Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 5
CAP.2, Epi.1: Nós estamos juntos nessa




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 Rumo aos genories, Ayase passou a observar o mapa mais uma vez; fazia pouco tempo que começara a mexer com eles, então ainda era comum se perder entre os símbolos e esquecer das marcações estranhas que podiam variar de lugar para lugar. Ryuuki parecia entediado com todo o silêncio que se fazia presente, soltando um breve bocejo enquanto recebia carinho de Ayase.

— Desculpa por ter demorado tanto, Ryuu.

— Tudo bem. Não é sempre que você arruma companhia, ainda mais as que não querem nada em troca.

— Sim... — Sua resposta foi quase inaudível. — As que não querem nada em troca...

Ela se mostrou desanimada com o assunto, fazendo com que Ryuuki se sentisse culpado por tê-lo revivido; ele sabia o quanto Ayase se sentia sozinha, especialmente depois do ocorrido no Palácio das Estrelas. Tinha certeza que o rei só permitiu que Ayase ficasse no castelo por medo das possíveis consequências, afinal, não era qualquer um que podia confrontar o Eco das Profundezas diretamente.

Toda a história de benevolência era apenas uma farsa para a garota se sentir mais acolhida, coisa que não estava acontecendo; suas damas de companhia e serviçais passaram a tratá-la como um monstro, temendo até mesmo olhar diretamente para ela, e suas refeições e aulas passaram a ser ainda mais solitárias. Mesmo sua mãe e irmã a deixavam de lado, como se ignorassem completamente a existência dela.

Ayase sentiu Ryuuki rastejando para fora da bolsa, passando por um de seus abraços e finalmente descansando em seu pescoço. Ele apoiou sutilmente a cabeça em seu queixo, como se quisesse animá-la da maneira dele.

— Você devia comer alguma coisa antes de irmos, milady. Talvez algo doce?

Ele notou que Ayase sorriu de leve, enrolando o mapa nervosamente.

— O que acha de um omeshi? Eu estou curiosa para saber o que é.

— Imagino que seja algo enrolado em um coral folhoso.

— Quê?! — Ela franziu as sobrancelhas. — Nem brinca com isso! Corais folhosos são horríveis!

— Por isso você deve experimentar todo tipo de variação até encontrar uma que goste.

— Você sabe muito bem que corais folhosos nunca vão combinar com nada, Ryuu!! — resmungou com uma expressão emburrada, fazendo o dragão-serpente dar uma risada baixa. — Ótimo, eu não vou dividir os meus doces com você!

— Não preciso comer, você sabe...

— Ótimo, eu nunca mais vou dividir nada com você!

Ryuuki queria rir daquilo; era o típico drama proposital que Ayase fazia para chamar a sua atenção. Ele podia revidar até um dos dois cansarem (ou até Ayase se aproximar de qualquer estabelecimento, o forçando a ficar quieto no tempo em que estiverem lá dentro), mas apenas encostou o rosto na bochecha da garota e ficou parado por alguns segundos.

A reação de Ayase o fez rir.

Ela tentou desesperadamente se distanciar dele, o que deu menos certo do que o planejado; com os dois tão próximos, o máximo que Ayase pôde fazer foi afastá-lo poucos centímetros de seu rosto. Juntamente com o gritinho nervoso que ela deu e a tentativa desesperada de esconder sua bochecha com mãos trêmulas, era impossível Ryuuki não rir.

— Q-q-que me-mexilhões você está fazendo!?

— Acabando com o seu drama, óbvio.

— ...

Ayase não conseguia formular uma resposta para ele; sentia o seu rosto queimado em vergonha e suas mãos ficarem ainda mais trêmulas conforme o riso divertido de Ryuuki preenchia seus ouvidos; era um barulho semelhante a um sibilo, mas Ayase o conhecia o bastante para diferenciar cada ruído que vinha do dragão-serpente, e aquele claramente era resultado de uma risada. Cada um dos gestos desprevenidos e palavras gentis de Ryuuki acolhiam o seu coração em um sentimento estranho, lhe arrancando inofensivos calafrios enquanto um calor inexplicável tomava conta de seu corpo.

