Memórias Perdidas escrita por Kethlen F


Capítulo 3
Sem Lembranças




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A primeira lembrança de Olivia era bem nítida para ela. Por não se lembrar de seu passado, ela se agarrava a cada lembrança como se a vida dela dependesse disso, e dependia. Há 10 anos, em pequeno hospital, ela acordou assustada. Vários médicos rodeavam sua cama, curiosos com a pequena criança que tinha chegado com feridas profundas e quase morrendo de hipotermia, mas que se curou tão rapidamente que nem milagre poderia ser. Apesar de já estar curada, ela foi mantida no hospital por mais de uma semana, onde todos tentavam entender sua regeneração e tentavam descobrir de onde ela vinha. Ela foi deixada desacordada na porta do hospital, com uma tornozeleira com seu nome escrito “Olivia P.”

Durante aquelas semanas ela acordava todas as noites gritando e chorando, enfermeiras corriam para acalmá-la, a diziam que ela tinha terror noturno, que ia passar com o tempo. Estavam enganadas, os pesadelos continuaram. Ninguém sabia mais nada da criança, tinham até medo de descobrir, as feridas em seu corpo indicavam tortura, eles tinham medo da pessoa que fez isso achar ela.

“O trauma fez suas memórias se reprimirem, para você sofrer menos com o que aconteceu” diziam para ela. Poderia passar o resto da vida sem se lembrar, ou as memórias poderiam vir de uma vez só, a quebrando por dentro. Tinha tratamento, mas demorava, e ela não tinha tempo para isso. Os médicos queriam colocá-la para adoção, ela teria que passar por vários psicólogos, psiquiatras e pelo conselho tutelar. Até a polícia seria chamada por causa dos sinais claros de tortura. Na segunda semana no hospital a voz surgiu pela primeira vez.

“Olá, minha pequena…”

Foi de madrugada, após acordar de um pesadelo, no começo assustou a menina, mas a voz era tão reconfortante. Dizia que  ela precisava sair dali o mais rápido possível, senão eles iriam achá-la.

“Eles? O que eles querem?” perguntou assustada.

“São pessoas más, querida. Eles querem você. Venha comigo.”  a garota não conseguia entender. Porém, pouco tempo depois apareceu uma mulher má dizendo que ia levar a menina, a voz ajudou ela a fugir de lá antes que fosse levada. Ela teve que amadurecer rápido, aprender a se virar sozinha. A primeira vez que viu Zya foi dois dias após a fuga do hospital, após apanhar de um senhorzinho dono de uma loja que se negou a dar comida para a menina.

Roubar virou um modo de sobreviver. Mesmo tão nova teve que descobrir como o mundo é cruel, principalmente para uma criança. A voz dizia que aquilo ia acabar, que com o tempo ela iria aprender a fazer coisas incríveis.

Olivia achava que era louca.

Então, ao ver sua gata virar uma mulher, ela duvidava totalmente de sua própria sanidade. Mas não era apenas ela que via isso, não era apenas ela que estava ouvindo a voz. Mellanie estava paralisada, seus olhos fixos no sangue no chão. O homem que segurava Olivia a soltou, assustado. Ele avançou para cima da garota albina, que desviou com facilidade, se virando e cravando suas garras nas costas dele, a área atingida começou a corroer, o cheiro de pele queimada invadiu o local. O homem gritava o mais alto possível, tentando tirar a gosma de sua pele,a ponta de seus dedos derretiam ao tocar a gosma. Zya acabou com a agonia do homem, cortando sua garganta.

Ela andou em direção a Olívia e esticou a mão, ainda suja de sangue, para levantá-la, Olivia levantou sozinha, ignorando a ajuda, sem falar nada.

— Sei que devo explicações — Era a voz, a mesma voz que conversou com Olivia durante todos esses anos.

Zya tentou tocar o ombro de Olivia, que empurrou sua mão e foi até Mellanie que estava em choque. Suas mãos estavam em seu rosto e seu corpo balançava devagar, ela sussurrava algo inaudível repetidamente. Olivia tocou sua mão, a fazendo gritar com susto, mas ela saiu do transe. Mellanie abraçou Olivia e começou a chorar desesperadamente.

