Immortals escrita por Lillac


Capítulo 5
I try to picture me without you, but I can't


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano novo atrasadíssimo!
Como sempre, mil perdões pela demora, e eu espero que gostem.



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I try to picture me without you

 

— Eu só quero deixar registrado que isso é loucura, entenderam?

Luke, que estava deitado no sofá brincando com as chaves da viatura, assoviou levemente, baixo o suficiente para que quase nenhum som saísse.

— Entendemos — respondeu. — Você tem mais alguma reclamação?

Will passou as mãos pelo cabelo, nervoso, e mordeu a parte de dentro da boca. Correu os olhos pela sala do apartamento. Thalia estava de pé atrás do balcão da cozinha, batendo alguma bebida supersaudável no seu liquidificador, e não parecia estar prestando atenção. Grover, sentado ao lado de Luke, lia algo em uma revista grande sobre o meio-ambiente (ou talvez só a estivesse usando para cobrir o rosto, como sempre fazia), e Annabeth estava sentada junto ao computador, entre uma estante de livros e outra. Ninguém parecia estar dando muita atenção ao seu conflito interno.

Ok. Quase inteiramente interno.

— Já que você não disse mais nada, deixa eu explicar de novo: se todo mundo fizer sua parte, ninguém vai se machucar — Luke disse finalmente, guardando o molho de chaves no passador de cinto. Quando olhava para as pessoas daquele jeito, até parecia um policial íntegro e seguidor da ordem. — E por isso eu não entendo o porquê de toda essa preocupação... — seus olhos claros focaram no rosto de Will por um longo momento, e ele sentiu a garganta ficando seca. — A não ser que você esteja querendo pular fora, Solace.

— O quê? Não! Eu não—

— Para de mexer com ele, Luke — Thalia disse, em um tom risonho. — Você sabe como ele fica nervoso.

— Você imaginaria que alguém que passa tanto tempo com a Rachel teria uma mentalidade um pouco mais forte... — Annabeth comentou em um murmúrio.

— Eu só estou dizendo — tentou — que é muito arriscado. O Jackson é um detetive esperto, ele vai notar se alguma coisa sair do trilho. Nós já estamos muito próximos do cara agora, ele não nos vê mais como pessoas neutras.

Annabeth está muito próxima do cara, você quis dizer.

A garota girou na cadeira para encará-los.

— Eu fiz o que vocês disseram.

— Fez um ótimo trabalho — Luke acenou com uma mão, desfazendo o assunto. — O meu ponto, Will, é que eu não quero machucar o Jackson. Nem os amigos dele. Nem ninguém, na verdade. Até porque se eu fizesse, vocês me encontrariam na manhã seguinte com uma estaca com o logo dos Dare enfiada na cabeça.

Ele abriu a boca para protestar de novo, mas quando Luke franziu o cenho, a voz de Will morreu em sua boca. Geralmente, ele era tão amigável e gentil, que era fácil interpretá-lo como nada mais do que o cara legal da delegacia ao lado. Will faria bem em não esquecer de que ele era um dos homens mais inteligentes que já conhecera.

— Annabeth — voltou a falar — você continua a se aproximar do Jackson, eu quero ele perto. Seria bom se conseguirmos aquela amiga dele também, Ramírez-Arellano, não? Mas ela parece um pouco menos disposta a fazer amigos... e o Nico...

— Por que você está olhando para mim?

— Porque a Rachel me disse que você é amigo da irmã mais velha do di Ângelo. Parece uma oportunidade perfeita, não?

Não, uma vozinha no fundo da cabeça de Will lhe disse, alarmada. Possivelmente sua consciência. Mas se olhasse em torno do cômodo mais uma vez, saberia que, se alguma vez na sua vida essa voz houvesse estado certa, ele não estaria ali, com as decisões que havia feito.

Com um longo suspiro, Will enxugou o suor das mãos nos jeans e disse:

— Feito.

Luke se inclinou sobre a mesinha de centro, pousando uma mão firme em seu ombro, e lhe prometeu:

— Will, olha. Eu estou falando sério quando digo que não quero machucar ninguém. Jackson e os outros vão ficar bem, e nós vamos conseguir o que queremos. Mas todo mundo precisa colaborar para isso acontecer — ele deu um sorrisinho de canto. — O que me diz? Está comigo?

