À Espreita escrita por EsterNW, Entusiasta


Capítulo 19
Epílogo: Vida


Notas iniciais do capítulo

Ester:
Hallo, hallo povo que acompanha essa história... Pela última vez. Pois é, minha gente, por mais que doa, tudo precisa de um final. Maaaas, ele não precisa ser triste, certo? Então vamos ver que fim teve nossos queridos personagens, quem tá vivo, quem morreu, quem sobreviveu, quem ficou com quem e quem é o dono do morro -q
Lembro que sempre tinha gente pedindo por caps mais longos, sooo, esse é pra vocês! Sorry pelo tamanho, mas me empolguei escrevendo. Mas garanto que vale a pena ♥
Boa leitura ;)

Ps: Coloquei umas pequenas referência [Capitão América curte] ou easter eggs, como preferirem chamar, da propriq história, nesse epílogo. Será que conseguem me dizer todas?

Entusiasta:
Eu sou aquela que não gosta de notas, mas não poderia deixar uma em branco nesse capítulo. Como Ester bem enfatizou (obrigada por me deixar pra baixo), é a última vez que vou poder escrever uma nota inicial nessa história. Perceberam que estou enrolando e enrolando sem dizer nada na realidade? Então, é que não tenho nada a dizer. Mas eu preciso deixar uma nota? Kkkkkk
Ok, comecem a leitura.



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Na tela é passada a vinheta e finalmente a reportagem se encerra, voltando a mostrar o logo do programa na tela atrás de mim.

Encaro a câmera e engulo em seco, sem saber como proceder após ter parte da minha vida exposta em público. Os cameramen começam a encarar-me e ouço a voz do diretor no ponto, ainda encontrando-me sem palavras.

Respiro fundo, tentando manter minha postura séria de apresentador.

— Após horas de julgamento, que finalmente ocorreu depois de quase dois anos de espera, foi divulgado nesta manhã, que, por decisão unânime do júri popular, Natalie Maria Veiga foi condenada a cinco anos e dez meses de prisão pelos crimes de sequestro, falsificação de documentos e lesão corporal, sentenciada a cumprir a pena em uma clínica psiquiátrica nos arredores de Campos dos Jucás.

Enquanto anuncio o destino de Natalie, o estúdio se encontra em silêncio sepulcral. Todos sabiam de minha história com ela. Agora, o público também sabia. De todos os fatos.

— Seu ex-marido, Edgar Dias, conseguiu a guarda definitiva do filho do casal — dou apenas poucos detalhes sobre os dois, afinal, eu mesmo irei conversar com o próprio mais tarde. — É realmente lamentável que tudo isso tenha acontecido a uma criança. Torço para que as coisas que Miguel passou não deixem grandes traumas para toda a sua vida, porque estou certo de que ele foi o mais afetado pelos acontecimentos mostrados. — Suspiro, pensando em quantos psicólogos Miguel deve ter frequentado ao longo de um ano. — E quanto a mim…

Engulo em seco novamente, encarando a câmera dois e recebendo olhares incertos dos homens por trás. Eu já havia me exposto bastante por ali, então…

— Confesso que nunca pensei que um dia eu mesmo faria parte de uma história como as que apresento todas as tardes — acabo confessando aos telespectadores e para todo o estúdio. — E olhe só onde estou agora! — Sorrio amarelo para a câmera, forçando meu rosto a fazer tal expressão. — Isso fez-me sentir ainda mais empatia por você que me assiste ou que infelizmente é vítima de alguma maldade causada por outros, pelas circunstâncias ou mesmo apenas por estar no lugar errado e na hora errada. Pelo que vemos, nenhum de nós está a salvo de um dia aparecer como manchete neste programa. — Aponto para a tela atrás de mim, mostrando o logo do Cidade do Povo. — Às vezes, não acreditamos no que acontece até vermos materializar-se em nossas vidas. — Pelo meu ponto, ouço a voz do diretor berrar para que termine logo meu monólogo. — E também finalizo com uma mensagem de esperança. Pois nem todas as histórias que aparecem aqui precisam ter finais tristes. Apesar de tudo, ainda há esperança, para todos nós. Assim como no caso de Natalie e Edgar, nem tudo precisa acabar em tristeza, mesmo com as feridas que são deixadas para trás.

