Ameaças de Areia. escrita por Carenzinha


Capítulo 2
O




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O

 

Mike Almire Fernandiz.

5/8/2023            

Das 19:00 até 23:00.

Os bastidores possuíam paredes marrons claras e um piso de praticamente o mesmo tom. Com cadeiras marrons com assento fofinho, possuía varias caixas de tamanhos e cores variadas encostadas em uma parede e uma barra de dança grudada na parede oposta.

O lugar possuía também dois banheiros, sendo um masculino e outro feminino. Uma porta que dava para um camarim, onde existia um guarda roupa e uma barra para pendurar figurinos. Nossa vacina estava lá em segurança. Havia alguns bancos marrons amontoados no canto do lugar. Mas eu não estava muito a fim de ficar olhando tudo isso, pois estava nervoso demais para me concentrar em algo diferente de: chegou o dia da demonstração.

O diretor há alguns minutos, veio falar comigo, e disse que ou eu, ou Ethan teria que falar sobre o nosso invento. Não dá parte cientifica dele, pois de acordo com ele, nem todos da plateia eram cientistas ou estariam interessados nisso. Portanto, ele precisava de alguém para falar da parte emocional do trabalho. Contasse um pouco de como foi a experiência com o Flor de Lins e com o trabalho em dupla.

O problema é que o diretor não tinha avisado nada. Ele disse que no improviso era mais sincero e natural. Eu não concordava, queria ter preparado um discurso planejado e ensaiado, e eu não ter feito isso me deixava um tanto nervoso.

Porém, eu contava com Ethan para essa tarefa. Meu colega podia ser um cara inseguro, mas também era extrovertido. Ele aceitaria, ou pelo menos, assim eu esperava que fosse acontecer.

Eu estava nos bastidores, usava uma camisa social branca e uma gravata preta, minha calça também era preta assim como meus sapatos sociais. Minhas mãos pareciam jorrar água de tanto nervoso que eu sentia.

Mas, meus pais e meu irmão estavam comigo, o que me tranquilizava.

“Relaxe, Mike. Você está ótimo.” Falava Silas enquanto apontava um polegar de aprovação. “Não acredito que o caçula vai brilhar lá no palco.” Ele ria enquanto bagunçava meus cabelos.

Silas estava usando uma camisa amarela clara formal, calça preta e sapatos sociais como os meus.

“Ei! Eu demorei para arrumar isso.” Eu disse e tentei arruma-los novamente.

“Silas!” Minha mãe disse em um tom de repreensão.

“O que foi?” Ele deu de ombros rindo. “Eu só to brincando.”

“Sei...” Eu mostrei minha língua para ele.

“Não precisa suar tanto, fica calmo.” Silas falou olhando para minhas mãos.

“Eu queria conseguir isso.” Ri, mas com desespero por dentro.

“Escuta filhão, você está ótimo.” Meu pai disse. Ele usava uma roupa completamente preta, com exceção dos seus sapatos cinzas, que combinavam com a cor cinza de seus óculos. “Hoje você vai brilhar, não foi pra isso que você se preparou tanto?” Ele perguntou de um modo acolhedor.

“Foi.”

“Você ficou tanto tempo no Laboratório que parecia que morava lá. Achei que tivesse esquecido da gente.” Meu pai disse, rindo.

“Desculpe...” Eu murmurei.

“Ricardo!” Minha mãe disse com o mesmo tom de repreensão que usou com meu irmão. “Não deixe ele mais nervoso!”

“Eu estava brincando!” Ele disse.

“Eu sei, é que eu estou mesmo nervoso.” Falei o óbvio.

“Ah sem problemas, você sempre foi esquecido mesmo.” Meu irmão ia bagunçar meus cabelos novamente, mas parou ao ver a cara da minha mãe.

“Então, querido, como está a roupa?”

“Eu preferia estar de suéter.” Confessei, o que fez todos rirem.

“Você vai estar incrível! Nem acredito que meu filho é um cientista!” Minha mãe falou empolgada. Ela possuía cabelos cacheados volumosos e usava um lindo vestido rosa e sapatos de salto dourados, além de maquiagem. Ela me olhava de um modo encorajador. “Eu estou tão orgulhosa de você!”

“Obrigado.” Eu disse encabulado enquanto minha família me abraçava.

“Seus avós e tios estão assistindo lá embaixo.” Meu pai falou.

