Kapherazen: Através da fronteira escrita por kagomechan


Capítulo 2
O céu estrelado


Notas iniciais do capítulo

mais um capítulo! XD talvez um pouco menor do que eu queria, mas eu gosto de cortar no ponto certo para poder começar o próximo capítulo direitinho. me pergunto agora se essa fic vai ter 3 ou 4 capitulos, mais do que isso não deve ter, e se eu conseguirei terminar de postar até o Natal para entregar no amigo secreto kkk espero que sim ^^"



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A lua enchia o céu montando junto com as estrelas um belo quadro que era o vislumbre do silêncio noturno. Mesmo estando em uma parte tão profunda e isolada do continente, o avanço praticamente ininterrupto da guerra também afetou aquele singelo pedaço de terra onde anos antes uma criança élfica atravessou o muro e conheceu uma garota humana. As mudanças eram evidentes na população das cidades e também no muro que separava os dois lados. Antes, o muro era algo até relativamente baixo e mal supervisionado, fácil o suficiente para uma criança atravessar por ele mesmo na claridade do dia. Agora, os anos fizeram com que aquela mesma criança, agora um adulto, atravessasse o muro na calada da noite e sempre no mesmo ponto onde o sentinela elfo era seu amigo.

Toda noite que estava de vigia e via seu amigo se aproximando com um sorriso sem graça, Elluin revirava os olhos antes de deixar Ryfon passar para o lado humano. Contudo, fazia isso sempre dando o mesmo alerta. “Vai nos deixar em enrascada, seu idiota apaixonado”. À isso Ryfon respondia apenas bufando falando que não era um idiota apaixonado, que era apenas amigo da humana que morava do outro lado. Entretanto, Elluin tinha lá suas dúvidas. Não conseguia ver como uma simples amizade podia resultar em visitas tão constantes àquela humana que ainda não tivera o prazer de conhecer.

De toda forma, apesar das reclamações de Elluin, Ryfon atravessava o muro mais uma vez em direção à casa de Minna tal como ele fazia diversas vezes durante cada mês mesmo depois de anos daquele primeiro encontro. A escuridão da noite o protegia enquanto ele se aproximava da casa dela. Calmamente, o elfo pegou algumas pequeninas pedras que ficavam perto de um arbusto cheio de flores avermelhadas do jardim de Minna e tacou uma na janela do quarto dela com a intenção de fazer barulho indicando a sua chegada. Depois de tacar uma, esperou por uns segundos e tacou outra. Nesse momento, seus sentidos aguçados foram capazes de perceber o leve barulho de uma pessoa se aproximando da janela. Com um leve sorriso de satisfação, ele deixou as pedras que sobravam em sua mão de volta no pequeno jardim enquanto Minna abria a janela.

Não foi muito difícil para ele alcançar a janela e entrar no quarto dela da forma mais silenciosa possível para que a irmã dela não notasse que havia uma terceira pessoa na casa delas.

— Hey - disse Ryfon ao sentar-se na janela de Minna.

— Hey - respondeu a garota com um sorriso tímido - Estava já me perguntando se você viria hoje.

— Eu disse antes de ontem que viria não é? - disse Ryfon com um pequeno sorriso.

Os anos que passaram eram evidentes no rosto e no corpo de ambos. Antes, eram meras crianças, agora, com seus vinte e poucos anos, estavam muito mudados. Os longos cabelos ondulados de Minna caíam como uma bela cascata em suas costas e uma singela franja escondia sua testa chegando quase até os olhos, que nada viam, mas que eram acompanhados de um leve rubor em sua face ocasionado pela entrada do elfo. Quanto a Ryfon, a maior mudança, além dos músculos resultantes do treinamento para uma guerra que poderia ser eventualmente chamado, era o cabelo longo e preto do qual uma pequena parte estava presa em um rabo de cavalo singelo.

— Mas acho que você demorou um pouco mais hoje, ou foi impressão minha? - perguntou a garota enquanto Ryfon se levantava da janela e se espreguiçava.

— Acho que demorei mais sim. Foi um pouco difícil passar pelo muro dessa vez. - respondeu ele.

— Não gosto de toda essa guerra - disse ela mordendo o lábio inferior.

— E quem gosta? - bufou Ryfon suspirando cansado.