Aperto o ponto no meu ouvido, abaixando o volume das reclamações de meu diretor.

— E ficamos por aqui com mais um Cidade do Povo! — Sorrio e aponto para uma das câmeras, assumindo minha postura ensaiada. — Veja o boletim completo sobre o julgamento de Natalie Veiga no Jornal Jucás, às dezenove horas, com Tárcio Marcos. Eu sou o Heitor Fragoso e esse foi mais uma edição do Cidade do Povo. Vejo você amanhã, com mais notícias da nossa região.

Os créditos começam a subir e permaneço sorrindo para a câmera enquanto o programa se encerra. Dado o sinal, volto à minha expressão normal e suspiro, finalmente podendo relaxar.

— Mandou muito bem hoje, seu Heitor! — Gilda, da produção, avisa enquanto começo a sair da frente das câmeras desligadas. — Marcamos dois pontos a mais que a concorrência!

Todos no estúdio comemoram a pequena vitória e eu finalmente sorrio verdadeiramente.

— Nós merecemos, pessoal! — incentivo e os funcionários da produção começam a vir cumprimentar-me ao mesmo tempo em que festejam entre si. — E vamos continuar crescendo!

Escapo do meio das comemorações, indo em direção à saída do estúdio nove.

— Heitor! Meus parabéns! — Tárcio parabeniza-me junto de um abraço, ao mesmo tempo em que ponho os pés no corredor iluminado. — Fiquei sabendo que seu programa alcançou picos de audiência em vários momentos hoje.

Rio, sem saber o que dizer em meio a tanta felicidade.

No dia em que tudo aconteceu naquela estação de trem, as imagens rodaram os meios de comunicação do estado e eu, por bem ou por mal, tornei-me ainda mais famoso. Fui convidado por inúmeros jornalistas para entrevistas e participações em programas. Por conselho de Tárcio, neguei o máximo possível dos convites, querendo preservar não somente a mim, mas a Edgar e Miguel, e também a Natalie. Mesmo que a imprensa tenha revirado minha vida e a deles quando o caso estourou.

— E essa não é a primeira vez nessa semana, meu amigo! — Eu e Tárcio caminhamos nos corredores em direção ao meu camarim, cumprimentando alguns funcionários pelo meio do caminho. — Às vezes me pergunto como você se acostumou a ser tão reconhecido.

— Ossos do ofício, Heitor — Tárcio solta com seu jeito leve e eu abro a porta do meu camarim, soltando a gravata e pegando meu sobretudo das costas da cadeira.

Era inverno em Campos dos Jucás e estava frio havia alguns dias. Mas a previsão do tempo afirmava que logo iria passar.

— E você? Eu estava acompanhando o programa antes de ir falar com você. — Cesso o ato de vestir o sobretudo, encarando Tárcio e seu olhar paternal para comigo. — Como você está, garoto? Imagino que não deve ser fácil relembrar todo esse caso...

Suspiro pesadamente, cortando a fala de Tárcio e voltando a vestir meu sobretudo.

— Eu estou bem, Tárcio, garanto a você. — Sorrio para ele, que ainda encara-me como um pai pedindo para que o filho conte a verdade. — Estou seguindo em frente.

Com essa afirmação, termino de vestir-me e apago a luz, saindo com Tárcio novamente para os corredores da emissora.

Tárcio sabia como não foram fácil os meses que se passaram. Eu estava abalado, despedaçado por dentro por ter me dedicado tanto a um amor… Que não era correspondido. Apesar de tudo, o que mais doía-me era ter sido enganado. Após muito dissecar meus sentimentos, muita reflexão e muitas conversas com meu amigo, eu fui começando a superar, com um passo de cada vez.