Eu assenti, eu estava incrivelmente feliz que esse dia tinha chegado, e apesar do nervoso, ter o apoio das pessoas que eu amo me fazia ficar mais relaxado do que feliz.

 “Caramba, caramba, eu não posso entrar lá, eu vou estragar tudo, tudo!” Ouvi um murmúrio. Quando eu me virei para olhar de onde ele veio, vi Ethan andando em círculos, incrivelmente nervoso enquanto falava sozinho. “Vai dar tudo errado, aquele troço vai pifar.”

“Aquele é o seu colega?” Minha mãe perguntou e eu assenti.

“Ethan?” Eu o chamei.

“O que?” Ele perguntou me encarando. “AAAAAHHH PARCEIRO A GENTE VAI ESTAR F...” Mas, ele viu meus pais bem a tempo de não terminar a frase. “Ferrado, a gente vai estar ferradinho da silva!” Ele disse com as bochechas ficando vermelhas.

“Então, você deve ser o Ethan? Mike me falou sobre você.” Meu pai disse.

“Oh sim, e vocês devem ser os pais e irmão do Mike, certo?” Meus pais e Silas assentiram. “É um ‘prazeraço’ conhecer vocês!” Ele disse enquanto fazia um cumprimento exagerado e estendia a mão.

“É um grande prazer também.” Eles responderam enquanto um por vez apertava a mão de meu colega.

“Então, como é trabalhar com o panaca que é o meu irmão?” Silas perguntou olhando para mim, conseguia ver em seu sorriso que estava brincando.

“Ah, na maioria das vezes é supimpa, embora tem horas que ele me estressa.” Ele disse com uma feição brincalhona.

“Eu também tenho que me segurar pra não socar a sua cara.” Eu respondi.

“Isso também.” Ele disse apontando para mim.

“Atenção, falta pouco para começar!” Um homem de boné escrito “AJUDANTE DE BASTIDORES” veio nos avisar e logo depois atravessou a cortina. “Logo vamos chamar vocês dois.”

“Acho que está na hora de irmos.” Falou minha mãe. “Boa sorte.” Ela disse.

“Obrigado.”

Minha mãe me deu um beijo na bochecha, meu pai um abraço e meu irmão um cutucão (e logo depois um abraço). Quando meu irmão estava quase saindo, se virou para Ethan e disse.

“Você vai ir bem, já passou pelo pior que era aguentar o Mike todos esses meses!”

“SILAS!” Minha mãe o repreendeu novamente.

“O QUE? EU SÓ ESTAVA BRINCANDO!” Ele saiu reclamando dos bastidores.

Isso me deu apenas alguns segundos de silencio, pois, quando Ethan percebeu que estávamos sozinhos, olhou para mim de um modo aflito e começou a me chacoalhar.

“A GENTE TA FRITO! EU TO DESESPERADO, AAAAAAAAHHHHHHHHH!”

Eu poderia ter feito inúmeras coisas, que variavam desde acalma-lo até a dar um soco na cara dele. Mas, eu estava tão nervoso quanto ele, e a única coisa que eu pensei em fazer foi agarra-lo e chacoalha-lo enquanto eu gritava desesperadamente.

“VOCÊ TEM RAZÃO, VAMOS PAGAR O MAIOR MICO LÁ NO PALCO! AAAAAHHHHHHH!”

“SIM, IMAGINA A NOSSA CARA!”

“PÉSSIMA!” Eu o chacoalhei mais.

“TENHO CERTEZA QUE VAMOS FALHAR!” Ethan estava com os olhos arregalados.

“SOMOS UNS LIXOS! IMAGINA SE DER TUDO ERRADO, ETHAN!”

Então, nós dois ficamos chacoalhando um ao outro por uns minutos enquanto berrávamos o quanto éramos fracassados. Sem nos importarmos que toda a plateia, muito provavelmente, estava ouvindo o nosso desabafo. Já seriamos rejeitados quando pisássemos no palco, por que não antecipar isso e mostrar para todos o quanto éramos pirados?

“EU NÃO CONSIGO PARAR DE SURTAR, PARCEIRO! É COMO SE EU TIVESSE TIRADO 9,9 EM UMA PROVA QUE VALE 10!” Ethan aumentava cada vez mais o tom de voz, eu me sentia tonto com tantas balançadas. Mas, aquele comentário me fez acordar para a realidade.

