Memórias Perdidas escrita por Kethlen F


Capítulo 2
A voz




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Olivia despertou com a cabeça latejando, o corpo ainda doía, mas estava deitada na superfície mais macia que já tinha se deitado, um sofá branco enorme cheio de almofadas coloridas. Sua visão foi ficando mais nítida, ela mexia o rosto tentando ver onde estava. Mellanie andava em círculos em volta de uma mesa de centro de vidro enquanto Zya a olhava confusa.

— Deveria ligar para ambulância, não sou médica para cuidar dela sozinha… ou ligar para minha mãe, polícia...eu não sei, não sei!

— Poderia ficar quieta…— disse Olívia com voz fraca.

— Ai meu Deus! — gritou a garota, pulando com o susto — Você acordou! Qual seu nome? O que aconteceu com você?  Quer que eu ligue pra alguém?

— Se acalme, não vou morrer — respondeu com a voz rouca, tentando se levantar.

O garoto já não estava mais lá. A casa era uma das casas perfeitinhas que Olivia tinha visto ao chegar na cidade. Toda enfeitada com um quantidade exagerada de flores mega coloridas, que enchiam a sala com um cheiro forte.

— Sente-se… Não irei chamar ninguém se assim preferir, quero tentar ajudar — falou Mellanie rapidamente enquanto colocava várias almofadas em volta da outra garota — Qual seu nome? Meu nome é Mellanie. Meu namorado te carregou até aqui, mas ele não pode ficar para ajudar, sinto muito.

A postura de Mellanie era impressionante, causado por anos de aula de ballet e etiqueta. Ela se sentou ao lado de Olívia, se encolhendo por vergonha, e mexendo no pano da saia rodada. Zya se sentou no colo da dona, com a postura reta, imitando Mellanie.

— Olivia. Por que está me ajudando? — perguntou desconfiada, se afastando da garota.

— Ah, nossa...Uma garota toda machucada simplesmente aparece do nada na minha frente e desmaia… eu, eu precisava ajudar. — Sua voz soava doce. Suas pernas tremiam por causa da ansiedade — Meu namorado, Louis, disse para ligarmos para uma ambulância e irmos embora, mas eu achei tão errado isso. Aí chegamos aqui com você, só que meus pais não chegaram e a droga dos celulares estavam sem sinal!

Após respirar profundamente, Mellanie voltou a explicar que Louis precisava se encontrar com o pai dele no trabalho, ele não queria deixar a namorada com uma pessoa desconhecida, mas maior que a preocupação pela namorada, apenas o medo pelo seu pai. A garota tentou descobrir algo sobre Olivia, que ficou calada sem saber como agir. Em algum momento Mellanie percebeu que precisava dar alguma comida para a garota antes que ela voltasse a desmaiar de fome novamente, então correu até a cozinha para pegar comida e entregou para a garota. Ela estava nervosa por não saber o que falar para seus pais quando eles chegassem em casa.

— Tem certeza que não quer que eu ligue para uma ambulância, você está toda machu....— Antes que pudesse terminar a frase ela reparou que as cicatrizes já não estavam mais lá — Mas...hã…

Seus olhos esmeraldas se estreitaram, procurando qualquer resquício de machucado no corpo de Olivia. Ela abriu a boca para falar algo, mas desistiu, voltando a procurar os machucados. Olivia tossiu de mentira para quebra o silêncio e tirar a atenção de Mellanie dos machucados.

—Então, eu posso começar a te responder, que tal? — disse Olivia rapidamente, nervosa pois nem ela entendia como sempre se recuperava tão rápido.

— Mas...

Confusa, Mellanie assentiu com a cabeça e disse para Olivia subir com ela até o quarto, no segundo andar. A parede da escada estava repleta de retratos da família de Mellanie. Sr. e Sra. Kane, os pais de Mellanie, pareciam sempre mega alegres. Sra. Kane era baixa e rechonchuda, rosto rosado e com o cabelo castanho preso em um coque perfeito, sem nenhum fio fora do lugar. Sr. Kane era alto, bigode bem cheio, seus cabelos grisalhos eram repartidos ao meio e ele possui os mesmo olhos esmeraldas que a filha. Havia fotos de Mellanie criança segurando troféus por ganhar campeonatos de dança na escola, com um enorme sorriso em seu rostinho redondo.