— Eu tenho certeza que você ainda vai encontrar alguém, Heitor, você merece. — Tárcio dá um tapinha sobre meu ombro direito enquanto fazemos a última curva em direção ao estacionamento. — Bem, esqueçamos nossas dores! — Meu amigo retorna com sua animação ao cruzarmos as portas grandes e entrarmos no estacionamento, sendo recepcionados por um vento gelado e uma garoa fina. — Tem planos para a tarde? Devemos comemorar o sucesso do seu programa. Há um restaurante…

— Sinto muito em ter que recusar, meu caro. — Aperto o botão e desativo o alarme do meu carro, enquanto Tárcio para ainda sob o abrigo das telhas da beirada do telhado. — Mas já tenho um compromisso para o almoço. Quer uma carona? — ofereço para meu amigo e abro a porta do meu automóvel, que está estacionado não muito longe da porta por qual passamos.

— Vai se encontrar com Edgar, não? — assinto em resposta a sua pergunta, apoiando o braço sobre a porta do carro enquanto a garoa molha-me um pouco. Tárcio esfrega as mãos para esquentá-las e após as põe nos bolsos de seu paletó. — É bom ver que vocês acabaram virando amigos após tudo o que aconteceu.

Rio fraco com sua afirmação. Eu não diria que eu Edgar éramos realmente amigos, afinal, eu ainda irritava-me com seu humor ácido, que parecia mais controlado nos últimos meses pra cá. Mas o que marcou essa aproximação foi Miguel. A criança tinha medo do próprio pai — medo esse colocado em sua cabeça por Natalie — e eu acabei ajudando os dois nessa “reconciliação”, afinal, Miguel apegou-se a mim. Ele reconhecia minha voz da TV e se afeiçoou a mim.

Dou de ombros com a fala de Tárcio.

— Eu não diria que nós somos amigos, mas… — Tárcio dá a sua risada gostosa, enquanto se encolhe contra o frio.

— Tudo bem, garoto, se você diz — Tárcio para de rir e volta a encarar-me, um pouco mais sério. — Vocês irão conversar sobre ela, não? — Desvio o rosto com seu questionamento, encarando meus próprios sapatos. — Ao menos você deveria tentar conversar com a atendente do restaurante desta vez.

Encaro-o surpreso e Tárcio sorri.

— Eu vejo o interesse entre vocês dois, rapaz. Ela parece uma boa moça — ele afirma ao ver que voltei a abaixar o rosto.

— Natalie também parecia uma boa moça — solto um pouco amargurado. Talvez ainda restasse um pouco de desconfiança dentro de mim. Questionava-me quando isso iria passar.

— Você não irá saber se não der uma chance. — Tárcio sai de debaixo do abrigo do telhado e vem até mim para despedir-se. — Bem, eu te deixo aqui ou você terá que aguentar o mau humor de Edgar por ter chegado atrasado.

Ambos rimos dessa vez e entro no carro, fechando a porta.

— Tenho um convite para um jantar hoje à noite, meu caro, o que acha de irmos? — ele convida enquanto eu coloco o cinto de segurança.

— Heidi Bliss novamente? — Tárcio dá de ombros apenas. — Te mando uma mensagem mais tarde para irmos juntos. — Ele começa a se afastar do carro, quando eu mudo de ideia e o chamo. — Tárcio! Obrigado. Muito obrigado pelo apoio que o senhor sempre me dá. Estaria perdido se não fosse você. Tanto no caso Natalie como em outros problemas.

Agradeço com sinceridade e vejo um sorriso se formar nos lábios dele.

— Pode contar comigo sempre que precisar — ele ainda responde todo emocionado, voltando a se afastar mais de meu veículo.  — E, Heitor! — interrompe-me antes que eu dê a partida. — Não fique triste quando se lembrar de tudo o que aconteceu. Deixe a dor no passado e aproveite as lições que a vida te ensinou. Elas podem te tornar um homem melhor. — Sou tomado por surpresa com seu conselho repentino. Porém, sorrio com sua preocupação, ao mesmo tempo em que absorvo suas palavras. — Agora vá, garoto. Nos vemos mais tarde.

Meu amigo sorri e nos despedimos, comigo dando a partida no carro.

Esperava encontrar-me com Tárcio novamente mais tarde, para ir ao jantar de gala de Heidi.

Heidi Bliss é uma boa mulher e, com sua influência, sempre tentava interceder a meu favor contra as más línguas. Ela dizia que eu era um bom rapaz e que apenas fora enganado por uma oportunista. De certa forma, era verdade.