Quando finalmente conseguiu fôlego suficiente para falar, ela resmungou:

— E-eu não estava fazendo drama!

— Não!? Perdão, parece que me enganei.

Ryuuki continuava rindo, e logo Ayase começou a acompanhá-lo.

— Você é um idiota, sabia? — Ela murmurou, finalmente voltando a se mover em direção a uma das lojas próximas dali.

— Não há nada de errado em ser um idiota — respondeu Ryuuki enquanto deslizava novamente para a mochila. Ver Ayase sorrindo com tudo aquilo lhe fez se sentir mais calmo; seu plano havia dado certo, e ela com certeza ficava melhor com um sorriso no rosto.

Ayase entrou em um dos estabelecimentos, gastando dez esferas brilhantes em quatro comidas diferentes que foram embrulhadas em algas transparentes. Ao longo do caminho, Ryuuki e ela as dividiam (geralmente Ayase ficava com o pedaço maior, exceto quando algo estava amargo para seu paladar) e discutiam a respeito dos sabores que sentiam, tentando adivinhar quais os ingredientes utilizados ali.

Em determinado momento, Ryuuki saiu da mochila e ficou lado a lado com Ayase.

— Desculpa por te pedir algo tão egoísta, Ryuu — murmurou com uma expressão apática.

— Tudo bem. No seu lugar, eu também pediria isso. Não podemos chamar atenção, certo?

Ela assentiu com a cabeça.

— Obrigada por me entender.

Ao longo de suas viagens, Ayase percebeu que Ryuuki atraía muito a atenção; mesmo com o corpo semelhante a uma serpente marinha, sua cabeça draconiana gerava controvérsias, e logo olhos curiosos passaram a observá-lo como algo valioso. Alguns dos indivíduos que atacavam Ayase sequer sabiam de seus laços com a família real; o real alvo deles era Ryuuki, que caso fosse capturado, poderia ser vendido por uma quantidade absurda de esferas brilhantes. Depois das inúmeras tentativas (felizmente fracassadas), ele passou a se esconder na mochila de Ayase quando os dois estavam na cidade.

— É o mínimo que eu poderia fazer, milady. Nós–

— "...estamos juntos nessa?" — Ela o interrompeu, completando a frase com um sorriso no rosto. Ryuuki pareceu concordar silenciosamente, o que fez o sorriso de Ayase aumentar ainda mais. — Obrigada!

— Sou eu quem preciso agradecer.

O sussurro de Ryuuki foi ignorado; ele sequer falou alto o suficiente para ser ouvido, e somado ao fato de que Ayase mantinha sua atenção na paisagem à frente, suas palavras se dissolveram nas águas. Ryuuki não a culpava por isso, afinal, aquela vista não poderia ser contemplada em todo lugar: diante dos dois, inúmeros recifes de corais colossais se amontoavam em uma floresta aquática de tons frios. A cor mais vibrante dali vinha dos cabelos de Ayase, o que a tornava o pontinho mais destoado naquela imensidão verde, azul e lilás.

Ela se aproximou curiosa, analisando cada um dos peixinhos que nadavam com seus cardumes rumo à direções desconhecidas. A ausência de outras cores em suas escamas o faziam se camuflar em meio às algas e plantas transparentes que enfeitavam parte do recife.

— É tudo tão... — Ayase deu uma pausa, tentando buscar alguma palavra que conseguisse expressar o que seus olhos enxergavam. — azul?

Não... aquela não era a palavra que queria usar. Mesmo com o azul dominando a sua vista, o verde e o lilás também mostravam sua presença de maneira sutil, e resquícios de preto, cinza e branco também apareciam nos rochedos e cavernas, mas tudo parecia existir para deixar o azul ainda mais evidente.

Ryuuki ria com cada reação de Ayase.