“O que?” Eu fixei meus olhos nos de Ethan, eu nem conseguia acreditar naquele comentário. “VOCÊ ERROU UM DÉCIMO E FICA CHATEADO? QUE TIPO DE RETARDADO MENTAL FICA CHATEADO COM A DROGA DE 0,1 PONTO EM UMA PROVA?” Eu perguntei segurando os braços dele, impedindo com que me chacoalhasse ainda mais.

“BOM VOCÊ FICA! VOCÊ ME CONTOU ISSO QUANDO VOCÊ TAVA NO LABORATÓRIO, PARCEIRO! VOCÊ TAMBÉM É UM RETARDADO MENTAL!” Meu colega conseguiu soltar o próprio braço e começou a me sacudir novamente.

“ETHAN, PARA DE ME CHACOALHAR! DESSE JEITO EU VOU VOMITAR NESSA SUA ROUPA XADREZ AÍ!”

“ISSO, VOMITA EM MIM!” Ele exclamou sorrindo.

“O que?” Eu perguntei com a voz ofegante por causa de tanto ter gritado. Eu estava confuso, incrédulo e achando tudo aquilo nojento.

“Que foi? Se você fizer isso vou estar sujo e fedido demais para entrar lá, parceiro.” Ethan disse em um tom alegre. “Agora vomita.”

“ETHAN, VOCÊ É UM DAQUELES NERDZINHOS! SABE QUE ISSO É IMPOSSÍVEL! Eu não posso simplesmente vomitar, o vômito só acontece com estimulantes na zona de gatilho, e eu não to com vontade de fazer isso!” Eu disse.

“Mas, pode ser psicológico também. Bah, solta logo o jato na minha roupa!” Ele disse apertando os meus ombros, com uma cara de que queria muito aquilo.

“ETHAN!” Eu o repreendi. “EU NÃO QUERO VOMITAR, E MUITO MENOS VOMITAR EM VOCÊ!”

“AH SEI LÁ COLOCA O DEDO NA GUELA! Eu quero que você vomite!” Ele deu de ombros.

Eu apartei os ombros dele e o chacoalhei.

“PRESTA ATENÇÃO: ISSO ALÉM DE SER RIDÍCULO É PREJUDICIAL! SABE OS EFEITOS QUE ISSO CAUSA, SABE QUE O VOMITO ESTRAGA OS DENTES!” Eu nem conseguia acreditar que estávamos falando sobre vômito.

Foi quando aquele homem de boné veio até nós.

“Eu disse que já vai começar, podem, sei lá, berrar mais baixo?”

Aquela cena foi esquisita em todos os sentidos. Sei que o cara achou que éramos retardados. Afinal, eu estava segurando os ombros de Ethan, e meu colega estava segurando os meus ombros. Minhas mãos suavam, nossas camisas estavam amassadas por causa dos sacodes e nós dois estávamos completamente desarrumados e eu sentia minha voz sumindo por causa dos gritos.

Nós dois assentimos olhando para o homem. As nossas bochechas ficaram incrivelmente vermelhas. O homem deu de ombros, confuso e foi embora, logo depois Ethan voltou a gritar.

“PARCEIRO, EU SEI. MAS, EU QUERO TER MINHA BLUSA SUJA! AAAAAAAAAHHHHHHH.”

“Caramba, Ethan, você sabe que não é tão simples assim, VOCÊ APRENDEU NA FACULDADE!”

Foi quando Ethan parou de apertar meus ombros como se fosse me estrangular e ficou extremamente constrangido.

“Eu... eu meio que nunca fiz uma faculdade.” Ele murmurou.

“Como assim?!”

“Ah, sei lá, parceiro. É meio complicado de explicar.” Ele pensou, provavelmente tentando escolher as melhores palavras. “É como se eu tivesse, sei lá, acordado sabendo tudo de indústria farmacêutica e química com uma grande facilidade, e eu fiz o teste e passei.” Ele não sorria de forma irônica e parecia estar falando a verdade, por mais esquisito que fosse.

“Certo...” Eu disse confuso. “E depois fala que não é nerdzinho.” Eu murmurei.

“Eu não sou.” Ele respondeu em um tom um tanto ofendido, mas depois sorriu. “Puxa, suas mão estavam suadas, parceiro.” Ele disse arrumando a camisa que estava amassada graças aos sacodes.

“É que eu estou bem nervoso.” Eu respondi.

