O sétimo visconde escrita por Catarina Costa


Capítulo 2
Uma refeição em família




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Anthony Bridgerton não gostava de explicar a mesma coisa duas vezes. Mas no dia em que o pai morreu não se importou de repetir, a cada um dos irmãos, que tudo ficaria bem. Ele mesmo precisava ouvir, muitas vezes, que tudo ficaria bem. E que ele daria conta de tudo. Afinal, ele havia sido criado para isso, não é mesmo? No entanto, sempre teve a sensação de que seria o mais velho dos Viscondes Bridgerton, a não ser que o pai lhe passasse o título antes. E quando isso acontecesse, saberia tudo sobre ser um visconde.

Agora, teria de aprender a administrar, ao mesmo tempo, um título de nobreza, a fortuna da família e dar conta das necessidades e do bem-estar de sua mãe, de seis irmãos mais novos (não, sete, corrigiu-se a tempo) e das inúmeras pessoas que viviam e trabalhavam em suas propriedades.

— Você vai dar conta, Anthony — assegurou sua tia Billie, como se lesse seus pensamentos.

Sentado atrás da escrivaninha de seu pai, tudo que ele conseguia fazer era fitar, desolado, a pilha de livros de contabilidade e cartas que se acumulava em cima da mesa.

—Um dia — completou o rapaz.

—Antes do que você imagina.

— Se a senhora soubesse quando imagino dar conta disso tudo, veria que essa frase não é lá muito animadora.

Billie conseguiu esboçar um sorriso triste e cansado. O funeral do irmão tinha esgotado as forças de toda família. Estavam exauridos, como se Edmund tivesse levado consigo toda a energia deles.

— Não se cobre demais, Anthony. Não nesse primeiro momento, ao menos.

— Se eu falhar, o que será de todos eles?

— Você vai se sair bem.

—Ainda está chegando mais um.

— Ou uma — lembrou a tia, como suavidade. — Pode ser uma menina.

—Que precisará de um dote.

— Antes disso, ela precisará de um berço.

— É o que não falta por aqui.

— Então, no momento, ela já tem tudo de que precisa. Dê tempo ao tempo, Anthony. Ainda faltam uns vinte anos para você pensar no dote dessa criança!

— Vinte anos... E se eu não estiver aqui daqui a vinte anos?

—Não diga bobagens! Onde você estaria? Na América? Na Índia?

— Não, eu quis dizer...

Anthony interrompeu-se. Para que alarmar a tia com sua recém-adquirida convicção de que morreria jovem como o pai? Era bem provável que quando a irmã caçula (se é que era uma irmã) chegasse aos vinte anos, ele não estaria mais entre os vivos para negociar seu dote. De repente, colocou-se de pé, como se fosse muito urgente dar conta de tudo, mesmo que não soubesse muito bem por onde começar.

—Preciso mandar Benedict para Oxford. Colin também, mas antes ele tem de terminar Eton.  Vai se passar um tempo antes que Gregory vá para Eton também, mas é claro que ele irá. E as meninas... Todas têm de ter dotes dignos delas.

O sorriso esboçado por Billie alguns minutos atrás ganhou um ar de esperança. Pelo menos o sobrinho estava fazendo planos.

—Sabe, Anthony... Sou muito feliz de ser uma mulher e ter formado uma família com George. Hoje, gosto tanto de ser Billie Rokesby quanto gostava de ser Billie Bridgerton. Mas quando pequena... Em especial antes de seu pai nascer, o que demorou uns bons sete anos... Eu costumava imaginar como teria sido a minha vida se eu fosse um menino. Se eu fosse o Visconde Bridgerton.

— E?... — inquiriu Anthony, erguendo uma das sobrancelhas de um jeito que já conseguia intimidar até sua própria sombra.

— Eu acho que queria ser visconde não apenas para conservar o título e a fortuna e não perdê-los para algum primo, o que teria acontecido caso seu pai não tivesse nascido...

— Por que queria ser visconde, então?

—Para proteger e cuidar de todos que eu amava.

Um riso quase de descrédito brotou da garganta dele.

—Não é preciso ser um visconde para fazer isso.

— Absolutamente. Mas um visconde tem muito mais poder para fazer isso.

O rapaz fitou-a, pensativo. Ao sentir que tinha sua total atenção, Billie completou:

— Use seu poder para cuidar dos outros, Anthony. Seja justo. Seja generoso com seu dinheiro e com seu tempo. E você terá muito mais chances de olhar para trás e acreditar que sim, um dia você deu conta de tudo isso.

Uma batida suave na porta interrompeu a conversa. Era Eloise. A atenção de Anthony voltou-se de imediato para ela. A irmã não andava nada bem. Tinha pesadelos à noite, quase não dormia. Já tinha até perdido peso. Isso não o surpreendia. Se tivesse presenciado a morte de Edmund, como ela presenciara, também não pregaria o olho. Nunca mais.

