True Love's Kiss escrita por Brigadeiro


Capítulo 1
True Love's Kiss


Notas iniciais do capítulo

Para L, por quem eu esburacaria o Ibirapuera inteirinho se precisasse. “Não poderia estar mais grata, ou se sentir mais afortunada pela amiga que tinha” foi um pensamento que eu tive, antes de atribuí-lo à Evie.

Feliz Aniversário ♥

*One escrita pós-D2, não leva em conta os acontecimentos do último filme.



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Em meus sonhos dou um beijo de amor

Em um príncipe encantador

É o que faz o final feliz da história

 

Se alguém pedisse para Evie descrever como sonhava que seria o dia do seu casamento, ela responderia: “Exatamente assim”.

O céu claro e limpo ostentando a cor favorita dela em sua versão mais doce, estampado com pequenas nuvens de algodão aqui e ali. Confere.

Uma brisa com força suficiente para soprar seus cabelos, porém não forte o bastante para bagunça-los.  Confere.

Um castelo deslumbrante, sem pó e nem teias de aranha como no que ela cresceu, mas sim todo enfeitado com uma decoração milimetricamente escolhida por ela – azul, é claro. Confere.

O ambiente preenchido pela melodia suave de violinos sendo tocados ao vivo. Confere.

Um vestido esmeramente criado só para ela, e feito por ela, tão lindo que seria capaz de arrancar o fôlego de cada singela pessoa que colocasse os olhos nele.  Confere.

Sapatos perfeitos que não machucariam seus pés, um buquê perfeito que sua melhor amiga pegaria no final da cerimônia, e um bolo perfeitamente doce de maçã com camadas. Confere, confere, confere.

E, é claro, um príncipe perfeito esperando por ela no final de um longo tapete de veludo vermelho. Seu príncipe perfeito. Doug. Confere.

Evie podia recitar cada um desses detalhes sem se esquecer de nada, e talvez até acrescentar mais coisas. Tinha imaginado aquele dia obsessivamente por anos, montado e escolhido cada pormenor com sua mãe, e estava tudo finalmente acontecendo bem diante dos seus olhos.

Ok, tecnicamente Doug podia não ser o príncipe com o qual a mãe dela tinha dito que ela deveria se casar, mas quem ligava para títulos quando ele tinha o coração mais principesco do que qualquer outro que ela tinha conhecido em sua vida? E, o principal, era ele quem ela amava, tanto que às vezes pensava que seu coração não comportaria um sentimento tão grande, e tanto que todos esses outros detalhes ficavam ofuscados e perdiam a importância quando ela pensava que ele é quem estaria na ponta do altar, esperando para tomar sua mão.

A única diferença era a de que a Evie da Ilha não tinha qualquer esperança de que seus sonhos encantados pudessem se tornar realidade. Pensou se sua mãe ficaria orgulhosa dela, se pudesse estar presente. Ela certamente sabia que estava orgulhosa de si mesma.

— As suas bochechas não doem? — a voz de Lonnie a fez desviar os olhos do gigantesco espelho que tinha sido instalado ali, tirando-a dos seus devaneios felizes. O quarto onde estava era um dos mais altos na torre mais lata do castelo onde aconteceria a cerimônia, completamente equipado para que ela tivesse tudo o que precisava para se arrumar para o grande dia.

Ela não entendeu a pergunta.

— Por que doeriam?

— Porque você esta sorrindo assustadoramente sem parar já faz umas três horas — foi Jane quem respondeu, a voz soando por trás das duas grandes caixas que ela carregava e que cobriam seu rosto rechonchudo ao entrar no quarto.

— Três horas? As bochechas delas não sabem o que é descanso desde ontem — Mal se fez presente, entrando logo após Jane, também com caixas nas mãos. Após fechar a porta com o quadril, ela jogou as caixas no sofá de couro bege com muito pouca delicadeza e cruzou os braços, olhando para a amiga. — Tenho certeza de que ela dormiu com esse sorriso.

Em resposta a isso, o sorriso dela se alargou ainda mais. Ela estava feliz, oras, que mal havia naquilo? Aquele era o seu dia, destinado especialmente para que ela sorrisse por cada segundo memorável dele, sem arrependimento.

Nada poderia dar errado.

— Trouxeram tudo que estava no carro? — ela bateu palmas, animada, já correndo em direção as caixas. Abrindo a mais próxima, ela jogou para longe as folhas de papel seda que cobriam o tecido, e puxou debaixo dela um vistoso vestido longo azul cobalto de chiffon. — Ah, parece ainda mais maravilhoso do que quando os terminei!

E abraçou o vestido, amassando-o contra sua bochecha. Mal fez uma careta. Evie estava em êxtase com cada detalhe do casamento que viu pronto na última semana. E ela tinha presenciado cada um dos surtos.

— Vou mesmo ser obrigada a usar azul? —a filha da Malévola gemeu diante da possibilidade.

Evie ergueu uma sobrancelha.

— Eu usei o roxo no seu, não usei? — a contragosto, Mal confirmou. — Então nada mais justo.

Mal revirou os olhos.

— Tudo bem, sabemos que os vestidos são bonitos, chega disso — Jane a pegou pelos ombros, forçando-a a voltar para a cadeira em frente ao espelho. — Precisamos te arrumar e estamos correndo contra o tempo!

— Rápido, ou o relógio pode bater meia noite! – brincou Lonnie, fazendo as meninas rirem.

— Haha, muito engraçado — Evie respondeu, enquanto pegava a escova e começava a passar por entre os fios para preparar o cabelo para o penteado a ser feito. — Onde está a Dizzy?

— É uma boa pergunta — respondeu Mal. — Não vi nem sinal dela por aqui hoje ainda.

— E quem vai fazer o meu penteado? — Evie arregalou os olhos, o sorriso deixando seu rosto por uma fração de segundos ao imaginar que seu cabelo poderia ficar menos do que perfeito quando ela pisasse no grande salão do castelo.

— Eu posso fazer! — Jane se prontificou, já pulando para trás dela na cadeira e começando a remexer os fios. — Sou ótima com tranças.

Ela relaxou na cadeira.

— Tudo bem.

Enquanto Jane começava a pentear os cachos azulados com esmero, Evie puxou a caixa de joias que estava na bancada para perto de si, começando a retirar peça por peça do que seria usado para a cerimônia.

 Uma linda tiara adornada com pedras de safira e rubis, pequenas e discretas, que formavam um traçado delicado e elegante seria o que prenderia o véu em sua cabeça. Uma pulseira que ela tinha ganhado de Doug em um dos aniversários de namoro. Brincos novos de pérolas, comprados por ela para o dia. Sua aliança de noivado, tão especial, que imitava o formato de uma coroa com diamantes ainda estava no dedo dela, que só a tiraria no momento de descer. E... Algo estava faltando.

— Alguém viu o meu colar de coração?

O icônico pingente de coração envenenado e coroado era uma marca de Evie desde que ela chegara a Auradon. Não, desde que ela se entendia por gente, na verdade. Ele não poderia estar faltando em seu pescoço em sua grande entrada, de jeito nenhum.

— Não está ai?

— Não.

Evie revirou a caixa de joias novamente. Não estava ali. Deveria estar ali.

Ela se levantou, afastando Jane, fez um coque rápido no cabelo e desatou a abrir as caixas, bolsas e sacolas que estavam por todo o quarto com todas as demais coisas que dela e das madrinhas. Mal, Lonnie e Jane se puseram a ajudar. Não estava em sua bolsa, nem unto com os outros acessórios de cabelo, com os aparelhos de beleza, ou perto das caixas de sapato. Não estava em lugar nenhum.

— Eu coloquei na caixa de joias ontem a noite — ela lamentou.

— Certeza?

— Não.

Mal bufou.

— O apartamento estava uma bagunça ontem.

— Com licença? Organizar um casamento dá um trabalhão — ela colocou as mãos na cintura, encarando a amiga com diversão. — Mas como você poderia saber? Fui eu quem organizou o seu.

— E eu — Jane levantou a mão, fazendo-se presente. Ela nunca tinha tido tanto trabalho na vida quanto no casamento real.

Mal bufou.

— Tanto faz.

— Alguém aqui pediu um vestido pra viagem? — Jay entrou de supetão no quarto, após chutar a porta, assustando-as. Uma capa protetora fechada descansava sobre os dois braços estendidos dele. — Qual a próxima tarefa?

Evie saltitou até ele, tomando o vestido de suas mãos e habilmente pendurando no gancho próximo a janela onde ele permaneceria até que fosse a hora de vestir.

Pensou em perguntar a Jay se ele tinha visto o colar em algum lugar do ateliê ao buscar o vestido, mas pensou melhor. O colar podia passar dançando na frente do filho do Jafar e ele não teria percebido, Jay não ligava para aquelas coisas – a não ser quando queria roubá-las, mas aquilo fazia parte de uma outra vida. Jay não roubava algo havia tanto tempo que tinha até perdido a mania de reparar em todos os objetos de valor dentro de um cômodo quando entrava nele.

— Aprender a bater seria bom — resmungou Lonnie ao respondê-lo. — E se estivéssemos nos trocando?

— Mas não estavam.

— Mas e se estivéssemos?

— Mas não estavam!

— Sua próxima tarefa é ir se arrumar, Jay — Evie respondeu, acabando com a discussão do casal. Jay ainda estava com suas roupas normais do dia a dia, um carnaval de couro desbotado. — Não sei quem você pensa que vai levar ao altar vestido assim, mas eu é que não sou.

— Ainda faltam horas para isso, quanto tempo você acha que eu levo pra colocar um terno? — e ergueu uma sobrancelha em desafio.

Evie decidiu deliberadamente ignorá-lo.

— Querem ver a minha obra de arte? — Evie perguntou, empolgada, para as amigas. Jane soltou um gritinho de afirmação.

— Tô vazando — Jay murmurou, já saindo do quarto. Estava aliviado por ter cumprido sua única tarefa sem erros.

— JAYDEN!

Ou nem tão sem erros assim.

Se uma banshee e uma donzela de filmes de terror se encontrassem, não produziriam juntas o que o grito de Evie foi capaz de exprimir. Jay congelou na porta e por um segundo ponderou se seria melhor virar e ver o que tinha feito de errado ou correr para salvar a sua vida. Sabia, no entanto, que não conseguiria chegar muito longe, então girou lentamente sob seus calcanhares para encarar a ameaça de morte que envolvia os olhos de Evie naquele instante.

Ela apontava para o vestido dentro da capa protetora, agora aberta. Era branco, e isso foi tudo o que ele conseguiu identificar na peça. Não entendia daquilo.

— O que é isso?!

— Um vestido? — respondeu ele, incerto. — Não era pra ser branco? — ele não sabia se existia uma resposta certa para aquela pergunta.

Jane bateu a mão na testa e Mal apertou os lábios para evitar um riso de escapar. Evie não estava achando nenhuma graça.

— Esse não é o meu vestido! — a voz dela subiu mais uma oitava ao apontar para o vestido.

— Não?

— Não! Qual foi a parte de “a embalagem grande sob a redoma no balcão” que você não entendeu? — ela suspirou, resignada. Sabia que não era uma boa ideia ter deixado Jay responsável por algo tão importante, mas não tinha tido escolha. — Eu nunca nem vi esse vestido na minha vida! Não fui eu quem fiz. De onde você o tirou?!

Jay estava fazendo muito esforço para não se encolher a cada grito dela, não pegava bem.

— Eu nem precisei ir até o ateliê, tá legal? A mãe do Doug disse que já tinha passado lá e me deu essa coisa pra eu te entregar. Culpe ela, não eu! — ele contou, desesperado para que Evie parasse de olhá-lo como se ele tivesse atropelado filhotinhos fofos.

O vestido era um modelo evasê com decote redondo e mangas bufantes, completamente o contrário do vestido dos sonhos no qual Evie tinha passado semanas produzindo. Para falar a verdade, lembrava um pouco o vestido da Branca de Neve na versão branco cegante.

Espera. Ele tinha dito... A mãe do Doug?

— Evie, minha querida, ai está você! — como se tivesse esperando a deixa, a própria sogra de Evie irrompeu pela porta já aberta. — Trouxe a sua tiara!

Evie prendeu a respiração ao ver que ela segurava uma caixa de acrílico com uma almofada dentro, em cima da qual uma tiara dourada, fina e enfeitada de vermelho repousava. Um laço de tamanho considerável se destacava na parte de cima do objeto.

— Ãn... — ela tentou encontrar uma maneira de não ofender sua sogra. — Dona Jade, eu não...

