Sasuke colocou as duas mãos no rosto e ficou em silencio.

Eu não sabia o que isso poderia significar, e o medo se alastrava por todo o meu ser. Estaria ele decepcionado por eu não me lembrar dele? Ao menos sua pergunta deixava claro que ele sabia do acidente e da perda de memória.

E se ele não quisesse mais falar nada? Eu tinha que demonstrar que estava tentando, que eu poderia lembrar dele em algum momento.

— Após o acidente... – eu comecei e ele voltou sua atenção para mim – Eu fiz algumas sessões para tentar recobrar a memória, mas é muito doloroso. – ele fechou os olhos com força novamente e eu olhei para a janela para conseguir terminar de falar tudo que precisava – Eu tinha muitas dores de cabeça, então acabei desistindo. Apenas segui minha vida e deixei a parte que eu esqueci para trás... Meus pais nunca me deram explicações significativas e eu nunca me importei, ao menos não até pouco tempo. – fechei os olhos e encostei a testa no vidro frio – Quando o Naruto se mudou para cá, ele convidou Ino e eu para jantarmos em sua casa. A noite foi bem agradável, e ele contou algumas coisas sobre sua própria vida, incluindo sobre a namorada, Hinata.

Respirei fundo e olhei-o novamente. Ele estava virado em minha direção com os olhos atentos em mim.

— Você já se encontrou com ela? – perguntou rapidamente.

— Ainda não. – disse simplesmente – Mas foi quando ele mencionou o nome dela que eu tive uma forte dor de cabeça e uma lembrança acabou surgindo. Eu me lembrei do dia em que a conheci...

Minhas palavras morreram ao constatar o que a pergunta de Sasuke significava. A Hinata, namorada do Naruto, era a mesma das minhas lembranças.

— Então você a conhece também? A Hinata estudou conosco no ensino médio?

Como se percebendo que eu não tinha essa confirmação ainda, Sasuke fechou a boca numa linha rígida.

— Sim... – falou simplesmente e olhou para o outro lado – Ela estudou no mesmo colégio que nós dois...

Eu olhava para a frente do carro, mas não era como se enxergasse realmente o que estava ali. Eu enxergava uma luz, finalmente uma luz que poderia me guiar até as minhas memórias, uma luz que me guiaria para me mostrar quem eu era, e o que aconteceu.

Balancei a cabeça com um sorriso no rosto, de qualquer jeito, ainda precisava terminar de contar tudo ao Sasuke.

— Após recuperar essa lembrança, decidi que era hora de lembrar de tudo. Ino me disse que seu pai poderia me ajudar, então acabei indo fazer uma consulta com ele. – vi que Sasuke virou o rosto novamente para mim, mas não consegui entender o que seus olhos transmitiam – Na primeira sessão eu consegui lembrar um pouco mais do dia em que a conheci, apareceu um amigo dela... Kiba. – Sasuke se endireitou no assento e vi seus punhos fecharem em cima da perna – Bom... – limpei a garganta para continuar – Depois alguém esbarrou nele, mas eu não conseguia enxerga-lo, via apenas uma escuridão.

Um sorriso triste se formou no rosto de Sasuke e ele disse enquanto me olhava profundamente.

— A escuridão era eu.

O jeito com que ele falou... Fez com que um arrepio passasse por todo meu corpo. Ele falou quase como um... Aviso.

— Era... – minha voz estava baixa assim como meu rosto – Mas no dia eu não consegui lembrar... Na segunda sessão eu também não tive muito sucesso..., mas quando eu cheguei ao jantar, e Jiraya disse que Naruto estava com o “Sasuke” eu tive mais uma das dores de cabeça que antecedem às memórias. – olhei para os orbes negros que me encaravam incansavelmente – Me virei em sua direção como um imã, e você estava me encarando também. – engoli em seco com a intensidade de nossa troca de olhares, mas mantive meu olhar fixo no seu – A ultima coisa que eu vi antes de ser tomada pela lembrança, foi você falando meu nome. Foi como um flashback, Hinata... Kiba... Até você aparecer nitidamente na minha cabeça. Eu me abaixei para pegar seus papéis e... – soltei uma leve risada – Acabei descobrindo que você era um tanto quanto mal-educado.

