O amor abençoado pelo Nilo escrita por kagomechan


Capítulo 26
Sendo curtas e diretas com deuses




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O bracelete estava bem diante de Sadie e a vontade de simplesmente o pegar ardia em seu peito enquanto olhava para aquela família egípcia que com certeza dezenas de arqueólogos se digladiaram para ver como viviam. Apesar de suas vontades de pegar o bracelete para proteger a filha, aquilo era uma mera memória. Não tinha muito que ela podia fazer além de sentir a energia pura e crua que ele irradiava de forma discreta.

Mesmo assim, ela estendeu a mão e, tal como esperado, o toque dela simplesmente atravessou o pulso do pequeno Imhotep como se ela fosse um mero fantasma. Conseguiria mesmo replicar a magia feita naquele bracelete? Sinceramente duvidava. Ali pertinho dele sentia como ali tinha algo muito além de suas capacidades mágicas. 

Mesmo que tudo não passasse de uma memória, ela tentou proferir um encantamento para ao menos entender um pouco mais da magia que adornava a peça dourada. Para espanto de Sadie, o bracelete brilhou levemente com uma luz pura e branca. Não era o que Sadie esperava, mas era alguma coisa. Sentindo aquilo ela soube com mais certeza ainda que a magia que havia ali era pura, antiga, primordial… poucos deuses provavelmente seriam capazes de algo do tipo.

Todavia, eles conseguiram ao menos sentia um pouco do que consistia toda a magia que envolvia o bracelete. O fato de ser tão crua e profunda deixava quase impossível sentir cada detalhe. Sadie contava do fundo do coração que o pouquinho que conseguia distinguir ali fosse suficiente para, com mais algum esforço, pesquisa e empenho, fazer ao menos uma réplica que, embora não perfeita, fosse boa o suficiente.

—Tem muita mágica aqui… muita mesmo… - comentou Sadie.

Enquanto isso, fora das memórias e no mundo real onde a chuva começava a molhar as ruas de Londres e bater contra o vidro do quarto de Sadie e Anúbis, a fala dela foi replicada na forma de um simples murmurar tal como o de quem fala dormindo. 

—Tem muita mágica aqui… muita mesmo… - murmurrou Sadie em meio a magia. 

Dormindo nos braços de Anúbis, era como se ela estivesse num sono profundo e mágico. A camada dourada de magia que havia envolvido os corpos dos dois quando a magia foi invocada no começo ainda estava lá mas começava a mostrar sinais de desgaste. Sinais de desgaste esses que combinavam com o olhar de cansado que começava a surgir em Anúbis também e que forçaram Bastet a ajudar um pouco ao compartilhar um pouco de magia.

— Você não parece muito bem mesmo… - comentou Bastet não com seu tom zombeteiro e irritante de sempre, mas realmente preocupada - Mortalidade tem mesmo seus vários lados ruins eim?

Anúbis não respondeu. Apenas continuou a voltar toda a sua concentração para a magia para que não acontecesse nada com Sadie e para que pudessem descobrir o máximo possível sobre o bracelete que poderia fazer tanta diferença para eles. Mesmo conforme ele foi ficando lentamente mais pálido do que já era normalmente, ele continuou lá. Não era de jeito nenhum uma magia simples. Eram centenas e centenas de anos de memórias que estavam guardadas em sua mente e mais fragmentos de memórias de Imhotep, que vivera a alguns milhares de anos, sendo resgatadas na marra.

— Não vamos conseguir replicar a magia nesse bracelete… não completamente ao menos… - murmurrou Sadie de olhos fechados completamente inserida na memória - … podemos tentar mas…

— Acho que… - disse Anúbis fechando os olhos para se concentrar mais nas memórias que aconteciam ao invés de no mundo exterior - … não dá mesmo para sentir nenhum sinal de quem fez essa magia.

— Acha que se formos até o nascimento dele conseguimos descobrir algo? - perguntou Sadie - Encontrar o ponto que ele perdeu vai ser muito complicado.

—Algo tipo o que? - perguntou Anúbis.

—Vai que Ptah entregou o bracelete junto com quem o fez ou mencionou algo? - sugeriu Sadie - Não custa nada tentar.

Custava. Por isso Anúbis mordeu o lábio preocupado com a ideia. Estaria indo para um ponto da vida de Imhotep que seria melhor puxar as memórias da mãe dele do que necessariamente de Imhotep. Além disso, tinha lá suas dúvidas de que teria forças para puxar as memórias de mais uma alma falecida. Imhotep era mais fácil do que as outras, por vários motivos. 

Mas, valia a pena tentar, pela filha que iria nascer. Assim, mesmo já se sentindo cansado por todo o esforço mágico. Anúbis tentou mais um pouco. Procurou pelas várias memórias de milagres de egípcios falecidos que guardava dentro de si até achar pela da mãe de Imhotep. Não era um trabalho fácil e a cada longo segundo Anúbis sentia o corpo ficando mais mole.

