Semente Tayla escrita por ADivas


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Espero que tenham passado o Natal bem.

Esse capítulo de hoje traz momentos beeem anteriores aos acontecimentos do capítulo passado. Quero que vocês fiquem sintonizados à história e como se construiu determinados pontos do enredo.

Boa leitura!



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O país havia sido dividido muito além das raças, gênero, orientação sexual ou funções trabalhistas: a própria estrutura havia sido modificada, dividindo as regiões em apenas três. O (Grande) Sul, que agora englobava todos os estados pertencentes antigamente ao Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Local onde se encontravam as maiores potencias do país, em que se desenvolviam as principais armas tecnológicas. Não tão divergente dos anos 2000, também era no Sul que se concentravam as pessoas com as maiores rendas.

A segunda região, Norte, também sofreu modificações. Dividida em apenas seis estados, sua maior função para o país era a vigilância contra imigrantes ilegais. A população era fortemente armada e não era raro notícias estampadas em jornais internacionais do desaparecimento de estrangeiros que residiam das fronteiras mais próximas do Brasil. Quem fazia parte do escalão militar brasileiro sabia bem das ordens do presidente para que, ao menor sinal de invasão, a morte deveria se fazer presente ao forasteiro. Também era no Norte onde, ainda, se encontrava a maior riqueza em termos de fauna e flora do Brasil: a Amazônia, embora, amplamente desgastada. De todas as regiões, o Norte era a menos populosa, sendo a maioria dos seus habitantes, os militares juntamente com suas famílias.

O Tocantins havia sido acrescentado à região Nordeste, e esta, havia sido amplamente esquecido pelo governo. Extraíam-se da região apenas os materiais que poderiam usufruir como fonte de capitais, enriquecendo os cofres do governo. Vendiam como propaganda internacional as fotos das maravilhosas praias, como convite para os burgueses europeus, asiáticos ou americanos. A fiscalização quanto ao turismo havia sido amplamente reforçada e deviam seguir uma lista rígida de regras. Dependendo do país, a proibição era severa, não importando qualquer “mas”. Encaixados nessa regra estavam qualquer país do continente Africano, além de países como Cuba e Venezuela.

A maior parte das pessoas que haviam sido retiradas da região Norte foram jogadas no Nordeste. O filtro foi feito por meio da obtenção de diplomas, em que, aqueles que haviam conseguido concluir o ensino superior, e tivessem uma pontuação elevada em testes de questões objetivas, poderiam servir no Sul. Os demais, eram mandados ao Nordeste, em um movimento de superlotação e total desamparo. Os índices de mortalidade da região eram intensos, seja por desnutrição, falta de saneamento básico ou, até mesmo, homicídios por parte dos próprios militares, que alegavam vagabundismo— nova modalidade de crime, intitulada pelo governo, para aqueles que viviam na rua e não pagavam impostos.

Nas capitais nordestinas, apenas residiam as verdadeiras elites da região. Em sua maior parte, não diferentemente composta por famílias de militares. Os demais, viviam em cidades mal estruturadas, cuja distância das capitais era de, no mínimo, uma hora.

Olívia e Tayla viviam na Paraíba. A diferença da cor da pele separavam as garotas por bairros, sendo o de Tayla bem mais precário. A cidade era grande, a mais populosa do estado, além de ser conhecida por apresentar os melhores filtros paraibanos, que podiam ser enviados para as instituições de estudo e experimentos, para o Norte, Sul ou desempenhar funções amplamente importantes em João Pessoa ou outras capitais.

Tayla era atendente em uma padaria, de onde tirava seu sustento. Olívia, trabalhava na cozinha de um restaurante. Os estabelecimentos não eram próximos e a clientela eram de mundos totalmente diferentes. Na padaria, a maior parte dos clientes eram pobres e negros, satisfeitos com os preços não tão exorbitantes quanto outros estabelecimentos concorrentes. No restaurante, apenas aqueles com condições estáveis financeiramente, poderiam saborear as comidas que, se comparadas a outros lugares, nem era tão luxuosas assim.

Todavia, foi em movimentos sociais secretos – uma vez que, se fosse do conhecimento das autoridades, seria considerado um ato ilegal aos olhos da justiça – que as duas garotas se conheceram.

O bairro de Tayla promovia em fins de semana aleatórios um momento de confraternização para as crianças mais carentes. Havia distribuição de comida, brincadeiras, aulas culturais, sempre tentando, embora só por algumas horas, ajudar aquelas crianças a viverem uma realidade além do que seus olhos podiam ver. Ajudá-las a, além de sobreviver, viver um pouco.