Pela primeira vez desde que o “conheci”, Sasuke colocou um sorriso torto no rosto, visivelmente sincero, enquanto me olhava de cima a baixo.

— Você era irritante.

Senti minhas bochechas corarem violentamente com seu comentário e fitei o painel do carro. Ouvi uma risada anasalada e olhei de canto para ele, que mantinha firme o sorriso torto e me olhava com divertimento.

— E continua corando com qualquer comentário pelo visto.

Eu ri baixinho e passei a mão no cabelo, tentando não me constranger ainda mais.

— Eu devo estar igual um tomate. – falei enquanto olhava novamente para fora do carro.

Senti a mão de Sasuke pegando uma mecha do meu cabelo e me virei para ele, que estava um pouco mais próximo e analisava os fios róseos.

— Você não lembra é claro, mas eu sempre gostei de tomates.

Meu rosto queimava de tanta vergonha, e olhando para frente pude avistar Naruto descendo do próprio carro.

— Eu acabei não parabenizando o Naruto direito...

E dizendo isso fugi do carro em direção ao nosso amigo. Assim que me viu o sorriso característico surgiu em seu rosto.

— Estava maravilhoso Naruto! Obrigada por ter nos convidado.

— Não tem que agradecer Sakura-chan. – o sorriso diminuiu um pouco em seu rosto e ele coçou a nuca – Até o Sasuke-teme veio, e a Hina não pode vir. Você deve conhece-la também não é Sakura-chan? Se você estudou junto com o Sasuke.

— Vamos subir logo Naruto. – Sasuke disse rapidamente.

Não sei se ele percebeu que eu não queria responder à pergunta, mas agradeci mentalmente a interrupção. Que eu havia estudado com Hinata era verdade, mas como eu ainda não me lembrava, era estranho responder sobre isso. Eventualmente eu teria que contar ao Naruto sobre minha amnésia, ainda mais que ele poderia comentar de mim para sua namorada. E se ela pensasse que eu recuperei a memória mais nunca entrei em contato com ela? Realmente, eu precisava alertá-lo sobre tudo que aconteceu comigo.

— Deixa a Sakura-chan me contar, o que o Teme fez para a Hina-chan não gostar dele. – o olhei com confusão e vi Sasuke suspirar alto – Ela diz que não tem nada contra ele, mas eu percebo como ela prefere evita-lo, sempre achei que era porque ele é muito ranzinza, mas você pode me dizer se é por outro motivo...

— Chega Naruto. – Sasuke estava com a voz firme e encarava o amigo – Vamos subir, a Sakura precisa ir descansar.

— Tudo bem Doutor Uchiha. – o loiro revirou os olhos para o amigo – Você está bem mesmo não é Sakura-chan?

Concordei a cabeça e nos dirigimos para as escadas. Naruto puxava assunto com Sasuke, mas eu não estava prestando atenção no que eles falavam.

Minha cabeça estava uma confusão de pensamentos. Eram muitas coisas para serem assimiladas em pouco tempo, e eu não conseguia entender nada.

— Obrigado mais uma vez Sakura-chan.

Naruto como sempre me tirou dos pensamentos e me deu um abraço caloroso. Percebi que já estávamos em meu andar e retribui o carinho dele.

— Não tem o que agradecer. Boa noite para vocês...

Sasuke encarava a parede do outro lado do corredor e apenas assentiu com a cabeça sem me olhar.

Entrei em meu apartamento e fui diretamente para o quarto. Coloquei uma roupa mais confortável e me joguei na cama, fitando o teto branco.

O que havia acontecido afinal?

Por que eu tive tanto medo da escuridão? E quando a encontrei cara a cara, foram outros sentimentos que me invadiram... Afinal, por que Sasuke era a escuridão? Seria somente pela memória estar incompleta que a escuridão me assustava? Ou haveria algo a mais?

“A escuridão era eu.”. Me lembrei de suas palavras e novamente um calafrio se fez presente por todo o meu corpo. É claro que ele saberia que quem esbarrou no Kiba era ele, mas por que eu sentia que aquela frase estava carregada com outros sentimentos?

