City of Angels escrita por Brigadeiro, Jazzie


Capítulo 1
City of Angels


Notas iniciais do capítulo

Essa história surgiu por acaso.

Eu queria aprimorar a minha escrita e criatividade escrevendo, então propus à minha amiga, conhecida aqui como March Hare, que me ajudasse com isso. Ela forneceu toda a inspiração para o que resultou nessa narrativa um tanto quanto melancólica.

Inclusive, só estou postando porque a animação dela me animou também. Inclusive até continuações nós ja imaginamos. Obrigada pela força, miga ♥

Boa leitura.



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O violão pesava nas minhas costas, quase como uma representação de toda bagagem interna que eu trouxera em mim para aquela noite.

O céu parecia zombar de mim. Aberto, brilhante, repleto de estrelas rompendo a escuridão com suas luzes pulsantes, inspiradoras, que convidavam os observadores a sonhar o mais longe que conseguissem. Eu sentia que ele não deveria estar assim. Não combinava com o clima daquela noite turva e melancólica, encoberta pelo fantasma de sonhos não realizados.

Olhei para baixo. Eu já tinha subido o bastante para ver boa parte da exuberante vista noturna da cidade, e minhas pernas e costas me incomodavam pedindo descanso. Nem tinha sido uma caminhada de verdade, eu já tinha me aventurado por montanhas bem mais desafiadoras. A trilha de asfalto tornava tudo mais fácil e eu já tinha perdido o por do sol, de forma que andei o mais vagarosamente possível.

Fiz questão de ir até a beira, o mais próximo possível da imensidão sem cair em suas garras não seguras. Puxei o violão das minhas costas e me sentei sem me preocupar em sujar as roupas, há muito tempos elas não sabiam o que significava a palavra ‘limpo’. Eu estava ligeiramente irritado. Ou talvez frustrado fosse a palavra certa. Eu não entendia o que tinha acontecido.

Ou entendia. E esse era o problema.

Foi sido exatamente ali que tudo tinha começado, por entre as ruas abarrotadas de sonhadores de Los Angeles, influenciados pelas luzes hipnóticas que faziam jovens inconsequentes selar promessas vãs. E naquela cidade, há exatamente três anos atrás, um jogo tinha decidido nossos destinos.

Estúpido, imaturo e idiota jogo de verdades disfarçadas e consequências imprevisíveis. Uma garrafa girou e mudou tudo. Como uma Jane Bennet do século XXI, ela tinha um espírito espontâneo e doce, olhos que sempre viam o melhor em qualquer um e uma presença clássica que marcava naturalmente a vida de todos que ela conhecia. Certamente marcou a minha. E eu nem sequer lutei contra quando aquela garrafa fez os lábios dela tocarem os meus pela primeira vez. Eu não queria lutar. Eu nunca tive defesas contra ela.

Mas consequência de amá-la era se decepcionar. Eu aceitei isso. Então não era realmente justo reclamar agora.

Eu desejava que pudesse ser possível voltar no tempo, até chegar naquele outro eu, o de dezessete anos, uma pessoa totalmente diferente, e bater nele. Brigar e castiga-lo por ter iniciado o que me atormenta agora. Mas, para ser justo, a culpa não era totalmente dele, ou minha, no caso. A vida daquele tempo era distante. Eu era distante. Vivia dia após dia no torpor da vida automática que adolescentes são obrigados a levar, sem muitas escolhas, sem muita motivação. Eu apenas existia. Como se eu nem estivesse lá.

E então, sem que eu nem esperasse, fui pego de surpresa quando ela me trouxe de volta. Ela tingiu de cores do cinza em mim. Rasgou a paisagem da minha vida com luz como um cometa, invadindo sem pedir permissão e tingindo tudo. Ela tinha tudo, e se tornara tudo.

Mas a vida é como um irônico carrossel que parece bonito aos olhos, mas que apenas vai girando, girando e girando, te leva para cima e para baixo e você tem a ilusão de que está indo pra algum lugar, mas na verdade só está dando voltas sem sair do lugar.

Milhares de pessoas doavam a vida inteira na busca desesperada de chegar naquele lugar, que prometia ser o inicio da realização de seus sonhos. Mas não nós. Nós dois não precisávamos disso, porque já estávamos aqui. Sempre estivemos, nascidos ambos no centro de uma isolada periferia aonde os de fora não iam e de onde a mídia só falava se fosse para reportar os crimes cometidos ali. E todo o meu objetivo de vida era sair dali, para qualquer outro lugar. Mas ela queria ficar.

