Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 28
Capítulo 27 — Cartinhas


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Como vocês estão? Espero que bem.
Dedico o capítulo de hoje a KitKat. Obrigada pela recomendação linda de viver. Espero muito que goste do capítulo.

A todos, uma boa leitura.



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O barulho de chave na porta chamou atenção de Rosalie para aquela direção. A porta da frente se abriu com a chegada de Emmett. Ele deixou as chaves no aparador. Ao levantar a vista, seu olhar encontrou o dela. Olívia se apressou em ir ao encontro do pai tão logo notou sua presença.

— Papai, papai — Saltitando em volta dele, mostrando o quanto estava contente em vê-lo.

Emmett a pegou no colo, fazendo questão de beijar seu rosto enfeitado de sardas minúsculas.

— Você está bem? — perguntou para a menina. Ao olhar em Rosalie, mostrou que a pergunta se estendia a ela também. A resposta veio de um sútil balançar de cabeça.

— Advinha só, papai? — Olívia continuou sem perder a animação.

— O quê?

— Chegou uma coisa para mim pelo FedEx.

Como buscasse uma resposta, Emmett olhou novamente na direção de Rosalie.

— Que coisa? — pediu então a Olívia.

— É uma boneca.

Emmett a colocou no chão a primeira menção de descer de seu colo. Viu-a correr para onde estava brincando antes com Rosalie, e a boneca que não tinha visto anteriormente.

— É uma boneca American Girl. Veio também o livro. Rose disse que é contando sobre esta boneca em especial. Cada uma tem o seu. E foi a vovó que mandou pra mim.

— A vovó? — a forma como sua pergunta soou, demonstrou não saber quais das avós enviou o presente à menina.

— A vovó Cheryl. — confirmou Olívia. Olhando a boneca, completou: — A vovó se lembrou de mim. Você viu que ela tem cabelos parecidos com os meus, papai?

— Sim — ele pareceu realmente contente com essa semelhança. — Ela lembra muito você.

O sorriso no rosto de Olívia mostrou que concordava. Ela apertou a boneca nos braços, em seguida, voltou para onde estava brincando antes de ele chegar.

Emmett olhou para o lado ao perceber que Rosalie se aproximava.

— Ainda não consigo acreditar que minha mãe tenha enviado uma boneca para Olívia. Você tem certeza que foi mesmo minha mãe? Tinha o nome dela no embrulho?

Um sorriso sem graça alcançou os lábios de Rosalie.

— É possível que eu tenha algo a ver com isso.

— Do que está falando?

— É que não faz muito tempo falei com sua mãe por telefone.

— Como você…

— Como encontrei o número de telefone dela? Posso ter encontrado sem querer em uma das gavetas do antigo escritório de Sarah.

Para sua surpresa, Emmett sorriu.

— Aposto que foi tão insistente com ela quanto foi comigo.

O alívio com a reação tranquila dele, a fez rir também. Ele nunca iria se esquecer de como foi obstinada em fazer enxergar a vida de modo diferente daquilo que vinha fazendo nos últimos seis anos.

Olívia reparou nos dois. A expressão em seu rosto deixando claro o quanto apreciava que estivessem se dando bem.

— Rose vai me ajudar escrever uma cartinha para a vovó — contou. Voltando a atenção aos brinquedos logo depois.

— Minha mãe escreveu uma carta para ela? — ele parecia não acreditar no que lhe diziam, tão difícil achava ser possível Cheryl voltar a fazer parte da vida deles.

Antes de falar, Rosalie se certificou de usar o tom de voz que Olívia não ouviria.

— Não. Mas Ollie pensa que foi porque acabou o papel na casa dela, e ela não teve tempo para comprar mais. Disse que vai enviar uma folha em branco, garantindo assim que tenha onde escrever uma resposta.

Emmett lançou um olhar carinhoso à filha, que brincava com suas bonecas e o jogo de chá no tapete da sala.

— Espero que ao receber a cartinha, tenha sensibilidade suficiente para responder de volta — completou ele.

