Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 19
CAP.5, Epi.3: Poucas respostas eram suficientes




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Contra sua vontade, Ayase deixou Rashidi ensiná-la a manusear os dispositivos de limpeza da cozinha, mesmo deixando claro que a garota não poderia entrar ali quando bem entendesse. Após alguns minutos (que pareciam se arrastar a cada termo desconhecido), Rashidi a liberou do serviço e Ayase pôde finalmente seguir Ribbon e Void até a sala de observação.

O barulhos dos passos ressoavam pelos corredores intermináveis, ora se misturando com a voz infantil da inteligência artificial, ora diminuindo conforme as risadas de Ayase aumentavam.

— Lephancees... — sussurrou Ryuuki para o nada. Como estava nos braços de Ayase, a garota não conseguia notar que ele estava impaciente.

Conforme avançaram pelos corredores, Ayase descobriu que existia mais um andar na Arcadia. Ele não era separado em compartimentos e sequer tinha o mesmo estilo das outras salas que visitou. Com exceção do piso e do teto, que tinha bandeiras com símbolos estranhos estendidas ao longo do cômodo, toda a sala era cercada por enormes janelas de um material semelhante às asas de Ribbon, o que permitia uma luz branca transpassar e iluminar cada um dos detalhes dali.

Do lado de fora, era possível ver grandes esferas escuras e pontinhos pretos em meio à imensidão branca e bege que eventualmente era rasgada por fendas e nuvens em verde, amarelo e azul claro.

Ayase estava tão maravilhada com a vista que quase tropeçou no último degrau.

— É lindo, não é? — perguntou Ribbon com a expressão inocente de sempre.

— Sim... — Ayase deu uma resposta automática enquanto observava as janelas.

Ela dava passos curtos pelo assoalho branco até chegar ao centro da sala, onde um dispositivo brilhante e achatado circulava pela sala, fazendo inúmeras orbes e objetos não identificados por Ayase flutuarem ao longo do cômodo. De tempos em tempos, as esferas e demais objetos mudavam de posição, sendo substituídos por outros que, diferente do lado de fora, mantinha cores bem mais agradáveis às vistas. Após um longo tempo observando, Ayase finalmente entendeu que as orbes eram planetas ou estrelas (estas bem mais brilhantes, o que tornava fácil de diferenciar), mas não conseguiu identificar os outros objetos.

— Esse é o mapa central — explicou Ribbon, tentando fazer a atenção de Ayase se voltar novamente para ela, porém sem muito sucesso. — Aqui podemos ver a localização atual de Arcadia fora da Fenda-LMB.

Ribbon apontou algumas orbes e objetos no mapa, dando novas informações que Ayase pareceu não estar absorvendo. Aparentemente, ela estava mais atenta ao cinturão de asteróides em branco e cinza que passava pelas janelas.

— Ayase está prestando atenção?! — Ribbon perguntou, emburrada. Quando percebeu que a garota voltou a sua atenção para ela (após responder um "Sim" quase inaudível), continuou: — A sala de observação é o lugar favorito da Ribbon! Aqui, a Ribbon até se sente como se fosse...

Ribbon não terminou a sua frase. Antes que Ayase falasse algo, Void foi mais rápido:

— A gente é parte do universo, Ribbon, e ninguém pode dizer o contrário.

Ayase percebeu que um sorriso tímido se formou no rosto da criança, mas ele não durou muito tempo.

— Tolice. — Ryuuki resmungou de maneira aborrecida. Todos puderam ouví-lo, mas Void e Ribbon não questionaram.

— Ryuu... o que deu em você? — sussurrou Ayase, tão inconformada quanto estava ao Ryuuki ser rude com Rashidi mais cedo. Não que sentisse que Ryuuki devesse ser gentil com todos (ele nunca foi, mesmo quando estava em Atlansha), mas demonstrar o mínimo de respeito talvez tornasse a convivência ali mais fácil. — Você está agindo de forma estranha...

— Não estou agindo de forma estranha, milady. — Ele contestou, mas ficou por isso mesmo, o que fez seu silêncio se transformar em uma tensão quase palpável entre os dois.

