O sétimo visconde escrita por Catarina Costa


Capítulo 3
Histórias de ninar




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Anthony ainda estava com Gregory no colo quando ouviu o choro de Eloise. É claro que o menino pequeno tinha uma babá, mas nada estava no lugar naquela noite. A irmã mais nova havia nascido (sim, era uma irmã. Ele precisava providenciar o dote) forte e saudável (graças a Deus!) e a babá estava por conta dela e de sua mãe. Além disso, o menino só queria saber dele. Talvez com a falta da mãe, chamasse pelo pai, mas Edmund não estava ali para acalmá-lo, colocá-lo nos ombros ou contar-lhe uma história.

O rapaz não era totalmente novato no desempenho dessas tarefas, mas tinha noção de que era um substituto muito ineficaz de um pai. Principalmente de um pai como o seu. Era quase patético. Mas lá estava ele, fazendo o melhor que podia, tirando até canções de ninar do baú para que o irmão mais novo conseguisse dormir. E então, Eloise havia começado a gritar. Quando foi que a Terra tinha começado a girar ao contrário, santo Deus?

Ainda com o menino no colo, ele abriu a porta do quarto da irmã.

— Eloise... Tudo bem?

A menina estava sentada na cama, os cabelos castanhos soltos, escondendo seu rosto. Estava soluçando. Mas ao ouvir a voz dele, ergueu os olhos para responder, quase irônica:

— Pareço estar bem?

— Não muito — respondeu o irmão, dividido entre dar-lhe uma resposta no mesmo tom ou relevar seu mau-humor. Eloise tinha tendência a fazer drama, mas estava realmente passando por um período muito complicado. E quem não estava?

Francesca, deitada ao lado da irmã, não tinha se mexido até àquela hora. Naquele momento, porém, resolveu abrir os olhos e participar da conversa.

— O pior é que faz questão que a casa inteira saiba que ela não está bem.

—Não estou mesmo, viu? — retrucou Eloise.

— Foi outro pesadelo? — perguntou Anthony, com delicadeza.

Eloise confirmou com a cabeça. O irmão fez menção de sentar-se ao lado dela, ainda com Gregory no colo. A menina abriu espaço para ele, cutucando Francesca para ela rolar para o lado.

—Ah, não! — exclamou a mais nova. —Vocês vão ficar conversando?

— Só um pouquinho — assegurou Anthony. — Só até Eloise conseguir pegar no sono de novo.

—Pela manhã — observou Francesca, com um suspiro. —É a única hora que ela consegue dormir. Quando terei um quarto só para mim, Anthony?

— Podemos pensar nisso, Frannie. Mas não hoje, está bem?

— Não haverá um quarto só para você — afirmou Eloise. — Do jeito que continuam nascendo crianças novas nessa casa, daqui a pouco estaremos dormindo do lado de fora...

—Não haverá mais crianças novas, sua tonta! — retrucou Francesca, muito mais rápida para perceber certas coisas do que sua irmã mais velha. —Hyacinth é a última de nós. Não é, Anthony?

O irmão confirmou com a cabeça, sem olhar para elas. O irmão menor se mexeu em seu colo e Anthony pediu:

— Falem baixo. Desse jeito, vão acordar Gregory.

—Ele que é feliz... — murmurou Eloise. — Consegue dormir.

— Você também conseguiria se fechasse a boca — rebateu Francesca.

Segurando Gregory com o braço direito, Anthony estendeu o esquerdo ao máximo para passar a mão na cabeça da irmã, tentando apaziguá-la:

—Não provoque, Frannie. Que tal as duas fecharem a boca e os olhos e tentarem dormir?

— Só se você contar uma história — negociou a menina.

— Eu?...

— Não. A sua sombra. Claro que é você.

Eloise aprovou a ideia, aconchegando-se ao lado do irmão.

—Boa ideia! Conte uma história, Anthony!

— Eu... Eu não sei contar uma história.

Francesca balançou a cabeça.

— Tsc, tsc, tsc... Tanto tempo com papai e não aprendeu nada?

Isso não era verdade. Ele havia aprendido muitas coisas com Edmund. Tantas que não conseguiria jamais repetir todas elas. E doía, doía muito quando pediam que ele fizesse coisas que seu pai costumava fazer com eles. Doía demais quando esperavam que ele substituísse Edmund, algo que ele sabia que nunca, jamais poderia fazer.

Anthony pigarreou.

— Eu... Eu me lembro de algumas histórias. Mas posso tentar contar algumas novas.

Francesca chegou mais perto de Eloise, deitando a cabeça em seu ombro.

— Então, conte. Nós vamos gostar.

—Não sei se vamos gostar—ressaltou Eloise. —Mas seria bom ouvir coisas novas.

— Está bem. Vocês conhecem a história de Aníbal e os elefantes?