Rosalie meneou a cabeça, concordando.

— Vai mesmo ajudar ela escrever?

— Sim.

Emmett a surpreendeu ao roubar um beijo. O olhar de Rosalie foi para onde Olívia brincava com as bonecas. Ficando agradecida por não ter percebido nada.

— Assim, não — queixou-se. A expressão em seu rosto dizendo o contrário. Emmett sugeriu que fossem para a cozinha. Olívia os viu deixar a sala de mãos dadas, observando-os de canto de olho. Permanecendo exatamente onde estava.

Rosalie foi se apoiar na ilha, aguardando qualquer que fosse o assunto. Emmett cheirou seu pescoço ao cruzar a cozinha indo abrir a geladeira.  O gesto fez com que automaticamente apertasse os olhos. A pele arrepiar, quase como um afeito dominó, gerando um rastro de destruição. Um rastro de desejo.

— Como foi o seu dia? — perguntaram quase que ao mesmo tempo.

— Você primeiro — sugeriu ele. Olhou então dentro da geladeira. Ficou um tempo com a porta aberta pensando no que pegar para beber, uma vez que havia deixado de comprar bebidas alcoólicas.

— A melhor parte do dia é quando busco Ollie no ponto, depois da escola — afirmou Rosalie. 

— Leite, água ou suco? — segurando a porta da geladeira, ele se virou para olhar no rosto dela.

— Leite, por favor.

Deixou o garrafão de leite em cima da ilha enquanto pegava os copos no armário. Levou às mãos a garrafa para abrir a tampa. A mão de Rosalie parou sobre as suas. Ele olhou no rosto dela outra vez.

— Estou orgulhosa. Sei o quanto tem se esforçado.

A calmaria em seu rosto revelou o quão satisfeito estava.

— Estou um pouco cansado — disse. — Porém, feliz por encontrar você e Olívia juntas, depois de um dia de trabalho duro.

— Há alguns dias você odiava — ela lembrou, mas o tom de voz revelou que estava se divertindo.

— Meu juízo andava prejudicado, afinal. — deslizando a mão sobre a ilha, alcançou as dela.

— Eu também vou querer leite — a voz infantil quebrou o contato visual e físico. Mas eles não estavam incomodados. Pelo contrário, estavam sorrindo.

Rosalie estendeu a mão num convite. A menina cruzou a cozinha correndo, chegando mais perto deles. Emmett a pegou no colo e colocou sentada na ilha. Rosalie serviu três copos com leite frio.

— Biscoitos, papai?

— Biscoitos. — Ele girou nos pés buscando o pote de biscoitos na bancada abaixo do armário suspenso. Cada um segurou um biscoito, mergulhando no leite ao mesmo tempo. Emmett colocou o dele inteiro na boca. Apertando os lábios na bochecha de Olívia fazendo-a sorrir.

[…]

Depois de um banho quente, Emmett voltou à cozinha para preparar o jantar deles. Os copos usados para tomar o leite ainda estavam em cima da ilha. Ele os recolheu levando para dentro da pia.

De vez em quando ouvia Olívia e Rosalie conversando na sala de jantar. Elas estavam usando a mesa enquanto escreviam para Cheryl. Ouvir parte da conversa delas enquanto cuidava do jantar trouxe a sensação reconfortante de estar em família. Não se culpou por pensar assim. Rosalie se tornou importante não só para Olívia, começava aceitar que para ele também.

[…]

Concentrada no desenho que enviaria junto com a carta, Olívia falou com ela.

— Rose? — A mão pequena que segurava o giz de cera encostou-se ao queixo.

— Oi, amor?

— Eu estava pensando… — O jeitinho como falou fez Rosalie sorrir.

— Em que você estava pensando, coisa linda?

— Que minha outra avó iria gostar de eu enviar uma cartinha para ela também. Tem o vovô que é marido dela, então, poso incluir ele na cartinha. Você me ajuda escreve para eles também?

— Ajudo, sim. Só que, Ollie, eu não sei o endereço deles.