Assim como Elluin, ele tinha os dias que tinha que ficar de olho no muro. Nesses dias, evitava ir até a casa de Minna. Afinal, tinha um trabalho a fazer e um buraco na rota dos sentinelas do muro poderia causar muito mais do que uma simples bronca para ele. Especialmente agora que os exércitos humanos estavam procurando brechas para passar para o reino élfico.

Ryfon olhou para a garota por alguns segundos e notou como os ombros dela estavam pra baixo, como ela parecia quietinha demais. Dois sinais que ele aprendeu a notar através dos anos que indicavam que ela não estava muito bem. Ele se aproximou da garota e tocou em sua mão gentilmente entrelaçando seus dedos com os dela fazendo com que ela ficasse cada vez mais corada.

— Está tudo bem? Aconteceu algo? - perguntou ele.

— Você é especialista em notar que eu não estou bem né? - disse ela com uma fraca risada.

— E você é especialista em notar todo o resto. Sem falar que nunca vi ninguém aprender a jogar pasin tão rápido.  - disse ele sorrindo se referindo também ao jogo élfico de tabuleiro que trouxera dois meses atrás.

— E eu ainda te destruí nele. - disse ela sorrindo também.

— Não esperaria diferente, para falar a verdade. Você é bem inteligente.

Sim, uma garota inteligentíssima apesar de tanta coisa que era privada dela por sua deficiência ou pelo preconceito e falta de paciência de sua própria irmã. A prova dessa inteligência estava também nos livros escondidos embaixo de sua cama. Presentes de Ryfon direto das melhores livrarias do reino élfico de Visdominnis que haviam desenvolvido um tipo de escrita em relevo para que aqueles que perderam o dom da visão não perdessem o prazer da leitura. Eram os bens mais preciosos para Minna em seu singelo quarto, e também não foi surpreendente ela ter aprendido a lê-los com maestria em pouco tempo. Junto com esses livros também estava escondido uma caixa com uma esfera transparente em seu interior. Mias ou menos do tamanho de um punho, a esfera, construída com magia élfica, fazia com que fosse possível eles se comunicarem apesar da longa distância que separava as vilas onde moravam.

— Então… o que aconteceu? - perguntou Ryfon.

— Minha irmã de novo… - disse ela fazendo o elfo bufar de raiva e revirar os olhos.

— Já falei que sua irmã é um saco?

— Algumas vezes - disse ela rindo.

— O que ela fez dessa vez?

— Bem… recentemente estão chegando muitos sentinelas machucados… - explicou ela e ele coçou a nuca sem graça sabendo que tinha sua parcela de culpa nessa parte - E ela é a única curandeira das redondezas. Então está ficando muito trabalho para ela e ela me coloca para ajudar mas… eu sempre estrago tudo. Tropecei e derrubei remédios, demorei pra achar o que ela queria…

Ela soltou um suspiro deprimido, os ombros desceram ainda mais e uma faca de dor atingiu o coração de Ryfon ao ver Minna naquele estado. Sem pensar duas vezes, ele abraçou a garota numa tentativa de consolar seu coração magoado. Ela abraçou-o de volta aproveitando a sensação de realmente ter um abraço para partilhar com alguém. Praticamente presa dentro daquela casa, suas interações sociais se resumiam à ele e à irmã na maioria dos dias.

Eles passaram alguns segundos ali, simplesmente abraçados, até que uma profunda inspiração seguida de expiração indicou que Minna estava ao menos um pouco melhor.

— Desculpa por mandar tantos sentinelas machucados pro seu lado… - disse Ryfon.

— Antes machucado do que morto né? - disse ela numa voz ainda desanimada, especialmente considerando o rumo da conversa - De toda forma, foram os humanos que começaram essa guerra toda.

— Já perguntei uma vez e perguntarei novamente… certeza que não quer se mudar daqui? - perguntou Ryfon - Ouvi falar que tem algumas cidades lá no oeste em que humanos e elfos vivem sem brigar entre si.

— Perto do reino dos anões né? Mas isso é muito longe… - disse Minna soltando um suspiro - Muito caro chegar até lá e não quero deixar minha irmã sozinha.

— Você é uma irmã muito boa, Minna. Merecia uma irmã melhor, porque ela não merece esse amor de pessoa que você é.

— E também, como eu chegaria até lá? Não falo nem da fortuna que deve ser toda essa travessia pelo continente, mas também o perigo. Eu aqui, ceguinha ceguinha.

— Não se menospreze tanto por isso - insistiu Ryfon - E eu não iria deixar você ir sozinha independente de se você enxerga ou não.

