Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 2
CAP.1, Epi.1: A busca pelo meu lugar




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Longe dos olhos da Nova Era, um novo dia começava em Althum, uma das cidades comerciais de Atlansha.

Os raios solares que atravessavam as cortinas de algas de certo quarto eram calorosos, deixando o clima tão acolhedor que seus inquilinos não se sentiam longe de casa. Alguns cardumes também haviam parado para descansar ali, repousando sob alguns corais coloridos que lembravam dedos gelatinosos em cima de grandes pedras orgânicas que periodicamente borbulhavam um jato quente. O chão era quase todo coberto pelos corais, dando um aspecto sujo ao ambiente, que pouco a pouco era iluminado pelos primeiros raios matutinos.

Essa luz serviu como um alerta para um dos animais presentes ali; era hora de acordar aquela pessoa.

Rastejando do chão para a cama, uma sombra esguia e com escamas brilhantes passou silenciosamente pelos cobertores até finalmente encontrar o que procurava; em um dos cantinhos, uma jovem de cabelos cor-de-rosa dormia de maneira encolhida. Passou alguns segundos a observando dormir — um hábito que lhe deixaria constrangido caso fosse descoberto —, mas logo sussurrou:

— Milady... Milady, por favor, acorde.

Mesmo com a intenção de acordá-la, não seria prudente usar um tom de voz acima do necessário ou fazer movimentos bruscos. Ele a conhecia o suficiente para saber as consequências que aquilo poderia causar, e não seria nada agradável ouvir reclamação por algo que poderia ser facilmente evitado.

— ...

A garota, porém, apenas rolou pela cama, murmurou algumas frases incompreensíveis e fingiu voltar a dormir. Se a conhecesse bem, diria que foi algo como "me deixa dormir mais um pouquinho" ou "eu só levanto se tiver o que comer!", o que lhe fez sorrir de leve. Como poderia esperar que aquela manhã fosse diferente?

Quando se deu conta, percebeu que o par de olhos esmeralda da garota lhe fitavam com uma expressão sonolenta, fazendo com que um súbito arrepio tomasse conta de seu corpo. Ela levantou, passando a esfregar os olhos enquanto se espreguiçava (um gemido quase inaudível escapou), por fim o cumprimentando:

— Bom dia, Ryuu! — disse, levando uma das mãos aos lábios, ocultando um bocejo sutil.

— Bom dia para você também, milady.

Ryuuki ergueu seu corpo azulado de serpente, elevando dois pares de barbatanas em suas costas; em movimentos leves, ele passou a nadar para próximo da garota. A sensação que a água deixava ao passar por suas nadadeiras era indescritível, mas de certa maneira angustiante. Ao perceber que ele estava em silêncio, a garota passou a acariciar suas frágeis escamas, levando corpo diminuto de Ryuuki para próximo ao dela — algo que ela sempre fazia quando ainda estava com sono.

— Você parecia estar sonhando — Ele sussurrou, apoiando sua cabeça de dragão no queixo da garota.

Ryuuki era uma espécie tão única em Atlansha que sequer sabiam como catalogá-la. Boa parte de seu corpo era esguio, tal como qualquer serpente que vivesse naquele planeta, salvo pela quantidade de cores frias que pintavam as suas escamas: roxo, lilás, azul-pastel e azul-turquesa. A sua cabeça, por outro lado, se assemelhava às dos grandes dragões marinhos que só existiam nas antigas lendas, mas era tão pequena que cabia exatamente nas mãos da jovem que ainda observava o ambiente com uma expressão sonolenta, Ayase.

Ela deixou outro bocejo escapar e respondeu com a voz baixa:

— Eu estava, mas não me lembro muito bem... Nós estávamos passeando pelo comércio de Althum, daí eu encontrei um broche muito bonito feito de uma gema roxa. Quando eu estava pagando o vendedor, algumas luzes coloridas começaram a aparecer no horizonte. — Deu uma pausa, forçando a mente a se recordar dos eventos do sonho, mas sem muito sucesso.

Ayase fechou os olhos, lembrando o quanto aquelas luzes eram bonitas; elas se espalhavam e coloriam o ambiente até onde a vista alcançava, derramando Althum em um mar de cores tão vibrante quanto os recifes de corais que enfeitavam os arredores da cidade. Enquanto se esforçava para lembrar de seu sonho, ela se viu perdendo o equilíbrio na cama, deixando o seu corpo pender para um dos lados.

— Milady, você está bem?

— Deu uma tontura — resmungou com uma expressão desanimada. — Acho que preciso comer algo gostoso.

Ele riu com aquela resposta.

Com algum esforço, Ayase conseguiu se levantar da cama usando a sua cauda para se locomover.

— Quanto tempo estamos fora de casa? — perguntou ela, tomando cuidado para não machucar nenhum dos peixinhos que insistiam em dormir dentro dos corais gelatinosos e finalmente alcançando a bolsa que carregava em suas viagens.

