Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 14
CAP.4, Epi.2: A chance que precisávamos




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— O fragmento... desapareceu?! — Uma voz infantil quebrou o silêncio, mas Ayase não sabia de onde ela vinha.

— O que você fez com o fragmento? — Rashidi perguntou com as sobrancelhas arqueadas em uma expressão irritada.

— E-eu nã-não... — gaguejou Ayase, igualmente surpresa com o que acabara de acontecer. — E-eu não fiz nada! Eu só segurei ele e-e...

Rashidi ameaçou pular para o compartimento em que Void estava, mas foi interceptado por ele, que sinalizou para que Rashidi permanecesse parado.

— Você não percebeu que ela destruiu o fragmento, Void? — vociferou Rashidi, que mais uma vez ameaçava se aproximar de Ayase, a encarando de maneira nervosa. — Assuma sua responsabilidade, sua Kocso'Nya imunda!

A cada grito de Rashidi, mais Ayase ficava acuada, logo deixando Ryuuki irritado. As águas de Atlansha se agitavam com o movimento do dragão-serpente, que mesmo curioso para saber o que estava acontecendo (e o porquê do fragmento ultravioleta ter desaparecido), jamais permitiria que Rashidi falasse daquela forma com Ayase. O clima de tensão se fez presente no ar, e tanto Rashidi quanto Ryuuki estavam nervosos o bastante para destruir um ao outro.

— Para nossa sorte — murmurou Void, suspirando em alívio. —, parece que meu palpite estava certo.

Todos os olhares se voltaram para ele, que após forçar um pigarro, continuou:

— Não é que Ayase tenha destruído o aglomerado; ela apenas o absorveu.

Rashidi arqueou uma sobrancelha, tão confuso quanto Ayase e Ryuuki.

— O que quer dizer com isso, seu depósito de Rytuslam'te ambulante? Ela é um daqueles animais ridículos que absorvem outros animais ou objetos agora?

Void revirou os olhos (apesar do elmo ter escondido sua expressão), ignorando a pergunta idiota de Rashidi e se virando em direção à Arcadia.

— Ribbon, você pode checar se o fragmento que detectou mais cedo está mais forte ou mais instável? Qualquer tipo de alteração, por mínima que seja.

A inteligência artificial sequer contestou Void, fazendo a análise no mesmo instante.

— Houve uma alteração. — Ela respondeu depois de alguns segundos. — Parece que a concentração de energia do fragmento do aglomerado está aproximadamente 10% mais forte.

— Tudo isso? Isso é incrível! — O tom de voz que saiu do elmo de Void demonstrava surpresa, e ele logo percebeu o olhar impaciente de Rashidi em sua direção. Antes mesmo que fosse bombardeado por perguntas, ele tentou explicar: — De alguma maneira, Ayase está absorvendo a energia do aglomerado. Quando isso acontece, como eles não precisam de uma forma física, os cristais se desintegram. É por isso que os escâneres da Ribbon conseguem detectar a energia, mas a runa do Rashidi não consegue detectar a forma física.

— M-mas eu... eu não queria fazer isso... — sussurrou Ayase, não compreendendo a que ponto aquela conversa iria chegar; eles pretendiam culpá-la por absorver aquele cristal de brilho estranho?

— Suponho que seja uma ação involuntária — Void respondeu sem muita importância. —, mas ainda é estranho que você não sinta nenhum efeito colateral. Os aglomerados são como veneno sólido. Mesmo Rashidi não consegue tocar neles sem se machucar, então como você consegue passar tanto tempo em contato com eles?

Ayase abriu a boca para responder Void, mas foi interrompida por Rashidi:

— Mais importante do que isso: o que nós faremos agora? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha.

— Achei que estava claro — começou Void, alongando o seu corpo (o que resultou em baixos estalos que vinham de sua armadura). — Até que a Dama Branca entre em contato, teremos que levar Ayase com a gente. Claro que o Mediador virá também, apesar d'eu não saber onde encontraremos espaço na nave para colocar ele.

Void contava com a objeção de Ayase e Ryuuki, mas ao contrário do que ele esperava, a reclamação veio de Rashidi:

— Sério que vou ter que aturar mais dois desconhecidos?! — resmungou. — Pela deusa, era só o que me faltava!

— E o que você sugere, Vesper? Que deixemos alguém que absorve os aglomerados aqui, no meio do nada? Pense bem no que pode acontecer se inimigos descobrirem que existe alguém com tal capacidade.

— ...

O olhar de Rashidi tornou-se repentinamente sério; ele não queria admitir, mas Void estava certo.

Era impossível que Arcadia fosse o único esquadrão recolhendo os aglomerados. Mesmo sendo enviados pela deusa (ou Dama Branca, como Void insistia em chamá-la), um dos seres mais importantes dentre os universos, logo a informação chegaria às raças de classificação alta, e os indivíduos inconformados com os regentes daquele universo buscariam a energia do aglomerado para tomar tudo para si.