Seu quarto era o primeiro cômodo no segundo andar, a porta branca tinha uma bailarina desenhada com tinta azul. O quarto era branco igual grande parte da casa, com exceção das muitas almofadas mega coloridas organizadas em cima da cama de casal. Olivia não podia deixar de reparar na quantidade exagerada de almofadas que tinha na casa. No criado-mudo havia uma linda caixinha de música com uma bailarina rodando, que encantou Olivia.

— Eu ia falar para você se sentar, mas...você está meio, hã, imunda. Sem querer ofender, é claro! — disse Mellanie em voz baixa, reparando na quantidade de sujeira em Olivia e Zya.

— Tudo bem.

— Claro...Enfim, banho! — disse animada, sorrindo para Olivia —  Aquela porta azul é um banheiro, venha. Depois podemos até dar banho no gato também.

— É uma gata, na verdade.

Entraram no banheiro, que era do tamanho do quarto de motel que Olívia estava mais cedo. A banheira enchia enquanto Mellanie procurava roupas para a garota usar, que estava encarando a primeira banheira que tinha visto na vida, uma enorme banheira branca com detalhes prateados. Até a gata parecia impressionada.

— Você é bem gentil. Nunca tinha tomado banho em uma banheira. —  Devia fazer muito tempo desde a última vez que alguém tentou ajudá-la, principalmente sem nada em troca.

— Obrigada! Quando meus pais chegarem vou tentar ver com eles se você pode dormir hoje a noite aqui, mas não posso prometer nada…

— Você já está fazendo muito, depois do banho eu posso ir embora, não se preocupe.— A voz já tinha voltado a avisar que não era mais seguro ficar lá, ela precisava ir.

— Enquanto você toma banho aqui eu lavo a… Qual é mesmo o nome dela?

— É só olhar a coleira. —  respondeu, retirando a roupa, seu corpo já não doía mais. —  Só deixe ela na água, ela odeia que tentem dar banho nela, mas ama água.

Mellanie virou o rosto, meio envergonhada com a garota se despindo, então pegou a gata no colo para ler “Zya” na coleira preta escondida em meio aos pelos. Ela saiu com a gata de lá, para Olívia tomar banho em paz, e foram para o banheiro no quarto de visitas. Ligou a água da banheira e desligou quando alcançou a altura desejada. Tacou um pouco de sabão e esperou a gata entrar na água, mas Zya a olhou como se pedisse para ela sair para ter mais privacidade. Então Mellanie saiu de lá, ao fechar a porta ouviu o barulho de Zya pulando na água.

— Okay… estranho.

Após Olívia tomar banho e vestir as roupas de Mellanie — que ficaram curtas por ela ser mais alta —, elas se sentaram na cama para Olívia responder finalmente as dúvidas da outra garota.

— Primeira pergunta: Quem é...não, melhor, por que estava machucada na floresta?

— Como já pode perceber, eu não tenho casa. Viver na rua envolve conhecer pessoas más que resolvem as coisas de forma...bruta. E fugir deles não é tão simples.

—Você fez algo para que resolvessem dessa forma? — perguntou com receio.

— Não se preocupe, não não criminosa — riu Olívia, um pouco nervosa. — E assim como você, eu adoraria saber o porquê.

— Ué... Quem é você?

— Também é algo que eu gostaria de saber — Antes que Mellanie pudesse questionar, Olivia completou — Aos 10 anos fui encontrada na neve, quase morrendo de hipotermia, não sei dizer detalhes, mas fiquei famosa no hospital. Me enchiam de pergunta, mas eu...eu não lembrava de nada, nem mesmo meu nome, estranho, né? Me falaram que eu tinha memória reprimida, causado por um acontecimento traumático.

