conversa de beco escrita por yuanfen
dezesseis
eu tinha dezesseis quando virei mulher
não sei dizer como ou
o porquê
foi um momento tão breve, às oito da manhã de
um novembro qualquer
(não, qualquer não: um novembro
em que eu tinha dezesseis)
foi andando numa calçada qualquer
(não, qualquer não: a calçada de uma cidade
que às vezes conheço mais do que à mim mesma
e às vezes me parece completamente estrangeira)
foi embaixo de um sol quente
foi com um Dunhill branco na mão
uma mochila nas costas
e água e limão
no estômago
e o gosto amargo da rua deserta
foi um segundo só, em que só consegui pensar:
é isto, sou mulher
mas foi só esse segundo passar que eu virei menina de novo
só uma menina.
a gente nunca sabe quando vai virar mulher
e quando a menina vai voltar
no meu caso eu nunca sei
acho que não sou nenhum dos dois, afinal
acho que sou só uma criança
mal educada
não foi a bebida que me fez crescer
nem o cigarro
nem o gosto de alguém
muito menos os livros empoeirados
ou as músicas cheias de sofrimento voluntário
foi essa caminhada na calçada,
às oito da manhã
no novembro em que eu tinha dezesseis
mas afinal, quem foi que disse que
a gente não nasce mulher
mas se torna uma?
acho que Simone de Beauvoir
mas de pouco importa
ela morreu
e um dia eu também vou morrer
assim como todo mundo nessa cidade
que anda acordado ou dormindo
ou um pouco dos dois
de pouco importa se a gente é mulher,
menina,
criança,
bicho.
no final é adubo
mas de que importa?
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