A campainha tocou. Thalia desligou o aparelho e murmurou:

— Deve ser o Fei.

Will apenas respirou fundo e disse:

— Claro. Sempre.

« »

— Você tem certeza?

— Certeza? — Reyna repetiu. — Não. Mas eu... não sei, eu sinto como se conhecesse aquela garota de algum lugar.

— Bem, ela não pode ser a única garota loira de São Francisco, né?

 A policial não respondeu. Eles haviam encontrado Percy dormindo na delegacia — uma visão que rendeu algumas ótimas fotos para chantagem, posteriormente —, e, depois de se despedir, Nico passara um dia entediante no trabalho, o que era dizer muito. Agora...

— Se você só conseguir o nome dela para mim, eu acho que já seria bom — ela disse, finalmente.

— Sem querer ofender, mas por que você não pergunta?

— O Percy anda bem estressado ultimamente — Reyna afagou a própria nuca, incerta. — Se achar que eu estou suspeitando da nova amiga dele, pode ser que... olha, eu só não quero deixar as coisas tensas entre a gente. O melhor é que Percy e eu terminemos logo esse caso dos garotos desaparecidos antes que piore.

Nico apoiou-se na parede, cruzando os braços.

— Talvez seja mais fácil se você for na loja que ela trabalha — sugeriu. — É menos suspeito, e ela provavelmente acha que você é só uma subordinada do trabalho dele.

— O único dia da minha vida em que eu estou grata por ainda não ser uma detetive — ela murmurou.

Pegou o casaco no gancho da parede e vestiu-o, checando a franja de fartos cabelos castanhos no espelhinho por apenas um momento antes de enfiar as chaves no bolso e virar-se para o amigo de novo:

— Eu vou lá depois que sair do hospital. As enfermeiras me disseram que o Juan começou a pintar de novo — conseguia sentir um puxãozinho nas pontas dos lábios, um sorriso que queria emergir sem sua permissão. Mas controlou-se. Havia perdido a conta de quantas vezes permitira-se ficar feliz com o menor sinal de avanço na... condição do pai, apenas para ser completamente desapontada depois. Não teria suas esperanças esmagadas dessa vez. Não de novo. — eu te busco às oito?

— Na verdade — Nico estalou a língua — Michael vai comigo. Ele vai me trazer de volta.

— Michael?

— Eu sei que ele e a Bianca não se dão bem, mas achei que seria uma boa oportunidade mudar isso, sabe?

Reyna analisou a face esperançosa de Nico por um momento, mas foi o suficiente para saber que estava torcendo por ele.

— Claro, boa sorte com isso.

— Diga ao Juan que eu disse oi! — ele exclamou, quando ela já estava saindo do apartamento.

Reyna fechou a porta atrás de si. O corredor do prédio era grande a arejado, tudo do melhor que os di Ângelo podiam dar ao filho herdeiro, mas só serviu de lembrete de que ela e Nico eram de realidades tão distintas. Com um menear de cabeça, enfiou as mãos nos bolsos e rumou para o hospital do subúrbio onde seu pai lhe aguardava em um colchão raso e lençóis encardidos.

« »

— Michael Kahale, instrutor do time de futebol americano da... —

A voz do namorado dissipou-se no fundo de sua mente. Estavam rodeados dos amigos, colegas e professores de Bianca no que era possivelmente a maior exposição da faculdade de medicina dos últimos cinco anos. Grandes nomes da área estavam presentes, dando palestras e participando de debates. Era um paraíso para qualquer aspirante à médico. Mas Nico apenas balançou o gelo no seu copo de refrigerante. Estivera procurando por Bianca desde que chegara, e até agora nada.

Olhou por cima do ombro por um breve instante, e encontrou Mike ainda sorrindo e apertando as mãos de estranhos. Seu namorado era um cara bonito, com um visível físico de jogador, e extremamente simpático. Mas, às vezes, parecia gostar um pouco demais de atenção.

Seu celular finalmente vibrou com uma mensagem de Bianca, e ele cordialmente se despediu do grupo que os havia circundado, tomando Mike pela mão e começando a andar. Ele ainda acenou e sorriu até que estivessem fora da visão dos outros.

— O que foi, amor?

— Bianca me mandou mensagem.

— E, é tipo, importante? — ele franziu o cenho, confuso.

