Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 12
As paredes têm ouvidos.


Notas iniciais do capítulo

Esta estória está muito devagar.
Estou querendo desistir.



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— Não se preocupe tanto, mamãe! Não será filho do Regis! Eles vão namorar sim, depois irão separar. Pra fazer ciuminho tolo, ela ficará grávida do primeiro cara que aparecer na frente dela. Depois os dois voltarão ao namoro, mas antes do bebê nascer, Regis perceberá que ainda não é sua hora de ser pai de um filho que não é o seu.

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As paredes têm ouvidos.

 

— Estou escutando vocês falando de eu — reclamou o menino, parado diante da porta da cozinha.

— Não se diz de eu, maninho — chamei-lhe a atenção. E não estamos falando mal de você!

— Estão falando que vou ter uma namoradinha de onze anos e que ela vai ter um filho…

— Pra você ver! — caçoei. — Não vai ser padre!

— Eu vou ser padre! — foi convicto.

— Se eu estou aqui, sou você mesmo e tenho três filhos, como você será padre?

— Porque você é só uma farsa! Um sonho! Ou o filho de minha tia! Ninguém vem do futuro! Vou ser aquilo que tenho que ser. E vou ser padre!

— Por que você quer ser padre? Não gosta de garotas? Justo você que vive insistindo que não é bicha!

— Não gosto mesmo de garotas não! Não vou me casar! E não vou ser pai com onze anos de idade! E padre não é bicha!

— Fique tranquilo, maninho! — pedi. — Seja aquilo que o destino preparou pra você! Não vim aqui pra alterar nada! Vim mesmo aqui pra ser criança junto com você! Aliás, foi surpresa, pois não esperava encontra-lo aqui.

— E onde acha que eu estaria?

— Foi burrice minha! — dei de ombros. — Mesmo porque, sendo escritor e escrevendo ficção científica, já sabia com certeza, que se eu voltar apenas alguns segundos ao passado, vou me deparar comigo mesmo lá.

— Você é biruta! Isso sim!

— Não sou! Se eu matar você, também deixarei de existir! Portanto, tenho que te proteger! E muito!

— Obááá! — riu ele com jeito de quem passaria a me chantagear sempre.

— Como você disse que veio aqui pra ser criança — interferiu mamãe. — O que você quer fazer aqui? Você se lembra desta época?

— Claro! — fui convicto. — Sou um sonhador! Só vivo a minha infância! E isso não é muito bom! Porque as vezes esqueço de viver o presente pra viver no passado.

— E o que você quer fazer aqui?

— Viver cada minuto! Quer dizer… reviver cada minuto. Por exemplo… sabe a casa da vovó da vila? A senhora me leva lá?

— Pra quê?

— Pra quê!? — estranhei. — Quanto tempo faz que não os vejo?! Tenho saudade deles! E da chácara também! Sabia que moro em uma chácara igualzinha a deles?

— Verdade! — admirou-se o maninho. — Lá na vila?

— Não! Aqui mesmo na cidade! Qualquer hora vou te levar lá!

— No futuro?

— Não, bobinho! Aqui mesmo!

— Como? — estranhou ele inocentemente.

— Indo lá, ué! Eu sei aonde fica!

— A chácara que você mencionou que mora já existe? — especulou mamãe.

— Sim! E fica pertinho daqui! Eu nem tinha pensado nisso! Mas ela existe e agora fiquei ansioso! Ainda hoje irei conhece-la! Já conheço seus donos! Quer dizer… os filhos dos donos! Eles são, ou pelo menos eram em dez! Só que eu os conheço adultos, agora eles são todos crianças. Topa ir lá comigo, maninho?

— Sim! — foi convicto ele. — Vou conhecer aonde vou morar no futuro!

— Como sabe que a chácara já existe? — insistiu mamãe.

— Porque quando a comprei em dois mil e oito ela já era muito antiga.

— E por que você diz que ela é igualzinha à de seus avós da Vila?

— Porque eu moro nela! E sei que é! Também tem um riozinho aos fundos, dezenas de pés de frutas, um grande terreno e uma casa antiga. Depois a senhora me leva na casa da vovó? Quero revê-la! Comer queijos que a mulher do laticínio vizinho sempre dá à ela. O vovô que não gosta muito de nós crianças…

— Por que acha que ele não gosta? — riu mamãe.

— Se a gente está sentado na porta e ele quer passar, nunca pede licença; só faz gesto com as mãos como quem diz, “cai fora daí, moleque, que eu quero passar”.

— Não é que ele não gosta de vocês! É o jeitão calado dele! Seu pai é igualzinho a ele.

— Meu segundo filho também puxou em tudo pra ele! Não conversa com ninguém!

Pensei um pouco e continuei:

— O vovô ainda está lá. Não está?

— Claro! — exclamou eufórica, mamãe. — O que você quer dizer com isto?

