Solitude escrita por Lillac


Capítulo 5
Efeitos colaterais.


Notas iniciais do capítulo

Eu demorei demais? Não faço ideia.
O estresse universitário me faz consumir quantidades horrendas de café, pular refeições e esquecer de dormir. O estresse pelo qual esses personagens estão passando é consideravelmente pior.
Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759912/chapter/5

Percy juntou-se aos outros, mas a adição de sua força ao restante não pareceu fazer muita diferença. Em certo ponto, ouviu a voz de Reyna:

— O que está acontecendo? Por que está demorando tanto?

Ele raciocinou. A barricada de Leo ficava no topo da escada, e eles haviam entulhado as cadeiras do auditório para bloquear ambos os portões que davam acesso dos outros corredores para aquele, o que significava que havia um pequeno espaço entre a escada e as portas do auditório, supostamente seguro — que era onde ela e Jason deveriam estar agora.

Ainda assim, não era exatamente uma caminhada no parque, e Percy detestava o pensamento de os dois estarem lá fora.

— Só um minuto! — Ele gritou para ela. — Dificuldades técnicas.

Reyna não respondeu. Obstinadamente, Percy buscou por alguma coisa que pudesse ajuda-lo em seu plano maluco. Infelizmente, seu olhar voou imediatamente para o taco de beisebol que Luke havia limpado. Sentindo o estômago revirar, ele agarrou o objeto e voltou para a porta.

— Para trás — advertiu.

Ninguém quis tentar a sorte. Um vão foi aberto entre Percy e a porta, e ele fechou os olhos antes de golpear. O metal tilintou quase que com raiva, e ele acertou de novo. Dessa vez, ouviu algo quebrando e soltou um suspiro aliviado.

— Tudo certo! — Ele gritou — Espera um pouco, nós vamos abrir... —

— Você quebrou a fechadura?! — Um garoto loiro chiou. Percy estreitou os olhos para ele. Ah, Octavian. — Você ficou louco? Quem acha que... —

Antes que ele pudesse continuar, a porta rangeu, e Percy arregalou os olhos. Não era possível...

— Saiam. Do. Meio.

A voz dela veio esganiçada, sem dúvidas exaurida pelo esforço, mas Percy achou que soou tão altiva quanto usualmente. E, sem dúvida: ali estava Reyna, com o rosto vermelho, uma veia saltando no pescoço, corpo curvado, com ambas as mãos espalmadas no magno das portas, e empurrando as duas de uma vez. Os músculos de seu braço proeminentes com cada passo que dava.

Jason veio mancado atrás.

— Desculpe por isso — disse, para Reyna.

— Só. Anda. Mais. Rápido.

— Ah, certo.

Jason manquejou o mais rápido que conseguiu para dentro do auditório. Despertando de seu torpor de admiração, Percy pôs-se a ajudar Reyna a manter as portas abertas enquanto ela se arrastava ao longo da extensão de uma, até estar perto o suficiente para que eles pudessem larga-las, que se fecharam com um audível puf, agora desprovidas de fechaduras.

— Isso foi... impressivo — ele comentou.

— Isso foi completamente ridículo! — Octavian esbravejou — Vocês pararam para pensar um momento nas consequências? Se essa soldada não chegar hoje à noite, nós todos viraremos comida sem essas fechaduras!

— É, é — Reyna plantou uma mão na cara dele, calando-o com maestria, enquanto usava a outra para esticar o pano da camiseta e enxugar o suor do rosto —, vocês terminaram de dividir a comida?

— Ah, sim, nós... — Percy começou, mas a memória do momento com Annabeth na sala de som o fez lembrar de algo também:

Mas nós dois sabemos que só uma pessoa não consegue abri-la. Então mesmo se ele houvesse saído, precisaria de outra pessoa para abrir a porta.

— Você sempre conseguiu empurrar essas duas portas sozinha? — Percy perguntou.

— O que? — Reyna o olhou com uma sobrancelha erguida.

— Nada. Eu só pensei em algo.

— E o que seria?

— Que essa sua força teria sido muito útil para manter essa porta aberta quando nós precisávamos — ele falou antes que pudesse pensar melhor.