Suspirei alto com as duas mãos no rosto. O que estava acontecendo comigo? O que havia acontecido comigo?

No final eu tinha a confirmação de que a Hinata também havia estudado comigo, assim como Sasuke, mas não sabia qual era a ligação que ambos tiveram comigo.

E o comportamento de Sasuke comigo... No começo ele parecia desconfortável ao meu lado, mas, por que? E depois a proximidade... Meu corpo todo parecia reagir a sua proximidade, como se fosse algo esperado, algo bom. Mas a minha cabeça não conseguia entender nada disso.

O jeito com que ele falou comigo no carro... Será que Ino estava certa e nós tivemos algum envolvimento no passado? Ele falava como se nós fossemos próximos, como se conhecêssemos bem um ao outro, por que? Ele não havia respondido minha pergunta afinal... E quando eu poderia perguntar novamente? Eu sabia que ele estava na casa do Naruto, mas o que faria? Chegaria lá e pediria para ele terminar de me dar explicações?

Que direito eu tinha de fazer isso? Uma pessoa que pode ter tido algum tipo de envolvimento com ele, mas nem ao menos se lembrava disso.

Ouvi meu celular tocar e peguei-o, avistando o nome de Ino no visor.

— Oi Ino. – falei enquanto segurava o telefone com uma mão, e a outra tampava meu rosto.

— Oi Testuda! E aí, como foi o seu médico?

Revirei os olhos enquanto suspirava alto.

— Não falamos muito. Na verdade, eu já cheguei perguntando qual tinha sido nossa proximidade, e ele ficou surpreso por eu ainda não lembrar de nada.

Contei tudo que havia acontecido desde a saída do restaurante até o apartamento, e ela ouviu atentamente.

— Nossa Sakura, agora você não pode negar, tem algo estranho nisso. Tenho certeza que vocês tinham alguma coisa...

Me virei na cama e fitei a janela que estava com a cortina entreaberta. A noite estava escura e sem estrelas, e por um momento me lembrou dos olhos negros e profundos de Sasuke.

— Eu... Eu não sei Ino. Está tudo muito confuso, não sei direito que pensar ou fazer.

— Eu imagino amiga, mas você pode ir no Naruto amanhã, e conversar com ele. Eu posso ir com você e fico conversando com o cabeça oca enquanto você se resolve com o doutor.

Meu estômago se remexeu somente com o pensamento de vê-lo novamente e tentar extrair qualquer informação.

— Falando no Naruto, será que ele já tinha comentado sobre nós para a Hinata? – uma ideia cruzou por minha cabeça – E se ele falou o meu nome e ela não quis vir por causa disso?

E se ela já soubesse sobre mim, e não quisesse me encontrar?

— Pode ir parando Sakura. – Ino bufou no telefone – Não temos nenhuma prova disso, e eu duvido que ela deixaria de vir na estreia do namorado por causa de uma antiga colega. Não viaja, para de colocar essa cabeça rosa para trabalhar em hipóteses. Amanhã você extrai informações concretas do Sasuke e pronto.

Ino estava certa, de nada adiantava eu ficar imaginando coisas se isso só me faria mal. Era melhor aguardar para ter as confirmações, que eu esperava que Sasuke me desse.

— Você está certa Ino, obrigada. Não sei o que seria de mim sem você Porca.

— Você não seria nada, todos sabemos. – rimos juntas e isso aliviou um pouco o clima que estava em meu quarto – Agora eu vou dormir, amanhã de tarde vamos no Naruto.

— Tudo bem... Mas antes me conte, como a Tsunade estava?

Ino gargalhou do outro lado da linha, tive até que afastar o aparelho da orelha.

— Ela estava morta de bêbada, você tinha que ver Saky. Ficava repetindo que você e eu éramos as melhores funcionárias que ela já teve em toda a vida, que gostava muito da gente. Mas quando ela começou a falar sobre intimidades com o Jiraya eu me assustei um pouco.

Dessa vez foi a minha vez de rir alto, e ficamos mais um tempo conversando, ela me contando tudo que Tsunade havia dito até chegarem em casa, e em como foi difícil colocar aquela mulher na cama.