“Eu também. Ah, me desculpe por tudo aquilo, parceiro.” Ele disse colocando a mão direita nos cabelos. “Eu acabei descontando em você uma preocupação minha... eu sinto muito, de verdade.”

“Tudo bem. Mas, com o que você está preocupado?”

“Bom, é que eu queria te pedir uma coisa.” Ele disse um tanto envergonhado.

“Confesso que eu também.”

Nós dois nos encaramos por alguns segundos, eu respirei fundo e decidi contar para ele o que eu queria:

“O diretor pediu para que alguém fale sobre o lado emocional do projeto e eu queria que você fizesse isso.” Nós dois falamos juntos.

“O que?!” Exclamamos ao mesmo tempo.

“Mike, se eu for até lá eu vou errar tudo, vou me perder nas palavras, vou...”

“Você vai se sair bem, Ethan. Você é o extrovertido.”

“É, eu sou o extrovertido, o alegre, o despojado!” Ethan falava com uma voz soturna. “É, esse sou eu.” Ele respirou fundo e continuou. “Acontece, parceiro, que eu estou com muito medo, o diretor já me odeia, então se eu errar algo lá vai ser pior. EU TO COM MUITO MEDO!”

Tarcísio apareceu atrás de nós, me impedindo de dizer qualquer coisa.

“Então, aí está os meus cientistas.” Ele disse com um sorriso. “Então, já decidiram qual dos dois senhores vai falar a experiência emocional que teve?” Ele perguntou.

Eu e Ethan nos entreolhamos, sabíamos que nenhum dos dois estava disposto a fazer isso. Porém, meu parceiro estava surtando, pedindo até para eu vomitar nas roupas dele. Então, achei que seria legal eu ajuda-lo.

“Eu vou." Eu e Ethan falamos juntos.

Nós dois nos entreolhamos novamente, ele estava com uma cara confusa sem acreditar que eu também tinha me oferecido. Eu também devia estar com uma feição parecida, não sabia que Ethan fosse se voluntariar mesmo morrendo de medo.

“Ele vai.” Falamos juntos novamente.

O diretor nos olhou sem entender, soltou um riso e disse:

“Acho que os senhores vão ter alguns minutos para decidirem isso.”

 Nós dois assentimos e ele continuou.

“Agora, não sei se os senhores se lembram. Mas, por terem completado um projeto com sucesso e aprovação, vão poder voltar no Laboratório e terem seus próprios projetos, sobre o que quiserem.”

Eu não pude deixar de sorrir, estava quase esquecendo de que poderíamos continuar no Laboratório e colocarmos nossos próprios experimentos em prática.

“E sozinhos.” O diretor deu uma parada. Pude ver os olhos de Ethan se arregalando. “Enfim, eu devo dizer que estou muito orgulhoso de vocês dois, obrigado por terem feito isso possível.” Ele disse.

“Senhor Iera? Está na hora.” Aquele homem de boné apareceu, o diretor assentiu e passou pela cortina vermelha, onde foi recebido com aplausos.

“Obrigado por terem vindo, eu e todo o Laboratório Flor de Lins ficamos imensamente gratos!” E novamente mais aplausos.

Caminhei até a cortina vermelha, onde pude ver o palco.

Nossa vacina estava no centro dele, colocada em cima de uma espécie de balcão. O diretor explicava usando um microfone com um pedestal.

O grande salão estava lotado, cheio de cientistas, jornalistas e gente importante de todos os tipos. As mulheres usavam vestidos brilhantes enquanto esbanjavam suas joias. Os negociantes, compradores e aqueles interessados no comercio pareciam matar uns aos outros mentalmente.

Aqueles homens cheios de grana e louco por poder e dinheiro, olhavam ora para o palco, ora para o corredor, almejando o melhor lugar de uma fila. Os homens e mulheres dispostos a lucrar olhavam de rabo de olho para o espaço vazio, que logo teriam que disputar com fãs que estariam doidos para um autografo, um aperto de mão e uma palavra amiga de seu grande ídolo, o diretor Tarcísio.

A grande vacina vai ser distribuída a toda a população em postos de saúde diversos, mas, há sempre aqueles que preferem tomar no particular, por seja lá qual forem os motivos, era por isso que aqueles que estavam a fim de ganhar dinheiro estavam presentes.

“Nós temos uma novidade revolucionária! Algo incrível e que muitos pensavam ser inalcançável O Iom Ne Onif Saclas!”