Nico resistiu ao impulso de rolar os olhos.

— Nós estamos aqui para a palestra dela, não é?

Mike riu sem graça.

— Claro, claro que sim.

Eles desbravaram o mar de pessoas que se aglomerava do lado de fora do auditório, e encontraram suas cadeiras reservadas, bem na frente. A palestra teve início, e, após uma breve introdução do professor conselheiro, Bianca foi a primeira a abrir o painel dos alunos, e Nico aplaudiu entusiasticamente. Ela estava bonita, no vestido cor de creme contrastando com a pele mais escura, e o cabelo preto em um penteado elaborado. O viu imediatamente, e lançou para o irmão um sorriso cúmplice.

Depois que ela saiu, no entanto, para surpresa de Nico, um outro rosto conhecido tomou o lugar de Bianca. Ele quase não acreditou quando o viu: calças sociais e suéter preto, com uma gravata azul escura, mas o cabelo ainda na mesma confusão de cachos loiros do recital, como se ele simplesmente não tivesse tempo de arrumar.

— Will? — ele murmurou.

— Quem?

Nico limpou a garganta, afagando de leve o braço de Michael.

— Ninguém.

Will falou por quase uma hora sobre um assunto sobre o qual Nico não fazia ideia, e após outras três apresentações, o corpo discente finalmente se reuniu no palco para agradecer, e a plateia foi dispensada. Bianca correu degraus abaixo, rapidamente envolvendo Nico com um abraço e soltando uma exclamação animada. Mas ela não estava sozinha.

— Você gostou? Eu falei bem?

— Incrível — ele disse, embora não houvesse entendido uma única palavra. Seus olhos voaram para a outra presença, mas manteve-se calado.

— Nico, você e o Will já se conhecem, certo? — Bianca acenou. — Esse é o Michael, namorado do meu irmão.

Como a boa irmã mais velha protetora que era, os olhos de Bianca seguiram a reação de Will com expectativa, quase ameaçadores. Mas o rapaz não pareceu notar. Seus olhar, se tanto, pareceu até um pouco mais suave, quando ele amigavelmente estendeu uma mão para que Mike apertasse.

— Will Solace, eu estudo com a Bianca.

— E como vocês se conheceram, mesmo?

— Nico é amigo de um amigo de uma amiga — ele riu — isso fez sentido?

— Nem um pouco — Mike respondeu, mas estava rindo também — mas ele conhece muita gente mesmo.

— Ok, chega de falação — Bianca pegou o braço do irmão — eu marquei um jantar em um restaurante aqui perto que é ótimo, vocês vêm comigo, certo? Você também Will. A Phoebe ligou desmarcando antes da apresentação e agora eu preciso de outra pessoa para a reserva.

Will abriu um sorriso de canto.

— Os sacrifícios que eu faço por uma amiga.

Bianca rolou os olhos. Nico não pôde evitar a sensação que se espalhou em si. Por tanto tempo, haviam sido só eles dois, sozinhos no mundo, pobres crianças ricas. Mas então houvera Percy, e Reyna, e Nico subitamente não estivera tão mais solitário assim. Mas Bianca...

Quando eles já estavam sentados em uma mesa da sacada do restaurante, com o sol se pondo atrás de si e a música agradável que vinha de dentro, Will perguntou, enquanto sorvia um gole da sua taça de vinho branco:

— Então? Como vocês se conheceram?

— Michael foi para a mesma escola que uma amiga minha, Reyna. Quando ela se formou da Academia de polícia, ele fez uma pequena festinha surpresa para ela, e... bem, eu estava lá.

Mike sorriu para ele. Se fechasse os olhos, ainda podia lembrar daquele dia. Da expressão exasperada de Reyna, de Percy, encima de uma mesa jogando confete, e de Michael, o observando do outro lado do balcão.

— Isso faz...dois anos? — Bianca perguntou.

— Dois anos e cinco meses — Michael respondeu.

Eles jantaram e conversaram, e quando chegou a hora de ir embora, o táxi de Bianca a esperava do outro lado da rua. Nico pediu para ajudá-la a atravessar, visto que a irmã estava bem longe de sóbria, mas ela o dispensou. Michael pareceu desconfortável, seguindo-a de perto enquanto ela se aproximava da borda da calçada. O sinal para pedestres ainda estava vermelho.

