Solitude escrita por Lillac


Capítulo 17
Blackout.


Notas iniciais do capítulo

A minha desculpa para a demora do capítulo é uma, e uma apenas: eu estava re-assistindo as duas temporadas de Attack on Titan para reviver a hype do anime XD.
Brincadeira (isso foi só parte do motivo). Como a fanfic está entrando oficialmente na parte final, eu não queria escrever um capítulo meia-boca, e por isso demorei um pouco mais de tempo para ter o ânimo/inspiração adequada para escrever.
Espero que gostem!
P.S: como eu já disse anteriormente: sem quebras de tempo e sem flashbacks!
E TAMBÉM: Muito, muito, MUITO obrigada aos leitores que recomendaram a história! Eu fico lendo e re-lendo aquelas recomendações incríveis e nem consigo acreditar que são da minha história ;-;) de verdade, vocês são incríveis.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759912/chapter/17

Aquele seria um bom momento para o mundo entrar em câmera-lenta, Annabeth pensava.

Percy a havia dito sobre aquilo: a estranha sensação que ele passava sempre que alguma coisa muito ruim (o que, recentemente, era mais comum do que qualquer outra coisa) acontecia. Como ele sentia que o a realidade passava em câmera lenta apenas para deixa-lo saborear amargamente todas as sensações horríveis.

É claro, ela não tinha essa sorte.

Mal teve tempo de registrar o baque do rosto de Frank contra a mesa e o grito de Clarisse, antes de uma enxurrada de vozes exclamarem histéricas, tentando se afastar do Coronel psicótico e a agulha ensanguentada. Um soldado a empurrou no ombro e a lombar dela bateu no apoio para pratos do self-service atrás de si.

Não surpreendentemente, Percy avançou na mesma hora. No segundo seguinte, estava embolado com um soldado com quase o dobro do tamanho dele. Clarisse partiu para cima de Ares como uma leoa, mas outros dois soldados a seguraram pelos braços musculosos.

Ela chutou o da direita na canela com tanta força que ele imediatamente caiu o chão. Quando ele se inclinou, Clarisse afanou o fuzil que ele segurava e bateu com o cano bem no meio do rosto do da esquerda, amassando seu nariz em uma mancha roxa pingando sangue.

Annabeth queria subir encima de uma daquelas mesas, estender os braços como um filme de Jurassic Park e falar para que eles se parassem, caralho!

Será que ninguém conseguia entender o que estava acontecendo ali? Será que estavam todos assustados demais para pensar?

Frank se debateu e ergueu o tronco, ignorando a agulha cravada em sua nuca, e empurrou Ares com as costas, lançando-o para trás. Clarisse acertou o pai com o fuzil no torso, fazendo-o inclinar-se e os óculos escuros caírem no chão.

Mas quando Ares ergueu os olhos, era para Annabeth que ele estava olhando.

Ele tinha olheiras tão profundas debaixo dos olhos que pareciam cavidades arroxeadas, a pele acima das sobrancelhas ressecada a ponto de parecem escamas podres, e o branco de seus olhos estava manchado de um vermelho roxo, pútrido, as veias saltando nas órbitas.

Ela quase conseguia ouvir a voz dele em sua mente: você se acha tão inteligente? Por que não me desafia agora?

Ares não estava tentando transformar as pessoas em zumbis ali. Ares estava assentando sua própria posição de superioridade: através do medo e do pânico. Não importava o quanto tentasse, Annabeth duvidava que Clarisse ou Frank tivessem coragem de mata-lo. E quanto tudo aquilo acabasse e ela e Percy e todos os outros fossem jogados em suas cabines com um aviso para comportarem-se, Ares teria positivamente recobrado sua posição de autoridade – uma posição que, inconscientemente, Annabeth havia deslizado para si própria.

Seu coração parecia bater em seus ouvidos enquanto ela observava a cena. O mesmo soldado acertou Percy na têmpora com uma coronhada, e o namorado dela girou, empalidecendo e Annabeth sentiu a própria respiração parar. No momento seguinte, Piper deslizou um dos bancos até acertá-lo atrás dos joelhos, e quando o soldado perdeu parcialmente o equilíbrio, acertou-o com um soco na garganta que o mandou caindo para trás.

Ela ofereceu uma mão para Percy, que, embora pálido, ainda estava (graças aos deuses) consciente.

— Você é louco, Ares. — Annabeth vociferou, sentindo a raiva escapando de sua voz. — O que acha que vai conseguir com isso?