— É difícil não ficar me menosprezando por isso quando tem alguém que fica o dia inteiro me menosprezando por isso.

— O que eu acho extremamente irritante! - disse ele - Ela é sua irmã! Deveria ser gentil com você! Especialmente considerando que vocês só tem uma a outra! Você merece uma vida melhor.

A fala deixou a garota sem palavras mas, olhando para o rosto dela, Ryfon não pode evitar passar a mão delicadamente na bochecha rosada de Minna. Seus dedos tocaram gentilmente sua pele macia e então percorreram o caminho até a orelha dela passando por trás desta levando uma mecha do cabelo castanho como chocolate para atrás da orelha.

Um tímido sorriso apareceu no rosto de Minna até que ela soltou-se delicadamente do abraço e levou ambas as suas mãos até o rosto de Ryfon que, sentindo o toque delicado como seda, fechou os olhos. Os delicados dedos da garota traçaram a linha dos lábios do elfo, seus olhos e suas orelhas pontudas antes de ele aproximar seu rosto com o dela juntando as duas testas. O rubor na face de ambos e os suaves gestos de tão delicado, puro e íntimo contato mostravam o quanto a afirmação de Ryfon para Elluin de que era apenas amigo de Minna era uma grande mentira. Uma mentira que doía no coração de Ryfon ter que contar, pois ele sabia o quanto o amigo iria surtar se soubesse a proximidade que tinha da humana e se visse como, naquele momento, de olhos semi-abertos, o elfo aproximou seus lábios dos lábios da garota depositando ali um doce e tenro beijo.

Por um infinito segundo, os dois ficaram ali, aproveitando o toque e o carinho de uma relação que seria um escândalo em qualquer um dos reinos deles. Embora as complicações fizessem com que eles não tivessem medo de começar aquela relação tão escandalosa, as dificuldades e preconceitos realmente faziam com que eles tivessem medo de dar qualquer passo além. Especialmente considerando a proximidade do quarto da irmã de Minna.

Lentamente, eles se separaram. Embora não totalmente, uma vez que logo uma das mãos de cada vez questão de se entrelaçarem. Por mais alguns minutos os dois ficaram conversando, jogando tempo fora, aproveitando a simples presença do outro, até que a hora avançada fez com que Ryfon tivesse que ir embora depois de depositar um beijo de despedida na testa de Minna.

Todas as vezes que Ryfon ia até a casa de Minna eram parecidas com aquela. Ficavam conversando, lendo livros, trocando conhecimentos, jogando, apresentando a própria cultura para o outro, aproveitando a mera presença do outro. Depois que o elfo foi embora, a garota se abaixou e apalpou o chão embaixo de sua cama até encontrar a caixinha com a esfera mágica dentro. Ao toque gentil de sua mão, a esfera emitiu uma fraca luz azulada que Minna não podia ver, mas podia sentir a temperatura morna que tomou conta da superfície fria da esfera. Segurou-a com cuidado e zelo, com medo de derrubar o objeto no chão. Com o coração batendo rápido, ela tocou gentilmente a ponta de seu nariz e seus lábios na esfera. Aqueles eram os momentos mais tensos para a garota, quando ela se preocupava se Ryfon conseguiria passar inteiro pelo muro. Ela ainda se sentia culpada por ele ter que atravessar a fronteira, no meio de tantos sentinelas, para vê-la, mas ele insistia. Ele sempre insistia. Cada minuto passando era uma sofrência, até que ela ouviu um leve sussurro saindo da esfera.

Hey. Cheguei em casa. Inteirinho.

Ela sorriu ao reconhecer a voz dele, assim como todas as outras vezes.

— Hey. - disse ela para a pequena bola - Boa noite então.

Boa noite

Minna guardou a esfera novamente, se espreguiçou e, como já estava em seu pijama, se enrolou nos cobertores para dormir. Ás vezes, quando ia dormir, passava pela cabeça dela aquele dia, quase dois anos atrás, em que ela estava doente e de cama e, no meio da noite, ele ficou lá, cuidando dela, uma vez que a irmã não ligou muito. O máximo que havia feito fora dar um remédio para ela antes de ir dormir. Com certeza tinham vários momentos importantes para ela, e também para ele, alguns singelos, mas todos importantes e a grande maioria dentro daquele pequeno quarto. Foi sobre esses momentos que ela pensava antes de cair no sono.


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