Aquela cidade me assustava, me prendia em uma versão limitada de mim mesmo e eu queria fugir com meu medo para longe, pra algum lugar onde eu pudesse sentir a minha alma livre. E ela, como todo coração sonhador, amava L.A.

O que fazer? Com conciliar aquilo? Eu queria partir, mas meu sonho na verdade não era um lugar, era alguém. Era ela.

Entramos em um acordo. E aqui, na terra de promessas, entre as colinas de esperança e olhando para ruas feitas de desejos, bem no topo desta mesma montanha, nós fizemos nossas promessas. Eu partiria por um tempo, em busca da expansão. Ela ficaria, me esperando. E um dia eu deveria voltar.

— Em um ano ímpar, por favor — ela me pediu aquela noite. Ela sempre gostara de números ímpares.

Éramos só dois adolescentes imaturos, achando que podiam ganhar o mundo com ‘e se’s’. Eu deveria ter sabido, mesmo naquela época, que nada daquilo aconteceria. Mas quando uma ideia ganha forma na sua mente é difícil freiar o coração para contê-la. E eu realmente tinha esperanças. Sonhos são feitos disso, afinal, de esperança e fé. Quando tudo parece muito distante e impossível, elas a mantém de pé.

— Fique — eu me lembro exatamente de como a voz dela soou na noite da despedida.

Eu tinha apenas um pouco de dinheiro na carteira, um bilhete de ônibus para fora da cidade e o meu violão nas costas. Ela, com seu vestido esvoaçando com o vento da brisa gelada da primavera, me segurou pela faixa dele para que eu não partisse.

— Se eu não for, quem eu serei? — lhe perguntei.

Ela desatou um laço cobalto do cabelo, deixando os fios loiros caírem por suas costas, e amarrou no meu pulso. Ela ostentava a expressão de um anjo entristecido em seu rosto.

Seus dedos foram a última coisa que toquei antes de entrar naquele ônibus, adiando a despedida o máximo possível. Era para ter sido somente um ‘até logo’, mas se transformou em um ‘adeus’. Com meu destino comprado pelo ticket em meu bolso, entreguei-o ao motorista sem conseguir evitar um segundo olhar para o que eu estava deixando para trás. Valeu a pena, porque aquela última imagem dela foi a que ficou gravada, me acompanhando por toda a minha jornada sem rumo.

A cidade dos anjos não foi a minha terra dos sonhos. Foi para escapar dela que os meus foram criados, e foi nela que eles foram derrotados.

Eu nunca tive parada certa. Quando tudo o que se tem é um bom condicionamento físico e uma enorme força de vontade, explorar o mundo até o mais longe que seus pés podem chegar é a melhor opção. Pelo menos parecia ser, para mim, naquela época.

Não tinha conseguido sair do país ainda, mas ganhara uma coleção indescritível de memórias e inspirações em belos vales e vastas praias. Minha maior inspiração não mudou. Ela estava no fundo de cada musica que compus. No centro de cada história que contei. No objetivo de cada dinheiro que ganhei e guardei. E foi pra ela a casa que eu comprei na singela Minnesotta, sabendo que aquela terra de paz era tudo o que ela desejava.

Sem conseguir suportar mais a distância, então, eu voltei. Mas agora eu já não tinha mais dezessete anos. Eu não sou mais o mesmo. E nem ela. Você não pode prever o que as pessoas vão se tornar depois da passagem do tempo. O doce coração por quem eu me apaixonara não era mais o mesmo que apreciaria uma vida tranquila comigo.

Eu a tinha visto mais cedo. Tinha chegado à cidade pela manhã e ido atrás dela. Corrido, na verdade. Ela não morava mais na mesma casa. Ninguém soube me dizer para onde ela se mudara. “Endereços de estrelas não são divulgados para qualquer um” foi o que me disseram.

Qualquer um.

Sem certeza do que fazer, mas com determinação em não desistir, eu segui caminhando pela cidade. Ela precisava saber que eu estava ali. Que eu voltara por ela.

A cidade parecia estranha para mim. Sem ela ali, eu tinha voltado a ser o fantasma que assombrada Los Angeles com sua presença não notada. Percorri ruas e dobrei esquinas. Tomei café. Folheei livros, sem nunca realmente me concentrar nas palavras deles. O sol cada vez mais baixo no céu.

Foram os flashes de luz foram o que atraíram a minha atenção. Olhei e lá estava ela, do outro lado da rua, saindo de um carro com aparência exuberante, rodeava por pessoas com câmeras, um tapete vermelho à sua frente. Não parei para pensar no que aquilo significava. Eu a tinha encontrado.