A boca do coronel se contorceu em um sorriso sinistro, e só então ela percebeu que as gengivas dele estavam sangrando, tingindo os dentes já amarelados.

Alguma coisa ressoou dentro dela. Parecia quase com o que acontecia quando brincava com Lego na frente da mãe e Atena erguia uma única, perfeita e rígida sobrancelha, o olhar frio que dizia, sem precisar de palavras: você não percebe onde errou?

Ela lembrava-se de Ethan, de Luke e de Leo. Os três que haviam se transformado em zumbis depois de algum tempo com o vírus no corpo.

Em momento nenhum eles haviam se deteriorado daquela forma. Em momento algum haviam tido filetes de sangue escorrendo dos ouvidos, e o olhos arroxeados esbugalhando. Ao menos, não enquanto ainda eram humanos.

O olhar dela voou de Ares para Grover, a diferença latente e esmagadora.

Eles ainda eram humanos?

— O que eu vou ganhar com isso, pirralha? — Ares plantou uma mão no rosto de Clarisse, apertando com tanta força que parecia prestes a quebrar o nariz dela entre o médio e o indicador. — O que você vai ganhar? O que qualquer um de nós vai?

Ele a empurrou, força o suficiente para manda-la de encontro com Frank, e os dois caíram no chão. Ares marchou até ela.

— O que você acha que vai acontecer? Que nós vamos esperar nesse lugar comendo os tomates cerejas do Frank e prendendo pirralhos apáticos em celas empoeiradas? Por quanto tempo, Chase? — Ele cuspiu um pouco de sangue no próprio punho. — Até alguém nos salvar? Ou você acha que vai encontrar a cura tirando o sangue do seu amiguinho e analisando em um microscópio dos anos 2000?

Annabeth abriu a boca, mas Ares foi mais rápido.

— O mundo lá fora está morto, garota. Seus amigos estão mortos — ele rugiu cada palavra —, céus, até eu estou morto, ou ao menos, quase lá. Daqui há pouco é você. Aceite os fatos: nós estamos todos mortos.

— Não ainda.

Ares riu.

— Talvez. Mas pelo tempo que me sobra... — ele olhou por cima do ombro com uma expressão contemplativa, mas o rosto dele estava tão horrendo que Annabeth não quis olhar por muito tempo —, eu quero me divertir um pouco.

Um grito estridente cortou o ar, tão alto e sôfrego e Annabeth sentiu os joelhos tremendo. Ela focalizou o olhar em um canto mais afastado da cafeteria...

— Para! Coloca ela no chão! Agora!

E o coração dela afundou até os pés.

Um dos soldados segurava Hazel pelo pescoço, suspensa no ar. A garota se debatia, mas Annabeth conseguia ver que estava perdendo as forças.

— O que você está fazendo, seu lunático? — Ela sentia o desespero na própria voz.

— Oh — Ares não parecia impressionado —, Frank gosta dela, não é? Eu só estou me perguntando que tipo de reações consigo tirar dele assim. Bryce, quando você quiser.

Nico estava sendo segurado no lugar por três soldados diferentes. Desolada, Annabeth percebeu que seus amigos não estavam em situações melhores. Jason tinha um ferimento tão grande no topo da cabeça que uma faixa concisa de sangue cobria metade do seu rosto como um pano. Reyna e Thalia pareciam ter sido socadas tantas vezes no rosto que era difícil dizer como ainda estavam respirando.

E Percy... —

Ah, céus.

Percy havia sido jogado no chão, com o braço esquerdo dobrado atrás do corpo como uma ameaça silenciosa, pronto para ser quebrado no meio pelo soldado. Uma outra oficial tinha uma das botas pressionadas contra um lado da face dele, empurrando-o ainda mais no chão. O cabelo escuro estava manchado de sangue, e Annabeth podia ver que ele havia rompido uma veia na sobrancelha.

Mas o olhar dele era a pior coisa.

Percy parecia mais um animal feroz do que o próprio Ares. Rangendo os dentes, com sangue escorrendo por todo o corpo, as duas órbitas verdes tremiam de ódio puro e latente.

Tudo que Annabeth queria era ir até ele. Queria tirar aqueles soldados de cima deles e jogá-los lá fora, para vivarem refeição de zumbis. Queria-

Ela respirou fundo, tentando amenizar os pensamentos.

Percy precisava de ajuda. E ela precisava pensar. Ficar com raiva não resolveria nada agora.