— Sei que o que aconteceu agora não é algo normal para vocês, juro que irei explicar, mas precisamos sair daqui, agora!

— M-mas… eles… Meus pais vão chegar a qualquer momento, como vou explicar isso? — Mellanie olhava para os cadáveres, ainda abraçando Olivia. Sua voz estava trêmula.   

— Não se preocupe, Eles não vão saber de nada. Só venham comigo.

As três saíram juntas de lá, Mellanie agarrada ao braço de Olivia, ainda tentando parar de chorar. Foram parar em prédio abandonado, ainda dentro da cidade.

Ver alguém morrendo não se torna mais fácil na segunda vez, nem na terceira, quarta.... A primeira vez que Olívia viu alguém morrer foi aos 13 anos, quando uma garota que a ajudava a arranjar abrigo teve uma overdose. Ela tinha apenas 15 anos e tinha se tornado a primeira amiga de Olivia. E também sua primeira paixão. Mesmo que se esforçasse para esquecer, a lembrança da garota morrendo voltava para assombrá-la.

Quando entraram no prédio Zya pediu para Mellanie ligar para os pais. Mellanie não podia voltar para casa, ainda não era seguro.

—Eles não vão fazer algo com meus pais?

— Seus pais não são o alvo deles, ela sim — disse Zya apontando para Olivia.

Mellanie respirou fundo e ligou para a mãe.

— Mãe, está tudo bem… A Roberta estava mal e pediu para eu dormir na casa dela. Sim, amanhã eu volto... Só vou ficar essa noite fora. Está tudo certo aí? Okay, Durma bem. — Seu rosto permanecia sério durante toda conversa, mas assim que a ligação se encerrou, Mellanie voltou a chorar. — Eu nunca tinha mentido para eles. Isso é surreal. Eu… eu não entendo! O que você é?

— Sou uma transmorfo, uma humana que se transforma em animal. Existem poucos da minha espécie, fui criada a partir de magia e ciência. — Zya possuía cabelos mega curtos e repicados, suas sobrancelhas eram curtas. Ela era menor que as meninas, mas já passava dos 20 anos.

— Ah, magia! — disse Mellanie se abanando — Ai meu Deus, eu vou desmaiar.

— E o que eu sou? Por que você cuida de mim a tanto tempo? — indagou Olívia, falando pela primeira vez após tudo isso.

— Você é uma feiticeira, Olivia. Feiticeiros transformaram transmorfos em criados, para servi-los e cuidar deles.

— Feiticeira? — perguntaram as duas garotas à Zya.

— Pense bem… Quando você fica com raiva e as coisas caem em sua volta. O dia que sua amiga morreu, as paredes começaram a derreter, seu corpo parecia flutuar, certo? E estava! E você consegue muito mais! — confessou animada — Mas todo o poder está preso, junto com as memórias.

— Os homens que nos atacaram, eles também eram isso? Feiticeiros? Transmorfos? — perguntou Mellanie.

— Não, apenas humanos detestáveis que trabalham para uma família poderosa de feiticeiros.

— Eu tenho tantas perguntas...

— E serão respondidas! Mas com calma. Eu não posso dizer tudo de uma vez só… Se suas memórias voltarem de uma vez fará muito mal para você, principalmente se despertar seu poder junto. — Ela segurou a mão de Olivia — Nessa cidade podemos ser ajudadas, ela deve chegar a qualquer momento.

Uivos ecoaram pelo local, avisando a chegada da pessoa esperada, Dois enormes lobos se aproximavam, assustando as garotas, menos Zya. Um lobo branco e um preto, ambos com os olhos violeta, que brilhavam intensamente naquela escuridão. Atrás deles, Uma mulher. Seus cabelos escarlates caíam em ondas até sua cintura fina. E os olhos, os mesmos olhos que os lobos.


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