— Eu também não sei. Talvez o papai saiba.

— É possível.

— Podemos começar depois que eu terminar o desenho para a vovó Cheryl?

— Sem problemas.

Olívia se mostrou satisfeita. Erguendo a folha, mostrou o desenho a Rosalie.

— Está ficando bonito? — pediu.

— Uma lindeza só. Você é especialista em desenhos, Ollie. Eu simplesmente adoro todos eles.

Olívia voltou se concentrar no desenho. Vez ou outra, parando e avaliando a combinação de cores.

O jantar estava quase pronto quando Olívia entrou na cozinha com Rosalie seguindo seus passos.

— Papai, a cartinha da vovó ficou pronta. — estava orgulhosa de seu trabalho. Segurando com alegria as folhas do desenho e da carta. — Você quer ver?

— Foi ela quem escreveu. Eu só ajudei com a escrita. — Rosalie explicou. Olhou em volta, percebendo que começou pôr a mesa. — Quer que eu termine aqui? — fez um gesto indicando a mesa.

— Se você não se incomodar.

— Não me incomodo.

Emmett sentou na banqueta, e colocou Olívia sentada em suas pernas. Ela queria estar perto enquanto lia a cartinha que escreveu para a avó. Ele olhou primeiro o desenho.

— Que lindo, Ollie. Mas, você fez dois desenhos iguais.

— Tem duas cartinhas também — ela esclareceu. — Uma da vovó Cheryl, outra para a vovó e o vovô que eu não conheço.

Rosalie deixou de prestar atenção no que estava fazendo para olhar para eles. Viu o rosto de Emmett se tornar uma máscara de amargura. A julgar pela forma como olhou para o pai, Olívia também notou. Rosalie se aproximou retirando Olívia do colo dele.

— Papai?

Emmett ouviu a voz preocupada da filha. O passado naquele momento deixou de ter importância, permitindo a ele apenas enxergar as duas na cozinha.

— Me dá ela, Rose — pediu.

— Tudo bem? — Rosalie quis saber.

Ele ergueu os braços pegando a filha de volta.

— Papai pode ler a cartinha da vovó? — ele quis saber da menina.

— Ahan.

Emmett reparou na caligrafia infantil, com Rosalie ao lado deles.

 

Querida vovó Cheryl,

 

Já faz um tempo você saiu da casa do papai e foi viver em sua própria casa. Por um tempo, eu estive muito triste porque foi embora. Pensei que o papai não gostasse de mim. Ele gosta, sim. Ele está aprendendo como arrumar meus cabelos. Já ler para eu dormir. Até brinca de bonecas comigo. E faz panquecas deliciosas, como você fazia.

 

Eu recebi a boneca. Ela é muito bonita. E se parece comigo. Antes eu não tinha bonecas de verdade. Agora já tenho bastante até. Arco-íris ainda está comigo. Mas ela já me avisou que em breve terá de ir embora. Eu não quero que ela vá. Vou sentir saudades. Também tenho uma amiga que chama Megan, ela é de minha turma na escola. Ela tem quase toda a coleção American Girl, sabia?

 

Sinto sua falta vovó. Então, se puder, vem me visitar um dia.

 

PS: Agora eu tenho a Rose. Ela é como uma mamãe pra mim. Ela tem cheiro de mamãe. Acho que esse é o melhor cheiro de todos. Me faz sentir tranquila e segura.

 

Com amor,

 

Sua neta, Olívia.

 

Mesmo tendo conhecimento do conteúdo, por tê-la ajudado com a caligrafia, Rosalie se emocionou uma segunda vez. Assistiu à emoção de Emmett se tornar lágrimas. Ele passou a mão no rosto, se preparando para a carta dedicada aos pais de Sarah.

 

Queridos vovó e vovô,

 

Caso estejam se perguntando quem sou eu, me chamo Olívia. Minha mãe era Sarah. Ela era filha de vocês, mas isso vocês já devem saber. O papai não sabe me dizer por que nunca vieram me visitar? Talvez seja longe onde vocês moram e a passagem de avião muito cara. Um dia, quando for crescida e tiver um trabalho, eu vou aí visitar vocês. Só preciso antes descobrir onde é.