Dentro das memórias, Sadie não sentia nem entendia tal dificuldade. Tudo o que notou era que o mundo ao seu redor havia se desfeito e que ela estava de volta na escuridão total enquanto buscavam outra memória. Ela não fazia ideia da dificuldade do seu pedido, nem que Anúbis não iria recusar pois faria de tudo para que a filha deles vivesse bem e sem perseguições.

Ao lado dos dois no quarto, Bastet tentava passar sua parte da magia para ajudar enquanto olhava para os dois com preocupação nos olhos e segurando a mão de Sadie. Contudo, não era nada fácil. Mas não era só por isso que parava de ajudar. 

—Pegue mais da minha magia! - insistia ela para Anúbis - Pegue tudo que precisar e ache de uma vez quando receberam o bracelete. Vamos acabar logo com isso. 

— Tentarei…- disse Anúbis entredentes - Mas duvido que vamos descobrir algo de muito útil. 

Dentre as várias linhas de memórias, encontrou aquela que ele queria. Todas as memórias fluíram de uma vez só numa velocidade aterrorizante tanto para ele como para Sadie. Era como ver um filme de várias horas reproduzido em questão de segundos. Quando ainda era totalmente um deus, podia ver sentido naquele filme e tirar as informações dele facilmente. Agora isso era mais complicado. 

Com calma, Anúbis controlou a memória para que pudessem repassar por ela. A história de uma garota comum da periferia de Mênfis que havia nascido em uma família humilde. Seus cabelos ondulados escorriam por suas costas emoldurando um rosto gentil mas simples, seus olhos eram castanhos como a lama do Nilo e sua pele levemente dourada como as areias do deserto. Analfabeta, como aproximadamente 85% da população urbana do Egito, a vida da garota havia começado a mudar quando conheceu um homem, aparentemente normal até então, que havia se encantado não só por sua beleza, como também por sua inteligência apesar do analfabetismo e sua vontade de aprender a ler os escritos belos que adoravam as paredes e pilastras de Mênfis.

As memórias, ainda meio aceleradas, mostraram como ela e esse homem se encontraram algumas vezes, como ele ensinou-a a ler, como ele deu-lhe presentes que ela escondeu do pai e… finalmente, como ele a engravidou antes de revelar que a noite que passaram havia sido um erro pois esse homem não tinha nada de comum, era Ptah, um deus disfarçado. 

—Agora que você me diz isso!? - reclamava a mulher - Agora que estou grávida!?

—Não imaginava que fosse chegar tão longe… - tentou se defender Ptah - Aquela noite… eu… não…

A memória não estava tão clara tanto quanto a de Imhotep havia sido. O cenário estava todo embaçado mas, julgando pelas cores que podiam ser vistas no meio dele, parecia ser uma floresta não muito densa. Talvez as matas que cresciam à borda do Nilo e que, em certas partes, eram bem abundantes já que naquela época o Egito não era tão desertificado quanto ficaria.

—"Não…" o que? - perguntou ela ficando com os olhos mareados - Não conseguiu se controlar? Se empolgou? Vai se fazer de vítima agora? Você mentiu para mim!

—Vish… - resmungou Sadie vendo aquela cena toda que havia se construído diante de si - Faltava só a pipoca aqui pra mim.

—Não fale assim comigo. - disse Ptah querendo usar um tom de voz de superioridade mas acabou ficando com um tom de vergonha. 

—Você não teve problemas com isso durante sua mentira. - disse a mãe de Imhotep - Vai me deixar então sozinha com um filho pra criar, é isso?

—Não. Sim. Não. - respondeu Ptah - Não posso. Um semideus assim… não podem saber que sou o pai. Mas assim descobrirão logo. Por isso pedi um favor à uma amiga. 

Ptah engoliu a vergonha e virou-se para a mulher com a mão fechada diante de si. Da mão saia uma pequena luz dourada e, quando ele a abriu, ali estava o bracelete mágico que havia começado toda essa jornada. 

—É um bracelete mágico. - explicou Ptah - Me garantiram que funciona. Deve esconder dos deuses a existência desse bebê enquanto você e então o bebê usarem. Se moldará ao seu pulso ou ao do bebê.

Sem ter palavras para aquilo no momento, a mulher pegou o bracelete e olhou-o. Era evidentemente caro, afinal, era de ouro. As poucas vezes que ela havia pegado em qualquer coisa de ouro, foram com os poucos presentes mais materiais que sentimentais que ele havia dado para ela. Alguns deles teve inclusive que vender pois nem sempre era fácil botar comida na mesa. 

Com um olhar pesaroso e assustado, ela subiu o olhar até encarar os olhos de Ptah. Ali não estava mais o rapaz de olhos castanhos, barba raspada e pele parda. Estava um deus de olhos brancos e pele azul que, apesar de tudo, a olhava com o mesmo carinho que o rapaz havia a olhado antes. A diferença, no entanto, é que agora havia vergonha naquele par de olhos também. 

—Vai me deixar para criar sozinha então um semideus que pode atrair a ira dos deuses? - perguntou a mulher. 