Foi quando eu ouvi uma respiração nervosa e até um tanto ofegante. Virei-me para Ethan e percebi que ele estava pálido.

“Ethan respira fundo!” Eu disse tentando acalma-lo.

“Respirar fundo? Eu ‘to’ prestes a aparecer pra um monte de gente e a gente ainda nem sabe quem vai falar lá.”

“A gente decide.” Eu disse querendo acreditar nessa frase.

Ethan olhou para mim com uma expressão de dúvida em sua mente. Por conhecê-lo por mais de meio ano sabia que ele estava refletindo se faria sentido falar o que estava pensando em voz alta, por fim resolveu perguntar:

“POR FAVOR, ME DIZ QUE VAMOS CONTINUAR PARCEIROS, MIKE!”

Eu não esperava por aquilo. Foi legal trabalhar com Ethan mesmo com todos os contratempos, porém, eu nunca quis ter um parceiro, e eu estava animado para finalmente trabalhar sozinho.

“Uh... então, Ethan...” Eu apertei minhas mãos sem saber como começar.

“Sim.”

Eu respirei fundo.

“Eu... bom eu nem achei que eu fosse ter um parceiro no começo então... eu acho que...”

“ESSA VACINA FENOMENAL É CAPAZ DE CURAR MAIS DE 20 TIPOS DE DOENÇAS!” O diretor falava.

Ethan abaixou a cabeça.

“Então, é o fim da parceria?”

“O-o que? Não, esse não é o fim...” Eu continuaria falando, mas Ethan me interrompeu.

“VOCÊ NUNCA LEVOU ESSE LANCE DE PARCERIA A SÉRIO!”

Eu não acreditava que ele estava falando aquilo.

“É APENAS UMA PALAVRA, NÓS NÃO SOMOS GRUDADOS OU ALGO ASSIM!”

“MAS É UMA PALAVRA QUE TEM SIGNIFICADO!”

“MESMO ASSIM NÃO É NADA IMPORTANTE!”

Ethan me olhava indignado, como se romper a parceria fosse a pior coisa do mundo.

“É SIM IMPORTANTE, PELO MENOS PARA MIM!” Ele gesticulava indignado.

“CARAMBA ETHAN, SÃO SÓ 8 MALDITAS LETRAS QUE VOCÊ FICOU ENCHENDO MINHA CABEÇA COM ELAS TODOS ESSES MESES!” Eu o encarei de um modo sério, o jovem arregalou os olhos.

“Eu achei que isso tivesse sentido para você.” Ele disse surpreso. “Achei que eu te conhecesse, não sabia que isso te irritava.”

“É?!” Eu perguntei em um tom mais agressivo do que eu queria. “E quer saber mais o que me irrita, Ethan? Muitas vezes é o seu comportamento, suas neuras e sua estranha obsessão por parceria! Você me trata como se fossemos íntimos, sendo que somos meros colegas!”

Ethan estava com uma expressão ofendida, eu parei de falar e respirei ofegante. Aquilo estava preso na minha garganta por meses, porém eu nunca falaria na cara do meu colega. A não ser que estivesse incrivelmente nervoso, como eu estava.

“Vocês dois vão entrar agora.” Falou o homem que estava ajudando nos bastidores.

Eu olhei para Ethan, que rapidamente ficou ainda mais pálido. Minhas mãos voltaram a suar, eu esperava alguma palavra de consolo vinda de meu colega, e talvez ele esperasse uma palavra vinda de mim, mas nenhum dos dois fez nada.        

Eu estava de braços cruzados e Ethan me olhava chateado. Era o grande dia, aquele que eu e Ethan esperamos por longos sete meses, e eu nem conseguia acreditar que tínhamos discutido bem antes de entrarmos naquele palco.

“E eu que achei que te conhecesse.” Ele murmurou.

Ethan revirou os olhos para mim, o que me fez abaixar a cabeça, e atravessou a cortina vermelha.

“Mas, a culpa não foi minha. Eu não sou obrigado a fazer um experimento com alguém. O Ethan que é muito sensível.” Pensei enquanto entrava no palco.

“Aqui estão os criadores desse invento inacreditável! Senhor Fernandiz e senhor Feduncio!”

“Ethan. Só Ethan.” Pude escuta-lo murmurar baixinho.

As luzes se fixaram em mim e eu fui aplaudido, do outro lado do salão, Ethan também recebia luzes e aplausos.