Estava claro que Ayase se sentia desconfortável com toda a situação, e mesmo tendo a sensação de que Ryuuki estava esperando o momento apropriado para conversar, a forma que ele agia deixava claro que o dragão-serpente não se sentia bem naquele ambiente — o total oposto dela, que procurava se enturmar da melhor forma que podia. Os dois precisavam conversar o quanto antes.

— Ayase, Ayase! Veja...! — Ribbon chamava a atenção dela, que já estava com uma expressão chorosa. Uma de suas pequenas mãozinhas apontava para uma janela, onde uma enorme esfera negra irradiava um brilho verde-ácido com feixes de luz colorida. — Omalina é uma das maiores estrelas dessa galáxia. Estamos à anos-luzes de distância e Omalina continua ocupando boa parte das janelas!

— Imagina o potencial de um Vesper nascido dessa estrela — comentou Void, fazendo Ribbon demonstrar descontentamento.

— Não se nascem Vesperes nesse universo, Void! Vesperes só nascem das estrelas do universo primordial! — Ela tratava de explicar para Ayase, que já estava com a expressão confusa de sempre. — E mesmo que a estrela tenha um diâmetro grande ou temperatura alta, não é isso que define o potencial de um Vesper.

Ayase percebeu que Ryuuki pretendia falar algo, mas logo desistiu.

Os quatro ficaram por mais algum tempo contemplando a vista nas janelas. Pouco a pouco, eles começaram a se separar por suas próprias responsabilidades. Ribbon havia detectado uma energia semelhante ao aglomerado, saindo para checar se a informação estava correta. Minutos depois, Void comentou que tentaria entrar em contato com alguém que chamou de "Dama Branca" (e Ayase se lembrou vagamente do nome, já que ele o citou quando ainda estavam em Atlansha), logo seguindo o seu caminho também.

Com apenas Ryuuki na sala, Ayase agradeceu por finalmente terem algum tempo para conversar.

— Então... — Ela começou, mas não soube como encaminhar aquele diálogo.

— Perdão, milady. Não queria envolvê-la em algo desse porte. Aguente mais um pouco, por favor.

— O que você quis dizer com isso? — perguntou. Neste momento, Ryuuki tentou se soltar de seus braços.

Usando suas barbatanas como asas, ele pairou em frente a Ayase com um olhar sério.

— Esse lugar. Esses... inúteis. — Seu tom de voz aumentou. — Esses malditos inúteis. Se não precisasse deles, eu realmente iria... iria expurgá-los! — vociferou Ryuuki, fazendo a expressão de Ayase mudar drasticamente. Ao perceber que a garota estava amedrontada, ele negou com a cabeça. — Perdão, não queria te assustar, milady.

— Você odeia eles? Por quê?

— Não a todos, milady. A Lephancee é apenas uma criatura inconveniente criada por reptilianos solitários, então apenas responde a ordens e conversa ainda que ninguém esteja lhe dando atenção. O Void e o Vesper, por outro lado... — sibilou Ryuuki, encarando os olhos esverdeados à sua frente. — Tome cuidado com eles.

Ela assentiu com a cabeça. De fato, Ayase nunca teve dificuldade para confiar nas pessoas — e não foi uma única vez que os alertas de Ryuuki a livraram de problemas causados por sua ingenuidade —, mas não se passou por sua cabeça que devia desconfiar de Ribbon, Void e Rashidi, especialmente depois que foram tão atenciosos com ela.

Ayase refletia sobre o que Ryuuki havia falado, percebendo que a preocupação (e também a mudança de humor) do dragão-serpente era pertinente. Em um ambiente novo e limitado, caso houvesse qualquer tentativa de ataque a eles, fugir seria tão complicado que Ayase não faria a mínima ideia de por onde começar. Ambos precisariam manter a atenção redobrada para qualquer movimento estranho, especialmente vindos de Rashidi e Void.

Quando a conversa parecia terminada, Ayase voltava ao andar inferior com um Ryuuki silencioso em seus braços. Ainda se sentiu perturbada com a conversa que tiveram. Temendo que não fosse capaz de fingir que estava tudo bem, ela torcia para não se deparar com ninguém a caminho do seu "quarto-aquário".