— Ela é tão... fraca para bebida assim? — Will perguntou baixinho, parecendo igualmente preocupado e divertido.

Verde. Os carros pararam antes da faixa e Bianca gritou um “tchau!” enquanto rumava para a rua.

— Um pouco — Nico riu — mas geralmente-

— Ei, Neeks! Obri—hic!-Obrigada por vir hoje! Eu não—

— Bianca! — Michael exclamou.

Nico virou o rosto na direção da voz da irmã, mas tudo o que ele viu foi um borrão cinzento, uma centena de buzinas se interpondo, e o horrível som de algo acertando o concreto.

« »

— Achei que a sua escola fosse um internato.

Os ombros do garoto enrijeceram por um momento, mas então ele se virou para encará-la, e sua expressão parecia no máximo aborrecida. Estava suado e visivelmente cansado, mas parecia aliviado em ver um rosto conhecido.

— Nós temos permissão para sair quando alguma emergência acontece.

Reyna apertou o botãozinho na máquina e o cheiro de café preencheu a recepção.

— Era essa a desculpa que a sua amiga Piper usava?

— Isso é um interrogatório, detetive?

Ela sentou-se na cadeira mal conservada. O café estava meio morno, e doce demais, porém serviria.

— Eu não sou detetive. E também estou de folga. Pode ficar relaxado, Grace.

Jason empurrou os óculos para o topo do nariz.

— É isso que vocês dizem para as pessoas quando vão interroga-las?

— Eu não sei — ela tomou um gole. Argh. — Por que você está aqui?

— Minha irmã quebrou o braço hoje de manhã — ele se afastou do balcão, mas não se sentou ao lado dela — vim visitar. E você?

— Meu pai está internado da área psiquiátrica — Jason abriu a boca, mas Reyna o interrompeu antes que pudesse dizer algo — sem essa, por favor. Eu escuto os mesmos comentários solidários há nove anos. Eu sei que você sente muito e espera que ele melhore.

Ele deu de ombros.

— Ao invés disso, por que você não me fala sobre a Piper e o namorado dela?

— Por que você quer saber?

— Porque, acredite ou não, eu não sou um monstro insensível. Quando uma menina de dezesseis anos é dada como desaparecida no jornal, eu fico preocupada como todo qualquer outro cidadão com bom senso.

Ele hesitou. Mas, por fim, tomou a cadeira ao lado dela e limpou as mãos suadas no jeans.

— Leo não era o namorado dela — disse. — Eu era.

Ouch.

— Ou sou. Eu... eu não sei mais. Piper se matriculou na Júpiter há três anos, quando o pai dela foi para Espanha gravar um filme novo e ela não tinha com quem ficar. Acho que era mais fácil assim. Nós conhecemos o Leo por acaso, e acabamos virando amigos...

— E então ela foi embora com ele?

— Não. Eu acho... eu não acho que a Piper faria isso. Ela é muito bonita, sabe? Quase todo mundo naquela escola era afim dela. Mas ela nunca me trairia. Seja lá o que aconteceu... não foi decisão dela.

— E dele?

Jason a olhou confuso.

— Leo. O garoto.

— Leo era só um cara tentando cuidar da vida dele. Ele passou de orfanato em orfanato até acabar aqui.

— E você não acha que pode ter sequestrado ela? Conseguir um dinheiro?

— Tristan pagaria o que ele pedisse, mas a Amanda... só se ele fizesse isso publicamente. Colocasse o nome dele nesse caso. Ela e a Piper não tinham uma relação muito boa. Tudo que a Amanda mandava de presente, a Piper vendia para os funcionários. Mas eu acredito no Leo.

— Então você está dizendo que não suspeita de nenhum dos dois?

Sem perceber, Reyna havia se inclinado na direção dele. Sob a luz quase pálida do hospital, ela conseguia ver o quão transtornado ele estava, trêmulo até. Ela pensou que, entre o desaparecimento da namorada e do amigo e a irmã sendo hospitalizada, Jason merecia um descanso. Limpando a garganta, Reyna entregou o copo de café para ele.

— Segura esse meu, eu vou pegar outro café com gosto de sabão para você.

Jason não respondeu, mas ela pensou vê-lo sorrindo um pouco. Com tudo o que estava acontecendo, Reyna começava a aprender a apreciar aqueles pequenos sorrisos.