“Um dos nossos grandes cientistas, vai contar um pouco sobre como foi a experiência de trabalhar aqui.” O diretor sorriu para nós. “Basta dar um passo a frente.”

Eu não sabia o que fazer, nenhum dos dois estava muito disposto a fazer isso.

Antes que eu pudesse pensar em me voluntariar, Ethan deu um passo a frente com uma expressão séria a nervosa. Eu não conseguia acreditar que ele estava fazendo isso. O diretor entregou para ele o microfone, que o pegou tremendo de medo.

Ethan foi até o centro do palco incrivelmente nervoso, estava pálido e seu rosto pingava de suor.

“Uh, olá?” Ele disse um tanto inseguro. “Olha, eu não me acho o melhor indicado para falar aqui, não. Mas, espero que vocês não se importem se caso essa pessoa que está falando pareça uma pedra e esteja tão suado que dá até pra encher um rio com essa água.”

Algumas pessoas da plateia esboçaram sorrisos, outras ficaram com uma cara séria e confusa. Percebi as bochechas de Tarcísio ficarem vermelhas de raiva, Ethan tinha um sério problema com a linguagem formal.

“Sei que vocês esperaram muito tempo pra receber essa vacina, e eu queria muito falar que foi supimpa produzir ela e tudo mais.” Eu percebi seus joelhos tremerem. “E eu ‘tava’ doido pra falar que foi ‘melzinho na chupeta’, mas tipo, se fosse realmente, vocês não iam ter esperado sete meses.” Ethan deu de ombros, mais sorrisos na plateia e algumas risadas. Ele parecia estar começando a se soltar diante do público.

“Eu vivi muitos momentos bons no Laboratório, mesmo que algumas vezes eu derrubei algumas coisas...” Ele colocou as mãos no cabelo um tanto envergonhado. “Bom na verdade eu derrubei muitas coisas.” O garoto sorriu, depois levou uma mão ao queixo pensando no que dizer. “Quando eu passei naquele concurso eu nem acreditei, sacam? Tipo eu tinha certeza que eu ia sei lá zerar, e ai do nada apareceu o resultado: ‘você foi convidado para trabalhar no Projeto Cura’ e eu fiquei ‘wow cara, isso é sério?’ tipo eu achei que fosse impossível eu ser tão bom.” Ele disse enquanto limpava as unhas na camisa e as checava com um ar de falsa superioridade. Agora, mais da metade de todos aqueles carrancudos estavam dando risada e sorrindo. Ethan conseguia contagiar a plateia.

“Ele vai estragar a reputação da Flor de Lins.” Murmurava o diretor enfurecido.

“Acho que pra começar a falar das minhas experiências eu devo avisar: o meu nome é Ethan. Eu falo isso porque eu recebi um sobrenome com pronuncia desgraçada que é o cão.” Mais pessoas deram risada. “E eu acho que tá óbvio que foi a melhor época de toda a minha vida. Quero dizer, eu pude ajudar as pessoas e tal. Quem não gostaria disso?”

Eu olhava para Ethan completamente despojado no palco, eu estava feliz por ele estar sendo ele mesmo.

“E, eu não teria conseguido nada disso se não fosse pelo Mike.” Ele disse apontando para mim, o que me fez ficar constrangido. “Esse cara foi meu parceiro por sete meses, eu teria surtado lá dentro se não fosse por ele.” Eu sorri me sentindo honrado.

Foi quando Ethan se virou para me olhar, caminhou até mim, ficou frente a frente comigo e disse:

“Mike, eu ‘tava’ mega nervoso antes da apresentação. Então tipo, não tem problema você querer trabalhar sozinho. Eu queria poder falar que eu não ligo pra essa quebra de parceria, mas eu ia mentir.” Ele passou a mão nos cabelos de novo. “A questão, Mike, é que foi supimpa trabalhar com você por mais de meio ano, e se você quiser continuar sozinho tudo bem. Porque, acho que você já me aturou por tempo suficiente mesmo.” Ele riu, embora estivesse nítido um fio de chateação em sua voz. “Na verdade, tenho certeza.” O garoto murmurou baixinho, tirando o microfone de perto da boca para que ninguém escutasse.