— Como você está fazendo isso? — Sibilou — Clarisse disse que os soldados não confiavam mais em você.

— Clarisse se acha inteligente, sabe? Torna ainda mais fácil mentir na cara dela. Bryce, estou esperando.

— Seu filho da puta — Percy rosnou, levantando a cabeça.

A soldada destravou a pistola e inclinou-se até estar com a ponta do cano encostada na testa dele. O corpo inteiro de Percy tremeu de raiva.

Annabeth olhou para o chão. O nariz de Clarisse havia claramente sido quebrado, e ela respirava pela boca, engolindo sangue no processo. Hazel havia parado de se debater, os lábios ficando azuis, e Annabeth soube que não tinha muito tempo.

— Ares, mande o seu soldado parar.

— Oi?

— Ninguém merece morrer assim — ela gesticulou para Hazel. — Por favor.

— Eu sinto muito, Chase. Eu não vejo o apelo na sua proposta. Frank não vai quebrar se eu não fizer isso, entende? Por isso-

— Eu faço — ela disse. — Eu mato Hazel. Me dê a arma.

O burburinho parou. Nico a olhou com tanto desespero que Annabeth sentiu como se mãos geladas estivessem percorrendo seu corpo, milímetro por milímetro.

— ... o que?

— Uma execução. Pense sobre isso. Frank vai me ver matando a garota que ele gosta.

— E quem exatamente você é para ele?

— Eu... — Annabeth umedeceu os lábios. Subitamente, sentia o peso de um milhão de toneladas nos ombros. Ela lembrou-se das tardes de outono na qual ajudava Frank com o clube de jardinagem porque ninguém mais se dispunha, e era muito difícil cuidar das plantas naquela parte do ano, antes de Hazel transferir-se para lá. Pensou nos sorrisos tímidos dele, e como ela fizera um garoto veterano ser expulso da escola por implicar com ele apenas alguns meses atrás. — Nós somos amigos. Acredite em mim.

— Hm. Você está certa. Assistir uma amiga matando-a vai ser muito melhor do que apenas um soldado qualquer. Pois bem.

Ares retirou a própria pistola do coldre e entregou para Annabeth, cujo estômago revirou quando o metal entrou em contato com a sua mão.

Ela andou sob os olhares incrédulos e ofendidos. Nico, que até então estivera olhando-a com raiva, perdeu a força nas pernas e implorou-a para que parece. O dedo de Annabeth tremeu quando o colocou no gatilho, sem pressionar.

A voz de Nico ficou ressoando em sua mente como um mantra, ou um disco quebrado, apenas a ordem mudando: por favor, por favor, não. Annabeth, não.

Percy havia dito-a que por vezes tinha a sensação de que a vida dos amigos estivesse nas próprias mãos.

Quando Bryce Lawrence desceu o corpo de Hazel e segurou-a firmemente de forma que não escapasse, e ela levantou a pistola até estar encostada na testa dela, Annabeth perguntou-se, então, do que ela deveria chamar essa sensação.

Hazel a olhou, írises douradas encharcas de lágrimas, meio fora de foco.

Mas ela sorriu.

Como se dissesse “obrigada”.

Como se Annabeth estivesse lhe fazendo um favor.

Ela perguntou-se à que Hazel estava se referindo: por Annabeth acabar com a sua dor de forma rápida?

Ou...

... ou Hazel estava agradecendo por finalmente ir embora daquele mundo que parecia encontrar todas as oportunidades para devorá-los?

Quantos deles também estavam pensando isso, sem a coragem de vociferar seus pensamentos?

Ela olhou para Percy. A soldada que o mantinha refém com a pistola também estava prestando atenção à cena, de modo que Percy havia levantando um pouco o rosto.

Em um momento assustador, ela chegou à conclusão de que aquela era a linha.

Percy poderia ser muitas coisas – irritante, folgado, preguiçoso e insuportavelmente sarcástico eram algumas delas.

Mas ele também era leal. Mais do que qualquer pessoa que ela tivesse tido a oportunidade de conhecer. Percy iria até o inferno e voltaria, se necessário, para proteger um amigo.

Ela vira isso de primeira mão: anos atrás, quando Rachel sofrera um acidente e ele literalmente a carregara nas costas pela escola durante meses porque não queria arriscar que ela tropeçasse com as muletas.

Quando ele achara que Grover havia morrido, e passara horas – dias – a fio esperando na frente da porta, por um único sinal de que ele poderia ter sobrevivido. Como nenhuma interação dele, com ninguém, havia sido a mesma no auditório. Como Percy só parecia ter voltado a si quando encontrara Grover na cabine do Coronel.

