Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 11
CAP.3, Epi.3: Na solidão das águas




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Sem dizer uma palavra, Void abriu a porta lateral da sala, revelando a densa escuridão que se fazia presente no planeta. As luzes do interior desapareciam quando alcançavam a saída, como se Atlansha estivesse engolindo qualquer fonte de luz que ousasse invadir o seu território.

Rashidi se levantou lentamente, mas não encontrava coragem de se aproximar dali.

— Você pode ficar aí se quiser. — informou Void, pulando para um dos compartimentos do lado exterior da nave enquanto ajustava a visão noturna de seu elmo e era repreendido por Ribbon ("Não machuque a patinha da Arcadia, Void!").

Na visão de Void, parte do ambiente tomou a cor avermelhada; as águas que a espaçonave flutuava, a carapaça negra da Arcadia, estranhas luzes de diferentes tons de rubro e... um estranho humanoide a poucos metros dele. Era uma jovem fêmea (ou seja lá como aquela raça identificava sexos) de cabelos compridos, cuja parte inferior do corpo era cheia de escamas brilhantes e barbatanas transparentes. Aparentemente estava sentada em uma rocha, mas Void não teve muito tempo de observá-la, pois a humanoide afundou de volta às águas escuras de Atlansha, fazendo a rocha dissolver com o movimento.

— E então...? — perguntou Rashidi, mas Void o ignorou.

Void pulou para outro compartimento, fazendo Arcadia trepidar com o impacto e atirar o corpo de Rashidi em uma das paredes metálicas.

— Tenha cuidado, seu depósito de Rytuslam'te!! Se você afundar essa nave, eu juro que—!!!

— ...

Se não fosse pelo elmo, Rashidi perceberia que Void revirou os olhos.

Ele voltou, então, a observar as águas na direção que a humanoide havia mergulhado; quem era ela? Pelos dados que Ribbon havia lhe passado mais cedo, parecia uma residente de Atlansha, mas era cedo demais para chegar a essa conclusão. Pediu para Ribbon ativar seu Protocolo de Tradução, enviando ondas eletromagnéticas a um longo alcance, preparou seus pulmões e gritou:

— OLÁ?! TEM ALGUÉM—

— Você podia avisar antes de fazer suas loucuras, não? — interrompeu Rashidi, esfregando um dos ouvidos que fora afetado pelo grito de Void, se xingando mentalmente por Vesperes terem uma audição tão boa.

Void não se importou com aquela reclamação.

— OLÁ?! — repetiu. — SE TIVER ALGUÉM, POR FAVOR, RESPONDA!

Mais uma vez, houve apenas o silêncio; à frente dos dois, apenas a escuridão se fazia presente.

— OLÁ?! — Na terceira vez, Void percebeu um barulho baixo de água respingando e resolveu se apresentar para quem quer que estivesse ali: — Nós somos o esquadrão Arcadia e viemos até aqui para recuperar algo que caiu em seu planeta. Não pretendemos machucar ninguém, então... vocês podem nos ajudar?

O mesmo barulho se repetiu, mas dessa vez foi mais próximo de onde eles estavam.

— Olá? — sussurrou uma voz feminina e tão calma quanto as águas de Atlansha.

Void se virou em direção ao sussurro abruptamente, se deparando com a jovem humanoide.

Apenas a parte superior do corpo da garota estava à amostra, mas não demorou para que ela se debruçasse sobre uma onda que fora formada e congelada de maneira irracional, deixando Void ainda mais surpreso. Se antes tinha dúvidas sobre aquela humanoide, agora elas não existiam mais: quem quer que fosse aquela garota, com certeza era uma residente de Atlansha.

— Olá — respondeu finalmente. — Você é—

— O que vocês fazem aqui? — Ela o interrompeu, colocando uma das mechas de seus cabelos ondulados para trás de uma concha em sua cabeça. Por alguns segundos, ela voltou os seus olhos para Rashidi, que fingiu desviar a sua atenção para algo dentro da espaçonave, fazendo com que a garota tornasse a observar Void.