O quarto era organizado com poucos móveis, alguns dos quais nem eram utilizados pela dupla, como o pequeno guarda-roupas que se acomodava ao lado direito da porta. Na direção oposta, apenas a cama e pequenas prateleiras se faziam presentes, deixando todo o cômodo com aspecto solitário, especialmente por causa de suas paredes e móveis de tons escuros. Aquele era o típico quarto de uma estalagem de baixa qualidade, mas que servia adequadamente para viajantes em busca de novas experiências.

Ryuuki passou alguns segundos pensando antes de responder:

— Vinte e oito dias.

— QUÊ?!! TANTO TEMPO?!

Seu grito percorreu pelo quarto, fazendo com que os peixes se amontoassem em um buraco quase invisível na parede e fossem embora.

— Você assustou eles, milady.

— A culpa foi sua! — respondeu emburrada. — Por que você não disse isso logo?

— Peço desculpas por isso.

Ela o encarou com uma expressão chateada.

— Me pergunto se está tudo bem em voltar para casa depois de tanto tempo.

— É só você não voltar — disse Ryuuki, não medindo o peso de suas palavras.

— ...

Ayase suspirou.

Se aquilo era uma tentativa de piada, ele havia falhado miseravelmente.

Por mais que não concordasse com a maneira que seus pais lhe ditassem o que fazer, ela nunca tinha passado tanto tempo fora de casa. Uma ansiedade brotava em seu peito só de pensar em revê-los novamente; será que os dois estavam bem? Ainda brigavam por bobagens? Ainda se amavam como nos velhos tempos? Estavam mais presentes para suas novas irmãs caçulas? Ayase queria passar mais tempo com elas também.

Se perguntava a todo momento se aquele incidente iria realmente separá-los. Na época, não tinha pensado nas possíveis consequências que aquilo causaria, mas como podia saber? Ela estava cansada demais para qualquer coisa. Mas agora sabia que o que fizera foi imperdoável, e que talvez nunca conseguisse a confiança de sua família de volta.

Porém, naquele momento, nada disso importava.

Ela estava com saudades deles. Ela queria vê-los.

— Milady, por favor, se apresse — sussurrou Ryuuki, a tirando de seus pensamentos.

Não demorou muito para que Ayase trocasse de roupa; não que tivesse muito o que escolher, já que levar muitas roupas para uma viagem implicaria em uma bagagem maior e com pouco espaço para os tesouros — ou lixos, como sua mãe os chamava — que costumava levar para casa. Sua mala já estava cheia de pergaminhos, quinquilharias e mercadorias contrabandeadas que ela comprava de sujeitos estranhos (mesmo a contragosto de Ryuuki). Os objetos brilhantes e com gemas incrustadas eram seus favoritos, especialmente o colar feito com a carapaça cristalizada de um náutilo que estava em seu pescoço.

— O que acha, Ryuu?

Ela jogou seus cabelos para trás, fazendo com que as pequenas ondulações de suas mechas seguissem o zig-zag antes de caírem suavemente por suas costas. Algumas conchas brilhantes enfeitavam a parte superior de sua cabeça, indo em direção às suas orelhas, que também pareciam com pequenas conchas do mesmo tom rosado de sua pele.

Suas roupas eram de um branco simples, cujas mangas e parte de seu colarinho eram completamente transparentes, fazendo com que suas escamas se tornassem visíveis; elas seguiam o mesmo padrão de cores de seu torso e cauda, misturando o branco e o rosa claro em um degradê delicado que se estendia até as nadadeiras translúcidas ao longo de sua cauda e antebraços.

Ryuuki a encarava com um olhar fixo; parecia escolher as palavras que usaria.

— Você está linda — Ele finalmente respondeu, desviando o olhar dela e mudando de assunto. — Prepare-se. Precisamos partir antes que o comércio abra.

Ayase fez a mesma expressão emburrada de antes.

— Tudo bem, podemos comer alguma coisa primeiro — Ryuuki resmungou, a fazendo comemorar em resposta.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 1, Parte 1

Era descrição que vocês queriam?! Não, né? Desculpa.

Ok, falando sério: eu estava sentindo falta de algumas descrições por aqui, especialmente se tratando de um ambiente debaixo d'água. Quando comecei a escrever sobre Khürmandha, percebi que estava apresentando o ambiente melhor do que apresentei em Atlansha. Essa foi a primeira agonia que senti relendo os capítulos mais velhos: Atlansha precisava de mais amor!

Naquela época, essa parte era um mero prólogo, mas decidi que seria melhor transformá-lo em um capítulo mesmo, até porque era só trabalhar direitinho com a narrativa que dava para entender a diferença de tempo entre um evento e outro (espero conseguir transmitir isso da maneira adequada, aliás).

Também queria trabalhar um pouco mais a relação da Aya com o Ryuu de maneira menos prolixa. Diálogos que façam sentido e acrescentem à narrativa, sabe? Com isso, acho que a história perdeu um pouco o ar de "Web Novel" que eu queria e espero que me perdoem por isso.

...mas eu gostei tanto do resultado.