 

O papai vai enviar essa cartinha em meu nome.

 

PS: O papai antes não sabia sorrir, mas agora ele está aprendendo.

 

Com amor,

 

Olívia

 

Ao final da leitura, Emmett não se importava mais com as lágrimas. Envolveu o corpo miúdo em seus braços beijando no alto da cabeça ruiva.

— Você está triste, papai?

— Nunca mais ficarei triste. Eu tenho você.

Rosalie passou a mão no rosto afugentando uma lágrima que chegou sem aviso.

— Você envia as duas cartinhas pras duas vovós e vovô?

— Amanhã mesmo faço isso.

As mãos pequenas afagaram sua barba.

— Eu te amo, papai. — Fez menção de sair do colo dele, e Rosalie a ajudou saltar no chão. Olívia saiu da cozinha correndo para ver alguma coisa na sala de jantar.

Emmett apoiou os cotovelos na bancada se permitindo desabafar com um choro de soluços. Sentiu a mão de Rosalie afagar suas costas, lhe dando algum conforto.

— Ela te ama demais — reafirmou.

Ele afastou os cotovelos da ilha, abraçando a cintura de Rosalie. Ela afagou seus cabelos deixando as pontas dos dedos se perderem nas ondas curtas encaracoladas.

— Papai? — Olívia estava de volta. Emmett limpou o rosto, sorrindo para a menina, que sorriu de volta. Ela ergueu a mão. — Os envelopes para você colocar as cartinhas.

— Onde você os encontrou?

— Foi a Rose, numa gaveta do escritório.

O olhar dele encontrou com o de Rosalie. A expressão dela era de quem pede desculpas. Ele teve de sorrir. Começava se acostumar com o fato de Rosalie parecer estar sempre mexendo em suas coisas como estava fazendo com sua vida.

[…]

— Vou te esperar lá embaixo — Ela falou em voz baixa ao passar por ele na porta do quarto de Olívia. Tinha acabado de colocar a menina na cama. E lido um pouco antes de sair.

Emmett balançou a cabeça, aceitando. Encostou a porta atrás de suas costas e foi sentar na cama, pertinho de Olívia.

— Está confortável aí? — pediu.

— Sim.

Então Olívia entregou a ele o livro que estavam lendo.

— Antes de continuarmos de onde Rosalie parou, papai precisa te perguntar uma coisa.

— Ela gosta mais de ser chamada de Rose.

Emmett ficou surpreso com o que disse.

— É mesmo?

— Uhun.

— E você, como prefere ser chamada? Olívia, Abobrinha ou Liv?

— Eu gosto que o vovô Nor me chame de Abobrinha. Rose me chama de Ollie. Você, de Olívia. Ninguém me chama de Liv. Não sei o que pensar disso.

— Você me daria permissão para te chamar de Liv?

Ela sacudiu a cabeça, recusando.

— Não?

Novamente, moveu a cabeça recusando.

— E de Ollie?

— Sim.

— Ótimo! Posso te confessar uma coisa? — Ela sacudiu a cabeça que sim. — Ollie, é meu favorito.

Os olhinhos brilharam, a mão pequena alcançou a barba mais uma vez.

— Era assim que a mamãe falava de mim nos vídeos que a gente viu junto juntos.

Ele segurou sua mão pequena dando um beijo. Ainda se surpreendia com o quanto eram macias e delicadas.

— Era exatamente assim.

— E a Rose.

— É, a Rose também. Acha que devo chamar ela de Rose?

— Faz muito bem, papai.

— Faço?

— Uhun.

— Okay, vou me lembrar disso.

Olívia afagou novamente a barba dele, em seguida, veio à pergunta.

— O que ia falar papai?

Emmett cutucou sua barriga arrancando uma risadinha.

— Sua espertinha. Achei que não ia querer saber. Que não tinha prestado atenção.