— Ah, o vestido! — a senhora de traços latinos se precipitou até a peça pendurada no cabide, ainda dentro da capa de proteção aberta, com as mãos no rosto, parecendo absolutamente encantada. — Ele é perfeito! Você já o provou?

— Hum... Não. Esse não é o meu vestido — ela declarou, em pânico, olhando com desgosto para o modelo.

Evie gostava da mãe de Doug, de verdade. Jade era sempre gentil, cuidadosa e empolgada para ajudar quem quer que fosse, no que quer que fosse, mesmo que a pessoa não precisasse de ajuda. E apesar de sempre ter se sentido bem vinda e acolhida entre a família de Doug, boa parte dela era, digamos, ligeiramente obcecada por Branca e toda aquela história.

— Ah, querida, não precisa ficar tímida. É um presente — Jade tomou as mãos de Evie nas suas, dando tapinhas reconfortantes. — Vai ser uma emocionante ver você vestindo ele. Ainda me lembro de quando o usei quando me casei com Dunga, ele adorou.

Evie engasgou com a saliva, e lançou um olhar maligno a Mal, que tinha soltado um risinho atrás delas. Aquilo não era engraçado!

— Não — ela recomeçou, tomando coragem. — O que eu quis dizer é que eu já tenho o meu vestido, um que eu mesma fiz, só pra hoje.

— Ah — a mulher parecia surpresa, e piscou algumas vezes, assimilando a nova informação. — E onde ele está?

— Bom, ele... — ela procurou Jay com o olhar, xingando-o de todos os nomes possíveis mentalmente, mas ele já tinha fugido sorrateiramente do quarto.

A sogra de Evie sorriu, compreensiva, e colocou a caixa com a tiara em cima da cômoda.

— Tudo bem, eu vou deixar a sua tiara aqui e descer para garantir que tudo lá no salão fique pronto a tempo, enquanto você ‘decide sobre o vestido’ — ela disse para a nora, em um tom de voz que sugeria não haver outra opção além da cópia mal feita do vestido da rainha de Charmington.

Quando ela saiu do quarto, Evie despencou no sofá, as mãos na cabeça.

— Ai, meu Deus, o que eu vou fazer? — ela questionou, olhando desesperadamente para as amigas.

Jane, Lonnie e Mal pareciam estar se divertindo com a situação. Aparentemente uma noiva em pânico rendia um bom entretenimento.

— Você não está pensando em usar aquela coisa, está? — Mal perguntou, imaginando que Evie era bem capaz de ceder só para agradar a sogra.

— Mas é claro que não! — exclamou.

— E a tiara?

— Nem por todos os espelhos do universo.

Ela não sabia o que era pior: o vestido, a tiara, ou a combinação dos dois juntos.

Ela respirou fundo, tentando se acalmar. As expectativas da mãe de Doug definitivamente não estavam em sua lista de prioridades no momento. Aquele ainda era o seu dia, e ela ainda estava no controle dele. Tudo daria certo, não importava o quão louca sua sogra fosse.

— Preciso ver o meu vestido perfeito, e agora — declarou, correndo atrás do celular. — Alguém viu meu telefone?

— O que vai fazer? — Lonnie questionou.

— Encontrar alguém responsável pra fazer isso por mim. Eu não sei o que me deu na cabeça para deixar isso nas mãos do Jay, ele é a pessoa mais irresponsável que eu conheço.

— Eu sou a namorada dele, e concordo cem por cento com isso — Lonnie balançou a cabeça, concordando, mas estava sorrindo.

— Celular?! — ela exigiu novamente, encarando as garotas.

— Ele está aqui — Mal pegou o pequeno aparelho enfeitado com uma capa azul que estava em cima de uma das caixas próxima a ela, e jogou em direção a Evie displicentemente. — Pega.

— Não!

Evie tentou segurá-lo a tempo, mas o aparelho passou longe de seus dedos, estatelando-se direto no chão.

— Oh-ou — Jane murmurou.

— Mal! — a filha da Rainha Má abaixou-se, chorosa, pegando a casca do que um dia tinha sido um moderno aparelho eletrônico. Agora, porém, sua tela não passava de caquinhos de vidro espalhados pelo carpete macio do quarto. — Não, não, não.

Ela sentou-se no chão, o olhar ainda no objeto quebrado. O que ela faria agora? Ela usava aquele celular pra tudo. Falar com quem precisava, fazer pedidos, organizar as listas do casamento, datas, horários e prazos e, meu Deus, como atualizaria as redes sociais agora?!

— Eu não acredito que isso está acontecendo — fungou, sentindo-se impotente.

— Tudo bem, tudo bem, calma — pediu Mal, sentindo-se ligeiramente culpada. — Vamos fazer assim: você volta pra cadeira e vai terminar o seu cabelo. Eu vou até o ateliê pegar seu vestido, e quando você o vir vai ficar mais calma.

Os olhos de Evie voaram até a amiga de cabelos roxos, desconfiada.

— Você vai buscar o vestido?

— Sim. Eu sei onde ele está e posso ir e voltar bem rápido com a minha moto. Não confia em mim? — e piscou os olhos, forçando um sorriso.

— A moto não! — Evie alertou, desesperada, ao pensar no seu delicado vestido voando a cem quilômetros por hora. Mal tinha a tendência a dirigir como uma maníaca em cima daquela coisa. — Use um carro. Ou sua limusine. Não me importa, apenas não coloque o meu bebê em cima de uma moto!

Mal bufou, dando adeus a sua única chance de ter um pouco de diversão.

— Tá.

— Mal, é serio.

— Eu sei que é.

— Nada de motos.

— Ok.

— E você vai pegar o vestido no ateliê e voltar direto para cá. Sem paradas.

— Sim, senhora.

— E nada de motos!

— Eu entendi, Evie!

— É o seu dever de madrinha, salvar o meu casamento trazendo o meu vestido em segurança até mim.

— Estou ficando ofendida — ela revirou os olhos e foi em direção a saída. — Volto em uns vinte minutos, cuidem dela! — ordenou a Jane e Lonnie, que acenaram enfaticamente, e então ela fechou a porta, saindo.

— Tudo bem, você ouviu as ordens da rainha. De volta para a cadeira! — Lonnie bateu palmas, fazendo Evie levantar-se e voltar para a cadeira em frente ao espelho.

Ela obedeceu, tentando fazer o sorriso de minutos antes voltar ao seu rosto. Um pouco do êxtase que sentiu ao acordar pela manhã tinha ido embora, era verdade. A vida real tinha a irritante mania de não seguir os sonhos à risca. Mas ela não deixaria alguns contratempos estragarem seu humor no dia mais importante de sua vida.

Voltou a se sentar na penteadeira para terminar os cachos, assim quando Dizzy chegasse ali às madeixas estariam prontas para o penteado. Porém, achou melhor ela mesma moldar seu cabelo, já que estava começando a ficar nervosa e o trabalho delicado poderia acalmá-la. Enquanto isso, Lonnie e Jane estavam desencaixotando os demais vestidos e acessórios que já estavam ali.

— Uau, os sapatos são lindos — admirou Jane, quando Lonnie tirou o par da caixa enfeitada. Era todo forrado com renda azul safira, porém sua sola era vermelha. — Onde comprou?

— Em Cinderellasburg, mas esse eu pedi sob encomenda.

Lonnie observou atentamente os dois pares do calçados, sentindo que havia algo estranho neles. Eram lindos, sim, a cara da Evie, mas... Seu queixo caiu quando ela olhou com mais atenção para a sola deles.

— Hum... Evie? — ela começou, incerta sobre como dizer aquilo. Evie resmungou para sinalizar que estava ouvindo. — Você calça 39?

Ela soltou uma risada fraca, ainda concentrada no espelho, formando os cachos.

— Eu tenho pequenos pés tamanho 34 como os de uma princesa, me respeita — ela brincou.

Lonnie, porém, não estava brincando.

— Então alguém precisava ter avisado ao sapateiro.

Evie virou-se de supetão quando entendeu o que a amiga quis dizer; a mão ainda segurava o baby liss enrolado no cabelo.

— Me diz que está brincando! — suplicou.

— Eu bem que gostaria — gemeu Lonnie, e virou a sola do sapato para que a filha da Rainha Má pudesse ver a numeração. — Aqui, olha. 39.

Por alguns segundos que pareceram uma eternidade, Evie congelou na cadeira. Lonnie e Jane trocaram olhares preocupados enquanto esperavam ela reagir. Um... Dois...

Não! — ela gritou, as mãos cobrindo a boca dramaticamente. Seu colar estava desaparecido, o vestido estava errado, sua sogra estava tentando transformá-la na Branca de Neve, seu celular tinha quebrado e agora isso?

O que mais faltava para acontecer?

— Evie, seu cabelo! — gritou Jane, correndo para desenroscar dos fios azuis o aparelho fumegante, que tinha caído e, bem, queimado uma boa parcela que ficou tempo demais enrolada ali.

— Ai, meu Deus! — ela exclamou, voltando-se novamente para o espelho. — Não não não não não!

Um quarto de seu sedoso cabelo azulado, e bem a parte da frente, estava agora ressecado, quebrado e claramente queimado. Que noiva aparecia com o cabelo queimado no próprio casamento? Nenhuma!

Evie sentiu que não estava conseguindo mais puxar o ar para dentro dos pulmões enquanto decidia se chorava, gritava ou os dois ao mesmo tempo. Ela começou a hiperventilar, o que fez as meninas correram para o lado dela, Lonnie abanando as mãos em desespero e Jane assoprando o rosto dela exageradamente.

— Evie, respira! — pediu Lonnie, que parecia ser a mais equilibrada das três no momento, ainda que não estivesse muito. Que péssima hora Mal tinha escolhido para sair!— Puxa pelo nariz, solta pela boca. Isso, devagar. Nós vamos dar um jeito.

— Como?! — ela exigiu, desafiando as amigas a achar uma solução para aquela catástrofe fatal.

Lonnie, porem, não conseguiu uma resposta imediata. O que se podia fazer diante de um montante de fios queimados? Uma peruca, talvez?, ela pensou, mas ficou com medo de Evie esganá-la se ela sugerisse aquilo em voz alta.

— Magia! — Jane gritou, como se tivesse feito uma descoberta genial.

— Magia?

— Podemos usar um feitiço! — Jane saltitou até Evie, empolgada. — Como o que a Mal usou em mim quando nos conhecemos. Meu cabelo ficou perfeito em segundos!

Evie olhou para ela um tanto quanto insegura. Jane não era exatamente uma perita em feitiços, uma vez que a Fada Madrinha tinha criado a garota com contato absolutamente zero à magia.

Sem falar que, Magia era altamente desencorajada em Auradon.

— Não sei não, Jane... Você já fez isso antes?

— Eu tenho treinado bastante! Quer dizer, um pouco... Mas eu consigo! — afirmou, enfática. Desde a coroação de Ben, ela vinha treinando pequenos feitiços na moita, para que se algum dia surgisse uma urgência ela não estragasse tudo. Aquilo era uma urgência, certo? — Me lembro exatamente de como Mal fez. Não vai dar pra arrumar agora com as pontas todas queimadas assim. Levaria semanas pra restaurar ele do modo natural, não é Lonnie?

— Do jeito que está, só com reconstrução — respondeu a filha da Mulan, observando com uma expressão nada agradável para os fios azuis, danificados e retorcidos em ondas queimadas nada bonitas. — E um relaxamento dos bons. No mínimo. Levaria semanas.

— Viu? Você quer se casar com o cabelo estragado?

Evie estremeceu com o pensamento.

— Não. Nem pensar — ela suspirou. — Mas acho que o Ben não iria gostar disso...

— Magia não é exatamente proibida, só não é usada. E ele não precisa saber.

Evie não estava exatamente convencida, mas também não queria mesmo ter que se casar com o cabelo menos do que perfeito. Era um dilema difícil demais. Ela se sentiria mais segura se Mal estivesse ali para fazer a magia, confiava nas habilidades da amiga mais do que nas da filha da Fada Madrinha.

Jane, porém, interpretou o silencio como um sinal positivo, e foi em frente.

— Vejamos... Era alguma coisa sobre atenção, olhar bem... — franziu a testa, tentando lembrar-se de como exatamente Mal tinha feito com ela anos atrás.

— Hum... Tem certeza de que não é melhor...

— Eu consigo!

Evie levantou as mãos, rendendo-se.

Jane se concentrou, tentando juntar as palavras que se lembrava do feitiço, com o que Lonnie tinha dito que os fios precisavam.

Com atenção venha olhar, ela relaxando profundamente devagar

Como antes já se fez, permanente será até que... Oh! O buquê!

Evie e Lonnie olharam para Jane.

Buquê? Aquilo definitivamente não tinha rimado.

— O quê?