—Vou. - admitiu Ptah - Se tudo der certo, ninguém descobrirá e poderão viver uma vida normal até a velhice. A não ser que queira…. Sabe… abortar…

— Não. - respondeu a mulher decidida mas com desgosto pelo deus estampado na cara enquanto botava gentilmente a mão sobre a barriga que ainda não dava qualquer sinal de que guardava uma vida - Não aguentaria a culpa e o pesar. 

Ptah, com olhar sofrido, ergueu a mão para tocar a bochecha dela mas tudo o que ganhou foi um tapa na mão. A mulher olhou-o mais uma vez por um breve segundo. As lágrimas escorriam pelo rosto marcado a expressão irritada de sua face. 

—Covarde- cuspiu a mulher dando logo as costas para Ptah e indo embora.

O choque ficou estampado na cara de Ptah, ninguém nunca tinha tratado ele desse jeito. Afinal, era um deus poderoso. Contudo, enquanto o Ptah da memória ficava chocado, Sadie ria.

—Gostei dela. - disse Sadie ao ser repentinamente puxada da memória em direção finalmente ao mundo real.

Depois de ser puxada das memórias de volta para a realidade, Sadie se sentia um pouco tonta. Ainda confortavelmente deitada no colo de Anúbis, ela abriu os olhos mentalmente e a primeira coisa que viu foi Bastet suspirando aliviada ao soltar sua mão e sentar-se no chão. 

Sadie sentou-se melhor, apesar de ainda um pouco tonta, e olhou melhor para Anúbis. Por mais que Sadie estivesse se sentindo fraca depois de uma magia tão complicada assim, a cara dele estava pior. Estava mais pálido que o normal e morrendo de sono. Notando isso, Sadie tocou preocupada no rosto dele e ele abriu um pequeno sorriso tentando acalmar as preocupações dela.

— Impressão minha ou você foi um teimoso que não quis pegar muito de minha magia para fazer um feitiço que precisaria de mais uma pessoa? - perguntou Sadie.

— Prefiro não responder essa pergunta. - respondeu Anúbis com um fraco sorriso.

— Idiota. - reclamou Sadie plena levantando da cama devagar julgando o quanto de força nas pernas ainda tinha depois de tal feitiço.

A fala tão simples e direta de Sadie para Anúbis fez Bastet soltar uma pequena risada enquanto Sadie ia até uma gaveta qualquer do quarto e de lá tirava uma pequena barra de chocolate. Não era o melhor remédio do mundo, mas com certeza era o mais gostoso. Ela logo voltou para a cama e entregou o chocolate para Anúbis que comeu metade e entregou metade pra ela que não resistiu à revirar os olhos.

— Tá vendo, um idiota. - disse Sadie.

— Não sou eu que estou carregando uma vida dentro de mim. - defende-se Anúbis e Sadie, soltando uma pequena bufada, pegou o chocolate e comeu - O que achou do bracelete?

— Consegui sentir certas propriedades mágicas dele mas… - disse Sadie - Não acho que vamos conseguir fazer mais do que uma réplica meia boca.

— O que na minha opinião é melhor do que nada. - comentou Bastet.

— É… - concordou Sadie - Eu estava pensando também… quantos deuses podem ter feito aquele bracelete? Era uma energia tão pura… primordial… e Ptah fala de uma amiga.

— Notei. Eu estava pensando…  - disse Anúbis com cautela - Ma’at.

— Pensei a mesma coisa… - respondeu Sadie suspirando profundamente - Não acham que conseguem entrar em contato com ela?

— Não… - disse Bastet olhando para Anúbis que também negou com a cabeça - Ela sempre foi difícil de entrar em contato. Nem mesmo Thoth, casado com ela e tudo mais, consegue falar muito com ela.

— Vamos tentar de tudo para reproduzir então… - declarou Sadie - É perda de tempo tentarmos procurar onde Imhotep perdeu a dele. Depois de tantos séculos, pode estar em qualquer lugar já que não está no túmulo dele. Não tem chances de ele ter enterrado junto com a mãe não né?

— Creio que não. - disse Anúbis - A mãe dele morreu bem velhinha. Naquela memória dele adulto construindo a pirâmide que você viu, ele não tinha mais o bracelete, mas a mãe dele ainda estava viva.

— Eu vou pensar sobre como reproduzir o bracelete… e também sobre nomes. - disse Sadie - Você vai dormir. Está com uma cara horrível.

— Mas… tem algo sério para te perguntar…  - disse Anúbis fechando a cara.

— O que? - perguntou Sadie preocupada com o que poderia vir.

— Que história foi aquela de os aliens terem construído as pirâmides? - pergunto Anúbis e na hora Sadie começou a rir.

— É ridículo né? - disse Sadie - Mas é o que algumas pessoas falam. Que foram os aliens que fizeram elas porque não tinha como vocês terem conseguido construir algo daquele tamanho com a tecnologia da época e tudo mais.


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