— Eu prestei, sim. Até demais.

Uma gargalhada fez o peito de Emmett sacudir. Olívia reparou no rosto dele antes de ser influenciada, gargalhando também.

Rosalie levantou a vista, olhando no alto da escada, gostando que os dois tivessem se divertindo. Aos poucos, aquele homem que conheceu na biblioteca da escola primária quando foi buscar Olívia, estava sendo modificado. O homem sombrio e solitário, voltava à vida.

— Então…? — insistiu Olívia parando de gargalhar.

— Então o quê?

— O que você ia falar papai?

— Ah, sim! — Ele se recostou a cabeceira. O corpo grande tendo dificuldade de encontrar espaço ao lado da filha na cama de solteiro.

— Você gosta do violoncelo da mamãe, não gosta?

— Uhun.

— Muito ou pouco?

— Muito, muito, muito — respondeu.

— Gostaria de aprender tocar como sua mãe tocava?

— Gostaria. — Os olhos cintilaram. A oferta era verdadeiramente boa. — Mas ele é muito grande, eu não consigo.

— Você teria aulas num modelo próprio para crianças.

— Mas não seria o da mamãe.

— Não. O da mamãe pode ficar guardado esperando que tenha tamanho suficiente para usá-lo.

Olívia sorriu, olhando nos olhos dele.

— Ele vai ser meu?

— No futuro.

— O futuro demora? Quanto tempo?

Emmett tocou a ponta de seu pequeno nariz salpicado de sardas.

— Não tenha pressa. Ser criança é a melhor fase da vida. Um dia você vai olhar para trás e vai perceber que disse a verdade.

— Eu gosto de ser criança.

— Que bom, porque eu adoro ser o papai dessa criança linda. De sorriso doce e rostinho salpicado de sardas que me fazem pensar em canela. E canela me faz pensar em doces, que me fazem pensar…

— Tá bom papai — Uma risadinha se ouviu. Ele acabou rindo junto.

Segurando o cobertorzinho e a ovelha de pelúcia, Olívia levantou a cabeça do travesseiro para deitar no peito dele. Emmett a acolheu com carinho e amor.

— Você gostaria, também, de ter aulas de balé? — Ele pensou em Sarah, sobre ter mencionado durante a gravidez Olívia praticar aulas de balé algum dia.

— Com tutu cor-de-rosa e tudo?

— Sim — a resposta veio acompanhada de um sorriso.

— E um coque de bailarina?

— Também.

— Eu quero. Eu quero sim, papai.

— Sua mãe imaginou você fazendo balé.

— E tocando violoncelo?

— Também.

— Uma bailarina que toca celo.

— Uma bailarina que toca celo — concordou ele.

— Megan vai à aula de balé. Eu vi na casa dela o collant e o tutu. Também suas sapatilhas. Eu vou ter sapatilhas, papai?

— Vai, sim.

— Faz um coque de bailarina nos meus cabelos para eu ir à escola amanhã?

— Faço, sim.

As mãos pequenas afofaram a barba espessa como fosse um bicho de pelúcia.

— Você gosta da barba do papai?

Ela sacudiu a cabeça, concordando.

— Iria gostar se eu retirasse?

Dessa vez, moveu a cabeça de forma negativa.

— E se eu apenas aparar? Deixar mais curtinha? Você iria ficar triste?

— Não.

— Então o papai pode aparar a barba?

— Pode. Só não pode tirar tudo.

— Para você o papai sempre foi barbudo, né amorzinho?

— Uhun.

— Acho que até eu estranharia minha imagem no espelho, depois de tanto tempo usando barba, aparecer sem ela. Podemos ler agora, antes que você fique sonolenta?

— Sim, papai.

Emmett ajeitou o braço em volta dela de modo a segurar o livro e conseguir virar a página quando necessário. Beijando no alto de sua cabeça ruiva ao iniciar a leitura.

— A vovó lembrou-se de mim — falou Olívia durante a leitura.

— Aposto que ela nunca te esqueceu.

