A Clínica dos Poderes Disformes escrita por Pamisa Chan


Capítulo 1
Conhecendo a Clínica - Parte I


Notas iniciais do capítulo

OIEEEEE! Obrigada por terem esperado! Eu fiquei muito contente de ver a animação do pessoal quando postei os primeiros esboços da ideia no grupo do Nyah no facebook.
Espero que a história atenda suas expectativas!



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"Meu nome é Kaitlin Burns, mas prefiro ser chamada de Kate. Eu completei 25 anos hoje. Pra muitos isso pode parecer algo emocionante e incrível, mas não pra mim. Acontece que por aqui todos tem poderes. Minha mãe por exemplo tem visão noturna e meu pai tem visão raio laser. Todo mundo desenvolve poderes antes dos 18. Minha tia Gertrud desenvolveu os dela com 4 anos, mas existem alguns que desenvolvem com 17 ou mesmo 18. Eu já ouvi falar de casos de pessoas que desenvolveram seus poderes enquanto ainda estavam no útero. Enfim, você talvez esteja se perguntando qual é meu poder e com quantos anos eu o descobri. Bom, esse é o problema. Eu tenho 25 anos e não desenvolvi poderes.

A vida sem poderes é algo bem complicado. Você é visto como uma aberração. Muitas vezes eu já fingi que tinha poderes só pra evitar os questionamentos e olhares tortos... Aliás, é bem invasivo sair por aí perguntando os poderes das pessoas! De qualquer forma, existem pessoas em uma situação mais complicada que a minha. São os disforme-poderosos. Ou pessoas com poderes defeituosos, como a maioria chama. Ter poderes é maravilhoso... Ou melhor, deve ser. Mas quando seus poderes são disformes, talvez não seja tão bom assim. Eu ouvi dizer que uma mulher tinha poder de realizar desejos. Aí no meio de uma briga, o marido dela disse que seria melhor ela nunca ter nascido. Ela desapareceu e ninguém nunca mais a encontrou.

Apesar de tudo, eu gostaria de ter poderes... Mesmo que esses poderes fossem eventualmente me matar. Porém, já que isso provavelmente nunca será possível, eu gostaria de pelo menos descobrir como é a rotina das pessoas com poderes disformes. E eu sei o lugar perfeito pra isso!"

Kate caminhou pelas ruas não tão movimentadas de sua cidade em busca do famoso lugar. Poucos eram os que tinham coragem de ir lá sem terem poderes disformes ou terem parentes assim. Muitas lendas circulavam sobre lugares assim, ainda mais em cidades pequenas como esta. Só que Kate não se intimidava pelos boatos, ela sempre foi o tipo de pessoa que gosta de comprovar as coisas com os próprios olhos.

Depois de alguns minutos de caminhada, ela chegou. O local tinha uma arquitetura quadrada e simplória, as paredes todas brancas e uma enorme placa no jardim da frente.

— Clínica de Recuperação e Integração para Disforme-Poderosos. — Ela pronunciou em voz alta as palavras da placa de acrílico transparente. — Cridisp, ou apenas "Clínica". — Ela tinha o costume de falar sozinha, nunca se importou muito com o que outros pensariam, afinal, talvez ela estivesse com um amigo invisível.

Kate jogou sua franja para o lado, respirou fundo e entrou.

— Bom dia!

— Bom dia, com o que podemos ajudar? — Uma jovem mulher em trajes brancos e óculos perguntou sem nenhuma emoção aparente.

— Eu quero... morar aqui. — Não soube palavra melhor para usar, pensou que "internar" era uma palavra muito forte e talvez ofensiva.

— Nome? — A mulher perguntou sem tirar os olhos do monitor.

— Kate... Digo, Kaitlin Burns.

— Idade?

— 25. Aliás, por que vocês precisam da minha idade?

— A clínica só aceita maiores de 18. — Respondeu sem olhar para a garota e sem parar de digitar — Sua indicação médica, por gentileza.

— Como assim? Ah... sim... a indicação médica... — Kate sorriu envergonhada — Eu acho que devo ter esquecido em casa... — Ela não tinha uma indicação médica.

A mulher da recepção ergueu os olhos por cima dos óculos e arqueou a sobrancelha.

— A senhora não tem indicação médica? — A recepcionista tinha poder de detecção de mentiras.

— Na verdade, não...

— Me acompanhe. — Ela se levantou e foi para uma sala que ficava atrás do balcão e Kate a seguiu hesitante.

A sala era um consultório de triagem. Ali, um senhor idoso em trajes brancos estava sentado em uma escrivaninha comendo uma maçã.

— O senhor pode examinar a senhorita Burns? Ela não tem indicação médica.

— Sem problemas. Sente-se aqui, querida. — O doutor pediu com um sorriso gentil e a recepcionista os deixou a sós.

