. Momo conhecia bem aquele nome. O ouvira diversas vezes nos jantares das grandes coorporativas e nas manchetes de jornal. Mas o garoto não parecia muito com o pai. Ou Momo simplesmente não se lembrava tão detalhadamente do rosto de um homem que não via desde a infância.

— Da última vez que eu ouvi, você estava ganhando um campeonato no Japão — Mina comentou, puxando uma cadeira para si. — O que tem de interessante para um lutador de MMA na cidade das Artes?

Todoroki se permitiu um pequeno sorriso. Ele espetou um palitinho em outro petisco e pareceu ponderar.

— Um treinador amigo do meu pai — respondeu. — Ele se aposentou há alguns anos, mas o Endevour conseguiu convencê-lo a me treinar por algumas semanas. 

Ah. Isso explicava porque Momo não o reconhecia de nenhuma memória. Endevour era conhecido por nunca levar o caçula a nenhum evento com os outros filhos. O famoso Todoroki Shouto era mais uma lenda do que uma criança de verdade nos círculos da alta classe japonesa.

Mina ainda estava sorrindo para ele, mas cutucou-a de leve e disse:

— É melhor a gente se apressar. A Nejire e os outros são legais, mas não vão gostar se nos atrasarmos tanto.

Momo concordou com aquilo. Ela pediu pela conta, que Todoroki insistiu em dividir, e então se despediu cordialmente. Mas Mina a segurou pelo pulso antes que pudesse se afastar, e pescou o próprio celular do bolso do short, esticando outra mão na direção do garoto:

— Seu número — disse, simplesmente.

Ele pareceu tomado de surpresa por um momento, mas pegou o celular de Mina e digitou alguma coisa. Quando tomou-o de volta, a garota esperou um instante e então...

— Pronto! Mandei os nossos números. Até qualquer dia, campeão.

Com uma piscadela e um último sorriso, ela saiu puxando Momo pela mão, que não pôde fazer nada além de sorrir envergonhada por cima do ombro e acenar com a mão livre. Todoroki acenou de volta, ainda mastigando seus takyoakis.

 

 

Ela encontrou-se com Mina alguns minutos após o final do treino. Todo o seu corpo doía e latejava, e ela tinha certeza que haviam algumas linhas ensanguentadas nos seus pés. Sua mochila parecia pesar demais para a pequena muda de roupa e sapatilhas que haviam lá dentro, e ela começou a se arrepender de não ter comido mais no shopping.

O grupo de bailarinos passou por ela, conversando cansadamente entre si, ainda estalando as juntas e tentando parar o formigamento nos músculos. Algumas das meninas lhe deram boa noite em vozes sonolentas. Já eram quase quatro da manhã, mas Momo não as corrigiu. O líder do grupo masculino e bailarino principal da peça parou ao lado dela, se apoiando na parede com um olhar baixo.

— Amajiki — ela cumprimentou.

— Yaoyorozu. Es... esperando alguém?

— Uma amiga, do Studio ao lado — disse.

Ele murmurou em concordância. Sabia que não adiantava muito tentar puxar conversa com ele. Raramente o via falando ou procurando companhia por conta própria. Aquela pequena interação era provavelmente a maior que ele havia feito na semana inteira com qualquer um dos bailarinos. Amajiki era um ótimo dançarino, o melhor do grupo deles, com certeza, mas perdia toda sua capacidade de se expressar quando tirava as sapatilhas.

Amaaaaaajiki!!!!

Momo assustou-se, mas não foi nada comparado à reação do pobre bailarino, que pareceu a ponto de pular da própria pele. Uma figura que Momo já reconhecia de tanto vê-la surgiu no topo da escadas, e correu até lançar os braços em torno dos ombros do garoto. Apesar de trêmulo, Amajiki a envolveu de volta, e não tentou fugir quando ela estalou um beijo em sua boca.

Quase não notou os outros dois que vinham logo atrás, o que era uma surpresa, considerando que Mina era um deles. O outro, um garoto alto com cabelo loiro e muito musculoso lhe parecia familiar, mas Momo não sabia dizer de onde. Ele deixou um beijo na testa de Amajiki enquanto Nejire desvencilhava um braço dos ombros do bailarino para segurar a mão do recém-chegado.

— Momo, Mina — ela cumprimentou, sorrindo um sorriso que fazia seus olhos cintilarem. E, para a última: — você foi muito bem hoje!

— Boa noite — o loiro falou. — Até amanhã.

Ela não sabia quem era, mas devolveu a cortesia. Mina deslizou para o lado dela, sorvendo os restos de seu energético.

— Sabe quem é aquele?

— Nem ideia.

— Togata Mirio. Peso leve de MMA. Curioso, huh?

— Curioso por quê? — Momo perguntou, já andando em direção ao estacionamento.

— Só, você sabe... — ela cantarolou, quando elas alcançaram as portas do elevador — curioso que eu vim descobrir hoje que um dos favoritos dessa temporada namora dois dos meus veteranos, incluindo um bailarino, justamente no dia em que a minha bailarina favorita conheceu outro lutador bem gatinho.

Momo não respondeu. Se fosse mais nova, e estivesse com um pouco menos de sono, talvez ela corasse, ou pensasse no rosto do Todoroki com um suspiro. Mas eram quatro da manhã, e Momo tinha aula em algumas horas.

O elevador abriu, e ela entrou sem esperar por Mina. A outra garota veio rindo atrás.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados. Até a próxima.



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