[…]

Rosalie deixou o celular de lado no momento que Emmett desceu a escada. Ele foi sentar ao seu lado no sofá. Ela aproveitou a proximidade acariciando a nuca dele e o lóbulo da orelha.

— Ela dormiu?

Notou tencionar o pescoço reagindo às carícias.

— Sim.

— Ouvi vocês gargalharem.

— Eu a adoro. Ela é incrível.

— Viu o quanto estava perdendo sendo rabugento. Falou com ela sobre as aulas extracurriculares de violoncelo?

— Falei do balé também.

— E o que disse?

— Que quer muito, muito, muito ser uma bailarina que toca celo.

Rosalie estava sorrindo.

— Preciso aprender como fazer um coque de bailarina perfeito até amanhã de manhã. É o penteado que ela escolheu para ir à escola.

— Posso te ajudar com algumas dicas. Pode sempre usar meus cabelos como cobaia.

Ele acariciou uma mecha do cabelo louro, do comprimento as pontas.

— Não vou detonar seus cabelos. É melhor usar os cabelos das bonecas como fiz antes ao tentar fazer tranças.

— Não vai ser fácil fazer um coque de bailarina nos cabelos das bonecas. Não é tão maleável assim.

— Mesmo assim.

— Vai enviar as cartinhas dela amanhã?

— Sim.

— O que aconteceu com os pais de Sarah, afinal? Por que nunca vieram visitar a neta? Eles não conhecessem a Ollie?

— Não vou me lembrar de muita coisa dessa época. Estava praticamente morto, também. Mas, a resposta para sua pergunta é não. Eles não a conhecem. Nem mesmo estiveram aqui para o funeral da mãe dela.

— Como era a relação com eles?

— Não existia. Minha união com Sarah nunca foi vista com bons olhos pelos pais dela. Digamos que eu era tudo o que eles queriam longe da filha deles. Assim como eu, Sarah também foi filha única. Diferente de mim, ela era de família abastada. O pai era filho de imigrantes italianos, a mãe americana. Estavam pensando em se mudar para Itália quando Sarah resolveu fugir para se casar comigo. Eles tentaram de tudo para ela voltar, mas Sarah estava decidida a ficar comigo. Nós nos amávamos. Ela abriu mão de fazer coisas que teria levado a um futuro diferente. Deixou de fazer parte de companhias de música renomadas para estar ao meu lado. Nunca disse a ela para deixar nada para trás, ela escolheu assim. Sarah amava música clássica, mas amava muito mais a vida que levávamos juntos. O pai dela me odiava por isso. Quando ela morreu, ele me culpou. Disse, por telefone, que eu era o culpado por destruir sua vida.

Isso levou Rosalie a pensar que não tinha sido muito diferente do que fez com Olívia.

— A mãe dela nem mesmo chegou a falar comigo. Não sei o que se passava na cabeça dela. Acredito que não era muito diferente do que pensava o marido. Acabou que tive de lidar com tudo, relacionado ao funeral, sozinho. Minha mãe estava aqui, estava cuidando do bebê que Sarah me deixou, e eu, cruelmente, recusei ser seu pai por tanto tempo. Nunca mais tive qualquer notícia dos pais de Sarah. Foi como tivessem desaparecido da terra. Como eu quis ter feito. Agora minha filha escreveu uma cartinha a eles, que nunca desejaram conhecer ela. Se estou com medo que seja ignorada? Sim, eu estou. O pai de Sarah disse, na época, que não interessava a ele nada que estivesse ligado a mim.

— Eles foram cruéis. Negando o último adeus a filha. E ao renegar a neta. Não posso acreditar que minha pequena tenha sido alvo de tanto desamor. É desumano — concluiu Rosalie.

— Será que algum dia terei o perdão de Deus pelo que fiz? — a expressão em seu rosto revelou um homem angustiado em busca de perdão.

Rosalie o abraçou.

— Ela já o perdoou, acredite. — Afagou suas costas reconfortando-o.