— Que ele ainda está lá! — me atrapalhei com minhas revelações inapropriadas de um futuro próximo.

— Por que ele não deveria estar? — insistiu ela. — Você não quer dizer que… ele vai morrer logo…

— Desculpe, mamãe! — franzi todo o cenho junto com os ombros. — Ainda bem que ele é o pai do papai e não é com ele que estou falando. A senhora me leva lá?

— Pede ao seu pai. Ou então pode ir sozinho!

— Criança!

— O que é que tem?

— Criança não viaja sozinha, mamãe!

— Não tem perigo! Tão perto! E você é tão esperto!

Ela entendeu que eu quisera dizer que os pais nunca devem deixar os filhos viajarem sozinhos, o que é verdade. Eu, porém, quis dizer que a empresa de ônibus não levará uma criança desacompanhada.

Eu estava enganado. Estamos em outro tempo. Ainda não existe uma rigorosa lei que protege a criança e os adolescentes. Além do mais, a viagem até a vila, que está a apenas trinta quilômetros de distância, não é considerada intermunicipal, mesmo porque a vila ainda não foi emancipada politicamente, sendo com isto apenas uma comarca de minha cidade.

— O motorista do ônibus não vai deixar! — neguei, ignorante à realidade.

— Ele deixa! O Leo já foi várias vezes! Mesmo quando tinha apenas nove anos de idade.

— Não tenho dinheiro! — balancei os ombros.

— Eu arranjo o dinheiro pra vocês dois irem!

— Com meu dinheiro eu vou comprar sorvetes! — protestou o maninho Regis.

— Que sorvete, meu! Pare com isso! — reclamei. — Nem só de sorvete vive o… menino!

— Sei que não! — concordou ele. — Vive também de Maria Mole, paçoquinha, suspiro… gelei de frutas… Uhm!

— Darei o dinheiro pra você tomar um sorvete também! — se prontificou mamãe.

— Eu tenho que ir na escola!

— Nós iremos só no domingo de manhã!

— Agora vá vestir roupas, vai! — deu-me um pequeno tapa na bunda, mamãe. — Você tá parecendo um curumim com esta sunguinha.

— Curumim loiro, mamãe? — protestei.

— Tá mais é parecendo o Boy do Tarzan! — riu Regis.

— Onde você viu o filho de Tarzan, loiro? — protestei, seguindo para o quarto, onde vesti uma calça curta, permanecendo sem camisa e retornando para ajudar mamãe.

Papai e Leonardo também já estavam na cozinha e então fomos tomar o café da manhã. Apenas café preto com pão caseiro lambrecado por manteiga Original em lata.

©®©

Antes das nove horas da manhã, acompanhado por Regis, caminhava ao lado do Rio Maria Chica, brincando de jogar mamonas sobre suas águas que corriam calmas em direção ao Rio Lajeado, ou… jogar mamonas no outro menino, que, entrando na arte de tal guerra, se revidava valentemente.

Chegando à rodovia adentrei na grande vala do rio, chegando próximo suas poucas águas e olhando pelos dois dutos de mais de trinta metros de comprimento sob à rodovia.

Como o maninho se abaixou, ficando de cócoras em sua margem, chamei-o:

— Desça aqui! Vamos atravessar por dentro do duto!

Ele obedeceu, descendo cautelosamente, segurando nos ramos das plantas.

Quando estávamos juntos, ele olhou para o duto, que se fazia escuro devido sua pouco espessura, com apenas uma certa claridade ao chegar do outro lado.

Quando eu já iniciava a travessia, ele recusou:

— Eu é que não vou atravessar por aí!

— Por que não? Tá com medo?

— Não quero ficar entalado!

— Ninguém ficará entalado! —protestei. — Se o duto aqui é maior do que você, no meio será também!

— Não vou atravessar! Se quiser que vá sozinho!

— Tá com medinho, é!? Claustrofobia?

— Que idiotice é essa? Claus… o quê? — franziu o nariz, o maninho.

— Medo de lugar apertado.

— Eu tô dizendo que você é maluco — fez gesto com o indicador girando sobre sua cabeça.

— Você é homem ou é… uma galinha?

— Sou homem! E pensei que você fosse mais inteligente, pra ficar fazendo coisas bobas e perigosas.

— Que perigo existe em atravessar por dentro de um duto? Eu vou e você irá pelo outro. Vamos ver quem chega primeiro do outro lado!

— Não vou e boa!

Já subia o barranco de volta à pequena trilha ao lado do rio, quando caçoei:

— Ai maninho bichinha! Com medo de um riozinho à toa!

— Se sou bichinha, você é bicha a mais tempo! Eu sou você mesmo.

— Mas o meu corpo e o seu são diferentes! Eu gosto de mulheres! Se você gosta de machos, problema seu!

Ele voltou para dentro do rio, tomou posição, adentrando ao túnel, tentando provar sua masculinidade infantil.