Foi durante uma aula de capoeira, ministrada pela própria Tayla, que os olhos acastanhados de Olívia bateram pela primeira vez no ser de corpo elétrico que era a garota. Seus pés cortavam o ar, ora em cima, ora embaixo, ora sendo a dona do vento, ora sendo a rainha do chão. Gingava, os olhos presos em um menino magrelo sem camisa, que, como ela, também gingava, tentando acertá-la com o pé.

A capoeira havia sido proibida no Brasil por ser considerado um esporte violento e presente de um povo que, segundo os olhos da história, trazia uma mancha para a realidade da nação brasileira. Tayla, no entanto, achava um desperdício algo tão cultural ser negado graças ao governo filho da puta.

— Nós tentamos dar um “limite” na quantidade de pessoas na reunião, porque tememos que alguém estranhe uma quantidade tão grande de gente entrando aqui do nada, sabe? – Era Tayla. Sua respiração ainda estava ofegante, devido os movimentos da aula. Agora, sua atenção estava voltada para Olívia e Sérgio, garçom do restaurante em que essa trabalhava.

A dupla havia tido conhecimento do projeto graças a um dos seguranças do estabelecimento: José. Participante do movimento e morador do mesmo bairro que Tayla, o homem, com idade próxima a quarenta anos, era conhecido pela sua sabedoria. Portanto, embora Olívia e Sérgio fossem brancos, o pessoal confiava que, uma vez que José os convidou para conhecerem o projeto, também podiam confiar neles.

— Mas pensamos que essa coisa de “limite” já é muito a cara do governo – Tayla continuou, explicando como funcionavam os trabalhos. Seu olhar corria dos rostos curiosos da dupla de visitantes, para a distribuição dos lanches para as crianças. Seus rostos transmitiam uma rara felicidade – Distribuímos senhas, mas caso apareça alguém sem, não temos como deixar essa pessoa sem comida ou algo que possamos oferecer... Embora não seja sempre que temos comida para todos.

— A aula de capoeira foi incrível! – Elogiou Olívia, não se contendo. Sentia os olhos brilharem em uma intensidade superior a de qualquer joia.

— Tentamos passar pra eles não só a alimentação, mas também outras coisas que lhes foram roubadas, e a capoeira é uma delas. É revoltante que uma parte tão importante da nossa história tenha se tornado simplesmente um borrão e que não chegue na geração desses pequenos – O tom de de voz de Tayla trazia uma mistura clara de ódio e pesar – Mas, ao que depender de mim, eles terão acesso a isso sim! José também dar aulas de defesa pessoal, e aí, participam os pais também. A gente não delimita essa coisa de idade, vem quem se sente inseguro. Ou seja, qualquer negro.

O peso das palavras pairou sobre o ambiente. Abafado já estava, pela estrutura precária do lugar. O saguão onde aconteciam as reuniões não tinha nenhuma divisa, apenas uma porta de entrada, e alguns buracos nas paredes, bem próximas ao telhado, por onde entrava toda a ventilação natural. O trabalho restante, para impedi-los de morrerem torrados, era executado por dois ventiladores velhos.

— Vai ser um prazer mesmo poder contribuir de alguma forma com o projeto – Disse Sérgio, apertando a mão de Tayla.

— O José fica encarregado de avisar sobre a próxima reunião. Não podemos definir datas, infelizmente, porque nunca sabemos o quanto podemos arrecadar. Então a gente vai seguindo, e quando vemos que é o suficiente, a gente marca alguma coisa.

A voz de Tayla tinha muita segurança. Era a voz de uma líder. Uma cabeça pensante, forte, lutadora e que sabia conduzir gente. Olívia sentiu uma pontada de inveja. Imaginou sobre a história daquela mulher, que não deveria ter mais de vinte e cinco anos e já era uma líder rebelde, dando voz e dando força para pessoas que nem sabiam que essas características eram possíveis. Em seus olhos, dava pare ver que ela não tinha controle sobre tudo, o que corroborava com as palavras que acabara de dizer, mas, ao mesmo tempo, tudo em si prometia que daria o que tinha para tornar sonhos e desejos em realidade.

— Conte conosco! – E com essa fala de Olívia, enquanto misturava a cor das mãos negra e branca em um aperto forte, selou-se pela primeira vez um pacto entre a dupla feminina, que, quem diria, mais na frente selariam mais do que mãos, e fariam pacto mais intenso que trabalho em grupo.


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Notas finais do capítulo

Comentários são bem vindos, assim como críticas construtivas.

Abraços!



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