— O buquê! — ela repetiu, apontando para a porta, onde um Ben confuso estava parado com um punhado de rosas azuis e vermelhas, amontoadas de forma milimetricamente organizada, que Evie levaria em mãos enquanto caminhava em direção ao seu futuro perfeito.

— Ah! — Evie levantou-se apressada da cadeira, o grande desastre capilar momentaneamente esquecido enquanto ela tomava o buquê em mãos para cheirá-lo. — Está perfeito! Finalmente algo que foi feito certo. Obrigada, Ben!

— De nada — Ben coçou a cabeça, sem graça diante de tanta empolgação com apenas algumas flores. Nem tinha sido ele quem montou o buquê. Ele só tinha levando-o até ali.

Elas tinham sido cortadas pelos empregados diretamente dos jardins de Bela, que outrora fora, na verdade, o jardim da Fera, de onde seu avô havia tentado roubar um ramo, o que tinha resultado na fatídica prisão de sua mãe no castelo.

— Onde está Mal? — ele perguntou, ao notar que sua esposa não estava no cômodo. Então ele olhou para Evie. — E o que houve com o seu cabelo?

Evie gemeu, ameaçando chorar.

— Não houve nada, ele só não está pronto ainda — Lonnie respondeu pela amiga, preocupada, foi até o lado de Evie e passou um braço por seu ombro. — E a Mal foi buscar o vestido da Evie.

— Não era tarefa do Jay trazer o vestido?

— E você acha que ele fez direito? — Lonnie bufou.

— Como está o Doug? — Evie tentou não transparecer ansiedade, mas falhou miseravelmente ao torcer as mãos no tecido de seu robe de seda azul enquanto fazia a pergunta. Ben era o padrinho dele, e estava com Doug desde de manhã.

Ben riu.

— Ansioso.

Ela apertou ainda mais a barra do robe.

— Ansiedade do tipo boa, ou do tipo ruim?

— Do tipo que irrita o padrinho perguntando “Já está na hora?” a cada segundo.

Ela suspirou, aliviada.

— Certo, pelo menos um noivo eu ainda tenho.

Ben olhou-a interrogativamente.

— O que está acontecendo?

Os olhos de Evie se encheram de lágrimas ao ouvir a pergunta. A resposta para aquilo deveria ser: nada além de muita ansiedade porque estou vivendo o melhor dia da minha vida. Mas, ao invés disso, até ali, a resposta poderia muito bem ser: uma sucessão de desfortúnios.

Se não encontrasse um modo rápido de arrumar tudo o que já tinha dado errado até ali, teria que se casar sem seu vestido, sem o seu colar, sem sapato e com os cabelos horríveis.

— Eu não saberia nem por onde começar...

— Matei dois coelhos com uma cajadada só! — Mal invadiu o quarto impetuosamente de novo, aparentemente o único modo como ela sabia fazer entradas, segurava uma grande capa protetora em uma mão e Dizzy sendo arrastada na outra, sorrindo satisfeita. Então, notou Ben. — Hey, você!

— Hey, você — Ben se aproximou dela, enlaçando-a pela cintura, e inclinou-se um pouco para beijá-la.

Dizzy, eficiente como sempre, correu para tirar o vestido das mãos de Mal antes que ele fosse amassado entre o casal, que parecias ter subitamente se esquecido de onde estavam.

— Você não devia estar com Doug? — ela perguntou, ainda abraçada a ele. Não o via desde manhã, após acordarem, quando Evie a sequestrou para ajudar a preparar tudo.

— Eu estava, mas as flores chegaram e eu usei como desculpa para passar aqui e te ver — ele passou o dedo pelo queijo dela, fazendo-a sorrir.

Evie teria jogado algo nos dois, para separá-los e exigir ter sua madrinha concentrada nela, mas no momento toda a sua atenção e preocupação estava voltada para a embalagem que as mãos de Dizzy seguravam com cuidado.

— Meu vestido! — ela exclamou, ignorando o casal apaixonado na porta de seu quarto e correndo até Dizzy.

Ela abriu a capa de TNT preto com inquietude exagerada, soltando um longo e profundo suspiro ao ver seu verdadeiro vestido repousado com cuidado no tecido protetor. Aquele sim era o verdadeiro vestido de uma princesa, nem muito exagerado e nem muito simples, feito por ela e para ela, com cada detalhe em seu gosto, como deveria ser. Ela abraçou o vestido, repousando a bochecha no decote perfeito dele.

A imensa sensação de alivio por seu vestido ter chegado inteiro às suas mãos a fez relaxar, e ela soltou um longo bocejo, sentindo uma estranha vontade de espreguiçar-se inteira, deitar sob o vestido e dormir sobre ele ali mesmo.

— Ela vai se casar com Doug, ou com o vestido? — Ben questionou, rindo.

— Essa é uma pergunta válida — Mal o acompanhou na piada. — Hey, o que houve com o seu cabelo?

Por que todo mundo ficava perguntando aquilo?

O sorriso de Evie se foi ao lembrar que, infelizmente, só ter o vestido não consertava todos os problemas.

— Evie! — Dizzy gritou, e correu até ela, tomando as mechas estragadas em mãos. — Que desastre! Como...?

— Não pergunta! — Lonnie exclamou, percebendo que Evie já estava prestes ao chorar novamente ao se lembrar de tudo. — Apenas conserte. Por favor. Você pode?

— Você pode? — Evie repetiu a pergunta, olhando com ansiedade para Dizzy.

Ela avaliou a situação. Não seria possível recuperar completamente o estrago em tão pouco tempo, mas podia fazer uma restauração rápida e esconder a maior parte do estrago no penteado que planejava fazer.

— Acho que consigo dar um jeito.

Evie esmagou Dizzy em um abraço apertado, enchendo a jovem de beijos pelas bochechas.

— Você é um anjo! — e pulou de volta na cadeira. Dizzy tirou a mochila que carregava das costas, puxando alguns cremes de dentro dela.

— Tudo bem, acho melhor eu voltar a ajudar o Doug — Ben finalmente soltou Mal, que resmungou ao ter que vê-lo sair novamente. Ele não estava entendendo nem metade do que estava acontecendo ali e não tinha nem um pouco de vontade de descobrir.

— Não diga a Doug sobre nada do que aconteceu aqui! — ameaçou Evie. Não queria preocupá-lo, ela podia consertar tudo.

Ele concordou e saiu, deixando as mulheres sozinhas novamente. Evie relaxou na cadeira, sob o olhar atento das amigas, e bocejou novamente, dessa vez fazendo um alto barulho no processo.

— Você dormiu? — Jane questionou, percebendo que ela estava demorando demais para abrir os olhos quando piscava.

— Claro que sim, eu não queria correr o risco de ficar com olheiras — ela se inclinou para o espelho, preocupada. — Por que? Estou com olheiras?

— Não — Mal assegurou, lançando um olhar irritado a Jane. — Você está ótima. Dizzy vai arrumar o seu cabelo e tudo vai dar certo.

— Ainda não achei o meu colar — ela lamentou. — E não tenho um sapato.

— O que? — Mal ergueu uma sobrancelha. — O que aconteceu com o seu sapato? — ela correu até a caixa, e viu o mesmo que Lonnie. Cabiam dois pés inteiros de Evie em cada um deles. — Ah, droga.

— Vamos deixar pra nos preocupar com isso depois que seu cabelo estiver salvo!

...

Pouco tempo depois, Evie estava se esforçando para conter um bocejo atrás do outro enquanto Dizzy tentava fazer um milagre no seu cabelo estragado e Mal e Lonnie ligavam para sapatarias do reino atrás de um novo par que se parecesse com o antigo, sem sucesso.

Uma batida foi ouvida, e, sem esperar por resposta, uma cabeça surgiu pela fresta da porta. Uma cabeça masculina, ostentando um sorriso nervoso e olhos escuros que pareciam culpados. Era Kyle, filho de Tiana e Naveen, um grande amigo de Doug, e que também tinha se tornado de Evie, com o tempo.

— Entra, Kyle — Evie chamou-o, contendo outro bocejo. Por que de repente ela se sentia tão cansada? Seus olhos estavam começando a pesar. E só de perceber que, pela expressão de Kyle, mais alguma coisa tinha acontecido, o cansaço dobrava. — Vai, desembucha.

— O quê?

— O que foi que você aprontou agora? — Mal cruzou os braços, encarando o herdeiro da Maldônia inquisitivamente.

— Mas que injustiça! Por que é que eu tenho que ter feito algo errado?

— Por que você está com cara de culpado!

Ele fez uma careta, mordendo os lábios.

— Não foi culpa minha...

Evie gemeu.

— Fala logo!

Ele pigarreou, começando a andar pelo quarto de maneira teatral, ensaiando sua história.

— Eu estava prestes a sair de casa, para vir pra cá, e, como você sabe, já que foi você quem encomendou, a minha mãe é quem faria o bolo do casamento... — ele começou, e Evie já se levantou da cadeira onde Dizzy a arrumava, a mente alerta com a possibilidade de algo ter dado errado com seu bolo também.

— O casamento não vai ter bolo?

— Claro que vai! — ele exclamou. — O bolo está inteiro, lá embaixo já.

— Mas...?

— Veja bem, eu notei que o bolo não era, tipo, muito parecido com o que um bolo de casamento se parece. E eu sabia exatamente como você tinha pedido o bolo, afinal fui eu quem ficou ouvindo seu monólogo sobre ele por dias. E eu disse a minha mãe que era o sabor maçã, mas ela disse que tinha certeza de terem dito a ela que queriam o formato maçã, e eu disse “Mãe, quem, por todos os sapos, é que se casa com um bolo em formato de maçã?”, mas ela...

Evie teve um péssimo, péssimo pressentimento. Seria possível mais alguma coisa dar errado?

Oh, sim, as coisas sempre podem piorar.

— Kyle... — ela respirou fundo, preparando-se para o que viria a seguir. — Qual foi o fim dessa discussão?!

— Estou de castigo por 'não respeitar a minha digníssima mãe' — rolou os olhos. — Como se eu tivesse idade para ficar de castigo. Eu nem moro mais com ela!

— Kyle!

Antes que ele pudesse responder o que de fato não queria falar, um som começou a ecoar pelo castelo. Chegava fraco ao quarto onde eles estavam, mas ainda era bem audível. Era uma melodia lírica, um tanto quanto enjoativa na verdade, e segundos depois vozes finas em falsetes começaram a acompanhar o som.

— Isso é...? — Mal arregalou os olhos, identificando a musica.

Era a melodia de Sonhando Assim.

— Ah, não — com o coração tomado de aflição e medo, ela correu para fora do quarto, descendo as escadas de dois em dois degraus para encontrar a fonte daquilo.

Mal, Jane, Lonnie e Kyle correram atrás dela, é claro, preocupados. Ela não parecia ter se dado conta de que tinha descido descalça, apenas com um robe de seda e o cabelo completamente bagunçado.

No salão principal no térreo, pessoas se movimentavam para lá e para cá. Nenhum convidado havia chegado ainda, de forma que somente aqueles contratados por organizar algo, ou os amigos próximos que tinham ficado encarregados de ajudar com alguma coisa é que já estava ali. Funcionários uniformizados atravessavam o salão carregando cadeiras, panos, espelhos e flores em suas mãos, e Evie teve que se segurar no corrimão para não cair de choque quando pisou no último degrau.

O salão do seu casamento estava... Amarelo. As toalhas de mesa, as flores, os arranjos e até mesmo a cortina no palco, tudo em amarelo. Um homem barbudo estava enrolando o tapete de veludo vermelho que estava esticado entre as duas fileiras de cadeiras, por onde a noiva deveria entrar.

— O que você está fazendo?! — Evie correu até ele, desnorteada, sem saber o que questionar primeiro. — Por que está tirando o tapete?!

— Nos mandaram trocar este por aquele dourado — ele fez uma careta ao olhar para ele, estranhando sua aparência. Ela não poderia se importar menos naquele momento.

Ela olhou para onde ele apontava, vendo que outros dois jovens já desenrolavam um grosso tapete dourado por cima de onde o vermelho estava antes. Evie nunca tinha sido dada a rompantes, sempre tinha sido calma, paciente e, para o desgosto de sua mãe, nunca tinha sentido vontade de envenenar ninguém. Ok, talvez algumas pessoas, mas sempre se controlou.

Naquele instante, porém, enquanto sua visão era preenchida com desgosto ao não ver sua bela decoração azul royal que fora planejada cuidadosamente, seus sendo ouvidos por aquela musica irritante que ela definitivamente não tinha selecionado para a playlist e – com horror – dar de cara um com bolo em formato de uma gigantesca maçã de fondant, ela quis gritar. Quis gritar até romper suas cordas vocais e ter que ser removida para o hospital, qualquer lugar era melhor do que o centro daquela calamidade que o seu casamento tinha se tornado.