Entrei pelo outro, tentando recuperar a vantagem dele ter iniciado primeiro.

De fato, naquele longo túnel de duto não ficaríamos entalados, mas confesso que no meio do caminho, estava ficando deveras sem oxigênio e se a gente bobeasse, acabaria desmaiando por lá.

Lembrei do maninho no outro duto e me preocupei com sua saúde, visto que ele protestara por arriscarmos nossas vidas sem necessidades. De fato ele tinha razão: Eu não era tão inteligente assim.

Ao sair na outra ponta, tendo com isto atravessado por baixo da rodovia, me apressei em buscar por ele, não o encontrando, nem fora, nem dentro do duto.

Me apavorei. O que poderia ter acontecido?

Quando subia o barranco para observar melhor, ouvi às margens da rodovia, olhando-me, rindo:

— You-rhoo! Cheguei primeiro!

— Chegou primeiro uma pinoia! — reclamei. — Você veio por fora! Não é?

— Acha! — riu ele. — Atravessei rapidamente, você ainda estava na metade e eu subi aqui!

Chegando perto e o observando bem, ironizei:

— Parabéns! Atravessou sem molhar sequer os joelhos e pés!

— Pra você ver como sou bom!

— Bom coisa nenhuma! Você atravessou por cima da ponte, no meio da rodovia, seu bichinha!

— Ai gatinho! Quer namorar comigo? — imitou de fato ele em gestos homossexuais.

— Sai de mim, meu! Só namoro garotas!

Seguimos ao lado da rodovia por cem metros e adentramos a uma rua de chão batido praticamente deserta.

— Esta é a rua da chácara em que moro. Só que lá no futuro ela tem asfalto.

Quatrocentos metros caminhando ou mesmo correndo, um atrás do outro como duas crianças sapecas, passamos diante de uma casa sem reboco, ao qual, ofegante disse a Regis:

— Nessa casa vai morar meu padrinho.

— Quem?

— Quem é meu padrinho?

— O mesmo meu? — arriscou ele.

— Lógico! Vamos ver minha chácara.

Seguimos até o final da estrada, que era apenas mais duzentos metros adiante, me deparando com uma grande chácara em uma casa de construção ainda nova, porém no formato antigo ao se estar no futuro.

— É aqui!

— É sua?!

— Ainda não! Só será em dois mil e oito. Eu, acompanhado por meu filho mais velho, um sobrinho e algumas outras pessoas iremos demolir esta casa para a construção de outra maior.

— Você é mentiroso! — não acreditou o maninho. — Vai ser rico?

— Não! Mas graças a Deus e meu trabalho vou ter esta chácara.

— Eu vou ser padre! — insistiu o maninho.

— Não vai! — neguei convicto. — Nem adianta teimar! Você vai se casar, terá três lindos filhos… e esta chácara.

— Acho que você é só um trapaceiro — duvidou ele. — Isso sim!

De repente uma menininha de seus oito anos de idade, branca de cabelos negros, saiu correndo pelo portão de madeira da casa vizinha, à direita da chácara, ao qual chamou minha atenção.

— Eu conheço aquela menininha — aleguei, para convencer Regis. — Não de agora, mas do futuro. Acredita em mim?

— Acho que não! — deu de ombros. — Até eu poderia dizer isso.

— Mas eu sei o nome dela! Beatriz! Ela, no futuro será casada e continuará morando na mesma casa. Você sabia isso?

— Qualquer um pode dizer!

— Pergunte o nome dela?

— Eu não! — protestou Regis.

— Bia… — chamei disfarçadamente.

A menininha olhou para nós com intuito de saber o porquê de um garoto estranho tê-la chamado.

Uma senhora de uns trinta anos apareceu no portão, olhando para nós.

— É a mãe dela — aleguei. — Se chama Izabel.

— Uhm! — franziu o nariz, meu maninho, como quem talvez não acredita.

— Dona Izabel, desculpe ter chamado a Bia — pedi. — Foi só um teste.

— Vocês estudam na escola dela? — perguntou a senhora.

— Não! Eu conheci ela em uma festinha.

— E como sabe o meu nome? — estranhou a mulher.

— A senhora foi buscar ela na festa.

A mulher, acho que nem acreditou muito, voltou para dentro do quintal, a cuidar de seus afazeres, enquanto a menininha continuou brincando sozinha na rua.

— Por que você veio aqui? — especulou-me Regis. —Pra mudar meu destino?

— De deixar de ser padre? Não! Mesmo que eu não voltasse você não seria padre do mesmo jeito.

— Tá bom! — acho que começara a aceitar ele. — Você vai entrar aí na chácara?

— Claro que não! Não me pertence.

— Não tem ninguém aí dentro!

— Não tem ninguém agora! Devem ter saído pra algum lugar. Mas moram doze pessoas nesta casa. Quer dizer… não sei se os dez filhos já nasceram. Acho que não.


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