Jason ergueu as mãos, tentando amenizar as coisas.

— Caras...

— Ok, escuta aqui, Percy — Reyna deu um passo na direção dele — Annabeth e Nico confiam em você, então eu estou me esforçando para confiar também. Se o sentimento não é recíproco, eu não posso fazer nada.

Se esforçando para confiar em mim? — Percy repetiu. — Se vale lembrar, fui eu quem encontrei esse lugar no primeiro dia.

— E por isso, eu agradeço — ela retrucou — você só não pode esperar que eu agradeça depois de você me acusar de não estar cooperando para a nossa sobrevivência.

— Eu não disse isso! — (disse, disse sim, uma vozinha na cabeça de Percy ressoou, mas ele a ignorou) — Eu só disse que você poderia ter ajudado muito mais... —

Mais? — Reyna vociferou — Eu não sabia que isso aqui era uma competição. Quem sabe o meu tendão rompido quando fui buscar aquele garrafão de água no primeiro andar, que, se você se recorda, é a única água que nós temos agora, sirva com atestado médico.

Percy mordeu a língua. Se fosse ser sincero, era claro que estava sendo injusto. Reyna era uma das pessoas que mais havia se sacrificado ali. Além do posto de líder, ela já havia se machucado para valer, como havia dito. Mais do que o tendão rompido no ombro (que agora a impedia de levantar o braço esquerdo mais do que noventa graus), ela também tinha várias outras lembranças nada agradáveis.

— Ei, ei, ei — Jason colocou-se entre eles — vamos lá, vocês só estão estressados. Percy, por que não vai falar com o Leo? Eu acho que ele precisa se comunicar com algum ser humano antes que fique doido com aquele rádio. E Reyna...

— Pode deixar — ela gesticulou — eu vou falar com Will. Preciso de gelo para esse ombro.

E sem mais delongas, ela saiu andando. Percy comprimiu algo que parecia muito com um rosnado. Só deu por si quando Jason colocou uma mão em seu ombro.

— Cara, tudo bem? O que deu em vocês?

Ele piscou. Sentia-se meio perdido.

— Eu não sei. Eu só... fiquei com raiva, de repente.

— Deve ser o estresse. Nenhum de nós está muito bem ultimamente. Olha, vai andar um pouco e respirar, eu vou falar com o Leo.

Jason se afastou, e Percy quis concordar com ele. Poderia muito bem ser apenas o estresse de várias noites sem dormir e vários dias sem comer propriamente. Mas, mesmo enquanto dava voltas pelo auditório, respirando o mais fundo que podia, não conseguia tirar da cabeça a ideia de que Reyna estava escondendo alguma coisa.

[...]

A resposta veio mais rápido do que ele imaginava — e, de certa forma, ele gostaria que nunca houvesse vindo.

Não era que ele estivesse tentando bisbilhotar. Era só que de repente todas as atitudes de Reyna começaram a empilhar em sua cabeça: o estranho silêncio dela quando Leo mencionara a possibilidade de se comunicar com a polícia, a insistência dela em ser Frank a falar ao rádio (como se ela soubesse exatamente o que poderia acontecer se não fosse ele) e, por fim, aquela briga ridícula a menos de quinze minutos.

Também havia o fato de que ela era, aparentemente, ótima amiga de Clarisse, pelo modo que a soldada havia falado dela. E qualquer que não fosse Frank Zhang ou Silena Beauregard e que recebesse afeto de Clarisse daquele modo, não podia ser confiável.

(É claro que, se Percy pensasse apenas um pouco mais, aquela hipótese não fazia o menor sentido. Não havia nenhum motivo pelo qual Reyna tentaria sabotá-los, muito menos quando a própria sobrevivência dela estava em jogo. Mas, por algum motivo, Percy não conseguiu pensar nessa possibilidade. Era quase como se uma densa cortina de fumaça confundisse os seus pensamentos racionais).