Quando ele achara que Rachel poderia morrer na cama de hospital e ameaçara Clarisse – uma sargento com anos de treinando e uma grande arma de fogo pendurada no ombro – na frente de todos.

Quando Reyna fora esfaqueada e ele perseguira Octavian com um taco de beisebol até que ele confessasse a verdade.

Percy Jackson era leal até a última célula do seu corpo – não importava o quanto a morte o consumisse e infectasse, quantos amigos perdesse e quantas vezes chegasse perto de perecer por vez.

De alguma forma, o fim do mundo não havia sido capaz de corrompe-lo. De alguma forma, Percy, com todas as suas novas cicatrizes e pesadelos ainda conseguia ser o mesmo garoto que Annabeth havia aprendido a admirar, tantos anos atrás, apesar das implicâncias.

E, céus, como ela queria chorar.

Quase conseguia sentir as lágrimas, nas bordas de seus olhos, o rosto quente e formigando, o coração martelando no peito, as mãos suadas.

Porque ela e Percy haviam tido o direito de tão pouco — porque eles mal haviam começado a se conhecerem propriamente, mal haviam começado a aprender quem eram.

Tão pouco, antes de serem puxados para o inferno.

Ares tamborilou os dedos na mesa.

— Tic-toc, Annabeth. Eu estou esperando.

Ela virou o rosto, deixando o olhar assolado de Percy para trás, e segurou a arma com mais firmeza, forçando seus dedos a pararem de tremer.

Nico gritou, um som de cortar a garganta, e ela ouviu-o, arrebentando-se contra os soldados, suplicando, um misto de horror, medo e ódio.

Hazel a olhou de novo, e o terror de Annabeth só aumentou: por trás da face cálida, por traz da calmaria, Hazel estava absolutamente aterrorizada. Annabeth podia ver, a súplica silenciosa dela, o pedido mudo em seus lábios imóveis: por favor. Por favor, não me mate.

Mas o que ela podia fazer? Não podia deixar Hazel para ser asfixiada até a morte na frente de todos – não podia deixar que a doce garota fosse uma parte do show de horrores de Ares.

Não podia dar ao coronel mais poder do que ele já tinha.

Um passo em falso, e Ares os teria nas palmas das mãos.

Ela precisava provar a ele que podia contra-atacar. Que Ares precisaria de muito, muito mais que um sorriso sórdido e palavras cruéis para fazê-la recuar.

Annabeth respirou fundo.

Sabendo, muito bem, que se puxasse aquele gatilho, Percy nunca seria capaz de perdoá-la.

Ela moveu os lábios, sem emitir som, e a expressão de Hazel mudou.

Annabeth posicionou o dedo no gatilho.

Mas, quando ela gritou, não foi exatamente o que ninguém estava esperando:

— Clarisse, agora!

Ela só teve tempo de ver o rosto de Ares se contorcer de divertimento para surpresa, raiva – e dor. Quando Clarisse deslizou uma faca de caça do cinto e cravou-a no meio da coxa dele, de onde ainda estava jogada no chão.

Ares inclinou-se.

E Annabeth ergueu a pistola, disparando uma única bala certeira.

A lâmpada estilhaçou-se, minúsculos pedaços de vidro caindo no cabelo dela e arranhando-se seu rosto, e ela pensou: não vou deixar você tirar Percy de mim. Não vou deixar você tirar ninguém de mim.

Se você quer uma aposta, Ares...

Ela moveu-se antes que alguém tivesse tempo para raciocinar. O segundo tiro ecoou, a bala de chumbo cravando-se no meio da testa do soldado que segurava Hazel, atravessando o crânio e ele alcançou o chão com um baque, a poça de sangue vermelho-escuro se expandido em uma velocidade assustadora, e a luz do ambiente começou a esmaecer.

... espero que saiba que eu não perco. Nunca.

A ligação em série das lâmpadas foi rompida, as demais se apagaram juntamente, Annabeth pegou Hazel pela mão, e o primeiro passo espalhou o sangue pelos tênis delas.

E o refeitório mergulhou na escuridão enquanto Ares arrancava a faca da coxa.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ficaram surpresos com a narrativa da Annabeth? Gostaram? Preferiam o Percy? Me deixem saber :)
(Ah, e não vale perguntar se é ela quem vai narrar até o final: spoiler!)
Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados e até amanhã!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Solitude" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.