— Melody! — ainda paralisada no centro do salão, Evie ouviu Mal gritando com a filha da Ariel, que era quem estava cantando a música. — Cala a boca! — exigiu ela, sendo prontamente obedecida. Se era por ser filha da Malévola e ainda meter medo, ou se era por ser a Rainha de Auradon e também meter medo por isso, ela não sabia, e não se importava, contanto que a obedecessem. — De onde você tirou essa musica?! Não foi essa a playlist que te demos!

— Quando cheguei, as partituras aqui diziam que era essa a música da entrada — Melody se defendeu da fúria da rainha.

— Se não foi a noiva quem te disse pra tocar outra coisa, ENTÃO NÃO TOQUE — o grito de Mal com Melody reverberou pelo salão, o que fez com que todos parassem o que estavam fazendo para encara-la. — E isso vale para todos vocês! — ela completou, olhando ameaçadoramente em volta.

Ótimo, agora todos pensavam que elas eram malucas ou algo do tipo. Ela colocou a mão na testa, sentindo profundamente cansada, seus olhos pesavam exigindo serem fechados para algum descanso. Aquela loucura estava afetando até sua disposição física!

— Devo colocar o tapete vermelho de volta, senhorita? — o homem que enrolava tapete olhou acanhado para Evie, ligeiramente amedrontado pelos gritos da rainha.

— Sim, por favor — implorou Evie. Seus olhos pinicaram e ela piscou repetidamente para afastar as lagrimas que teimavam em se acumular em seus olhos. Bom, pelo menos Mal tinha conseguido alguma atenção com aquilo. — A essa altura eu duvido muito que algo mais possa acon... Aquilo é um macaco montado em um tigre?!

Por um segundo, Evie pensou que o sono que estava sentindo tinha afetado sua capacidade de distinguir realidade de ilusão.

Porém, percebeu que não era uma miragem quando Jane gritou ao vê-los.

— AZIZ! — ela gritou também, completamente chocada. — O que um tigre está fazendo andando pelos corredores do meu castelo?!

O garoto, que vinha atrás dos animais, virou-se para ela, confuso.

— Procurando um assento?

— Para o tigre? — ela levantou uma sobrancelha, apontando para o bicho. — Trazer animais selvagens pra um casamento? Você enlouqueceu?!

— Hey! O convite dizia "Aziz e Família". Raj e Abu são da família — ele cruzou os braços, emburrado. — Queria que eu tivesse deixado eles em casa?

Mal olhou pra Evie, impaciente. Por ela, teria expulsado Aziz aos chutes, com tigre, macaco e tudo, mas sabia que sua amiga não gostaria de ser tão radical.

Evie escondeu o rosto entre as mãos, esgotada.

— Sim, Aziz, eu queria que você tivesse deixado o tigre adulto em casa! — suspirou ela, perguntando-se por que é que tinham montado um complô para sabotar seu casamento. —Ah, deixe-os aí. Que diferença vai fazer? Já está tudo arruinado mesmo.

Mal se sentiu péssima pela amiga. De fato, aquela era uma das poucas vezes na vida em que ela podia dizer que Evie não estava exagerando.

Ela se aproximou, sem jeito. Confortar pessoas era uma habilidade que ela não tinha.

— Evie, nós podíamos...

Enquanto Mal tentava pensar em uma maneira de arrumar pelo menos uma parte daquela bagunça, a mãe de Doug surgiu novamente no salão, quase saltitando vindo do corredor externo até elas. Abriu um sorriso imenso ao ver Evie ali.

— Ah, Evie! — ela correu até a nora, e segurou as mãos dela, parecendo deliciada com tudo. — Que bom que desceu para ver o que eu fiz. Tudo estava um desastre quando eu cheguei, azul por todo o canto e espelhos enfeitando as paredes... Eu tinha que fazer alguma coisa!

Evie respirou fundo, prendendo o impulso que surgiu de gritar em sua garganta. Tinha sido Jade quem fizera tudo aquilo. O vestido, o bolo, a música, o salão... Ela fechou os olhos por um minuto, quase desistindo de abri-los novamente, tentando se lembrar de que a mãe do seu noivo era uma boa pessoa, de que gostava dela, e, principalmente, que não seria uma boa ideia berrar com sua sogra no dia do seu casamento.

— Jade, eu agradeço o que está tentando fazer, mas eu não...

— Ah, querida, não precisa agradecer — ela interrompeu, incapaz de se conter. Jade Dwarfsen parecia ter sempre na boca todas as palavras dela mesma e as que o seu marido não dizia também. Falava pelos dois. — Eu tinha que cuidar para que tudo estivesse lindo pra você.

Evie não sabia como explicar aquilo sem perder a educação. E também não sabia se queria manter a educação.

— Não, não era nada disso... Você não...

— Não foi trabalho algum, não se preocupe, é um prazer ajudar.

— Jade — respirou fundo. — Me escute, eu não quero...

— Não, não, não diga mais nada. A sua sogrinha cuidará de tudo aqui embaixo pra você — disse, e começou a empurrar Evie em direção às escadas novamente. — Suba e vá se trocar, você vai ficar tão linda naquele vestido, tão parecida com a...

— EU NÃO SOU A BRANCA DE NEVE! — Evie gritou, mais alto do que já tinha gritado em toda a sua vida, finalmente chegando em seu limite. As lágrimas que ela tentava segurar escaparam, duas gotinhas descendo sorrateiras pelo seu rosto, liberando a pressão dentro dela que a fazia sentir como se fosse explodir a qualquer momento. Ela as limpou rapidamente com as costas das mãos. — Eu. Não. Sou. A. Branca. — repetiu, sua voz tremendo. Ah, droga, ela tinha gritado com sua sogra. Ela respirou fundo, puxando ar. — Ah, dona Jade, me desculpe, eu não deveria ter gritado, mas... Eu sou a Evie. Eu gosto de azul, e de espelhos, de tiaras e do som de violinos sem letra, e não de ficar cantando com animais. Eu não quero um casamento amarelo, eu não quero usar um laço na minha cabeça, ou um bolo em formato de maçã, e eu não quero essa música chata quando eu for entrar para me casar!  — as palavras saindo de sua boca antes que ela pudesse pensar no que estava dizendo. Estava tremendo como uma latinha de refrigerante que foi chacoalhada demais, cujo gás em ebulição já não pode mais ser contido. Porém, se sentiu mal imediatamente, ao ver a expressão no rosto da mãe de Doug. Droga. — Eu sei que a senhora só teve a melhor das intenções, mas tudo já estava pronto, do jeito que eu queria e agora... Agora...

Sentindo-se tonta, ela se apoiou na coluna mais próxima. O salão girava, e ela sentia como se o chão estivesse se desfazendo sobre seus pés. Era como passar meses estudando para uma prova, calculando todas as questões possíveis que poderia cair, se preparar de todas a maneiras possíveis, e então tirar um zero.

Não. Na verdade, aquilo era bem, bem pior do que isso.

Evie se jogou em uma cadeira, exausta. A sua cabeça doía, e o seu coração também. Suas pálpebras pesavam, implorando para serem fechadas. Tudo o que ela queria era poder dormir.

— Evie!

Ela levantou a cabeça de uma vez, em busca da voz dele.

Doug descia as escadas do salão, apressado, rugas de preocupação marcando sua testa. Ele parecia estar parcialmente pronto, já com a calça e a camisa branca do terno, e a gravata borboleta pendurada no pescoço ainda aberta, sem o nó. Kyle vinha atrás dele, denunciado que tinha sido quem o avisou do que estava acontecendo lá embaixo. Ele obviamente tinha abandonado seu processo de arrumação pela metade ao ouvir que ela estava chorando no grande salão. Ele parecia tão bonito, espontâneo, com aquela camisa semiaberta e a gravata pendurada, e enquanto isso ela ainda estava em um robe, descalça e com o cabelo queimado.

Ela avançou em direção a ele, e enterrou a cabeça em seu ombro, permitindo-se ser verdadeiramente consolada desde que toda aquela insanidade começara. Mesmo com o smoking novo, o cheiro dele prevalecia sobre o tecido, e ela se concentrou nisso até que seu coração foi se acalmando, sincronizando com os batimentos dele. Poucas vezes na vida tinha se sentido tão frágil quanto naquele instante, como um fruto de dente-de-leão, que com um sopro se desfaz inteiro.

— O que você está fazendo aqui embaixo? — ela perguntou, tentando soar animada. — Você não deveria me ver antes da cerimônia.

— Você ainda não está com o vestido, então não conta — ele respondeu. — E eu desci porque Kyle apareceu no quarto dizendo que você estava precisando de mim.

Ela lançou um olhar a Kyle, por cima dos ombros de Doug. Ele fez um sinal de joinha com o polegar.

— O que aconteceu? — Doug afagou os cabelos dela ao fazer a pergunta, com um pouco de medo da resposta.

Evie fungou.

Ela não se sentia com muita vontade de narrar tudo o que já tinha acontecido até ali. Se já era inacreditável quando ela repassava na mente, imagine falando em voz alta. Tudo tinha ido da perfeição a uma calamidade completa em questão de minutos. Como um gigantesco efeito dominó, cada pecinha caiu sem que nem precisassem ser empurradas, e nenhuma delas se dignou a ficar de pé.

Além disso, ela sabia que Doug não se importava com aqueles detalhes tanto quanto ela. Se fosse por ele, se casariam em uma cabana simples só com a presença dos amigos. Se contasse, ele se preocuparia porque sabia que ela se importava, e ele se importava com ela. E ela, por sua vez, não queria preocupa-lo. Já não bastava tudo o que tinha dado errado, ela não precisava de um noivo estressado também.

— Não é nada — ela forçou sua voz a soar normal. — Apenas um pouco de emoção pré-casamento.

Os olhos se estreitaram de desconfiança.

— Acha que eu não conheço você? Isso não são lágrimas de emoção — ele passou o dedo por onde as fujonas que tinham escapado deixaram um traço em sua bochecha, arrancando um sorriso tímido dela. — Pode dizer. Não quero que nada dê errado no seu dia.

Ela precisou batalhar mais do que a Mulan na guerra da China para manter o choro preso com aquela frase. Ah, se ele soubesse.

Ela pigarreou para liberar sua garganta e se soltou do abraço, virando para ele. Suas mãos voaram para a gravata, os dedos ágeis formando cuidadosamente um laço borboleta perfeito em volta da gola branca.

— É o nosso dia — ela corrigiu, agora arrumando a lapela da camisa com esmero. — E está tudo sob controle.

— Evie...

— É sério. Ok, algumas coisinhas saíram do meu controle, mas eu apenas sou muito boba. Não precisa se preocupar.

Ele olhou para ela, que falava concentrada em passar a mão pela camisa bem passada, desviando o olhar dele. Não estava totalmente convencido, mas sabia que não havia muito que se fazer sobre a teimosia de Evie.

— Você tem certeza?

Ela finalmente olhou para ele.

— Você estará esperando por mim no final do corredor?

— Com toda a certeza do mundo.

Ela se esticou e beijou a bochecha dele, prolongando por alguns segundo a mais o contato.

— Então tudo continua perfeito — afirmou. — Agora suba pra terminar de se arrumar.

— Não sei, Evie — ele não era idiota, olhando em volta podia perceber que aquela não era a decoração da qual Evie tinha passado meses falando com ele sobre. — Me deixa te ajudar a arrumar tudo.

— Não tem o que arrumar, estamos em cima da hora — ela lamentou-se, mas sua voz estava firme.

— Você quer adiar? — ele questionou, incerto. Tudo o que ele queria era casar com ela, mas também estava desesperado pra tirar aquele olhar triste do rosto da sua noiva. Queria que ela tivesse tudo com o qual sonhou, nem uma palha a menos.

Ela arregalou os olhos. Mesmo com todos os contratempos, nem tinha cogitado aquela ideia.

— Não! — ela exclamou, horrorizada com a ideia. — Eu queria um casamento de contos de fada, mas não importa se eu não puder tê-lo. Só o que me importa é que seja você me esperando na ponta do altar quando eu entrar.

Ele corou, sorrindo com alivio.

— Com isso você não precisa se preocupar — ele garantiu, mais tranquilo depois de ouvir a voz dela soar com tanta certeza sobre o que disse. Ele levou às mãos dela aos lábios, beijando o local. — Tudo bem, te vejo no altar.

— Serei a moça de branco.

Ainda não muito convencido, mas não querendo contrariar Evie, Doug desapareceu escada acima com Ben e Kyle atrás dele.