— Não — respondeu Francesca. — Não tem nada de princesa?

— Não me lembro de nenhuma.

— Então pode contar essa aí do Aníbal....

Quando o sol raiou, a babá foi procurar Gregory. Não encontrando o menino em sua cama, correu para o quarto de Daphne. Achou que o irmãozinho teria procurado a irmã mais velha para dormir. Mas ele não estava lá.

—Srta. Daphne — chamou a moça, delicadamente. — Srta. Daphne...

A menina resmungou.

— O que foi, Mary?

— Srta. Daphne, seu irmão não está na cama dele.

Daphne sentou-se na cama, esfregando os olhos.

— Qual deles? Eu não preocuparia com o paradeiro de nenhum deles, a não ser Gregory...

— É justamente dele que eu estou falando!

Daphne deu um pulo e saiu correndo, com a babá em seu encalço.

— Onde ele pode estar, Mary? Já olhou na cozinha?

— Eu vim de lá ainda há pouco, senhorita.

— Mamãe já sabe que ele sumiu?

— Sua mãe estava amamentando a pequena Hyacinth. Não quis alarmá-la. É claro que se ela entregasse a criança aos cuidados de uma ama-de-leite, não haveria problema, mas a viscondessa insiste em...

— Sim, ela faz questão — concluiu Daphne, andando de um lado para o outro, pensando o que fazer. Só uma solução cruzou sua mente: Anthony. Anthony daria um jeito nisso.

Saiu correndo na direção dos aposentos do irmão. Esbaforida, a babá foi atrás.

— Srta. Daphne, esses são os aposentos de Lorde Bridgerton!

— E eu não sei disso, Mary?

Decidida, a menina bateu na porta.

— Anthony! Anthony, abra essa porta!

Como não obteve resposta, Daphne entrou no quarto. Estava vazio. A cama, impecável, intacta. O irmão não havia dormido nela.

— Ah, bela noite que você escolheu para passar fora, Anthony! — resmungou Daphne.

Voltou para o corredor, com Mary atrás, e esbarrou em Benedict, abotoando as pressas sua camisa.

— O que está acontecendo nessa casa?... Por que você quase derrubou a porta de Anthony, Daff?

— Porque Gregory não estava na cama dele e Anthony, que deveria estar aqui, passou a noite fora e eu não quero falar nada disso para a mamãe!

— Calma, vamos encontrar os fujões!

— O único fujão que me interessa encontrar é Gregory.

— Vamos ver se ele está com Colin.

Benedict entreabriu a porta do quarto do irmão mais novo e verificou que ele ainda dormia como uma pedra.

— Não está aqui — foi sua resposta para a irmã.

— O que eu faço? — perguntou a babá, exasperada. — Tenho de levar o menino para a Viscondessa! Ela está esperando.

— Vá até lá e invente uma história qualquer — recomendou Benedict. — Enquanto você ganha tempo, procuramos por ele.

A babá obedeceu, mal conseguindo disfarçar seu nervosismo.

— E agora? —quis saber Daphne.

—Eloise e Francesca? —arriscou Benedict, sem levar, porém, muita fé nessa hipótese.

— É o que temos.

— Mas não bata na porta feito uma louca — recomendou o irmão. — Não precisamos deixar Eloise mais assustada do que já está.

Dessa vez, Daphne abriu a porta com delicadeza. E, fosse ela mais velha, teria ficado enternecida diante da cena que viu. Com quase onze anos de idade, porém, teve vontade apenas de soltar uma gargalhada.

Anthony estava dormindo recostado na cama, com Gregory do lado direito, Eloise do lado esquerdo, encostada ao seu peito e Francesca, com a cabeça pousada no ombro da irmã. Parecia uma família de gatos, dormindo enroscados uns nos outros.

— Olhe isso, Ben!

Benedict apenas sorriu, desejando gravar a cena na retina para poder reproduzi-la mais tarde, quando estivesse a sós, em seu bloco de desenhos.

— Temos de acordá-los — murmurou Daphne.

— Antes disso, avise à babá que encontramos Gregory.

A irmã assentiu e deixou o quarto. 

Benedict puxou uma cadeira e observou a cena mais um pouco: a forma como a luz entrava no quarto, como o braço direito de Anthony, mesmo durante o sono, protegia a criança ou como a pequena mão de Eloise segurava a camisa do irmão. Parecia não querer deixá-lo ir embora. Era a primeira vez que sentia vontade de desenhar desde a morte do pai. Queria guardar cada pedacinho dessa imagem em sua memória. A imagem que mostrava que eles tinham uns aos outros e, apesar de tudo, iriam sobreviver.