« »

— Se eu ganhasse comissão, vocês e aqueles seus amigos já teriam me deixado rica — Annabeth riu quando ele se aproximou.

Percy colocou as latinhas de energético e pacotes de salgadinho no balcão, rindo.

— E você não gostaria disso?

Ele não sabia bem o que o havia levado até ali. Haviam uma centena de outras lojinhas de conveniência no caminho da delegacia, mas ele havia escolhido aquela. Dessa vez, não podia culpar o encontro com Annabeth em uma mera coincidência.

— Ser rica? — ela repetiu. Percy acenou. — Superestimado — passou a primeira latinha no leitor de códigos de barra. — Meu pai tem dinheiro enfiado até nos sapatos e continua tendo uma vida miserável.

— E o que você não acha superestimado, então?

— Trabalho duro. Talento. Honestidade. Bolsas de estudo que não custem a minha sanidade mental. Livros menos pesados. Não sei — ela respondeu. — Mas se bem que nesse momento, eu bem que poderia usar algumas comissões.

Percy a encarou. Annabeth estava vestida como usual: touca preta cobrindo o cabelo, nenhuma maquiagem, e um moletom cinza de Harvard. Provavelmente de quando ainda estudava lá. Seus dedos estavam manchados de caneta e marca texto e ele podia ver que ainda haviam vários livros abertos debaixo do balcão.

— Por que?

— Preciso voltar para Nova Iorque.

Eles ficaram em silêncio. Não queria ser intruso, mas algo no tom de Annabeth o havia deixado extremamente curioso. Ela o olhou por baixo dos fios loiros que escapavam da touca e suspirou, colocando as compras dele em um saco de papel.

— Salve o meio ambiente, certo? Então, meu primo desapareceu. Fiquei sabendo ontem. Preciso voltar para casa e resolver essa confusão antes que o meu tio piore tudo.

— Caramba, Annabeth, eu sinto muito.

— Não sinta ainda.

Ele não soube dizer o que aquilo significava. Não conseguia notar nenhuma mudança na entonação de Annabeth. Nada que sugerisse que ela estava assustada. Então por que aquilo o incomodava tanto?

— Nova Iorque ganharia bastante com uns detetives tão dedicados quanto vocês.

— Talvez eu possa ajudar — ele disse.

— Você vai viajar comigo?

— Não — ele sentiu-se estranhamente mal e dizer aquilo. — Mas você pode me mandar as coisas por e-mail. Eu reviso daqui. É... —

— Eu vou pensar no seu caso, Jackson — ela entregou o saco com as compras.

— Ok, então você me passa seu número, e—  

Quase como se houvesse sido cronometrado, o celular de Percy tocou naquele momento.

— Alô? Reyna?

— Hospital, agora — a voz dela soava rouca do outro lado da linha, de uma forma que ele nunca houvera ouvido antes. Por um momento, ele pensou que alguma coisa havia acontecido com Juan, e seu coração disparou. Não, não, não. De novo não, Reyna não merece isso. — É a irmã do Nico. Eu vou te passar a localização.

— Bianca? — ele perguntou, mas ela já havia digitado.

— Aconteceu alguma coisa?

A garganta de Percy fechou. A julgar pelos sons no fundo, era possível dizer que Reyna estivera falando enquanto conduzia a moto, o que era sinal o suficiente de que alguma coisa havia acontecido. Além disso, a localização em seu celular era de outro hospital.

— E-...eu tenho que ir. Foi mal. Amanhã eu passo aqui e—

— Vai lá — ela se inclinou por sobre o balcão rapidamente para apertar a mão dele.

Percy acenou e saiu correndo, deixando as compras no mesmo lugar. Quando entrou no carro, uma vozinha em sua cabeça lhe lembrou que Annabeth só havia conhecido Nico. Quem era a outra pessoa à quem ela se referia como seu amigo?

Mas ele tinha questões muito mais urgentes. Respirando fundo, pisou no acelerador e tomou a rua.

« »

Nico achava que já estava a meio caminho de quebrar a mão de Reyna em duas quando Percy chegou. Seu primo cortou caminho por entre os funcionários e foi direto para o lado dele. Mesmo que gaguejando, Nico conseguiu dizê-lo:

— Bianca e Michael foram atropelados. Nós...