Ela olhou em volta. Todos tinham parado para assistir a cena, a mãe de Doug estava há poucos metros dela, parecendo culpada. Bem, agora era tarde demais pra isso.

Deixando todos para trás, ela a avançou para a porta, fugindo em direção ao pequeno jardim do lado de fora. Sentindo uma necessidade gigantesca de ar fresco, ela encostou-se nas paredes de pedra polida, sentindo a temperatura delas relaxar um pouco seus músculos. Ela escorou a cabeça e fechou os olhos, respirando fundo.

O casamento dos sonhos não era mais uma possibilidade, isso era claro. Eles podiam tentar recolocar algumas coisas de volta, mas faltava pouco mais de uma hora para a cerimônia, nem se ela realmente desse uma de Branca de Neve e chamasse todos os animais o campo pra ajudar, daria tempo.

Mas, felizmente, Doug tinha lembrado a Evie sobre o que realmente se tratava aquele dia, e por mais que ela realmente se importasse com todas aquelas coisas, e estivesse profundamente triste por cada detalhe perdido, sabia que não eram o essencial. E o essencial não tinha como tirarem dela. Casar com Doug.

Só tinha uma coisa que ela precisava resolver antes da cerimônia, um detalhe que importava mais do que os outros por razões que ela não conseguia nem enumerar. Precisava encontrar o seu colar.

— Evie! — a voz de Mal a sobressaltou, fazendo-a abrir os olhos novamente, embora aquela tarefa estivesse se tornando cada vez mais difícil. — O que está fazendo?

Jane vinha atrás dela, parecendo ansiosa.

— Eu só precisava tomar um pouco de ar. O que é isso?

Mal tinha seu celular na mão, segurando-o na palma aberta.

— É a Lonnie. Está no viva voz.

— Lonnie?! Por que ela não está aqui? — Evie agarrou o celular. — Por que você não está aqui?

— Eu me lembrei de onde seu colocar poderia estar. Eu o tinha visto aqui no apartamento na noite passada, vim buscar — a voz da filha da Mulan soou clara através do bocal. — Ah, Evie, tantas coisas deram errado hoje, eu só queria consertar uma delas pra você.

“O apartamento” era o apartamento que Evie, Mal, Carlos e Jay dividiam desde que terminaram a escola. Mal tinha a primeira a sair, depois que se casou. E agora, graças ao casamento de Evie, seria apenas o apartamento de Jay e Carlos.

Evie sorriu para o aparelho. Lonnie, sempre tentando salvar o dia. E parecia ter ouvido as preces da filha da Rainha Má, ao ir atrás do colar.

— Ah, Lonnie, obrigada! Você o achou?

— Aí é que está o problema.

— O que? O que aconteceu com o meu colar?

Um som estranho foi ouvido pelo aparelho, um chiado, um farfalhar e então Lonnie engoliu em seco.

— Dude o enterrou.

Evie precisou de alguns segundos pra processar aquilo.

— Dude... O que?!

— Olha só, a culpa não foi minha, tá legal? — a voz do cachorro foi ouvida. — Se não querem suas coisas enterradas, então não deixe objetos brilhantes perto de mim!

Aquilo tinha que ser uma piada. Uma piada enorme, gigantesca, que o universo estava pregando nela, e agora deveria estar rindo muito de sua cara.

Queria esganar o cachorro até entender o porquê ele tinha feito aquilo, mas não havia tempo.

A cabeça de Evie começou a doer.

— Dude, onde você o enterrou?

— No parque.

— Qual parque? — Auradon tinha centenas deles espalhados a cada esquina.

— Aquele com as cadelinhas bonitas.

Evie assentiu, sabendo qual era o lugar. Era o parque próximo ao apartamento deles, onde Carlos levava seu amigo pra passear quase todos os dias.

— Em que parte do parque?

— E eu vou saber? Tinha um monte de gente fazendo piquenique. Me deram sanduíches. Estavam gostosos.

Ela não entendia como aquilo tinha acontecido. Tinha certeza de ter pegado o colar no apartamento e colocado-o na caixa de joias antes de ir dormir.

O sono agora era tanto que ela mal conseguia se concentrar, mas se esforçou para manter a mente alerta.

— Lonnie volta pra cá, por favor. Preciso que ajude a Jane a tentar colocar pelo menos uma parte da decoração de volta, e me arrumar um sapato — ela olhou para a filha da Fada Madrinha ao mencionar a nova tarefa, e a garota assentiu, concordando em assumir a missão. — Eu vou até o parque tentar achar o colar.

— O que? — Mal protestou. — Ficou maluca? Você precisa ir se arrumar. Esquece o colar.

Evie negou veementemente.

— Não dá, preciso dele aqui — ela enfatizou, a voz transparecendo ansiedade. — Posso lidar com todas as outras coisas que deram errado, mas preciso do meu colar.

— Você é maluca.

— Sou — concordou, não querendo perder mais tempo discutindo. — Enquanto isso, Mal, você...

— Eu vou com você.

— Não, eu preciso que você mantenha a dona Jade longe dos preparativos.

— Eu vou com você — a filha da Malévola pronunciou cada palavra da frase de forma lenta, enfática. — Sem discussão.

Evie suspirou, mas no fundo estava aliviada.

— Tudo bem então. Jane?

— Decoração. Sapatos. Controlar sua sogra. Entendi.

— Obrigada! E tente manter o tigre longe dos convidados que forem chegando, por favor.

Jane concordou. Enquanto isso, Mal já tinha ido atrás da sua moto, eu estava estacionada na entrada do castelo, e já havia se posicionado em cima dela. Ela deu dois tapinha no banco atrás dela, chamando Evie.

— Ah, não, Mal.

— É o meio mais rápido.

Não tinha como argumentar contra aquilo.

...

— Como exatamente você pretende encontrar algo enterrado? — Mal gritou, fazendo sua voz ser ouvida acima do ronco do motor e do vento.

— Não sei — Evie admitiu, a contra gosto. — Só sei que eu preciso encontrá-lo.

— Por que esse colar é tão importante?

Evie não respondeu, e Mal bufou. Às vezes, ela tinha muita dificuldade de entender a amiga. Elas eram diferentes em muitos aspectos, mas mesmo com as divergências elas conseguiam compreender uma à outra na maioria das ocasiões. Porém, naquela situação, Mal não via sentido nenhum em sair Auradon a fora no dia do próprio casamento por causa de um colar velho que ela nem usava já fazia algum tempo.

Talvez ela quisesse recuperar pelo menos uma das coisas perdidas no dia, para compensar todo o resto do desastre, e se sentir melhor sobre seu casamento dos sonhos desfeito. Talvez só tivesse enlouquecido mesmo com tanta confusão. Mas Doug estaria na ponta de um altar esperando por Evie dentro de uma hora e, por mais que Mal não fosse uma grande fã do filho do anão, sabia que ele fazia Evie feliz. Como um colar valia arriscar aquilo?

— Chegamos — anunciou, parando a moto. Evie pulou do banco e correu para dentro do parque, e Mal a seguiu a contragosto.

Não entendia, mas não podia deixa-la sozinha. Estavam de verdade, preocupada com o estado emocional de Evie. Ela não parecia estar muito no controle de si mesma, e sua expressão era a de quem podia desmaiar de sono a qualquer segundo.

— Que bom que não tem muita gente hoje — Mal murmurou ao chegarem na área onde famílias feliz faziam seus piqueniques encantados em cima da grama macia.

Ela olhou em volta. Havia um gramado verde e vivo pelo chão plano até onde a vista alcançava, com alguns arbustos de flores, bancos, lixeiras e árvores esporádicas aquilo e ali. Algumas pessoas andavam ao derredor, uma toalha de piquenique era vista aqui ou ali, distantes. Nenhuma elevação, nenhum sinal de que algo pudesse ter sido enterrado recentemente.

Evie respirou fundo e, sem dizer nada, caminhou até o gramado e se abaixou.

— Evie? — Mal chamou a amiga, hesitante. — O que você vai fazer?

Se ela ouviu, preferiu ignorar. E, para a surpresa de Mal, cravou as próprias mãos na grama seca e começou a cavar, enterrando as unhas no solo com agressividade e jogando a terra para trás sem se importar no que estaria acertando.

Evie tinha enlouquecido. Finalmente tinha surtado.

— Evie, eu não acho que...

— Se não vai me ajudar, é melhor ficar quieta, Mal! — rosnou Evie, surpreendendo a amiga e a si mesma. Ela não queria ser grossa, mas estava farta de ter o mundo caindo aos pedaços ao seu redor quando aquele deveria ser um dia só de bons momentos, estava exausta de toda a correria em um dia que deveria ser de paz e, acima de tudo, estava com um sono infernalmente irritante, que ela só estava conseguindo combater graças à determinação de fazer seu casamento se realizar até o final do dia. E se ela tivesse que virar aquele terreno do avesso, graminha por graminha, que Deus tivesse piedade daquele parque, porque ela o faria!

Suspirando pesadamente, Mal caminhou até Evie e, resignada, abaixou-se próxima a amiga e começou a cavar a esmo também. Ás vezes, ser uma boa amiga exigia uma paciência e força de vontade enormes para os momentos como aquele, mas ela tentou se lembrar de que no dia do seu casamento, fora Evie quem a impediu de surtar e desistir de tudo também.

As duas cavaram em silêncio por algum tempo, apenas o som da terra sendo devastada sem misericórdia. As pessoas as encaravam enquanto passavam, estranhando a cena e perguntando-se porque a rainha estava jogada no chão, coberta de lama, cavando buracos no solo. Evie mal percebeu os olhares, obcecada em escavar o máximo de lugares possíveis. Nenhuma das duas jamais esteve tão suja antes, nem mesmo quando moravam na Ilha; pareciam que tinham sido vomitadas de dentro de um vulcão.

Em determinado momento, Mal percebeu que Evie não mais apenas cavava buracos, mas esmurrava a grama como se as pequenas folhinhas verdes fossem a causa de todos os seus problemas.

— Evie, isso é ridículo! — exclamou ela, parando com as escavações. Assoprou a franja emporcalhada de seu rosto, tentando manter a calma. — Não há nada aqui, vamos embora!

— Não vou sair daqui sem o meu colar — ela murmurou em voz baixa, sem parar de espancar a pobre grama inocente.

— Não seja idiota, nós precisamos te limpar. A cerimônia vai ser em...

— Você não entende! — gritou Evie, finalmente parando de socar o solo para olhar para a amiga. — Não posso me casar sem o meu colar!

— Por quê?! — o tom de voz da filha da Malévola subiu ao questionar, cansada já de tudo aquilo. — Ele nem é de verdade, é vidro vermelho!

— É a única coisa que eu tenho da minha mãe, ok?! O único presente decente da minha querida mãe emocionalmente ausente que eu ainda tenho comigo. Ela fez aquele colar pra mim. Ela não roubou, ou comprou dos duendes, ela fez! Você pode não entender isso já que sua mãe nunca deu a mínima pra você!

— Hey! — Mal interviu, ofendida pelo ataque pessoal.

Evie não queria realmente magoar a amiga com suas palavras, mas ela estava tão frustrada, e irritada, e cansada, e Mal não estava sendo nem um pouco acolhedora. Ela só queria poder socar alguma coisa, ou dormir!  Deus, como ela queria fechar os olhos e descansar, e fingir que o dia não tinha acontecido e tudo aquilo não passava de um pesadelo.

— Me desculpe. Mas você não entende. Eu planejei e sonhei com o dia de hoje por toda a minha infância, junto com a minha mãe, nós planejamos isso juntas, eu queria que ela pudesse estar aqui. Mas se ela estivesse aqui ela provavelmente tentaria colocar todas as garotas bonitas para dormir envenenando o bolo ou algo do tipo ao invés de só ficar feliz por mim — seus olhos pesaram ao som da palavra ‘dormir’, mas ela se concentrou em continuar falando antes que eles se fechassem. — Por que eu não podia simplesmente ter uma mãe normal?! Eu não posso ter ela aqui porque ela é maluca, então eu gostaria de pelo menos estar usando o colar, mas aquele cachorro idiota tinha que simplesmente ter enterrado ele! Qual é, não tinha ossos disponíveis na porcaria daquele apartamento ridículo? Meu casamento está arruinado, eu não tenho mais colar, ou sapatos, ou um bolo! Tem tigres andando pelo salão e eu só queria poder dormir EU TÔ COM TANTO SONO, CARAMB-AH!

Evie parou de falar quando uma bola gigantesca de lama atingiu o pescoço dela. Mal a encarava com a sobrancelha arqueada em desafio, outro montante de lama já preparado em suas mãos. Evie olhou para a amiga como sua mãe olhou para Branca de Neve quando o espelho disse que ela era a mais bela de todas.