— Com tudo o que fiz de errado, eu devo ter feito algo certo, para ela me amar tanto. Para merecer seus beijos e abraços e também risadinhas.

— Sim. — Ela fez uma pausa. — Onde eles estão agora, você sabe? Como vai enviar a cartinha de Ollie para os avós maternos?

— Eles foram para a Itália como pretendiam fazer antes da morte da filha, acredito. A residência, eles sempre tiveram. Sarah tinha o endereço registrado em uma agenda no escritório.

— Envie a cartinha — orientou Rosalie. — Talvez seja o elo que irá aproximar avós e neta. Se renegarem a Ollie, eles são quem sairão perdendo. Se escreverem de volta, você terá acesso antes, então, decidirá se pode saber o que está escrito.

Emmett anuiu.

— Posso te fazer mais uma pergunta?

— Fique à vontade.

— Como se chamam os pais de Sarah?

— Carlisle e Esme Cullen.

— Ollie sabe?

— Não faz muito tempo. Depois de encontrar o DVD de O Mágico de Oz começou questionar sobre os avós maternos.

— Acho que tenho um pouco a ver com isso, também.

— Você tem tudo a ver com isso — respondeu ele.

— Até te pediria desculpas, mas, a verdade é que não me arrependo de nada que fiz. Embora nem tudo tenha sido diretamente.

Ela se encostou a ele. Levou um instante para Emmett passar o braço em volta de seus ombros.

— Quer assistir a um filme? — ela pediu.

— Eu preciso aprender fazer um coque de bailarina até amanhã, lembra?

Rosalie se afastou para olhar nos olhos dele.

— Pegue seu notebook. Vamos ver juntos alguns tutoriais de cabelos.

— Já estou até seguindo alguns canais — ele confessou risonho.

— Eu estou sabendo. — Observou ele ir até o escritório, que um dia pertenceu a Sarah. A seu lado, o celular alertou para a chegada de uma mensagem onde dizia para deixar de ser birrenta e voltar para Atlanta.

Foi difícil não se deixar afetar pelo que acabou de ler. Resistindo ao impulso de responder de volta, ignorou.

Emmett notou a mudança em seu rosto no momento que entrou na sala. O notebook estava em suas mãos agora.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, notando que segurava o celular.

— Acabei de receber uma mensagem de minha mãe.

— E? — ele soou como esperasse continuação.

— Nenhuma foto. Se você não se importar, eu gostaria de não falar de minha família agora. — Ela bateu com a mão no espaço vazio ao seu lado no sofá. — Vamos ver logo esse tutorial. Já que prefere desse jeito.

Ele ainda analisava o rosto dela, quando se sentou ao seu lado. Deixando o notebook sobre as pernas, assistiu ela apertar o botão para ligar. Ficaram se olhando pelo tempo que durou a inicialização do sistema.

Rosalie percebeu a imagem de Sarah na tela. Emmett ficar diferente, como pedisse desculpas. Ela não deu importância, buscando logo o que procuravam. A imagem de Sarah foi esquecida por ela facilmente. Assistir o empenho com que buscava aprender coisas novas por Olívia, a deixava fascinada.

Ele estava cem por cento focado em aprender. Podia jurar que seu único pensamento era deixar Olívia contente com o novo penteado. Assistiu três vezes o mesmo tutorial antes de começar praticar nos cabelos das bonecas. Os acessórios de cabelos de Olívia estavam todos na sala ao alcance de suas mãos.

— Ainda penso que precisa fazer em cabelos de verdade antes de fazer nos cabelos da Ollie. Pode usar os meus de cobaia, já disse.

— Tem certeza disso?

— É pela minha menina. Quero garantir que terá o coque de bailarina perfeito, feito pelo papai dela.

— Obrigado.

Pelos próximos minutos, Rosalie deixou que usasse seus cabelos para praticar o coque de bailarina. Ele se mostrou cuidadoso ao manuseá-los, trazendo a reconfortante sensação de relaxamento.