Pensar em várias raças distintas se unindo em nome de um motim fez o corpo de Rashidi estremecer.

— Além disso — continuou Void, fazendo a atenção de Rashidi se voltar novamente para ele. —, talvez eles encontrem um novo lugar para morar.

A sugestão de Void deixou Ayase ligeiramente ansiosa.

Ela olhou ao seu redor, encarando a paisagem desértica do que outrora fora Atlansha. Salvo a área em que estavam, as águas pareciam mais turvas e escuras, como se várias lulas gigantes houvessem despejado sua tinta por todo lugar. A escuridão estava tão presente que ela sequer se lembrava das cores de suas próprias escamas, já que mesmo que conseguisse enxergar no escuro, tudo aos seus olhos apenas tinha diferentes tons de rosa, lilás e preto. Não havia mais vento na superfície. Não havia mais som debaixo d'água. Não havia mais nada ali.

Com o coração apertado, Ayase engoliu seco e voltou-se para Ryuuki.

— O-o que... — Ela não completou sua frase, mas não era necessário.

— Anos atrás. Aquelas luzes — disse Ryuuki de maneira direta. — Você se lembra, não é?

A resposta atingiu Ayase como um dardo. Ela sentiu as pernas enfraquecerem e ajoelhou-se diante dos olhos dourados com pupilas de fenda, os encarando com uma expressão assustada. "Como luzes coloridas podem destruir?", pensou ela, não encontrando lógica no próprio questionamento. Estava confusa demais para pensar no que poderia ter acontecido, e com as perguntas sem resposta que pairavam em sua cabeça, um sentimento de vazio passou a invadir o seu peito, transbordando em lágrimas prateadas que saíam de seus olhos.

— C-como... Como aconteceu? — Ayase perguntou, sentindo as lágrimas escorrerem em seu rosto.

Ryuuki permaneceu em silêncio. Em cima de suas escamas metálicas, as lágrimas de Ayase se transformavam em pequenas gemas irregulares e brilhantes, uma característica Atlanshiana que ele sempre achou fascinante.

— Eu não sei — mentiu, sentindo vergonha de si mesmo naquele momento; para sua sorte, Ayase não estava mais prestando atenção nele.

Perdida em pensamentos, ela havia desviado seus olhos para as gemas que suas lágrimas formavam.

Ao abaixar a cabeça, o colar de náutilo escorregou, ficando pendurado por seu cordão desgastado enquanto pendulava de um lado para o outro. Ela o acolheu entre as mãos sutilmente, percebendo a leve rachadura em formato de fenda que se formou em sua carapaça, a alisando com um dos dedos. Ayase sentia seu coração encolher-se a cada segundo que encarava a concha do náutilo e as gemas formadas por suas lágrimas; aquela era toda sua herança de Atlansha.

"Anos atrás. Aquelas luzes...", as palavras de Ryuuki ressoaram em sua mente.

— Anos atrás, você disse? — sussurrou Ayase em um tom baixo, mas Ryuuki conseguiu ouví-la. Com os olhos levemente avermelhados, ela o encarou mais uma vez. — O que... o que quer... dizer com isso?

Houve alguns segundos de silêncio antes que ele respondesse a pergunta da garota:

— Até onde é possível calcular, se passaram onze anos, mas tenho certeza que foi muito mais tempo.

Ayase sentiu mais um baque. Como poderia ter passado tanto tempo?

Ela não conseguia notar a menor diferença em seu corpo; a sua altura e peso pareciam iguais, e mesmo suas escamas permaneciam da mesma forma, não mostrando quaisquer mudança em sua coloração ou textura. Seus cabelos estavam ligeiramente maiores, mas se realmente tinha passado mais de onze anos, eles deveriam estar bem mais compridos, não apenas em sua cintura. Também analisou friamente as suas unhas e barbatanas, que permaneciam com o tamanho e aparência de sempre.

Era como se o tempo tivesse parado para ela, mas aquela ideia soava ridícula.

— Como nós—

— Alerta: — interrompeu Ribbon, soando um alarme alto e intermitente pelo mesmo dispositivo que enviava o Protocolo de Tradução, os ativando simultaneamente. — Os níveis de energia da fenda-LMB estão no limite! Alerta: os níveis de energia da fenda-LMB estão no limite! Alerta: os níveis de energia da fenda-LMB estão no limite!


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Notas finais do capítulo

Capítulo 4, Parte 2

Mais uma vez, não tem muita coisa nova nela, óbvio; o período de luto da Ayase começa a partir daqui, já que ela não teve muito tempo para pensar a respeito da destruição de Atlansha.

Algo como um: "Mantenha a mente ocupada, daí você não vai ter tempo para pensar nos seus problemas", eu acho? Funciona comigo, pelo menos.

Não que vá funcionar dessa forma com ela, mas... quem sabe?



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