— Que porcaria foi essa?!

— Foi o único jeito de fazer você calar a boca! — exclamou Mal.

— Qual é o seu problem- — outra bola de lama a acertou, dessa vez bem em cheio no peito. — MAL!

Evie tornou a encará-la com incredulidade. Que tipo de amiga interrompe um ataque histérico atacando com lama?! E ela já tinha mais duas mãos cheias preparadas para lançar!

Mal já a tinha feito ser exilada da Ilha, a prendido em um armário cheio de armadilhas de urso, quase tinha deixado a garota ser amaldiçoada por mil anos, a fez ter que voltar pra Ilha quando fugiu de Auradon e tantas outras coisas, mas Evie nunca quis esganar a filha da Malévola tanto quanto quis naquele momento.

— Se não parar com o faniquito, a próxima vai parar no seu cabelo! — Mal ameaçou, os olhos verdes brilhando de malicia.

— Você não se atreveria...

Um borrão marrom foi visto no ar segundo antes de atingir em cheio o cabelo de Evie, sujando seu rosto também. Droga, aquilo doía! Onde raios a Mal tinha adquirido uma pontaria tão boa?

— Agora já chega!

Com ódio correndo vivo em suas veias, ela avançou para Mal com as duas mãos recheadas de lama e grama molhada misturadas. Ela jogou tudo em direção à filha da Malévola e, sem nem olhar se realmente tinha acertado, encheu novamente a mão e continuou lançando uma após a outra.

Mal desviou de algumas, mas Evie começou a arremessar bolas de lama com tanta velocidade que não tinha como escapar de todas. Em resposta, a jovem de cabelos roxos passou a imitar Evie, arrancando barro do solo na mesma velocidade que a amiga, devolvendo os ataques.

— Você está perdendo o jeito — provocou Mal alguns minutos depois, empolgando-se com a ira da Evie. Ela nunca tinha visto a amiga tão descontroladamente divertida.

— Eu já falei que estou com sono! Se eu estivesse alerta você ia ver o que é bom pra tosse! — Evie resmungou, irritada, ameaçando mais um montinho com as duas mãos para formar uma bola perfeita, atirando em seguida com a maior força que conseguiu, mirando o rosto da amiga. — Há!

— Opa!

O amontoado de terra teria acertado em cheio seu alvo se Mal não tivesse sido rápida o suficiente. Ela abaixou-se no segundo exato e, o que era para ter sido a arma mestre de Evie alcançou uma velocidade e distância consideráveis, terminou colidindo com uma senhora auradoniana que passeava com seu cãozinho em trajes perfeitamente limpos e arrumados. A mulher gritou quando foi atingida, soltando a coleira do cachorro, e olhou para o céu sem saber o que foi que a deixara imunda do nada. O cachorro saiu correndo parque a dentro, e ao perceber que o animal tinha fugido, a mulher saiu correndo atrás dele, toda suja de lama, gritando pelo parque.

Mal e Evie se entreolharam, e então caíram na gargalhada. Aquela tinha sido a coisa mais inusitadamente engraçada que já tinham visto em Auradon.

Achando que já era seguro, Mal se levantou e chegou perto de Evie, devagar, e estendeu a mão para a amiga se levantar.

— Melhor?

Evie olhou a situação à sua volta. A parte do gramado do parque onde estavam estava toda esburacada, suja e destruída; as árvores, bancos e os arbustos floridos próximos a elas estavam agora cobertos de lama, com um aspecto nojento. Ela e Mal completavam o cenário, duas figuras manchadas de marrom da cabeça aos pés, os cabelos emaranhados com terra seca e folhas de grama, as roupas provavelmente teriam que ser jogadas fora.

Olhou para Mal, ofegante, porém sorrindo levemente. Limpou algumas lagrimas que tinham escapado junto com as risadas e aceitou a ajuda.

— Melhor — Evie concordou, levantando-se.

Ainda se sentia cansada fisicamente, e suas pálpebras pesavam exigindo descanso, porém uma boa parte da frustração e da raiva havia ido embora.

— Como fez isso? — ela perguntou, curiosa.

Em resposta, Mal a abraçou pelos ombros, encostando sua cabeça na de Evie.

— Eu te conheço como a palma da minha mão. Você só precisava liberar a raiva — ela deu de ombros. Sabia uma ou duas coisinha sobre como lidar com sentimentos de frustração constantes.

— Obrigada — suspirou, e lançou lhe um olhar divertido. — Não acredito que escavou o gramado do Parque Central de Auradon por mim.

Mal balançou a mão, dispensando os créditos da amiga como forma de dizer que não era nada, e pôs-se a marchar para a saída.

— Anda, temos um casamento para salvar — disse, puxando Evie pela mão.

— Pensei que achava o colar uma estupidez — Evie sorriu de canto, ainda sendo arrastada.

— E é.

Mal podia considerar todas aquelas coisas como futilidade, sim, mas eram futilidades com as quais sua melhor amiga se importava. E ela botaria toda Auradon abaixo antes de deixar algo ou alguém estragar o dia da filha da Rainha Má.

Era o seu dever como madrinha.

...

As duas atraiam olhares por onde passavam, uma rainha e uma noiva cobertas de lama em cima de uma moto roxo roxa correndo pelas ruas da cidade. Evie tentava se manter acordada enquanto pensava na situação a qual tinham chegado.

— Doug sugeriu remarcar o casamento — Evie comentou, falando alto para ser ouvida através do barulho. Nenhuma das duas estava de capacete.

— Talvez seja melhor — Mal ponderou. — É o que você quer?

— Não — Evie afirmou. — Vou me casar com Doug hoje, nem que seja em trapos.

Mal sorriu de canto, orgulhosa da nova determinação da amiga. Parecia mais com a Evie sensata e determinada que ela conhecia, ao invés da louca descontrolada que tinha tomado conta dela nas ultimas horas. Nada como extravasar os sentimentos atacando alguém.

— Sério? Nem uma hesitação, nem um ataque do pânico do tipo "não consigo fazer isso"? — Mal provocou.

Evie riu.

— Não. Nem todas tentam fugir pela janela em pânico.

Mal fez uma careta, lembrando-se do próprio casamento. Se não fosse por Evie, Ben teria certamente sido abandonado no altar aquele dia.

A moto parou, e a filha da Malévola saltou do veículo sem hesitação, andando com rapidez.

— Mal? — Evie chamou a amiga, enquanto a seguia apressada subindo os degraus de pedra com determinação. — Por que estamos no museu?

— Pra achar o seu colar.

— No museu? — Evie repetiu, sem entender.

— Vamos pegar o seu espelho mágico e fazer ele nos mostrar onde está o colar.

Evie apertou as têmporas para conter a dor de cabeça.

— Mal, se tem uma coisa que eu não estou agora, é no pique pra invasão e roubo. Tenta reviver seus dias de Ilha em outra ocasião, tá?

As pontas dos lábios de Mal se ergueram em outro sorriso malicioso e, desta vez, um tanto quanto convencido também.

— Mas quem foi que falou em roubar e invadir? — ela apontou para si mesma, sentindo satisfeita. — Rainha, lembra?

Evie sorriu de volta, entendendo.

De fato, Mal podia criar uma lista interminável das inconveniências, infortúnios e chatices de ser uma rainha. Era uma sucessão de reuniões chatas, eventos chatos, papéis chatos pra assinar e problemas chatos pra resolver. Mas, apesar de tudo, de vez em quando surgiam situações em que o cargo não parecia tão ruim, como quando conseguia ajudar Ben a tomar decisões que realmente ajudavam aos cidadãos, quando conseguia fazer mudanças significativas na Ilha e na vida dos demais perdidos que vieram de lá e, claro, quando conseguia usar o título para poder fazer coisas que nenhum outro auradoniano poderia. Como entrar no museu e exigir uma das peças restritas.

Foi fácil como respirar. Ela entrou no museu como se fosse a dona do lugar que fora o primeiro que elas tentaram roubar em Auradon quando chegaram lá tantos anos antes. E, mesmo coberta de lama e sem dar nenhuma explicação, pediu que o espelho fosse levado até ela. Foi obedecida prontamente e, em menos de cinco minutos, as duas amigas saiam do local com o pequeno fragmento de espelho mágico em mãos.

Ansiosa, Evie apertou o pequeno objeto no qual não tocava há anos e, inundadas por lembranças de seus primeiros dias em Auradon, disse ao espelho:

— Espelho, espelho meu, mostre-me onde o meu colar se escondeu.

Com o som de pó de fada sendo jogado ao vento, o reflexo no espelho foi tomado por névoa por um segundo para, logo em seguida, mostrar o colar refletido. Ao contrario do que elas imaginavam, não estava embaixo da terra, nas em cima de uma superfície marrom que elas não conseguiram identificar de primeira.

— Não tão de perto, espelho — Evie disse, e a imagem se afastou para mostrar onde exatamente estava o objeto. Evie arregalou os olhos. — Isso é um macaco?

— Abu! — Mal exclamou, observando o macaco de Aladin que Aziz tinha levado para o castelo desfilar com o colar de Evie no pescoço por entre os convidados. — Temos que voltar para o castelo!

Elas correram de volta para a moto. Faltavam uns trinta minutos para o horário que os convites indicavam que aconteceria a cerimônia agora, e Evie sentiu-se grata por ser uma tradição a noiva se atrasar.

Agradeceu também por Mal ser uma ótima pilota, porque na velocidade em que estavam na moto não poderia mais ser chamava de ‘correr’; ‘voar’ seria um temor mais aconselhado. Mal estava mesmo determinada a fazer a amiga chegar a tempo do próprio casamento.

Elas mal esperaram o veiculo parar para saltar dele quando chegaram ao castelo, correndo em direção ao portão.

— Espera, espera! — Mal gritou, efusiva. — Não pode entrar lá assim.

Evie parou onde estava, congelada. Mal tinha razão. Vários convidados já tinham chegado àquela altura, e ela estava com a pior aparência que já ostentara em toda a sua vida.

— O que eu faço? — Não daria tempo de tomar banho e ela na verdade nem sabia se teria disposição para aquilo. Seu corpo inteiro doía, assim como sua cabeça, ela sentia que se piscasse acabaria dormindo, por isso estava usando toda a sua força de vontade para manter os olhos abertos.

O sono parecia ter aumentado a cada segundo. Ela bocejou novamente.

— Não vai dar tempo — ela disse em meio ao bocejo, considerando pela primeira vez realmente cancelar o casamento, só pra poder dormir.

— Ah, vai sim — e lá estava mais uma vez o sorriso travesso no rosto da filha da Malévola.

Surpreendendo Evie, ela mexeu seus dedos e, com algumas palavras murmuradas, ambas estavam limpas. Ela tocou em seus cabelos, sentindo-os macios novamente. Ela pegou o espelho para se olhar. Os fios azuis estavam perfeitamente arrumados, caindo em ondas fluidas e sinuosas por seu ombro como a correnteza de um rio. Nem precisaria de penteado, ela estava linda novamente.

— Ah, Mal — ela puxou a amiga para um abraço, esmagando-a contra si. — Obrigada.

Mal se afastou, sem jeito.

— Amigas servem pra isso.

— E para cavar parques com você.

Elas riram.

— É. Amigas servem para cavar.

Evie não podia acreditar. Elas tinham simplesmente destruído o gramado principal do parque da cidade juntas. E, logo depois, retirado do museu um item de magia de patrimônio público. E, em seguida, usado magia em um reino onde isso era altamente reprovado. Tudo aquilo com certeza cairia sobre os ombros da casa real para ser resolvido no dia seguinte, mas ela não tinha se importado. Naquele dia, Mal tinha escolhido ser a melhor amiga antes de ser a rainha, ou qualquer outra coisa. Evie não poderia estar mais grata, ou se sentir mais afortunada pela amiga que tinha.

— Chega de sentimentalismo. Esse lugar tem uma porta dos fundos? — Mal questionou. Afinal, Evie ainda precisava se maquiar e colocar o vestido, que estava no andar de cima, e não podia passar pelo meio dos convidados de robe e descalça.

— Sim — respondeu. Ela tinha comprado aquele castelo há pouco tempo, mas já tinha explorado ele de fora a fora. Seria o lugar onde ela e Doug viveriam depois do daquele dia, onde formariam uma família e seriam feliz. — Por aqui.

Elas se esgueiraram pelo quintal até a parte dos fundos do castelo. Lá, havia uma piscina ao ar livre no centro de uma área de lazer maravilhosa, que estava agora ocupada por mesas, flores e enfeites, porque era ali que a aconteceria a festa após a cerimônia. Evie olhou em volta. Surpreendentemente aquela parte estava intocada, e se parecia exatamente com o que Evie tinha planejado, para sua felicidade.