A poesia da cena só foi desfeita quando a porta se abriu e Violet entrou no quarto, acompanhada por Daphne. Por um breve momento, a mãe olhou para a cena e viu Edmund deitado ali com os filhos. Não que Anthony fosse mais parecido com ele do que era Benedict, Colin e que, um dia, seria Gregory. Mas adormecer, possivelmente depois de contar uma história para as crianças, era algo que ele faria. Era o papel dele. Não de Anthony.

—Mãe! — exclamou Benedict, surpreso por vê-la ali. — A senhora não devia estar aqui!

Como se a palavra “mãe” fosse uma espécie de senha, Anthony despertou, seguido pelas meninas e por Gregory, que choramingou, agarrando-se mais ao pescoço do irmão.

— O que houve aqui? —perguntou Violet, com a voz suave, controlada.

Anthony piscou, acostumando-se à claridade, e respondeu, com a voz ainda rouca de sono:

— Eu estava contando uma história para as meninas... Gregory tinha chorado... Eu estava tentando fazer com que ele dormisse...

—Foi ótimo! —assegurou Francesca. —Ouvimos a história de Aníbal e os elefantes. E, depois, a de Henrique VIII e suas seis esposas.

Diante do repertório absurdo de histórias do irmão, Benedict começou a rir. Aos poucos o riso ia voltando àquela casa. Ainda era pouco e esparso, mas, de vez em quando, brotava.

— Aníbal? Henrique VIII? O que aconteceu com a Gata Borralheira, Anthony?

Violet encarou o filho mais velho com uma expressão incrédula.

— Você contou a sua irmã pequena, que está tendo pesadelos, a história de Ana Bolena?

Anthony mudou Gregory de lado e passou a mão direita pelos cabelos, tentando tornar-se mais apresentável.

— Eu não me lembrava de nenhuma história de princesas ou fadas —justificou-se.

—Eu gostei da Ana Bolena — afirmou Francesca, séria.

— Se ela não tivesse perdido a cabeça, teria sido melhor — lembrou Eloise. — Mas, no geral, eu gostei da história.

— Depois de tantos anos ouvindo histórias do seu pai, não conseguiu se lembrar de nenhuma? — censurou Violet.

— Foi o que eu disse a ele! — exclamou Francesca. — Não desse jeito, é claro.

Incomodado com o tom da mãe, Anthony perguntou:

— A senhora, certamente, não saiu do seu resguardo para avaliar as minhas histórias de ninar, não é mesmo?

— É claro que não. Vim ver Gregory. E saber o que estava acontecendo na minha casa.

—Ela agora é de Anthony — observou Francesca.  Diante do silêncio desconfortável que seguiu-se às suas palavras, a menina completou: — Pelo menos foi o que Eloise me disse.

A irmã deu de ombros.

— Eu ouvi alguém dizer isso. É verdade?

—É — respondeu Violet, cuidadosamente, encarando o filho mais velho nos olhos. — Tudo agora pertence a Anthony.

Fitando o irmão mais velho com admiração, Francesca deixou escapar um pequeno assovio.

— Quero morrer sua amiga...

Anthony sacudiu a cabeça.

— É tudo nosso, Frannie. Eu apenas tomarei conta para que não falte nada para nós.

— Não — retrucou Violet, abrindo os braços para chamar Gregory. — É tudo seu agora.

— Mãe...

— Você é o novo Visconde. E isso é o bastante por ora. Não precisa tentar ser também um novo pai para seus irmãos.

—Eu só estava tentando ajudar — esclareceu o rapaz, um pouco desconcertado.

— Eu sei — concordou Violet, baixando um pouco o tom de voz. — Eu sei. Mas eles têm uma mãe para cuidar deles.

Gregory correu para ela por cima da cama e abraçou-a. Anthony ficou de cabeça baixa, fingindo que examinava suas unhas, enquanto a mãe levava, com ajuda da babá, o menino pequeno para fora do quarto, dando, enquanto saía, uma ordem para que Eloise e Francesca trocassem de roupa e fossem tomar café.

— Vocês brigaram, Anthony? — perguntou Daphne, com franqueza, quando as meninas mais novas foram cuidar de sua toalete.

— Claro que não — respondeu o irmão mais velho. —Por que eu brigaria com ela?

— Acho que a pergunta certa é por que ela está brigando com você.

Anthony encolheu os ombros.

— Não sei, Daff. Mas, às vezes, eu tenho a sensação de que, se ela pudesse, nem olharia mais para mim.

— Ela está muito abalada com a morte do nosso pai — justificou Benedict. — E o nascimento de Hyacinth, logo depois. É tudo junto... Mas não há de ser nada que não passe logo.

— Deus te ouça — murmurou Anthony, colocando-se de pé. — Deus te ouça...


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Notas finais do capítulo

É... Não está sendo nada fácil para Violet ver o filho ocupar os lugares que foram do marido...



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