Dirijo em direção aos portões de saída e começo a ir embora da emissora. Com o pen drive já conectado no rádio do carro, dou play em uma das várias músicas que eu havia passado para o dispositivo. Um som de piano começa a preencher o veículo, em um tom menor junto de algumas notas graves.

 

“Do alto do meu sexto andar

Eu não vejo mais o pôr-do-sol

Nem o rio que eu aprendi a amar

 

Mas olha onde eu fui me esconder...

Dentro da sua TV...”

 

Rio ao ver qual banda iniciou a seleção de músicas que eu preparara. Era o álbum novo da Fresno que eu baixara.

 

“As coisas que eu aprendi...

Às vezes em que eu quase morri...

Será que eu tinha que ficar aqui?

Será que é tanto assim que eu tenho pra falar?”

Eu acabei apegando-me à banda ao mesmo tempo que apegava-me a lembranças de uma farsa e, junto a elas, eu não conseguia simplesmente deixar ir.

“Parece que não

Mas eu sei que vai...

 

Vai passar

Você nem vai perceber

Vai mudar,

E eu sei que vai doer

Em mim”

Por mais que me doesse, eu deveria ouvir o conselho de Tárcio e seguir em frente. Até o próprio Edgar parecia estar lidando melhor com isso! Ao menos era o que aparentava, afinal, ele sempre teve por hábito esconder-se por trás de uma máscara. Eu acreditava que dessa vez não era diferente. E, ao contrário dele, eu não conseguia esconder-me. Talvez fosse essa a maior diferença em como lidávamos com tudo o que aconteceu.

Acelero ao ver que o semáforo ficou verde e dobro uma esquina, quase chegando ao meu destino.

“Alguns amigos vão apenas sumir

E pelo menos uma vez, uma mulher vai te trair

Mas você também, um dia trairá

Vai aprender que ainda não sabe amar”

Rio enquanto analiso a letra da música que ouço pela primeira vez. É incrível como algumas canções parecem ser trilhas sonoras para os momentos de nossas vidas. Suspiro, enquanto breves memórias vêm à tona.

Como bem gritou para todos naquele dia, Natalie nunca me amou. Toda nossa história foi resumida apenas em seu interesse em meu dinheiro e segurança. Segurança não só contra Edgar, mas financeira. Ela vendera o anel que eu dera como presente de compromisso, apenas para conseguir dinheiro para fugir e sustentar-se por um bom tempo, já que a reserva que tinha estava no final. E ela faturara bastante com a joia.

O dia em que eu a pedi em namoro se tornou uma lembrança infeliz. Sempre me alegrava pensar em como os olhos dela brilharam quando lhe dei aquele anel de diamantes negro. Isso até descobrir que o motivo de sua alegria era o valor daquela joia. Eu era apenas um meio para Natalie ter o que precisava.

Enquanto eu lhe dava amor, ela me devolvia mentiras e manipulação. O peso das suas mentiras era a pedra no meu caminho e que impedia-me de seguir em frente.

“Parece que não

Mas eu sei que vai...

 

Vai passar,

E eu nem vou perceber

Vai mudar,

E eu sei que vai doer...

Demais.”

Pauso a música, tendo já estacionado o carro em frente ao restaurante. Realmente, doía demais.

Abro a porta do veículo, sendo mais uma vez recepcionado pelo vento frio do inverno de Campos dos Jucás. Ativo o alarme e passo pela porta e as janelas de vidro, indo em direção a uma das mesas, já tendo avistado de longe um moletom escuro.

Caminho com as mãos no bolso do sobretudo e Edgar dá-me um aceno de cabeça quando entro em seu campo de visão. Diferente de dois anos atrás, ele aparenta estar mais saudável e feliz. Seus olhos, agora sem olheiras, não parecem mais tristes, muito pelo contrário. Contudo, transmitem um pouco de cansaço, talvez fruto dos desafios da paternidade e das horas intermináveis do julgamento que fora encerrado mais cedo. E que eu acompanhara em parte, também como testemunha.