A porta que dava para dentro estava fechada. Respirando fundo, ela parou em frente a maçaneta apreensiva.

— O que foi?

— Estou me preparando para encarar novamente aquela decoração horrível e me casar no meio do desastre.

Mal apertou o ombro da amiga.

— Você só tem que se lembrar de que você ama o Doug, e isso é o que importa.

Evie assentiu, bocejou novamente, e abriu a porta. Elas correram silenciosamente pelos corredores até chegarem próximas à porta de trás do salão principal, onde Evie teve um vislumbre do local. Seu queijo caiu.

— O que aconteceu? — ela perguntou, a voz mal saindo.

O salão estava... Perfeito. Exatamente como ela tinha planejado, como ela tinha sonhado. O tapete vermelho estava estendido no meio de duas fileiras bem organizadas e adornadas com flores azuis e creme, o som de violinos preenchia o ambiente com a música que Evie tinha escolhido há meses atrás e, como que por um milagre, na mesa central um perfeito bolo de quatro camadas, inteiramente branco e azul no formato de um bolo de casamento deveria ser.

— Não entendo — ela olhou para Mal, confusa.

— Nem eu, mas não temos tempo pra entender nada. Pra cima, agora!

Elas subiram com pressa, tentando passar o mais despercebidas possível. Quando finalmente chegaram no último andar, invadiram o quarto ofegantes, batendo a porta atrás delas.

Jane, Lonnie e Dizzy estavam ali, já arrumadas em seus vestidos de damas de honra, e arregalaram os olhos ao verem as duas.

— Finalmente! — Jane e Lonnie exclamaram juntas, suspirando de alivio. Estavam preocupadas com a possibilidade de terem que ir até Doug dizer que a noiva dele tinha sumido.

— Evie, seu cabelo! — foi a primeira coisa que Dizzy observou, sorrindo. — Está lindo!

— Obra da Mal — ela contou. — Como vocês fizeram aquilo?

— Aquilo o que?

— O salão! — ela se jogou no sofá, sorrindo de alivio, e fechou os olhos, tentada a se deitar ali e permanecer. — Está perfeito!

— Nós não fizemos — Jane respondeu. — Doug fez.

Evie abriu os olhos.

— Doug?

— Sim! — a morena bateu palmas, animada. — Depois que você saiu ele desceu de novo e estava determinado a deixar o salão exatamente como você tinha planejado, e então ele montou uma força tarefa.

— Foi incrível, Evie — Lonnie contou. — Ele mandou a mãe dele sentar e não mexer em mais nada, então ajudou Jane e saíram trocando a decoração para o que estava antes, Ben levou Kyle até a Madame Samovar e eles ajudaram ela a fazer um bolo novo igual ao que você tinha pedido, Carlos e Jay deram um jeito nos animais e em Aziz, e Audrey conseguiu com Flora todas as flores novas e na cor certa.

— E — Dizzy se adiantou até ela com uma caixa retangular em mãos. — Olha!

De dentro da caixa ela tirou um sapato lindo, branco com detalhes em renda azul claro, e claramente do tamanho certo. Não era igual ao sapato que ela tinha encomendado, claro, mas tão lindo quanto.

— Como? — ela perguntou, acariciando os sapatos.

— Chad — Dizzy disse, orgulhosa do primo postiço. — Ele ligou pra mãe dele e ela enviou. Sapatos azuis são o que não faltam no armário da Cinderela. E convenientemente, vocês calçam o mesmo número.

— Como chegou aqui tão rápido? — Evie estava surpresa. Cinderellasburg ficava há quase duas horas dali.

— Pássaros — Jane deu de ombros, como se fosse a coisa mais normal do mundo. E, de fato, em Auradon era.

— Ah, vocês são incríveis — Evie sorriu. Agora, quase tudo estava em seu devido lugar, e ela queria abraçar cada um dos seus amigos. E seu noivo. Ela mal podia acreditar que Doug tinha feito tudo aquilo por ela. Ou, na verdade, podia sim. Quando é que Doug não tinha feito tudo o que podia por ela, afinal?

— Ah, e Doug pediu pra te entregar isso — Lonnie esticou, contente, as mãos em direção há Evie. Ela saltou do sofá quando viu o que a amiga segurava.

— O meu colar!

Ela o tomou em mãos, admirando a pedra vermelha que pensou que tinha teria de arrancar do pescoço de um macaco.

— Acabou que no final não foi o colar que Dude enterrou, foi alguma outra pedra. Abu o encontrou caído atrás da escada, ele estava desfilando por ai com isso no pescoço.

— Não acredito. Está tudo perfeito de novo — Evie sorriu emocionada, e colocou o colar no pescoço enquanto outro bocejo escapava de sua boca. — Agora, eu só vou tirar um cochilo rapidinho, tudo bem?

E voltou a se acomodar no sofá, puxando seus pés pra cima. Era confortável e espaçoso. Mal, Jane, Lonnie e Dizzy se olharam, confusas.

— Ficou maluca? — Mal a puxou do sofá, obrigando-a a se levantar.

Ela xingou, frustrada.

— Eu quero dormir — gemeu, a voz soando como a de uma criança fazendo birra por não ter ganhado o que queria.

— Falta só meia hora para começar e ainda precisamos te maquiagem e te trocar. Anda, vem.

Evie se deixou ser puxada e arrastada enquanto suas amigas trabalhavam em grupo para coloca-la dentro do vestido, no sapato, maquiavam seu rosto e tentavam fazer ela ficar acordada no processo. Ela estava com tanto sono, mas tanto sono, que nem mesmo conseguia se lembrar do por que era importante se arrumar tanto. Era só um casamento afinal. Quanto tempo levaria pra ela falar sim e depois poder subir para dormir, afinal?

— Pronto — disse Dizzy, terminando de borrifar o perfume em Evie uma última vez. — Estamos todas prontas!

Mal tinha se trocado enquanto Dizzy e Jane maquiavam Evie, e não parecia muito satisfeita dentro do vestido azul cobalto, mas suportaria sua provação com distinção.

— Ah, você está tão linda, Evie! — Jane apoiou o queixo nas mãos, olhando encantada para a amiga. O vestido ficara perfeito. Ela se parecia mesmo como a princesa mais bela de todas, o vestido branco brilhava e o contraste da cor clara com os cabelos azuis como o oceano e os lábios pintados de vermelho rubi deixavam o efeito final majestoso.

— Agora só falta o buquê! — Dizzy guinchou, e foi dando pulinho até as flores. Parou, porém, quando pegou o buquê em mãos. — Hum... Pessoal? — elas olharam para a jovem. — O buquê deveria estar fazendo isso?

A pilha de flores parecia ter sido atropelada por um caminhão. As flores, antes tão bonitas com suas pétalas sedosas presas ao botão, estavam quase nuas agora. As pétalas estavam em sua maioria no chão, tendo sobrado apenas uma meia dúzia delas nas flores. E, enquanto Dizzy segurava o buquê, mais pétalas iam caindo, lentamente, uma a uma.

Evie se espreguiçou, sentindo mais sono a medida que as pétalas se desprendia em direção ao chão. Enquanto as meninas mantinham seu foco no buquê e no novo problema, Evie se aproximou novamente do convidativo sofá, o cansaço sendo mais forte do que ela. Que mal faria um breve cochilo de dez minutos antes de descer? Ela se aconchegou no estofado, puxou os pés pra cima com cuidado para não amassar seu belo vestido e, colocando a mão por baixo da cabeça, deitou e fechou os olhos.

Enquanto isso, a madrinhas e suas damas discutiam o problema do buquê.

— Eu não entendo. Ele estava perfeito horas atrás — Jane contou.

— Como as flores podem simplesmente se desfazer assim? Nunca vi isso antes — Lonnie comentou.

— Isso está estranho — Mal não estava gostando da aparência daquilo. Não parecia natural. Ela pegou o buquê da mão de Dizzy, concentrando-se nele. — Tem magia nesse buquê.

— O quê? — as três exclamaram juntas.

— Eu consigo sentir — Mal afirmou. Era quase palpável a magia que rondava as flores, e que estava empurrando as pétalas para fora do botão.

— Alguém enfeitiçou o buquê pra ele perder as pétalas? — Dizzy franziu o cenho, confusa. — Por quê?

— Não faço ideia — Mal se virou para Evie, tentando achar uma resposta. — Evie, você sabe quem... Evie?

Evie dormia no sofá, os braços embaixo na cabeça, as pernas recolhidas no assento, a respiração exalada em suspiros. Mal bufou e foi até ela, chacoalhando a amiga.

— Para com isso, Evie, não é hora pra dormir — empurrou os ombros dela pra frente e para trás, aumentando a força quando percebeu que ela não se mexia. — Evie, acorda!

Elas se entreolharam, preocupadas. Mal continuou chacoalhando a noiva, e gritando em seu ouvido, sem obter a menor reação dela. Parecia em transe durante o sono, sem mover nem as pálpebras.

— Ah, não — Mal arregalou os olhos quando percebeu. Ela colocou a mão na testa de Evie para confirmar sua suspeita. — Essa não.

— O que foi, Mal?

— Evie foi enfeitiçada — Mal declarou, levantando-se da pontado sofá com uma expressão preocupada. — Pela maldição do sono, pelo visto.

— O quê?

— Como?

— Você está de brincadeira!

A sucessão de exclamações de surpresa foi alta. Mal olhou no relógio. Dez minutos para o casamento. E a noiva estava inconsciente. O que elas fariam?

— Como isso aconteceu? — ela exigiu saber.

— Vocês foram ao museu, não foram? — Lonnie perguntou, Mal confirmou. — Ela não esbarrou na roca de fiar da sua mãe? Ou comeu alguma maça envenenada?

Mal negou.

— Nós nem passamos do saguão. Eu pedi e um funcionário trouxe o espelho até nós.

— E Evie não esteve sozinha desde que acordou. E além do mais, quem faria isso?

Um terrível, horrível pensamento passou pela mente de Mal. Quais eram as chances da Rainha Má ter fugido da Ilha e estar ali?

Não. Não era possível. Ben teria sido o primeiro a ser avisado se alguém tivesse conseguido escapar, e ela seria a segunda. Além do mais, faria mais o estilo da Rainha Má enfeitiçar o Doug, e não a própria filha.

— Alguém fez qualquer tipo de magia aqui hoje? — Mal perguntou, querendo descartar qualquer possibilidade. Feitiços poderosos podiam ser disfarçados com as palavras certas.

Lonnie e Jane trocaram um olhar.

— Bem...

Mal cruzou os braços, desconfiada.

— O quê?

— Depois que você saiu, o cabelo da Evie queimou enquanto ela tentava fazer os cachos, e dai eu pensei que fazer o feitiço do cabelo, pra ajudar. Mas foi só uma magia simples para o cabelo, eu não amaldiçoei ela! Além do mais eu nem consegui fazer, porque Ben chegou com o buquê na hora e eu me distrair.

Mal prendeu a respiração ao ouvir a história. O buquê tinha chegado na hora em que Jane estava realizando um feitiço?

Jane vinha tentando explorar suas habilidades mágicas com as quais nunca teve contato ultimamente, e tinha pedido a ajuda de Mal pra aprender, mas a filha da Fada Madrinha não tinha jeito pra aquilo, e nem conhecia o poder que tinha.

A filha da Malévola apertou a ponto do nariz, tentando pensar.

— Quais foram exatamente as palavras que você disse, Jane?

Jane mordeu os lábios, nervosa.

— Falei pra magia fazer o que você já tinha feito uma vez comigo, para arrumar o cabelo, para ele relaxar e voltar ao normal e permanecer bonito até o fim da cerimônia...

— As palavras exatas, Jane — Mal já estava impaciente, olhando a cada segundo para o relógio.

— Eu não me lembro! — ela sacudiu as mãos.

Com atenção venha olhar, ela relaxando profundamente devagar. Como antes já se fez, permanente será até que... E foi aí que ela interrompeu e exclamou "o buquê!" quando viu Ben na porta — Lonnie contou, repetindo o feitiço. Ela se orgulhava de sua boa memória.

Mal olhou pra filha da Fada Madrinha como quem iria enfeitiçar ela a qualquer momento. Mas que droga, se você não domina magia, não a faça! Era exatamente por esse tipo de coisa que a Auradon tinha criado a política de evitar magia a todo custo. Era perigoso.

Ela? Você disse "ela relaxando devagar" ao invés de "ele" ou "o cabelo"? — Mal questionou Jane.