Eu não sabia o que dizer, fiquei imóvel me sentindo um grande idiota. Ethan estava se desculpando pela briga e eu não tinha ideia do que fazer. Pensei em dar um aperto de mão ou um abraço no garoto, mas eu estava paralisado demais para fazer qualquer coisa. Eu tinha o esculachado antes de entrarmos, e ele parecia estar perdoando tudo. Eu não merecia um colega tão legal.

Ethan se virou para a plateia novamente, posicionou o microfone e abriu um grande sorriso.

“E era isso que eu queria dizer: a coisa mais importante e mais gratificante que eu tive aqui foi a amizade.”

Todos o aplaudiram, até mesmo o diretor. O garoto tinha talento para um bom discurso.

“Certo, obrigado senhor Feduncio.” O diretor disse enquanto pegava o microfone de volta e o colocava no pedestal. Ethan revirou os olhos. “Agora, eu vou testar o Iom Ne Onif Saclas em mim mesmo, eu nunca me submeteria a algo do tipo se não fosse seguro.”

“ESPERA!” Todos da plateia olharam para mim. Fiquei átono, tinha gritado por impulso, não sabia o que fazer.

Ethan me olhou confuso e franziu o cenho, logo depois cruzou os braços e me encarou chateado. Dei três passos a frente ficando cara a cara com ele.

“Eu sinto muito por tudo o que eu disse.” Eu falei, tentando não me lembrar de que eu estava sem microfone, e que os telespectadores renomados estavam esperando para ver o Iom Ne Onif Saclas funcionando. “Você pode ser difícil de lidar, mas eu sou mais e...” Parei, tinha perdido as palavras.

Respirei fundo e tentei prosseguir.

“No começo eu não... eu meio que te subestimava. Era como se eu achasse que a gente nunca fosse nos dar bem.” Eu encarei Ethan e vi que o mesmo estava perplexo. “Sei lá, eu achava essa história de parceria algo dispensável....”

Percebi que meu colega estava ficando cada vez mais chateado, respirei novamente.

“Mas, eu estava errado. Ethan eu estava errado!” Eu falei com uma empolgação que eu não sabia que existia em mim, era estranho admitir que aquele jovem tinha sido alguém útil. “Caramba, eu não sabia o que seria desses meses sem você, talvez eu nem tivesse terminado o projeto!” Falei sincero.

Ethan me encarou e esboçou um pequeno sorriso.

Eu sabia para quem eu estava olhando. Um garoto mais novo do que eu, mais sensível do que eu e com um potencial incrível. Ethan era aquela pessoa preocupada, mas feliz, como meu colega era feliz.

“Você me salvou de dias de tédio apenas sendo você mesmo, isso é...” Eu olhei fixamente para ele e esbocei um sorriso. Eu nunca tinha “apostado” grandes coisas em meu colega, pois, mesmo com meses de trabalho eu ainda o via como alguém um tanto imaturo, relaxado e com uma postura incrivelmente informal.

“Bom?” Ele arriscou, sem falar no microfone.

“Não...” Eu murmurei sorrindo. “Extraordinário, Ethan. Extraordinário.”

Percebi que o garoto estava enxugando uma lágrima do canto do olho direito.

“Quando o choro começa pelo olho direito é porque a gente ‘tá’ feliz, né?” Ele perguntou sorrindo. Retribui o sorriso.

Balancei a cabeça e, vendo meu colega espontâneo fazendo um trabalho excelente e demonstrando ser maravilhoso, o abracei.

“Nunca se esqueça disso, Ethan.” Eu disse bagunçando os cabelos dele, como um irmão mais novo que nunca tive. “Você é incrível, não deixe ninguém te dizer o contrário.”

Percebi que minha blusa estava molhada, ele estava chorando.

“Certo.” Tarcisio interrompeu o momento. Eu e meu colega olhamos para o diretor, (que estava de braços cruzados, cara enfurecida e parecendo prestes a explodir), nos entreolhamos e voltamos para nossos lugares. “Obrigado senhores por esse momento incrivelmente emocional.” O diretor disse com um certo desprezo.

Engoli a seco, estaríamos encrencados?

“Agora, vamos testar o Iom Ne Onif Saclas!” Ele gesticulou com empolgação.

O diretor pegou uma vacina com a mão direta e apoiou a esquerda na mesa onde elas estavam. Depois aplicou em si mesmo.

Enquanto todos aplaudiam, eu olhei para uma coisa esquisita.

Poderiam ser meus olhos me enganando, mas eu poderia jurar que do polegar esquerdo do diretor estava saindo areia.


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