— Esperava que fosse chegar mais tarde. — Ergo uma sobrancelha com sua afirmação ao mesmo tempo em que puxo a cadeira do lado oposto ao seu da mesa. — Fama — afirma como se fosse divertido ver-me abarrotado por fãs.

Eu gostava de almoçar nesse restaurante, pois era um dos únicos em que eu podia ir em paz. Não que eu não gostasse dos meus fãs, muito pelo contrário. Eu apenas precisava de alguns minutos de paz de vez em quando. Sem pedidos de autógrafos, sem pedidos para fotos e sem paparazzis. Os últimos eram irritantes, sem sombra de dúvida, e cercavam-me como leões após o ocorrido, atentos a todos os detalhes da “nova vida de Heitor Fragoso”.

— Prefiro aturar os paparazzis do que o seu mau humor pelo meu atraso. — Apenas eu rio, enquanto a expressão de Edgar fecha rapidamente. Ele ignora-me e volta a se concentrar em seu prato de comida, como se a lasanha fosse mais interessante do que eu. Para ele, com certeza era.

Chamo a garçonete, que estava atendendo uma das mesas próximas. A moça, Valéria, sorri enquanto anota meu pedido.

No começo, ela chegou até mim como uma fã, claro, temerosa do que seu chefe fosse achar por ela estar em horário de trabalho. Eu acalmei-a, dizendo que não era incômodo nenhum, e tirei a foto que ela pedira. Conforme almoçar ali virara um hábito, ela criou coragem para tentar uma conversa comigo, aparentando ser bastante extrovertida. Eu gostava de conversar com ela e Valéria parecia uma moça interessante. Tanto que Tárcio insistia para que eu pedisse seu telefone qualquer dia desses.

Valéria afasta-se após anotar meu pedido e tenho meus olhos desviados dela devido à risada de Edgar.

— O que é tão engraçado? — pergunto enquanto cruzo os braços sobre a mesa e Edgar termina sua lasanha, não tendo me esperado chegar para começar a comer.

— Você e sua namorada — ele responde enquanto limpa a boca com um guardanapo. Meu rosto torna-se surpreso com sua afirmação. Mas o que... — Era de se esperar que você fosse demorar para chegar até ela — Edgar afirma com seu humor de sempre, atirando o guardanapo à mesa, tendo provavelmente percebido que não havia nada entre nós dois, perspicaz do jeito que era.

— Acredito que a minha vida amorosa não seja o foco dessa conversa — devolvo um pouco seco, enquanto o outro ainda parece achar graça de tudo. — Ao menos, é bom saber que você está feliz.

Conseguir desarmar Edgar após essa, com ele bebendo de seu suco de laranja e parecendo um pouco sem graça com a minha afirmação. Não entendo porque, afinal, não havia motivos para envergonhar-se de sua felicidade.

— E Miguel, como ele está? — pergunto para Edgar e Valéria retorna com meu pedido e devolvo-lhe um sorriso gentil enquanto ela se retira com os olhos brilhando.

— Finalmente eu acho que ele está convivendo melhor comigo — ele confessa após um breve suspiro e devolve o copo para cima da mesa. — Acreditei que o que Natalie fez com que ele fosse ser irreversível — Edgar confessa em um tom mais baixo, com os olhos voltados para seu prato vazio e mostrando sinais de que ainda havia várias cicatrizes após o ocorrido. Talvez esse fantasma ainda nos assombraria por mais um bom tempo.

— Falando nisso, comprei isso aqui para ele. — Antes de começar a comer, mexo nos bolsos do sobretudo, feliz por ter me lembrando de colocar o objeto lá. — Resolvi comprar para ele quando passava em frente a uma loja, logo após de ter saído do fórum ontem à tarde.

Entrego para ele uma pelúcia do Mickey Mouse. Quando a vi na vitrine, logo lembrei-me do brinquedo do Pato Donald que encontrara na antiga casa de Natalie. Edgar observa sorrindo o objeto, guardando-o no bolso do moletom em seguida. Ele nunca se desapegava daquelas peças, sendo as únicas vezes que eu o vira usando outro tipo de roupa quando estava calor e durante o julgamento.