A batida na porta vindo do primeiro andar  interrompeu o interrogatório. As meninas se assustaram, as batidas continuaram, mais forte. Zya rosnou, os pelos arrepiados, ela ficou na frente das meninas. A voz na cabeça de Olivia estava inquieta, a avisando do perigo. Mellanie se levantou, mas Olivia segurou sua mão, seu olhar estava assustado.

— Não abra… — implorou Olivia. — São eles.

— Vou fazer eles irem embora, okay? — sussurrou e suspirou fundo.

Desceram rápido, Olivia ficou na escada com Zya, tentando fazer nenhum barulho. Dois homens altos estavam na porta, vestidos de ternos, ambos de cabeça raspada. Puro músculo e testosterona. Eles não eram as mesmas pessoas de ontem, sempre eram pessoas diferentes. As mãos de Olivia tremiam, nunca acabava bem quando eles a alcançava.

— Você viu essa garota? —  perguntou um dos homens, o que possuía barba, colocou na frente do rosto de Mellanie duas fotos. Uma foto 3x4 de Olivia quando tinha 10 anos, com uma roupa horrível de hospital e o cabelo preso com um rabo de cavalo para o rosto aparecer, e uma foto em péssima qualidade, tirada de longe semanas atrás, sentada no chão da rua com um capuz tapando parte do rosto.

Tremia de nervosismo, não importava o quanto a garota fosse gentil, não tinha motivos para não entregá-la. Não tinha terminado de explicar nada a garota, ela era apenas uma estranha machucada.

— Está surda? Responda, agora! — O outro homem segurou com força o braço dela, a aproximando da foto.

— Desculpe, senhor, não faço ideia de quem seja. — sorriu Mellanie, de forma gentil.

O barbudo a puxou pelos cabelos da nuca, rindo dela. Zya pulou do colo de Olivia e avançou pra cima do que segurava Mellanie, arranhando o braço dele. Ele jogou a gata no chão e Mellanie gritou, tentando se soltar.

— Solte ela, agora! — gritou Olívia saindo da escada, sua voz saiu igual um rosnado — Você estão procurando a mim, não tem motivo para encostarem nela.

— E você fará o que, criança? — Ele riu e jogou Mellanie de joelhos no chão, se virando em direção a Olívia. Todos as outras vezes ela tinha fugido, mas dessa vez não estava sozinha, não podia meter alguém nisso.

— Solte elas — A voz ecoou pela sala.

Era uma voz feminina, a mesma que conversava com Olivia durante todos esses anos. Mas dessa vez todos ouviram, estavam sem entender de onde veio a voz.

Um leve rosnado veio de Zya, chamando atenção pra si, ela se levantava, mostrando os dentes e com os pelos arrepiados, ela os encarava. Apesar do susto pela voz, os homens começaram a rir de Zya, a risada estridente fez Mellanie se encolher no chão.

— Ela vai o que? Me arranha de novo, garota estupida! — Ele puxou Olivia e a prendeu na parede, pressionando seu pescoço com sua enorme mão peluda, enquanto o outro homem levantada Mellanie pelos cabelos.

Arranhando as mãos dele, Olivia lutava para se soltar. Ela se esforçava para puxar o ar, ele ria dela enquanto o outro homem dizia que ela devia ser levada viva. Olivia colocou o pé no abdômen do homem, tentando empurrar ele para longe, mas não fazia diferença. Ele não saia do lugar, era duas vezes maior que ela. Mellanie gritava, tentando pedir ajuda dos vizinhos, mas ninguém ouvia. Subitamente Mellanie foi solta, caindo no chão, fazendo com que todos olhassem para o homem que a segurava.

Parado com a boca semiaberta. Uma linha de sangue surgiu em sua garganta. Seu rosto estava sem expressão. Ele emitiu um som rouco e começou a engasgar com o próprio sangue que transbordava de sua boca. A pele de seu pescoço parecia derreter sob o liquido verde e gosmento. Seu corpo caiu no chão, ensopando o tapete de sangue.

Atrás dele, Uma mulher albina com os cabelos despenteados. Uma coleira preta com o nome “Zya” escrito em branco em seu pescoço. Suas mãos e suas unhas que mais pareciam garras possuíam sangue e um líquido verde pingando.

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