No fim, tudo culminou naquela situação embaraçosa: Percy inclinado sobre a fresta deixada pela porta da sala de som, tentando ao máximo parecer causal e desinteressado para os adolescentes que passavam por ele. Em certo momento, Lacy havia se aproximado e perguntado se ele estava brincando de estátua.

Para dizer simplesmente, Percy estava se sentindo bem estúpido.

Mas ele havia ouvido Reyna pedindo permissão de Leo para usar o rádio, o que depois de certa hesitação havia sido concedido, e então ela e Frank haviam desaparecido dentro da sala de som. Clarisse atendera de primeira, mas, quando Reyna dissera que não era uma emergência, perguntara se ela poderia aguardar só mais alguns minutos enquanto ela terminava de carregar o carro, e, desde então, tudo estivera em silêncio.

Oi? Reyna?

— Oi, Clarisse. Sou eu.

Um momento de hesitação.

Eu — Clarisse respirou fundo —, eu sinto muito, Reyna. Mesmo.

Outro momento de silêncio pesado. Frank pareceu soltar um ruído entre uma tosse e um choro contido.

— Não foi sua culpa — Reyna respondeu. Então: — Ela... ela foi...?

Você não quer ouvir isso — Clarisse garantiu.

— É claro que eu quero — a mais nova perdeu a compostura por um momento, elevando a voz. Quando percebeu, respirou fundo, e, em um tom mais baixo, que Percy precisou esforçar-se para ouvir, prosseguiu: — por favor, só me diga.

Não, ela não chegou a virar um deles — a soldada respondeu, parecendo mastigar cada palavra — eu não sei o quão bem isso vai fazer você se sentir, mas eu espero que valha a pena: ela guiou um dos nossos grupos de recrutas para fora da base invadida sozinha. Cruzou ao menos uns cinco quilômetros a pé, furando as cabeças desses desgraçados com balas um por um. Todos os outros sobreviveram — ela pausou por um momento, parecendo pensar muito bem no que ia dizer em seguida —, não deixaram ela entrar no ônibus, claro. A mordida era muito visível, no bíceps esquerdo. Então ela... ela se despediu de mim e do general e bateu continência com uma mão. Depois, com a outra, ela enfiou uma bala na própria cabeça.

Percy sentiu a própria boca seca. Não sabia de quem Clarisse estava falando, mas era óbvio que havia sido uma soldada de grande caráter — e de orgulho maior ainda. Ele não conseguia imaginar o quanto de determinação era necessário para levar uma pessoa a acabar com a própria vida antes que pudesse ser transformada em um daqueles monstros.

Tudo no que ele conseguia pensar era no rosto contorcido de Ethan, implorando para viver. E então, na sua cabeça, surgia a imagem de uma soldada — sem rosto — colocando o coldre de uma pistola na própria cabeça e atirando, sem dar chances para que a praga que se alastrava pelo seu corpo tivesse a chance de transformá-la em outra pessoa — em outra coisa.

O que separava eles? Uma patente militar? Anos de diferença? Ou, quem sabe o treinamento?

Ou será que pessoas como aquela soldada simplesmente nasciam assim?

Talvez o mundo fosse realmente dividido entre os fortes e os fracos. E Percy, mais uma vez, não sabia onde ele se encaixava.

— Está bem — Reyna finalmente respondeu, em uma voz tão miúda que nem parecia ela mesma. Após um segundo, concluiu: — obrigada por ser honesta comigo, Clarisse.

Eu nunca mentiria para a irmã de uma amiga minha. Principalmente uma amiga como a Hylla. Eu tenho certeza que ela está em lugar melhor agora.

— Eu tenho certeza que qualquer lugar é melhor do que o que estamos agora, Clarisse.

Reyna clicou em algum botão. Percy deveria ter tomada isso como a sua deixa, mas estava paralisado demais pelas palavras da garota. Irmã. Reyna acabara de ouvir de Clarisse como sua irmã havia cometido suicídio.

A porta se abriu, e ele foi empurrado junto, caindo no chão. Reyna o olhou apenas por um momento. Percy achou que ela iria brigar com ele por estar ouvindo atrás da porta, mas, ao invés disso, ela pediu:

— Não fale disso com ninguém, ok? Eu não quero que sintam pena de mim.