Sua voz morreu na boca. Sua cabeça pulsava de dor, ele sentia o jantar se revirando no estômago. Quando fechava os olhos, ouvia o som da lataria amassando, dos gritos dos pedestres... a visão do corpo de Bianca por baixo das rodas do carro e da cabeça de Mike deitada em uma poça de sangue.

— Nós estávamos saindo do restaurante quando um motorista furou o sinal — Will explicou.

O corpo todo de Nico tremeu com um calor febril, mas suas entranhas pareciam estar congeladas. A voz de seda do garoto entrou por seus ouvidos e remexeu seus órgãos, como um cirurgião sádico. Ele encolheu-se mais no abraço de Reyna, que o apertou de volta com firmeza.

— Eu quero ir lá fora. Por favor. E-eu preciso... —

Ela e Percy o ajudaram a ficar de pé, e eles foram para o pátio. Lá, enquanto Nico recobrava a respiração, Reyna explicou para Percy que Bianca havia quebrado seis costelas, uma parte do crânio, e mais uma porção de fraturas menores. Michael só tivera uma concussão e um joelho estilhaçado. Os dois estavam na sala de cirurgia naquele momento, mas as suas situações não eram tão ruins quanto soavam.

Ainda havia chance.

Mas tudo passou direto pela mente de Nico. Ele mal se lembrava do sangue no asfalto ou do corpo de Bianca por baixo do carro. Só uma memória martelava em sua mente.

— A médica auxiliar está pedindo pela presença do familiar, Nico — a voz de Will veio da porta.

Ele ainda tinha a roupa ensanguentada e machucados abertos nos dedos.

— Já vai — Percy respondeu.

Mas Nico não queria ir. Não queria voltar lá para dentro. Para perto dele.

— Foi ele — murmurou.

— Hã?

Em sua cabeça, ele via Will correndo para o lado de Bianca e Michael quando o carro já havia parado. Assistia enquanto, sutilmente, o garoto levantada o automóvel pelo chassi, tão sutilmente que ninguém mais conseguiu perceber, aturdidos demais pela visão da cabeça aberta de Michael. Dele puxando o corpo de Bianca com uma leveza assustadora, aninhando-a no colo contra o próprio peito.

E da sinistra luz amarela que o envolvera, apenas uma única camada de energia, tão fina que Nico estava quase conseguindo dizer a si mesmo que havia alucinado tudo.

Mas ele vira.

Vira o corte descomunal no pescoço de Bianca se fechar, vira o a ponta do osso que havia atravessado sua carne, logo acima do umbigo, voltar para dentro. E por fim, vira a irmã, que estivera imóvel como mármore, voltar a vida com um suspiro sôfrego e um jorro de sangue caindo da sua boca.

Will Solace salvou Bianca.

Disso, Nico tinha certeza. O que ele não sabia era como. E por que.

Quando eles voltaram para dentro, Will ainda estava lá, olhar azul-céu o observando de perto. Ele se despediu discretamente e foi embora. Mas Nico sentiu sua presença grudada em suas costas como um espírito ruim.

« »

No elevador, Will sentiu vontade de chorar. Ao invés disso, ele discou o número de Luke no celular e soluçou baixinho até que ele atendesse.

— Will? Cara?

Ele não conseguia respirar. Não conseguia-

Will — a voz de Annabeth veio mais abafada, mas tão cortante e autoritária quanto sempre. — O que houve?

— Eu fiz — ele obrigou-se a dizer — eu curei alguém. Funcionou.

Quase conseguia ouvir o sorriso de Luke se alargando do outro lado da linha.

— Foi mesmo? Mas isso é ótimo. Parabéns! — Ele aguardou. Luke pareceu ponderar do outro lado. Então, enfim: — Não é suficiente ainda, mas eu estou orgulhoso. Volte para cá e vamos comemorar!

Will agradeceu, desligou o telefone e desabou contra a parede do elevador, coberto de sangue e sentindo cada nervo do seu corpo tremer. Mas não era inteiramente de medo. Uma pequena parte de si, no fundo de sua cabeça, estava tremendo de animação. Muito fora do alcance da sua consciência.

Isso era o que ele era, gostasse ou não. Will Solace era um monstro, e já estava na hora de aceitar isso. Ainda mais — estava na hora de finalmente perceber quem eram aqueles que o rodeavam.

But I can’t


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados, e até a próxima!



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