Porém, aquela não era a única conversa que Ayase queria ter com Ryuuki.

— Ryuu... — Ela sussurrou, e percebendo que o dragão-marinho voltou os seus olhos dourados para ela, continuou: — O que é você?

O silêncio se instalou novamente, mas Ayase não estava disposta a desistir de sua pergunta.

— Você... você não é... de Atlansha, não é? — perguntou pausadamente, como se escolhesse suas palavras.

— Sinto muito por nunca ter dito isso a você, milady. Atlansha foi como uma casa pra mim, mas... nunca escolhi ficar lá. Fui jogado lá. — Ryuuki percebeu que a expressão de Ayase mudou; talvez ela estivesse surpresa? Talvez desapontada? Era difícil entender os traços de seu rosto. — Mas isso não importa mais. Se eu não fosse jogado lá, jamais teria conhecido você, então...

Ele não fez menção de terminar aquela frase.

— Então...? — Ayase tentou continuar a conversa, mas desistiu depois de alguns segundos, voltando a caminhar entre os corredores vazios. — O que você fez para ser colocado lá?

— Desavenças familiares — respondeu sem muita importância. — Nunca fui o irmão favorito da família.

— Somos um pouco parecidos nisso, né? — Ela perguntou com um sorriso sem graça. — Mas eu tinha você para me dar apoio quando precisei. Obrigada por isso, Ryuu! — sussurrou, o abraçando gentilmente.

— Sinto muito por esconder tantos segredos de você...

— Está tudo bem! Você não tinha a necessidade de contar sobre isso naquela época, não é? Não tinha nada... nada de errado...

Ayase afastou o seu rosto de perto de Ryuuki, voltando a encarar seus olhos dourados com pupilas de fenda. Ele teve a ligeira impressão de que a garota começaria a chorar (afinal, não foi lhe dado muito tempo para refletir sobre a morte de todos desde que embarcaram em Arcadia), mas Ayase apenas lhe observou com uma expressão séria.

— Precisamos descobrir o que houve com Atlansha, Ryuu. Em algum lugar distante, deve ter alguém capaz de responder o que houve. Eu sei que... — Ela deu uma pausa, respirando fundo. — Eu sei que sou fraca, mas se você permanecer comigo, tenho certeza que... que vamos descobrir o que houve.

— Se é o que deseja... Eu ficarei ao seu lado, milady.

— Obrigada! — E com um sorriso frágil, ela encerrou a conversa.

Ayase não pretendia forçá-lo a responder o resto de suas perguntas. Ela queria acreditar que Ryuuki não achava necessário enchê-las de termos novos e (provavelmente) desnecessários, visto que ele não era bom com explicações e geralmente a deixava ainda mais confusa. No momento, aquelas poucas respostas eram suficientes.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 5, Parte 3

Me pergunto se estou fazendo todo o foreshadowing da maneira correta, mas é difícil saber disso por meus leitores beta, já que a maioria já sabe de boa parte da história e podem associar qualquer dica muito mais fácil que quem não sabe. O lado positivo é que ainda considero essa versão um grande rascunho, então nada me impede de alterar as dicas ou eventos depois... eu acho.

Ainda seguindo aquela regrinha de "vou liberar uma parte nova a cada parte que eu conseguir finalizar", nada mais justo que eu postar algo novo hoje! Eu consegui terminar um dos capítulos mais complicados hoje de manhã, finalizando a última parte com quase 2.000 palavras (e peço desculpas desde já, pois eu não pretendo dividir essa última parte em 2). Estou muito orgulhosa de mim mesma!

Enfim, acho que a qualidade dos capítulos vão melhorar a partir de agora; encontrei uma maneira muito melhor de revisá-los no quesito "ortografia". Ainda erro muito com o uso dos pretéritos (além de usar um ou dois termos no futuro) e essa forma vai me ajudar a identificá-los melhor, eu espero. Nunca é tarde para estudar essas coisas, não é?



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