Na primeira tentativa teve dificuldades em juntar todo o cabelo no alto da cabeça. Estava nervoso, era a primeira vez que penteava os cabelos de uma mulher que não fosse Sarah ou sua filha. Notou relaxar ao toque de sua mão na nuca.

— Agora é a hora da verdade — mencionou ao terminar.

Rosalie olhou no rosto dele. Emmett parecia ansioso por sua aprovação. Ficou assim pelo tempo que pegou o espelho, que Olívia dizia ser de princesa, analisando a imagem refletida nele.

— Está bom, mas ainda pode melhorar.

— Agradeço a sinceridade.

— Eu preciso ir agora. Está tarde, meu avô está me esperando.

— Gostaria de poder te levar.

— Está tudo bem, Emmett. Nós dois sabemos o motivo de não fazer isso. Me acompanha até o carro?

— É o mínimo que eu posso fazer.

Rosalie tomou a iniciativa de segurar sua mão ao se colocar de pé.

Já do lado de fora, ele abriu a porta do carro para ela entrar, após desativar o alarme. Rosalie ficou entre o veículo e ele.

— Até amanhã — falou por fim.

Sutilmente as mãos dele tocou seu rosto, acariciando o queixo antes de seus lábios se tocarem. Se permitindo viver um novo amor. Uma nova paixão.

Rosalie ocupou o lugar atrás da direção do carro.

— Vá com cuidado — ele pediu.

Ela passou a mão nos cabelos enquanto se olhava no espelho retrovisor interno.

— Você nunca viu coque de bailarina mais perfeito que esse — brincou Emmett.

— Ollie vai ficar muito feliz quando reproduzir o coque nos cabelos dela amanhã.

[…]

Usando sua saía de tule cor-de-rosa por cima da legging num tom de rosa mais clarinho, e a blusa de moletom com o gatinho na parte da frente, Olívia admirava o coque de bailarina que o papai acabou de fazer em seus cabelos. Deu uma risada gostosa, depois correu para abraçar ele, que aguardava sentado na cama.

— Obrigada, papai.

— Que bom que gostou. Pronta para ir esperar pelo ônibus?

Antes de começar arrumar os cabelos dela, ele serviu o café da manhã e preparou a lancheira.

Desceu a escada de mãos dadas com ela. Olívia pulando de um degrau para outro. Às vezes, dando risadinhas. Antes de saírem, pegaram a lancheira na cozinha.

Olívia saltitou todo o caminho da porta da frente até a calçada sem se importar com a melancolia que representava o jardim deles. A mochila nas costas não atrapalhava em nada seu entusiasmo naquela manhã.

Numa mão, Emmett acolhia a mão pequena. Na outra, carregava a lancheira.

A caminho do ponto, Olívia ergueu a vista, buscando o olhar do pai. Emmett sorriu para ela, que continuou saltitante.

Ele a colocou no primeiro degrau, assim que o ônibus chegou e abriu a porta. Entregou a lancheira e se despediu.

— Até mais tarde, amorzinho.

— Tchau, papai.

A porta do ônibus fechou. Emmett observou Olívia caminhar até seu assento e acenar pela janela. Enquanto o veículo escolar se afastava, percebeu, na direção oposta, o carro de Rosalie. Com um sorriso no rosto, caminhou ao encontro dela.

— O que faz aqui tão cedo? — pediu na janela, cujo ela abaixou o vidro.

— Queria presenciar a reação dela usando o coque de bailarina feito pelo papai. Como não levo mais o lanche na escola, tive de vir aqui. Não iria aguentar esperar até à tarde para saber sua reação. Pela felicidade dela, imagino que ficou do jeitinho que imaginou. — Ainda enquanto falava destravou a porta no lado do carona para Emmett entrar no carro. — Não sabe a alegria que me dá ver você segurar na mão dela e levá-la para pegar o ônibus escolar.

O olhar dele revelou que era assim que se sentia; alegre em perceber a chance de recomeçar.

 


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Notas finais do capítulo

Se puder, deixe um comentário. E eu terei prazer em responder ;)