— Obrigado — ele agradece e surpreendo-me ao ver um sorriso em seu rosto. — O Miguel provavelmente vai querer te ver quando eu disser quem deu o brinquedo. — Edgar parece absorto em seus pensamentos enquanto apoia o rosto sobre as mãos cruzadas.

Era estranho vê-lo sem aquela aparência melancólica e pesada. Contudo eu ficava feliz de ele finalmente poder viver junto de Miguel como pai e filho. Seu semblante parecia tão mais leve, que até mesmo a barba cheia dera lugar a uma mais bem aparada, aliviando ainda mais sua expressão.

— Bem, acho que devo ir — Edgar tira algumas notas do bolso, deixando-as sobre a mesa para que eu pagasse sua conta depois.

— Mas tão cedo? Eu ainda nem comecei a comer! — protesto antes que ele se levante.

— Bom apetite — responde como se fosse uma piada e ergue seu capuz, pronto para encarar a garoa do lado de fora, que transformara-se em uma chuva fina nos poucos minutos que conversamos dentro do restaurante. Antes de se levantar, Edgar respira fundo, parecendo decidir-se sobre algo. — Obrigado, Heitor. — Sou pego de surpresa por suas palavras e nos encaramos um pouco, com o outro claramente sem jeito com o que dizer. — Serei eternamente grato pelo que você fez por mim. — Edgar sorri discreto e eu acabo apenas observando, ainda surpreso com seu agradecimento repentino.

Nesse momento, sou eu a ficar sem palavras. Edgar apenas assente e começa a levantar-se da cadeira.

— Edgar — chamo-o, ainda sem saber o que dizer em resposta. — Fico feliz por você e pelo Miguel. Qualquer coisa que precisar... — O outro assente e devolve a cadeira de volta para o lugar. — A propósito, vocês vão continuar na cidade, agora que o julgamento acabou? — questiono sem querer mencionar o nome dela, para não nublar o clima daquela conversa.

— O que eu iria querer na minha antiga cidade? — Edgar responde como se fosse extremamente óbvio e dá de ombros. — Além do mais, Miguel acabou fazendo amigos na escola que está e eu não quero separá-lo deles. E ele também parece gostar do tio que arranjou — solta isso como se achasse engraçado o fato do filho chamar-me sempre de “tio”.

— Já conseguiu um emprego por aqui? — pergunto enquanto finalmente começo a comer meu estrogonofe.

— Tenho conseguido dinheiro como motoboy, mas ouvi dizer que há vagas para formados em Química, na faculdade. Então... — Edgar dá de ombros e surpreendo-me ao descobrir no que ele é realmente formado. De certa forma, combinava. — Agora tenho que ir. Não posso me dar ao luxo de longos horários de almoço como certas pessoas — solta com seu humor de sempre e suspiro, já acostumado.

— Mande lembranças ao Miguel — peço e finalmente nos despedimos.

Vejo Edgar subir na moto estacionada do lado de fora e logo sumir com ela pelas ruas e concentro-me na minha comida, tendo como companhia a chuva e as conversas dos poucos presentes no restaurante àquela hora.

Enquanto aprecio o sabor daquele estrogonofe, pego-me pensando em minha vida. Todos pareciam ter seguido em frente e apenas eu... Acabo tendo uma ideia.

Almoço calmamente e bebo meu suco em seguida. Ao terminar, chamo por Valéria e peço-lhe a conta. Enquanto ela vai buscar, pego um dos guardanapos e tiro uma caneta do bolso do paletó que uso debaixo do sobretudo.

Logo, ela volta e entrego-lhe meu cartão, junto do dinheiro que Edgar havia deixado minutos antes para pagar por sua lasanha. Digito a senha do cartão de crédito e espero até sair a nota pela maquininha. Valéria puxa o papel e entrega-me, porém, ao mesmo tempo, coloco o guardanapo entre seus dedos. A moça parece confusa.

— Infelizmente não pudemos conversar hoje. — Levanto-me e empurro a cadeira para o lugar, enquanto guardo a nota e o cartão no bolso. — Gostaria de poder conversar com você depois. — Finalizo com um sorriso e vejo Valéria boquiaberta com seus olhos a brilharem de felicidade.

Sorrindo, saio do restaurante, enquanto a garçonete ainda permanece em um misto de espanto e alegria.