— Estamos procurando por algo que está em seu planeta — disse um tanto nervoso; Void não queria parecer uma ameaça para ela. — Nós viemos em paz.

— Eu sei disso — sussurrou a garota, sentando-se na onda congelada. Sua cauda de peixe finalmente se tornou visível, mas Void não conseguia distinguir os detalhes devido à visão noturna de seu elmo. — Se vocês fossem algum tipo de ameaça, Ryuuki não teria me deixado vir aqui... apesar dele não gostar muito de seu... ah... amigo?

— Ryuuki é o seu Mediador? — perguntou Void, mas a expressão confusa da garota o fez refletir se ela desconhecia o termo.

Atlansha era um planeta de Classificação 12, então era bem provável que seus residentes jamais tivessem contato com outras raças, tornando certos termos desconhecidos (e também dispensáveis) para eles. A maneira como a garota observava Arcadia com um olhar curioso deixava isso ainda mais claro, e Void sentia que não demoraria muito para que ela os enchessem de perguntas com relação à espaçonave. Ele não se importaria de respondê-las, mas algo precisava ser feito antes disso.

Void olhou para a garota enquanto inclinava sutilmente a cabeça em direção a Rashidi.

— E sobre esse cara? Não somos amigos — respondeu ligeiramente. — Só viajamos juntos por... objetivos iguais, eu diria. Também não gosto dele; reclama demais e é fraco em combates.

— O que diabos você está falando, depósito de Rytuslam'te?! — reclamou Rashidi, arqueando as sobrancelhas.

— Apenas a verdade — resmungou Void, dando de ombros como sempre.

Era certo que a irritação iria subir à cabeça de Rashidi, mas antes que ele pudesse falar algo, a risada da garota preencheu o ambiente. Rashidi e Void se viraram para ela, tentando compreender a razão pela qual estava rindo, porém sem muito sucesso.

— Vocês parecem boas pessoas — disse a garota com um sorriso.

Aquele clima, porém, não durou muito tempo, e logo uma expressão triste tomou o seu rosto.

— Você disse que estão procurando por algo, não é? — perguntou com um murmúrio. — O que vocês estariam procurando em um lugar como esse? Não tem mais nada aqui.

Uma onda de melancolia preencheu o ambiente. Ela estava certa.

Void se perguntava como alguém seria capaz de sobreviver naquele lugar; não havia atmosfera respirável, e se não fosse por sua armadura, provavelmente ele estaria agonizando no vácuo que dominava o planeta. Também era estranho não se preocupar com radiação eletromagnética, pressão atmosférica, gravidade, possíveis toxinas ou mesmo ser detectado por uma raça de baixa Classificação, o que lhe deixava levemente desconfortável.

Não lhe restava mais dúvidas: havia um Mediador naquele planeta.

Mas não um Mediador qualquer de Classificação 3 ou inferior. Não importava quanto conhecimento científico ou domínio de magia o indivíduo tivesse, manter um planeta daquela forma demandava uma grande quantidade de energia, o que só poderia ser feito por um indivíduo que dominasse os Princípios. Aquilo era assustador por si só, mas o que deixava Void ainda mais preocupado era não saber se tal indivíduo era aliado ou inimigo.

O mais sensato a se fazer era deixar suas intenções claras. E também suas identidades.

— Sinto muito, eu não me apresentei — disse cordialmente. — Você pode me chamar de Void.

No instante em que seu nome foi dito, uma voz grave se pronunciou das trevas do planeta:

— Esse nome... Combina bem com algo como você.