Gritei seu nome, mas todos ao redor estavam gritando a mesma coisa. Ela subia a escada pelo tapete. A rua que nos separava parecia-se com um abismo nego engolindo-a, por isso atravessei-a correndo, quebrando a barreira da distância como ela tinha quebrado as minhas no passado.

Olhei para os céus, pedindo por um milagre às estrelas, para que outra olhasse para mim. Fui atendido. Quando ela me viu, seus olhos se arregalaram para mim, o mesmo azul calmo de águas claras de sempre. Pelo menos aquilo não tinha mudado. Meu coração se encheu de esperança quando ela precipitou para a frente e desceu um degrau, suas pernas vacilantes. Pude ouvir meu batimento cardíaco soar nos ouvidos naquele instante em que pareceu que tudo pelo que busquei nos últimos três anos se tornaria verdade. Todos tem instantes que duram para sempre dentro de si, aquele certamente seria o meu.

Mas alguém a puxou, ela precisava entrar. Ela olhou para mim novamente, e depois para o laço cobalto que eu mantinha amarrado ao braço do violão. Uma lembrança do que era importante. Mas sua expressão tinha mudado. De repente, ela era outra pessoa que não reconheci. Ela balançou a cabeça negativamente.

Não.

Não para nossos planos. Não para as promessas que um dia fizemos. Não para a vida que eu tinha planejado para nós. Não para mim.

Estiquei a mão para ela, convidando-a a pensar novamente. Mas não havia mais duvidas em seu olhar. Ela moveu os lábios, formando uma palavra que, embora uma gritaria ensurdecedora nos rodeasse, eu pude ouvir tão claramente quanto se ela estivesse sussurrando ao meu lado.

— Desculpe.

Aquela foi a última palavra que ouvi dela. A palavra acompanharia o instante eterno para sempre.

Deitado na grama, olhei para o céu escuro, contando os globos celestes sobre as outras estrelas que caminhavam lá embaixo. Agora eu estava perdido na cidade dos anjos, na cidade das estrelas, na cidade dela. Do topo da mesma colina onde as promessas agora quebradas tinham sido feitas era possível ver quase que a cidade toda. Lá embaixo, estranhos viviam suas vidas ilusórias enquanto ela continuava sendo fotografada por um tipo diferente de estranho.

E eu, só mais um estranho, olhava para as colinas quebradas da terra de um milhão de luzes me identificando com elas. Estou em casa, mas não me sinto em casa.

Eis o problema quando você não consegue alcançar o sonho que já teve um dia. Principalmente se você deixou esse sonho guiar a sua vida. Porque ele nunca realmente vai embora, ele fica lá, pendurado no infinito da impossibilidade, pairando sobre você eternamente. Era como eu me sentia naquela noite, preso e suspendido diante da possibilidade do que nunca iria acontecer.

Me levantei do chão, sentindo a estranha necessidade de andar. Sair dali. Caminhar para longe na força dos meus pés como já tinha feito um dia, só que dessa vez as promessas não iriam comigo. Desamarrei a fita do braço do violão, meu único companheiro, e lancei-a no infinito do abismo na montanha enquanto deixava o grito que eu segurara por todo o dia romper através de mim e cortar a corda afetiva que me mantinha suspenso.

Arfando, e ao começar a andar com o violão nas costas novamente, encarei o céu novamente quase como em desafio a ele. Parecia que estavam me olhando, que estavam ali apenas por mim, assistindo ao show solitário do jovem desesperançado. O firmamento. Firmeza era um conceito há muito tempo perdido na bagunça dos meus dias, e nem ao menos se podia contar com elas. As estrelas. Elas não permanecem. Desaparecem em dias de névoa ou diante de luzes demais, te abandonam sem se importar se você precisará delas nos seus próprios dias nublados em si.

Não se pode vê-las se você houver muita luz ofuscando a sua visão. Não se pode vê-las nos dias em que a opacidade da neblina toma conta de tudo. Elas precisam brilhar naturalmente, ou não brilharão.

Eu tinha voltado por ela. Só que ela não estava mais lá.

Tinha desaparecido no meio das estrelas, ofuscada pelas luzes.

Continuei andando, sem olhar para trás.

Desaparecido na minha própria neblina.


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Notas finais do capítulo

Não tenho muita experiência com originais. O quão ruim ficou?

Obrigada por ler!

B e M.H. ♥



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