O Sangue do Mestiço escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 18
Arte de si mesmo


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo cheio de acontecimentos importantes e que prepara o terreno para eventos ainda mais impactantes ;)



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Patwin encarava seu reflexo através das águas do rio e não se reconhecia mais. Onde estava o jornalista de Nova York? Onde estavam suas roupas ordinárias, seus pensamentos mundanos, sua vida urbana? As preocupações do trabalho, os relacionamentos superficiais, as crenças de enfeite? O mestiço pouco se reconhecia. O que via naquela margem era um homem trajando peles de animais e com pinturas em azul ocupando uma grande parcela do corpo. Esse homem também era aparentemente mais magro, mas apresentava uma força em seus braços e pernas que o jornalista não conhecia.

— O que me tornei? — Questionou-se.

Sentiu medo ao ouvir sua própria voz. As palavras não saíram em inglês, mas no dialeto secotan. Não era ele que falava, mas o índio que habitava sua alma. Pat esperava que tal momento o levasse a sentir uma verdadeira explosão de felicidade, mas não. Tudo que sentia era o crescer das dúvidas, o perecer das certezas. Se antes questionava sobre sua vida urbana, agora não entendia também sua realidade selvagem. Sentia que cada passo a mais dentro da sua própria alma era um passo a mais para a escuridão. “Cadê as respostas? Nada faz sentido”, pensou.

Ainda assim, não podia reclamar das coisas na tribo. Já era visto como alguém de dentro. Apesar disso, seus sentimentos de dúvida se repetiam. Já estava cansado de sentir aquilo de novo e de novo. Sentia-se também um homem contraditório. Como poderia desejar tanto fugir daquilo que buscava? Detestar aquilo que estava amando? “Eu tenho que voltar”, refletiu. Sim, o mundo lá fora aguardava. David descobria segredos assombrosos, Richard descansava nos braços de sua mãe e Edward fazia um silêncio perturbador. Patwin sabia que algo grande estava por vir.

Voltou a encarar o seu reflexo. Seu rosto estava pintado. “Por que eles gostam tanto de azul?”, questionou-se estupidamente. Pegou um pouco de água com as mãos e lavou sua face. Voltou a encarar seu reflexo. Agora se reconhecia: Patwin Winslow, o mestiço mais indeciso do século XX. Decidiu então lavar-se por completo. Aproveitou que ainda era cedo. Os raios de sol desciam livremente e traziam um pouco de calor enquanto o mestiço se banhava naquela água fria. Pássaros, árvores e insetos eram testemunhas daquela imagem: o índio que voltava a ser branco.

“Eu fiz tudo que você me pediu, pai”, pensou, como se o velho pudesse ler sua mente. A grande verdade é que o mestiço havia colocado uma máscara desde que chegara na tribo. Comportava-se como um deles, aprendia como eles. Muitas vezes até se sentia como eles. Mas a saudade batia. Os velhos hábitos, o conforto. Era como uma droga, algo que viciava e o obrigava a retornar. Quais seriam suas tantas máscaras sociais? Quem seria o Patwin real? A contradição era o seu tormento e ele logo se viu obrigado a usar mais uma vez uma das tais máscaras.

— Patwin — Eyanosa aproximava-se com certa pressa. — Fiquei preocupada.

— Preocupada? — O jornalista estranhou. — Perdi algo?

— Suas reflexões costumam ser noturnas, não no meio da manhã.

— Acho que sou um homem cheio de dilemas — Pat tentou ser bem-humorado, sem grande sucesso. — Precisa de mim para algo?

— Não — a nativa passou a se aproximar de maneira mais lenta, ao mesmo tempo em que encarava Patwin com seu rosto e corpo limpos, além dos cabelos molhados. — Não se acostumou com as pinturas?

— Realmente não. Eu até tentei, mas confesso que sinto uma certa falta das minhas velhas roupas. Ainda tenho que lavá-las, no entanto. Mas então, o que veio fazer aqui?

A moça parecia um pouco sem jeito, como se planejasse falar algo, mas não encontrasse as palavras certas. Respirou fundo e começou a se pronunciar:

— Eu vi que você e meu pai andaram conversando.

— Parece que ele não me odeia mais — Pat brincou. — Lembro de alguns olhares tortos no início, assim que cheguei aqui. Ou melhor, assim que eu fiquei consciente, já que eu estava apagado graças a sua flechada.

Eyanosa riu envergonhada. Patwin sorriu brincalhão e, sentando-se à beira do rio, convidou a índia para lhe fazer companhia.