O médico fez alguns exames de reflexo e usou uma caneta com luz para examinar os olhos azuis da garota. Ele pediu para ela fazer alguns movimentos com as mãos e por fim usou sua visão raio-x para examinar o tórax dela. Depois de toda a triagem, ele voltou para sua mesa sem dizer nenhuma palavra e começou a digitar em seu computador. Ele imprimiu um papel e a entregou.

— Más notícias, filha. Você não tem poderes.

— Ah... — Kate deu um risinho — Eu sei disso. Só preciso da indicação.

Kate pegou o papel e voltou para a recepção. Ela entregou a indicação médica para a mulher de óculos e esperou uma resposta.

— Você não tem poderes.

— É, não tenho. Nem mesmo comunicação com peixes.

— Meu pai se comunica com peixes. Algum problema? — A mulher parou e ficou a encarando.

— N-nenhum... — Kate virou o rosto para o lado.

— Você não pode ficar aqui.

— Como não?!

— Você não tem poderes! Essa clínica é para disforme-poderosos!

— Eu não tenho poderes, isso não é uma disformidade?! — Kaitlin começou a se exasperar.

— Olha, senhorita Burns, isto é uma clínica para quem tem poderes defeituosos — enfatizou as últimas palavras — caso a senhorita não tenha entendido. Ou seja, para ser internada aqui, a pessoa precisa ter poderes!

— Então eu me voluntario pra ser funcionária daqui!

— A senhora não tem poderes! Não pode trabalhar aqui!

— Isso é um absurdo! Deve ter algum tipo de cota ou algo assim!

— A senhorita quer que eu chame a segurança?! — A mulher de cabelos castanhos começou a ficar impaciente.

De repente, uma senhora corpulenta de cabelos volumosos e cacheados veio de um dos corredores da instituição.

— O que está havendo, Clarice? — Ela perguntou para a recepcionista.

— Senhora Hipkins, essa garota...

— Eu quero trabalhar aqui como voluntária mas ela não deixa por que eu não tenho poderes! — Kate imediatamente respondeu, interrompendo Clarice.

— Ora, minha querida, venha comigo!

Kate e Clarice se entreolharam, ambas sem saber o que estava prestes a acontecer. Por fim, Kaitlin seguiu a senhora Hipkins, deixando Clarice para trás.

— Qual seu nome, filha?

— Kaitlin... Kaitlin Burns. Mas prefiro ser chamada de Kate.

— Sabe, Kate, eu tenho um filho... — Senhora Hipkins começou a falar enquanto andava passos curtos e rápidos pelo enorme salão da entrada — Ele fez 19 anos hoje e nunca desenvolveu poderes.

— Não brinca! Hoje é meu aniversário também...

— Sério? Que incrível! — Ela soou bastante entusiasmada — Como eu ia dizendo, a maioria dos pais de filhos sem poderes ficam arrasados nessa data...

— Nem me fale — Kate teve calafrios ao se lembrar do seu aniversário de 19 anos.

— Mas eu vejo isso como algo bom! Todos tem sua função na sociedade, mesmo os que não tem poderes! Aliás, não concorda que ser minoria é ser especial? Isso te torna diferente de todos os outros! É como se você fosse uma agulha no palheiro! — A Senhora Hipkins terminou seu discurso empolgado com os braços abertos em frente a uma porta à esquerda do saguão. — Uma das nossas pacientes, a senhorita Flynn, pensa assim também. Você vai amar conhecê-la. — Ela disse e abriu a porta com sua mente. — Aqui é a sala de musicoterapia!

A sala tinha um tamanho mediano. O piso era de madeira e uma das paredes era revestida por um gigante espelho. Na parede oposta ao espelho, haviam diversos instrumentos musicais diferentes em suportes no chão e na parede. Dentro da sala, havia uma mulher de cabelo preso usando uma roupa social em tons marrons que pacientemente conversava com os outros presentes na sala. Havia dois garotos idênticos de cabelos compridos, um tocando violão e o outro tocando cajon, com uma impressionante harmonia. Havia também uma garota de cabelos ruivos cantando. Sua voz era suave e aguda. Ela estava flutuando, como que nadando pelo ar.

— Esses são Shane Clayton e Melinda Flynn. E aquela é a professora Raymonds. — A senhora Hipkins os apresentou sem chamar atenção para não atrapalhar a música.

— E qual o nome do outro garoto?

Antes que pudesse obter uma resposta, o garoto no Cajon gritou:

— Você errou a nota!

— Não! Você que errou! Você sempre erra tudo!

— Meu maior erro foi ter criado você!

— Eu criei você, idiota!

A garota que estava perto do teto desceu até perto dos colegas, com uma feição preocupada:

— Tá tudo bem, Shane! — Ela falou num tom otimista — Todos cometem erros! Isso faz parte da vida... E na música não existem erros, apenas melodias atonais e dissonantes. Eu inclusive prefiro essas, são tão... únicas...

— É disso que eu estava falando! — Senhora Hipkins sussurrou para Kate com orgulho. — Vamos!

Kate seguiu a senhora Hipkins para a sala ao lado.

— Esta é a sala da escrita.