Ela ia começar a caminhar — provavelmente para devolver o rádio para Leo — mas Percy a interrompeu:

— Sua irmã foi incrível.

— Minha irmã está morta, Percy. Eu a acharia mais incrível se estivesse viva. — Reyna o lembrou — mas obrigada pela consideração. Tenho certeza que ela agradeceria, seja onde estiver agora. E, antes que eu me esqueça, eu sinto muito pela a briga de mais cedo. Eu estava exaltada e me irritei, foi desnecessário.

— Eu fui um babaca — Percy respondeu. E, com um sorriso amarelo: — Desculpas aceitas?

Reyna permitiu-se um esboço de sorriso.

— Desculpas aceitas.

Pouco depois, Annabeth surgiu, ziguezagueando pela confusão de adolescentes que organizavam os últimos detalhes de seus preparativos. Ela parecia um pouco menos estressada, se é que era possível.

— O que você está fazendo aí no chão?

— O usual — ele deu de ombros —, sendo um babaca.

Ela sentou-se ao lado dele. Seus olhos curiosos demandavam uma resposta, e ele abriu a boca. Pensou em conta-la sobre o que acabara de ouvir: sobre como a amiga dela havia descoberto que sua irmã mais velha não era somente uma heroína, mas também provavelmente uma das pessoas mais altruístas e centradas das quais Percy já ouvira falar, e que talvez fosse melhor Reyna descansar um pouco, mas conteve-se. Ela havia pedido que ele não falasse nada, e ele estava disposto a respeitar aquilo.

— Deixa para lá.

— Tudo bem então — de repente, ela pegou a mão dele — vem comigo. Rachel e eu queremos te mostrar uma coisa.

Eles caminharam juntos. Durante o trajeto, Percy pensou em como a relação deles havia mudado em tão pouco tempo. Uma semana atrás, ele jamais cogitaria ficar andando de mãos dadas com ela por aí, mas agora parecia simplesmente natural. Alcançaram o canto no qual os “sacos de dormir” de Rachel e dele ficavam (o dele não era mais que um fino lençol, visto que, como nunca pregava o olho, ele havia dado todos os dele para Rachel —  que sendo uma genuína californiana, não havia nascido para o frio). A garota estava debruçada sobre o que pareciam ser folhas o suficiente para compor ao menos três cadernos.

— Ok... — Percy franziu o rosto — e eu supostamente deveria saber o que é isso?

Annabeth agachou-se ao lado de Rachel.

— Olha bem.

As duas garotas o observaram com olhares expectantes enquanto Percy estudava as folhas de papel distribuídas pelo chão. E foi então que ele notou: eram anotações. Ele não entendia a maior parte delas (nunca fora um bom aluno, muito menos em biologia ou química, que pareciam ser os componentes que mais se repetiam ali), mas era capaz de dizer que elas seguiam algum padrão.

— “Estudar”, huh?

Annabeth o puxou mais para perto, e apontou para um conjunto de 12 folhas dispersas em um grande quadrado. Nelas, estendia-se um grande e complicado desenho de um cérebro humano, com os campos bem definidos e de cores diferentes. A garota pousou o dedo indicador na folha onde o desenho começava:

— Rachel e eu passamos as últimas horas recolhendo relatos de todo mundo — ela começou a explicar, e, pelo tom de voz, Percy soube que seria uma longa explicação — no começo, alguns divergiam bastante. Mas começamos a notar padrões que se repetiam. Padrões comportamentais, à que tipo de estímulo os mortos-vivos reagiam, e que parte do corpo eles atacavam primeiro.

Ela e a garota ruiva trocaram um olhar cheio de significado.

— Nós achamos que estamos bem perto de descobrirmos a origem por trás desse inferno.

À despeito da expressão, Percy encontrou a si mesmo sorrindo. Ele olhou para Annabeth, reencontrando o cinza tempestuoso, que havia assumido de volta seu lugar legítimo, e sentiu-se relaxar.

Ela estava ali. Era daquela esperança que ele precisava.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados! Até a próxima.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Solitude" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.