Nos despedimos e agora eu olhava o teto com um leve sorriso no rosto. Era ótimo ter amigos para me salvar quando os pensamentos pesados começavam a tomar conta de mim.

As dúvidas e confusões me rondavam novamente, querendo mais uma vez me incomodar, mas lembrei das palavras de Ino e me virei para dormir, deixando tudo para amanhã.

Quando estava quase pegando no sono, ouvi o celular vibrar indicando o recebimento de uma mensagem. Era de um número desconhecido:

“Acredito que acabei não respondendo o que você queria.
Podemos tomar café amanhã cedo e conversar direito?
—Sasuke Uchiha”

E ignorando todos os conselhos de Ino, lá estava eu, nervosa novamente. Tentei forçar alguma lembrança de Sasuke e eu, se tivemos realmente algum envolvimento, mas a única coisa que consegui foi uma das fortes dores de cabeça.

E assim, com dor de cabeça, estômago inquieto, pensamentos confusos, e um par de olhos ônix rondando minha cabeça, que eu acabei dormindo.

~

Dizer que dormi bem seria uma mentira das grandes. Durante toda a noite eu tive sonhos estranhos. Ouvia sons de vidro quebrando, pessoas gritando e uma forte dor em todo o meu corpo. Eu acordava assustada e sem entender nada, e quando o sono voltava, olhos negros estavam presentes. Esses sonhos não eram de todo ruins, mas me causavam um sentimento estranho em meu âmago.

Tomei um banho quente para relaxar o corpo e escolhi uma roupa leve pois o sol brilhava forte naquele domingo.

Recebi uma mensagem de Sasuke avisando que estava na frente do meu apartamento e respirando fundo sai para encontra-lo.

— Bom dia. – disse com um leve sorriso no rosto.

Os cabelos negros estavam bagunçados e jogados para trás da cabeça, denunciando a quantidade de vezes que ele passou a mão por aí. Ele vestia uma calça preta e camiseta cinza. Novamente eu não podia negar que ele era realmente muito bonito.

— Vamos?

Sua voz estava mais rouca e baixa que o normal, e pude sentir certo nervosismos nela. Estaria ele com os mesmos medos que eu?

— Naruto disse que há uma boa confeitaria aqui perto, se incomoda de irmos lá?

Balancei a cabeça em negativa e seguimos em direção ao local. Como era próxima ao nosso apartamento fomos andando. Uma caminhada silenciosa de ambos os lados.

Assim que chegamos a atendente veio nos receber e nos direcionou a uma mesa próxima à janela. Colocou os cardápios na mesa e nos deixou a sós.

Olhei na parte de doces, em busca de algo que não fosse estragar ainda mais o estado atual de meu estômago e vi Sasuke rir baixinho. Olhei para ele e vi os lábios curvados em um sorriso torto estonteante.

— Algumas coisas não mudam... – o olhei com confusão e indicou com o queixo o cardápio em minhas mãos – Você e seu gosto por doces.

Por algum motivo, contatar que ele sabia – e ainda lembrava – que eu gostava de doces me agradou. Sorri timidamente tentando controlar a coloração em minhas bochechas.

— Mas todo mundo gosta de doces.

— Tsc. – ele disse enquanto fazia uma careta – Na verdade eu não gosto.

— Impossível! – eu disse com os olhos arregalados – Isso é praticamente um crime.

Eu ri baixinho, mas meu riso morreu ao encará-lo e ver a intensidade com que ele me olhava.

— Você reagiu da mesma maneira... – franzi o cenho e esperei ele terminar – Na primeira vez que eu te disse isso.

Engoli em seco e ignorando todas as sensações que estavam passando por meu corpo comecei a falar.

— Nó-nós... – praguejei internamente por gaguejar e respirei fundo para finalmente perguntar o que estava me corroendo por dentro – Nós... tivemos algo?

Os ônix encaravam meus olhos verdes como se pudessem absorvê-los. Senti minhas mãos começarem a tremer em antecipação e notando meu nervosismo Sasuke respirou fundo enquanto fechava os olhos e logo voltava a me encarar.

— Sim. – disse simplesmente.