A garota se encolheu no lugar.

— Possivelmente.

Tentando ignorar a irritação pela inexperiência da garota, começou a caminha pelo quarto pensando.

— Mal, o que foi? — Dizzy insistiu, olhando apreensiva para a Evie adormecida no sofá.

— Jane não fez um feitiço de cabelo, ela fez um feitiço para que Evie fosse adormecendo aos poucos. E ligou a magia ao buquê, quando pediu que acontecesse 'como antes já se fez' - ela engoliu em seco. — Foi Ben quem trouxe as flores, e as flores vieram do jardim da família dele. A magia juntou o feitiço do sono com a maldição lançada ao pai dele no passado. Lembram? À medida que as pétalas da rosa encantada caiam, o feitiço se tornava mais permanente.

— E o que isso significa?

— Eu acho... — ela fez uma careta, e olhou para o buquê. Sete pétalas restavam nele. — ... que quando a última pétala cair, o feitiço será permanente.

— O QUÊ?

— Que feitiço? — Jay, Carlos e Ben apareceram no quarto, já vestidos em elegantes smokings de festa. — Doug pediu pra perguntar se ele já pode descer pra se posicionar no altar.

Ben foi para o lado de Mal, mas ela não o abraçou como de costume. Parecia elétrica, mal o notou.

— Por que a Evie está dormindo? — Jay estranhou a amiga deitada no sofá.

— Jay, vai chamar o Doug, agora! — Mal ordenou. — Precisamos dele aqui.

— Aqui? Evie vai surtar se ele a vir no vestido.

— Só faz o que eu tô mandando logo!

Jay ia argumentar, mas o olhar desesperado de Mal o fez obedecer, e simplesmente ir buscar o noivo.

— O que está acontecendo? — Ben perguntou, assustado, tento descobrir porque a noiva estava desacordada e sua esposa estava gritando com os amigos.

— Evie foi amaldiçoada — ela contou a versão curta, preocupada em olhar para as pétalas do buque. Cinco.

— O quê? Por quem?

— Jane.

— O quê? — Carlos olhou para a namorada, chocado — Por quê?!

— FOI SEM QUERER! — ela gritou, tentando se defender.

— SERÁ QUE DÁ PRA ALGUÉM TRAZER O DOUG AQUI LOGO, CARAMBA?

A porcaria daquelas pétalas pareciam estar acelerando seu processo de decomposição. Só três restavam agora.

— Eu estou aqui — um Doug muito confuso e assustado colocou a cabeça pra dentro, com cuidado, esperando ouvir um grito de Evie a qualquer segundo por ele estar trazendo má sorte em vê-la antes da cerimônia. — O que... Evie?

Ele interrompeu a pergunta, entrando no quarto devagar ao vê-la vestida de noiva, dormindo no sofá. Ele se abaixou próximo ao rosto dela, tocando sua testa com cuidado.

— O que aconteceu com ela? — ele perguntou, preocupado. Ele conhecia Evie. Ela estava uma pilha de ansiedade para aquele dia, jamais conseguiria dormir tranquilamente daquele jeito faltando poucos minutos para o evento que ela tinha planejado com esmero por meses.

— Beija ela! — Mal gritou, empurrando Doug até ele quase cair em cima da noiva inconsciente.

— Ficou maluca? — ele perguntou a Mal, recuperando o equilíbrio. — Eu nem devia estar vendo ela antes da cerimônia, quem dirá beijá-la. Ela vai me matar.

— Se você não fizer, ela nunca mais vai acordar! — insistiu.

A terceira pétala estava prestes a se desprender.

— Anda logo, Doug! — Jane gritou.

— Jane enfeitiçou a Evie e se você não beijar ela até essa última pétala cair, ela vai dormir pra sempre! — Lonnie resumiu a história, disposto a encoraja-lo.

Ele engasgou com a saliva, e olhou pra Jane.

— Enfeitiçou a minha nova no dia do nosso casamento? — ele perguntou pra confirmar, confuso.

— Foi sem querer — ela chorou.

— BEIJA LOGO! — Mal e Dizzy berraram, em pânico. Pareciam as duas únicas pessoas ali preocupadas com a rosa desfalecendo rapidamente.

Nervoso e apressado, ele sentou na ponta do sofá, próximo de onde Evie repousava a cabeça, e se inclinou para ela. Porém, segundos antes de tocá-la, Doug hesitou.

E se ela não acordasse? O que faria se descobrisse, minutos antes do seu casamento, que não era o amor verdadeiro dela?

Mas o pensamento inseguro durou menos de um segundo. Se ela não acordasse, então ele dedicaria o resto de sua vida a encontrar alguém ou algo que pudesse fazer isso, sua preocupação maior era ver os olhos de Evie abertos novamente.

Ele pousou a mão na bochecha dela carinhosamente antes de tornar a se inclinar e, sob o olhar atento dos amigos que prendiam a respiração pela tensão, ele encostou seus lábios dos dela suavemente.

Afastou-se após alguns segundos, olhando fixamente para o rosto dela. Seu coração acertava no peito enquanto ele esperava uma reação.

Vamos, Evie. Acorde.

Mal desviou os olhos para o buquê. Uma única pétala tinha restado, firme, na profusão de caules vazios no qual o buquê se transformara. Tinha que ter funcionado.

Segundos depois de uma espera ansiosa, Evie começou a se mexer lentamente de sua posição, provocando suspiro de alívio nos amigos.

Doug ainda tinha a mão pousada na bochecha dela, e isso foi a primeira coisa que ela sentiu quando despertou.

— Doug? — ela fez uma careta de confusão, colocando a mão por uma da dele em seu rosto. — O que está acontecendo?

Ele sorriu, aliviado, e beijou-a novamente. Ela retribuiu, confusa.

— Bem vinda de volta — ele segurou as mãos delas nas suas, ajudando-a a se sentar.

— Bem vinda de volta a onde? — ela olhou em volta do quarto para seus amigos sorrindo, seu noivo segurando suas mãos e para si mesma.

Espera. Quarto? Noivo? Vestido?!

DOUG! — ela exclamou, sentando-se de vez. Sua cabeça girava e seu corpo estava formigando. Tinha a sensação de ter acordado após tomar por uma anestesia geral. — Você não podia me ver pronta! Dá azar!

Ele riu.

— Azar é ter sua noiva enfeitiçada pouco antes do casamento. Te ver no vestido é o de menos.

— Enfeitiçada?!

Então eles explicaram pra ela, com Jane pedindo mil desculpas a cada palavra, o que tinha acontecido.

Evie não podia acreditar em sua má sorte. Ser enfeitiçada e quase passar a eternidade dormindo era a cereja do bolo de seus memorável casamento quase arruinado.

Por sorte, tinha amigos e seu Doug para consertar tudo o que deu errado. Inclusive uma maldição acidental fora de hora.

— Por que está me encarando assim? — perguntou, ao perceber a expressão dele.

— Até despertando de uma maldição você é linda. Parece uma rosa desabrochando.

Ela sorriu com o elogio, e o abraçou.

— Obrigada — disse, a voz abafada pelo pescoço dele. Nunca tinha duvidado de estava se casando com o amor da sua vida, com ou sem títulos Doug era tudo com o que ela sonhara, mas ter sido acordada por um beijo dele... Princesas eram acordadas de um feitiço do sono por um beijo de amor verdadeiro, daquele com quem elas seriam felizes para sempre. De alguma forma, aquele acontecimento pareceu mais um sinal de boa sorte do que de má.

...

A agitação dentro do grande salão podia ser sentida de fora. Todos os convidados lá dentro seguravam o fôlego esperando para ver a noiva.

À sua frente, sua melhor amiga e fada-madrinha (literalmente) se preparava para abrir o caminho para ela. E, ao seu lado, Jay segurava o seu braço com orgulho. Nada mais justo do que aquele que fazia o papel de protetor ciumento em sua vida fosse quem a levaria até o altar. Carlos já estava lá dentro com as alianças, e Ben em seu posto perto de Doug no altar, pois a união seria abençoada pelo rei. Lonnie, Jane, Dizzy e todos os seus demais amigos já aguardavam por ela lá dentro e sorriram quando as portas se abriram.

Evie ainda se sentia um pouco desgastada e cansada, mas quando as portas de madeira talhada se abriram, revelando a imagem da bela princesa de branco, ninguém conseguiria dizer que ela não tinha passado todo aquele dia no mais sereno descanso. Ela estava radiante. Principalmente aos olhos de Doug.

Enquanto ela caminhava lentamente atravessando o salão pelo tapete vermelho, ele a olhava como se não houvesse mais ninguém ali. E, de fato, ninguém mais importava, para nenhum dos dois. E quando ela chegou até ele, Doug segurou sua mão e secou as lagrimas dela, que finalmente não tinham nada a ver com raiva, frustação ou tristeza. Aquelas eram de puro alívio felicidade e amor.

— Por muito tempo, eu me perguntei se algum dia iria encontrar o meu príncipe — disse ela em seus votos. — A minha alma gêmea. Então, eu conheci você, e achei tudo o que eu estive procurando a minha vida toda.  E agora eu sei que não importa se estamos nos casando em um castelo ou em uma ruína, que seja, porque eu sei que você é o meu amor verdadeiro e eu só quero passar o resto da minha vida com você.

— Eu nunca estive procurando, sabe? — ele respondeu em sua vez. — Você simplesmente apareceu, com tudo o que eu nem sabia que precisava, mas que agora eu estou certo de que não consigo mais viver sem. Eu te amo. E qualquer outra surpresa que apareça pela frente, tudo bem, porque eu sempre vou amar você.

Quando alguém vê em você além do que você via em si mesma, te diz que você é inteligente quando você não sabia que era, e ganha o seu coração simplesmente por te amar, é inevitável não chorar enquanto recita votos de passar o resto da vida com essa pessoa. E ao relembrar tudo o que tinha acontecido naquele dia, Evie se perguntou o porquê tinha se importado tanto com todos aqueles detalhes, que agora pareciam tão vazios e desnecessários. Tudo o que ela ansiava estava escrito no rosto dele.

Evie, a Filha da Rainha Má, sabia o que era ser desprezada e amada, já tinha rastejado no pó da miséria, mas também dançado em castelos de ouro. Já tinha vivido o pior e o melhor que a vida podia lhe oferecer. Mas estar ali, diante daquele que reinava em seu coração, ambos mergulhados nos olhos um do outro e refletindo a expectativa de uma vida inteira pela frente, que viveriam juntos... Ela não podia imaginar nada melhor do que aquilo. Nada melhor do que Doug.

E as nuvens pareceram se desfazer enquanto ele tomou a sua mão, e caminharam juntos através dos portões, passando por uma cortina de pétalas que seus amigos fizeram chover sobre eles, em direção ao Felizes Para Sempre.

 

E é por isso que os lábios são

Uma porta para o coração

 

Só um verdadeiro beijo diz

Se achou a pessoa que sempre quis

 


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Notas finais do capítulo

- Créditos e agradecimentos especiais à Jamile Lopes e Victória Menezes, que são tão maravilhosas que mesmo sem nem gostar de Descendentes, me ajudaram com todo o enredo. Uma boa parte do desenrolar da história saiu da cabeça delas, enquanto comíamos na praça em frente a faculdade depois da aula e esperávamos o pai da Vic chegar. E, depois disso, continuaram me ajudam com correções, mais ideias e até pequenas cenas de atuação. Essa foi a melhor coisa que vocês já fizeram por mim. Vocês são demais, obrigada ♥

— A histórias foi basicamente escrita pra ser um presente de aniversário adicional pra Lanan, então era para inicialmente ser uma história sobre amizade, essencialmente Mevie. Mas, quanto mais eu pensava, mais sabia que se era pra L, tinha que ser Devie. Então pensei: "Que tipo de cena Devie ela gostaria de ler?". A ideia do beijo de amor verdadeiro surgiu na hora, e tentei desenvolver o conceito de uma forma leve, espero que goste. E como não temos fotos (ainda) para serem postadas em redes sociais com textão, achei que um outro tipo de postagem seria mais a nossa cara, e foi assim que isso aqui surgiu.

L, obrigada por cada linha das conversas malucas, divertidas e que muitas vezes são o que me ajuda a passar pelos dias ruins. Você foi o melhor presente de natal de Deus pra mim no ano passado, e desejo que seu dia seja tão especial quanto você é. Happy Birthday ♥

— Obs: Kyle é um personagem original da Lanan, usado aqui com a devida autorização (mesmo que ela nem soubesse o que estava autorizando quando permitiu), presente na melhor fanfic que conheço:

https://fanfiction.com.br/historia/741740/Descendentes_Desenvolvendo_Sentimentos



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