Há alguns dias, Billy vem sentindo uma estranha mudança na rotina da família. Agora o homem para mais em casa, embora não pareça que isso deixou a mulher mais feliz. Ao contrário, os passos dela pelo assoalho de madeira soam tristes e incertos nos ouvidos apurados de Billy. Soam como passos de alguém que se vê completamente sem chão.

O cheiro da mulher também mudou um pouco. Agora exala um tom salgado. Um cheiro persistente de lágrimas secas sobre lágrimas molhadas. Ela também passa mais tempo com as mesmas roupas. Preocupada com algo maior, cuida cada vez menos da própria aparência.

A cada dia, o homem se mostra mais prostrado. Às vezes, senta na soleira da porta com as mãos na cabeça, mergulhado num desespero silencioso que se estende por longos minutos.

Nessas horas, o vira-lata deixa sua casinha para trás, vai até ele meio hesitante e deita aos seus pés. Não sabe como demonstrar o seu apoio com palavras, mas quer que o dono entenda que ele está ali para o que der e vier.

Às vezes, o casal entra no carro com o menino e partem para algum lugar misterioso que Billy não sabe onde fica. Ele sofre em cada uma das longas horas que passa sozinho, pois sente que tem algo errado.

— Ele vai ficar bom — o homem lhe diz certa manhã, sentado na soleira como nos dias anteriores e fazendo um carinho no dorso do animal. — Ele tem que ficar bom.

Billy capta a incerteza no tom de voz, embora não compreenda o motivo. Absorve a tristeza do dono enquanto olha fixo para a bolinha vermelha num canto do quintal. A bolinha que sempre era motivo de alegria agora jaz abandonada. Sem graça. Lembrando a Billy que ele sente muita falta do menino.

Há muito tempo, ele não joga a bolinha no ar. Os pais não querem que Miguel se esforce.

Há muito tempo, Billy não consegue correr com ele pelo quintal. Os médicos disseram que Miguel precisa descansar.

Entretanto, na calada da noite, o menino costuma se levantar e abrir a porta para o companheiro de quatro patas porque também tem muita saudade dele.

Billy explode de tanta felicidade e corre pela escada nessas noites. Estranha quando o seu dono demora a subir os degraus. E sempre o espera no topo dela com um olhar leal e preocupado.

O vira-lata abana o rabo freneticamente sobre a cama enquanto recebe muito carinho. Retribui partindo para cima de Miguel, cheirando seu pescoço com o focinho gelado, lambendo o rosto meio abatido. Até que cachorro e menino são envolvidos pelo sono e adormecem lado a lado.

A princípio, os pais não gostaram do que viram. No entanto, logo pararam de implicar com os pelos pela cama e pela casa. Agora eles entendem que Billy ameniza o sofrimento do filho. Torna a doença mais fácil. De uma forma misteriosa, ajuda a criança a se manter forte, mesmo com o seu coração batendo cada vez mais fraco.

Nessa manhã, um pouco antes da família entrar no carro mais uma vez, Miguel encontra a bolinha abandonada no quintal e a joga para o amigo. Feliz, o desengonçado cachorro vai correndo atrás dela. Quando corre de volta com ela entre os dentes, vê o veículo saindo da garagem e estanca no lugar. Assiste, decepcionado, a partida do menino enquanto a bolinha escapa da boca.

Billy espera, pacientemente, seu retorno ao longo do dia. Sentado diante do portão, atento a cada movimento nas ruas, olhar concentrado e esperançoso.

Ao reconhecer o ruído do motor do carro, fica em alerta e contente. Entretanto, Billy experimenta uma decepção ainda mais amarga quando o carro finalmente estaciona. Não há qualquer sinal do seu amado menino. Nem da mulher, como ele nota depois.

Apenas o pai chega em casa essa noite. Com olhos vermelhos. Pernas incertas. Parece precisar de apoio. E, por isso, Billy caminha até ele.