— O que foi, Eloise?

— Jantar. Está na hora do jantar.

— Onde estão os criados, que mandaram você anunciar a refeição no lugar deles?

— Eu quis vir até aqui. Ver se conseguia levá-lo para a mesa. Nunca mais sentamos todos juntos.

Nunca mais sentaremos todos juntos, retrucou Anthony, em pensamento. Mas não teve coragem de falar em voz alta. Apenas acarinhou distraidamente os cabelos da irmã e assegurou:

— Jantarei mais tarde. Estou terminando de conversar com a tia Billie.

A tia, no entanto, não deu a mesma importância à conversa.

— Não é nada que não possa esperar por uma refeição em família, Eloise. Mesmo porque, acho que seu irmão e eu já conversamos sobre o mais importante.

— Eu... — hesitou Anthony, que não tinha fome e nem muita vontade de sentar-se à mesa sem o pai. Vinha se alimentando mal, no quarto, comendo somente o necessário para permanecer de pé.

— Seu irmão já está indo, Eloise — assegurou Billie. — Chame os outros.

O rosto da menina, que nos últimos dias havia se tornado pálido e sem vida, ganhou um pouco de luz. Apertou a mão de Anthony e, antes de sair correndo, observou:

— Estou esperando você!

Assim que a menina se retirou, o rapaz virou-se para a tia com ar de censura.

—Por que disse a ela que eu iria?

—Porque você precisa dar a essa criança um pouco de normalidade! De que adianta assegurar que tudo vai ficar bem se você não faz nada para que fique realmente bem?

— Não tenho vontade de sentar-me à mesa!

Billie ergueu uma das sobrancelhas ao modo imperial dos homens Bridgertons. Ou ao menos, que imitava muito bem o jeito do próprio Anthony.

— Esqueça as suas vontades. Pense neles. Se você se sentir perdido, pense no que seu pai faria.

— Ele jantaria conosco. A família vinha em primeiro lugar para ele.

— E para você?

— Também — respondeu Anthony, sem hesitar.

—Então, o que estamos fazendo aqui?

Como um cavalheiro, ele fez um gesto para que a tia seguisse à sua frente.

Quando Anthony chegou à mesa, porém, quase deu meia-volta. Todos os Bridgertons, com exceção de Violet, de repouso, e Gregory, que já estava em sua cama, estavam presentes. E o lugar à cabeceira estava posto, como se Edmund fosse chegar a qualquer momento.

— Quem?... — começou ele.

Foi impedido de continuar por Benedict, que segurou seu braço antes que ele verbalizasse a pergunta.

— Não é o que você está pensando.

O olhar que Anthony lançou ao irmão dizia que ele não acreditava nele. Alguém arrumara o lugar de Edmund. E isso lhe parecia uma piada de muito mau gosto.

— Esse lugar agora é seu — esclareceu Daphne.

— Eu não vou me sentar aí! —protestou o rapaz.

—Ah, vai — devolveu Billie.

—Dê uma boa razão.

Surpreendentemente, foi a pequena Francesca que apareceu com a resposta:

— É onde sentam os Viscondes Bridgerton. Você agora é o Visconde.

Anthony fechou os olhos e respirou fundo. Não queria discutir com nenhum deles.

— Eu sei, Frannie. Mas...

— Mas... — repetiu Colin, sem estar, na realidade, encorajando-o para terminar a frase.

— Você agora é o chefe da nossa família — argumentou Eloise.

Anthony olhou em volta. Os cinco esperavam que ele assumisse seu novo posto para que pudessem ocupar seus lugares. Havia até uma certa solenidade no ar. Uma certa expectativa. Por um momento, o rapaz ficou dividido. Sentar-se no lugar que era do pai parecia errado, um sacrilégio. Ao mesmo tempo, recusar-se a sentar ali poderia passar aos irmãos a ideia de que não estava tudo bem, de que não havia mais ninguém para cuidar deles. Cuidar daquela família.

Sentindo-se muito estranho, com as lágrimas ardendo nos olhos e trancando-lhe a garganta, Anthony dirigiu-se à cabeceira. Fez isso no instante exato em que Violet entrou na sala. Por um momento, ninguém falou nada. Mas o olhar dela dizia tudo: como ele podia sentar-se ali?  Parecia que ela ia até desistir de acompanhá-los na refeição, mas Eloise segurou-a ali quando exclamou:

— Que bom! A mamãe também veio jantar com a gente!

Anthony nunca soube o que comeu naquela noite. Violet também não, embora não tivesse tirado seus olhos do prato. Queria mantê-los em qualquer lugar que não fosse a cabeceira da mesa.


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