Em todas as cidades que passara até agora, os recifes de corais e os grandes oceanos abrigavam ecossistemas completamente coloridos, cujas tonalidades eram impossíveis de se nomear. Era a primeira vez que os dois visitavam um lugar tão diferente do comum; Ayase nunca poderia imaginar que existia um ambiente de tão poucas cores quanto aquela floresta aquática.

— Por que tudo aqui é tão azul? — perguntou com um olhar curioso.

— É uma substância produzida por um coral chamado kiog. Quando algo é exposto ao kiog por muito tempo, passa a produzir pigmentos de cores frias que se alteram a depender da quantidade de hidrogênio absorvida. Ou seja: quanto mais tempo você é exposto ao kiog, mais sua pele e escamas tendem a ficar com uma dessas cores.

Era em momentos assim que Ayase agradecia por ter passado tanto tempo estudando livros tediosos; alguns daqueles termos seriam bem confusos para Atlanshianos mais leigos, mas de alguma maneira ela conseguiu entender boa parte da explicação. Tentou resistir ao impulso de fazer mais perguntas, mas sua curiosidade sempre era mais forte.

— E o que muda entre o verde, o lilás e o azul?

— Talvez a cor original que foi exposta? Não sei dizer.

Ayase pensou em como ficaria com as escamas em tons frios. Não que odiasse as cores de sua cauda, mas ficava curiosa para saber como o kiog funcionava. Do jeito que Ryuuki falou, provavelmente a transformação acontecia aos poucos, mas quanto tempo levaria para que todo o seu corpo fosse consumido pelo kiog? Com certeza a sua pele também ficaria com uma daquelas cores, o que poderia lhe causar alguns problemas.

Após alguns segundos, ela olhou para Ryuuki e perguntou:

— Isso também afetaria o meu cabelo? E os cílios?

— Talvez sim. — Ele respondeu vagamente.

— Que cor você acha que eles ficariam?

— Não sei dizer. Talvez algo próximo ao lilás?

Ele ainda não entendia direito como aquela substância funcionava, o que contabilizava como falha para seu trabalho de Mediador. Isso se devia ao fato de Atlansha ser um lugar primitivo, o que transformava qualquer descoberta em um pesadelo. Todo experimento novo levava anos para chegar a algum lugar, e apenas observá-los a olho nu e sem o auxílio de qualquer equipamento eletrônico ou magnético deixava o trabalho ainda mais devagar (e o resultado menos confiável). Ryuuki odiava a sensação de atraso que aquele planeta lhe causava, mas deveria continuar o seu serviço com a responsabilidade que nunca teve.

Ele percebeu que Ayase desviou sua atenção para algo além do horizonte.

— E o que é aquilo, Ryuu? — A garota moveu sua mão para a direção que vieram e apontou para cima; ela não costumava fazer isso, mas o que quer que estivesse roubando sua atenção, a deixou tão impressionada que fez o seu gesto se tornar automático.

Sobre as águas de Atlansha, luzes coloridas rasgavam o céu como feixes de luz.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 2, Parte 1

Podem chamar esse capítulo de filler, eu deixo.

Em todo caso, eu queria apresentar um pouco mais de Atlansha (sério, eu fazia isso por flashback?!) para os leitores, então decidi reservar a primeira parte desse capítulo para isso. Deu pouco mais de 1.500 palavras, mas acho que está numa média boa. Confesso que ainda não estou satisfeita com a parte da história, mas acho que melhorou em 300% desde a primeira versão (e espero que até a versão final ele esteja 1000% melhor), o que me deixa bem mais animada para continuar a história.

Aliás, eu ainda não decidi o termo certo para chamar os moradores de Atlansha, então tentem relevar. Atlanshianos, Atlenshienes, Atlenshienses... todos eles soam tão errados para mim que provavelmente vou usar um menor. Atlas ou algo assim? Não sei ainda.

Sem criatividade para interação/curiosidade dessa vez.

Obrigada por ler e nos vemos no próximo capítulo!



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