Do lado de fora sou saudado pela chuva fria e permaneço sorrindo. Desativo o alarme do carro e entro, logo dando play novamente na música e tendo o interior do veículo invadido por um riff crescente de guitarra e coros de fundo. Recebo um olhar estranho de uma senhora que passa pela rua e sorrio sem graça para ela. Fecho a porta e começo a pôr o cinto.

“Há muito tempo eu aprendi
Que os inimigos são pra nos testar
Aprenda o que eles têm pra te ensinar,
Porque eles sabem tudo de você.”

Ainda acho incrível como algumas músicas descrevem tão bem a minha vida.

Havia acabado de voltar de um almoço com Edgar que, a priori, eu acreditava ser um perseguidor que desejava-me mal e, com isso, naquela época, perdi-me entre inúmeras teorias, não chegando a lugar nenhum. Mal sabia eu que a resposta para tudo estava escondida bem debaixo do meu nariz.

Há quase dois anos a razão de todos os meus problemas estava sentada ao meu lado, dentro desse carro, em que hoje estou sozinho. Era estranho vê-lo vazio, sem ela, sem seguranças, com apenas lembranças. Ao menos Hernandes e Garcia estavam felizes quando os dispensei. Mas eu não. Apesar de tudo, eu gostava de tê-los comigo. Aliviava ter alguém com quem conversar e anuviar aquela nuvem que sempre pairava pelo veículo.

Da explosão de antes, a música volta a decair para a suavidade, junto de um acorde de piano quase clássico.

“Do alto dos meus vinte e seis
Eu tenho algo pra dizer, junto desses outros três
Jamais siga os passos meus, você vai ver
Que eu estou tão perdido quanto você”

Passo pelas mesmas ruas de sempre em direção ao meu prédio. Quando paro no semáforo e espero os pedestres atravessarem a rua, acabo observando os arredores, vendo como a cidade mudou de uns tempos para cá: lojas que não estavam ali antes, um prédio novo… Talvez, eu não devesse deixar que apenas o exterior mudasse. Talvez, eu devesse mudar junto. Para meu próprio bem.

Acelero após todos atravessarem e viro a esquina, seguindo em frente e vendo um parque familiar passar rapidamente pela paisagem. Talvez eu devesse deixar tudo isso para trás.

“Eu achava que não
Hoje eu sei que vai...

Vai passar,
E eu nem vou perceber”

Passo por ele rapidamente, sem prestar atenção à mesmice de sempre. Talvez eu devesse aproveitar a oportunidade da vida e começar a mudar também. Minha carreira estava crescendo tanto e eu continuava tendo a mesma abordagem de antes. Talvez eu devesse agir como Tárcio e ficar mais relaxado com a fama. Tudo isso era apenas um reflexo dos acontecimentos passados. Agora, era hora de aceitá-los e lidar com o presente.

Talvez fosse hora de eu atentar-me para o meu presente e manter um olho no futuro. Minhas lembranças e seus fantasmas eram apenas ecos que pertenciam ao passado. E enterrados em seu devido lugar, eles nunca mais assombrariam-me.

“Vai mudar,
Vai mudar,
Vai mudar...
E acabar.”

A chuva, que estava fina há pouco tempo atrás, bate com força e velocidade no teto do meu carro. Tendo o Fresno como companheiro, continuo o caminho até o prédio onde moro. Uma música termina e outra se inicia. Assim que ouço a voz acompanhada de um violão, não evito um riso.

“Faz frio em Porto Alegre toda noite
E de longe não posso te ver.
Então me perco em pensamentos de um passado
Que há muito tempo quero esquecer.”

Pergunto-me se as músicas dessa banda são todas feitas com base em meus sentimentos, é muita coincidência. Eu estava preso demais ao passado, mas isso até hoje.

“Eu volto há tanto tempo e cada vez
Parece que o meu tempo não passou.”

Entao me vem à mente a conversa que tive mais cedo com Tárcio. É hora de seguir o conselho dele. É o que percebi ao meditar nessa letra da Fresno. Como espero não ficar parado no tempo se meus pensamentos sempre voltam para… aquela época? Não faz sentido.