Nessa sala havia apenas uma menina pequena de longos cabelos loiros presos em dois rabos de cavalo sentada numa mesinha escrevendo bastante concentrada.

A senhora Hipkins convidou Kate para entrar e se aproximar da garota.

— Essa é a Lilian Beaumont. Mas todos chamam ela de Lily.

— Achei que a clínica só aceitasse maiores de 18. — Ela comentou e se aproximou da garota, agachando-se ao lado dela. — Oi, lindinha, quantos anos você tem?

Lily parou o que estava fazendo e olhou para Kaitlin com o cenho franzido e respondeu friamente:

— 43.

Kate arregalou os olhos e depois sorriu sem graça. Ela então se levantou e seguiu a senhora Hipkins para as salas do outro lado do saguão.

— Ok, gêmeos brigões que dizem ter criado um o outro, garota flutuante, menininha de meia idade... A senhora não deveria me explicar a história deles?

— Oh, querida, se você realmente for trabalhar aqui vai ter tempo de sobra para ouvir deles mesmos! — Ao dizer isso, ela abriu com a mente outra porta.

— Aqui é a sala de pintura.

Nessa sala de piso e paredes brancas com manchas coloridas havia roupas com avental flutuando e um pincel pintando uma tela sozinho.

— Essa é a Julia Hallman.

— Oi! Tudo bem? — Uma voz animada surgiu do além.

— Deixa eu adivinhar, você nasceu invisível? — Kate perguntou.

— Sim... Meus pais nunca puderam ver meu rostinho lindo — A voz do além soou chorosa.

— Ei! Você me disse que ficou invisível quando tinha 12 anos e depois nunca mais apareceu! — Um garoto de cabelos loiros um pouco acima do ombro desmascarou a colega. — Liga não, a Bonita é uma mentirosa compulsiva — Ele sorriu para Kate, deixando seus materiais de pintura de lado — Meu nome é Wayne. Wayne Walter. Mas todos me chamam de Sereio. E você...?

— Pode me chamar de Kate.

— Que poder defeituoso traz a mademoiselle aqui?

— Eu não tenho poderes. — Kate corou e colocou a mão na nuca, sorrindo tímida.

— A senhorita Burns está aqui para servir de voluntária. Ela não é uma paciente. E eu já falei pra não chamar seus poderes de defeituosos, Walter! — A senhora Hipkins parecia ter uma relação conflituosa com o garoto. — Vamos, Kate. Vou te mostrar a sala de artesanato.

— A gente se vê! — Wayne sorriu e Kate corou, retribuindo o sorriso e acenando enquanto a senhora Hipkins a puxava para fora dali — Tchau pra você também, Bertha! — Ele gritou para que a enfermeira chefe pudesse ouvir.

—É senhora Hipkins pra você, Walter! — ela respondeu já distante — Esse garoto é metido a espertinho, fique de olho nele. Vai te dar trabalho! — Bertha, ou Albertha, como era seu nome completo, usou o indicador para ajustar seus óculos vermelhos — Aqui  é a sala de artesanato.

Ali havia um rapaz de pele amarronzada com o corpo inteiro coberto, parecia até que estava com febre. Ele estava sentado no chão colando algumas peças de madeira com os cotovelos apoiados numa mesinha. Deitada ao lado dele, uma gata cinza da raça russo azul.

— Estes são Edgar Torres e Mary Poppins.

— Que bonitinha! — Kate se aproximou da felina e começou a acariciá-la. — Então vocês também usam animaizinhos pra terapia. E ela ainda tem esse nome fofo!

— Querida, eu deixei você tocar em mim? — A gata falou. — E meu nome é Mary Porcher!

Kate caiu para trás ao ouvir isso e pediu desculpas.

— Tudo bem. Eu sei que sou irresistível. Devem ser meus pelos sedosos ou meus olhos verdes.

— Estou tentando me concentrar aqui... — Edgar falou para a gata, com um sotaque espanhol carregado.

— Oi, meu nome é Kate! — Ela falou para o rapaz.

— Oi... — Ele sequer olhou para ela pois estava prestando bastante atenção nos objetos que segurava com suas mãos, que eram praticamente a única parte de seu corpo descoberta.

— Você tá com frio? — Kate não desistiu da conversa.

— O Toque tem poder de absorver as propriedades de tudo que toca. Ele gosta de fazer suas esculturas assim pra ter uma maior conexão com as peças... — Mary explicou. — Ele anda cheio de roupa pra não tocar em ninguém acidentalmente. Da última vez que isso aconteceu, nós quase perdemos o Herbert.

— Herbert?

— É, acho que ele está lá em cima no espaço de convivência contando suas histórias pros garotos como sempre.

— Podemos ir lá, senhora Hipkins? — Kate perguntou como uma criança ansiosa.

— Sim, mas primeiro quero te apresentar o jardim.


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Notas finais do capítulo

O que acharam dos personagens e das interações? Estão animados pra conhecer os outros pacientes?
Até semana que vem ;)



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