Algo esguio e escamoso pôs-se a envolver Arcadia, e o corpo de Void foi consumido por uma onda de temor diante dos grandes olhos dourados com pupilas de fenda que os observavam na escuridão. Para ele, a criatura não estava escondida nas trevas: a visão noturna de seu elmo o permitia enxergar cada segmento metálico do corpo da serpente colossal que abraçava Arcadia. Grandes presas saíam da boca da criatura, cuja cabeça lhe recordava os dragões que Ribbon citou certa vez.

Apenas a presença do Mediador denunciava o seu poder, muito superior à maioria das criaturas que já tiveram contato. Isso se aquilo fosse realmente um Mediador; parecia com um deus perdido em meio a um paraíso abandonado, e isso deixava Void ainda mais nervoso. Mesmo Rashidi (que supostamente teria encontrado vários Mediadores durante suas viagens) deveria estar assustado diante daquela criatura, visto que ela não tirava os seus olhos dele.

Diante do clima tenso, a garota se pronunciou:

— Ryuu, não assuste eles, por favor — resmungou, o encarando de maneira emburrada.

— Não é com o cara de armadura que estou preocupado, milady — confessou a criatura, abaixando a cabeça enquanto mantinha os olhos fixos em Rashidi, que logo percebeu que o verdadeiro alvo era ele.

A garota suspirou.

— Desculpa por isso, mas ele realmente não gostou de você — murmurou para o outro rapaz, balançando sua cauda de um lado a outro. Voltou, então seus olhos para Void enquanto se apresentava: — Esse é o Ryuuki, o Eco das Profundezas, e eu me chamo Ayase. Nós somos... os únicos por aqui...

Void percebeu que ela tentou manter uma expressão indiferente, mas não deu muito certo.

— É uma honra conhecer os dois — respondeu Void, logo voltando a sua atenção para Ryuuki. — Peço que não se preocupe quanto ao Rashidi: ele é apenas um Vesper de baixo nível que sequer consegue manter uma runa estável por muito tempo. Antes mesmo que ele cause algum problema para vocês, ele vai se matar com os próprios erros.

— Hahahaha!! Boa, Void! — Uma risada infantil foi ouvida de dentro da espaçonave, fazendo Ayase observar a entrada com um olhar curioso. Seus olhos acabaram se encontrando com os de Rashidi (que aparentemente estava irritado), mas ele logo desviou o rosto para outra direção.

Ryuuki, por outro lado, não estava convencido com o que Void lhe contou.

— Essa coisa sempre será uma ameaça para esse universo. Muito me espanta que ainda deixem vocês viajarem entre os mundos livremente. Quem é o responsável pela permanência de vocês neste universo? — perguntou, fazendo a expressão de Rashidi mudar drasticamente; a julgar pela suas sobrancelhas arqueadas e olhar perdido, ele parecia frustrado com algo.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 3, Parte 3

E a "parte de 1.500 palavras" ataca novamente!

Eu sei que parece preguiça minha separá-las dessa forma, mas tenho 10 partes/capítulos completinhas no meu Scrivener, então não é "falta de vontade de escrever". Sabem quando vocês escrevem algo, passa alguns meses e depois vocês percebem que o capítulo não ficou tão bom como deveria? Ou quando vocês precisam mudar algo nos capítulos anteriores porque os mais atuais precisam de algo que deveria ser apresentado faz tempo? Volta e meia eu tenho isso com algumas partes, então a ideia de limitar a quantidade de palavras está me servindo bem, pois assim eu releio várias vezes conforme as semanas avançam e percebo coisas que poderia editar, adicionar ou excluir.

Aliás, ainda estou seguindo a tática de repostar essas partes em cima dos antigas, mas como o arco de Khürmandha foi (muito!) adiado, comecei a usar as partes do arco para publicar as "partes duplicados". Por exemplo, as antigas partes intituladas como "Bem-vindos à Atlansha!", "O meu orgulho como Vesper" e "A tristeza que senti em sua voz" foram divididas em duas partes cada um, já que queria trabalhar com mais paciência nelas.

A interação ficou gigante dessa vez, peço perdão pelo vacilo.



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