Sinto-me feliz por ter dado o primeiro passo em direção ao meu futuro durante o almoço com Edgar. Se é que posso dizer que almocei com ele.

A música, que agora conheço bem, cresce quando aproxima-se de seu final. Um semáforo fechado me impede por um curto período de tempo de continuar meu caminho, o que me permite olhar para o céu com nuvens carregadas. Dias de chuva não duram para sempre. Meus sentimentos ruins também não precisam durar. Tudo o que tenho a fazer é permitir que essas nuvens passem, assim poderei ver o brilho do sol mais uma vez.

“Eu não queria dizer adeus...”


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Notas finais do capítulo

Ester:
A música que o Heitor ouve no carro é Vida (Biografia em Ré Menor) do Fresno [que novidade :B]: https://youtu.be/DSiLnVoH5Zk
E no final temos Porto Alegre, deles também, mas ela já é de casa [pode entrar e tomar uma xícara de café -q].
Também temos a playlist da história, atualizada com as músicas desse epílogo: https://www.youtube.com/playlist?list=PLtd2o93Ew-C3cOqv2RGudlnhP8zpFCWuA
E Spotify pra quem tem:
https://open.spotify.com/playlist/2zzZNxAgGuaKuF9No757yh
Bem, depois de tanta desesperança e de quando parecia que não haveria luz no fim do túnel pro Heitor, nada melhor que terminar com um epílogo cheio de esperança assim, mostrando que [quase] todos terminaram bem e que para seguirmos em frente, basta deixar o passado no lugar dele: no passado.
Quero agradecer a Juliana, Lua, Camélia Bardon, Drafter e KS Alves pelos comentários de vocês ♥ Eu amei cada um deles :3 E também a você leitor que tá aí, agradeço por ter dado uma chance pra gente ♥ E aproveita que é último cap e vem comentar também! Garanto que sou um amorzinho e dou café com biscoitos [-q].
Por último, muito obrigada a Entusiasta pelo convite pra participar desse projeto. Foi ótimo e fico feliz demais com os frutos que deu e a oportunidade de explorar novos estilos pra mim, além de descobertas como escritora ♥
Agora chega de falar senão vamos todos chorar [-q]. Caso já estiverem com saudades de mim, podem ficar à vontade pra fuçar no meu perfil, que tem bastante história por lá xD Pros fãs de Amor Doce, fiquem espertos que logo logo chego com novidades ;) E caso queria bater um papo comigo, MP tá aí :)
Até mais ver, povo o/

Entusiasta:
Lembro de quando aconteceu o fato que me levou a pensar "eu tenho que escrever uma história baseada nisso!", ainda estava escrevendo a fanfic de Amor Doce que não está nesse site. Sabia que sairia algo muito bom, mas também que não tinha (e ainda não tenho) capacidade de escrever uma história desse tipo. Por isso meu primeiro agradecimento dessa nota final é para Ester, que além de ser a pessoa que me incentivou a entrar nesse mundo de escritora de fanfic (e agora também de histórias) e que me ajudou a fazer esse bebê super trabalhoso que me deu muita dor de cabeça ao longo desses... cinco meses? Não tenho certeza.
Leitores queridos, obrigada por cada comentário que deixaram aqui pra gente. Amo saber o que pensam e sentem sobre o que escrevo! Obrigada por terem escolhido ler nossa humilde original no meio de tantas histórias aparecendo nos recentes. Espero que vocês tenham apreciado nossa pontualidade na hora de postar, porque eu me orgulho muito disso XD
Ai ai, despedidas são sempre tristes. Ainda mais porque não sei se voltarei a escrever, então esse pode ser um adeus. Não por falta de vontade ou falta de tempo, o negócio é a falta de inspiração mesmo. Torçam para que me aconteça mais alguma coisa que me faça pensar "eu tenho que escrever algo baseado nisso!", já que foi justamente assim que escrevi tudo que já publiquei.
Chega dá uma dorzinha no coração finalizar isso, mas terminar o que comecei é uma vitória. Muito obrigada pela companhia durante esses meses! Eu sou a Entusiasta, e essa foi a última atualização de À Espreita.