— Já falamos sobre isso — ela disse sem jeito enquanto sentava-se ao lado do mestiço.

— É sempre engraçado ver você sem jeito. Desarmada — o jornalista nem sabia o motivo de estar dizendo aquilo. — Lembro quando nos vimos na primeira vez. Você parecia que queria me devorar. Talvez ainda queira, mas esconde isso muito bem.

— Eu não sou tão má — Eyanosa respondeu com um sorriso zombeteiro. — Sabe, você está me ensinando a ser mais paciente. Quer dizer, se alguém acertasse uma flechada em mim, eu certamente não me sentaria à beira de um rio ao lado dela.

— Por quê? Por que você começou a confiar em mim? Sabe, até hoje penso naquela noite em que você apareceu para conversar comigo. Você adormeceu, ficou completamente desprotegida. De onde veio isso?

A nativa ficou em silêncio. Não sabia bem como responder. Patwin também não fazia ideia de qual seria a resposta, e muito menos de onde havia saído tal pergunta. Ele mais uma vez estava numa situação em que não entendia bem o que estava acontecendo. Entretanto, uma coisa ele sentia: paz. O cantar dos pássaros, o som discreto das águas se mexendo e a voz de Eyanosa. A brisa suave ainda fazia que os galhos mais finos das árvores se mexessem, dando um toque a mais na grande sinfonia da natureza e da vida que o mestiço tanto aproveitava.

— Eu não sei — Eyanosa finalmente respondeu.

Ela falou de maneira diferente. Sua voz saiu baixa, quase que num sussurro. Além disso, ela não tirava os olhos do mestiço, que encarava os olhos dela na mesma intensidade. Aproximando-se cada vez mais dele, ouviu da boca do homem da cidade:

— Eu sei.

E Patwin a beijou, passando levemente os braços pelo seu corpo e sentindo seu calor reconfortante. Por um momento, esqueceu de suas dúvidas, medos e questionamentos mais profundos. Apenas aproveitava o momento com ela, como se nada mais fizesse questão de existir.

— Eu não sei se isso é o certo — Eyanosa afastou-se do beijo, ainda que permanecesse junta ao corpo do mestiço. — Não sei o que meu pai diria.

— Eu estou no meio de uma ilha, vivendo em uma tribo há centenas de quilômetros do meu lar, além de estar sendo procurado por um ricaço enlouquecido. Bem, não estou ligando tanto para o certo — Pat respondeu com bom humor.

A nativa deu um sorriso inesperado e, esquecendo um pouco as regras e preocupações, continuou aproveitando o tempo com o mestiço.

Há algumas centenas de metros dali, alguns membros da tribo concluíam uma oração em grupo em homenagem aos mortos. A fogueira acesa indicava a luz e a passagem para um outro plano, onde poderiam viver eternamente com os antepassados e a própria personificação da natureza. Macawi conduzia o ritual, enquanto Mahpee acompanhava. O veterano estranhava a ausência de sua filha e do mestiço. Sua cabeça já estava começando a pensar nas “piores” coisas quando a índia finalmente apareceu, caminhando sozinha pela floresta.

Com a oração já encerrada, Mahpee foi até a moça.

— Onde você estava? — Dizia com raiva. — Desapareceu no meio de um ritual importantíssimo!

Eyanosa começaria a falar, mas logo foi interrompida por Adaky que apareceu repentinamente.

— Ela estava me ajudando na coleta de algumas frutas, Mahpee — o jovem respondeu com confiança.

O índio mais velho respirou fundo e ordenou que a filha não faltasse mais rituais como aquele. Ela acenou positivamente com a cabeça e, após seu pai se afastar, olhou agradecida para Adaky.

— Salvou minha pele — ela disse com alívio.

— Tudo bem — Adaky respondeu com um sorriso. — Patwin é uma boa pessoa.

— O que você viu, de fato?

— Tudo.

— Tudo? — Eyanosa fez uma careta.

O jovem nativo deu uma gargalhada com a reação da moça.

— Vi apenas o suficiente — falou com bom humor. — Mas então, onde está o seu homem?

Sem jeito, a índia explicou que eles haviam combinado de aparecer na tribo em horários diferentes, de maneira que seu pai não levantasse suspeita.

— Bom plano — Adaky assentiu.

Dito e feito. Tempos depois, Patwin caminhou mais uma vez para dentro da tribo. As pessoas já haviam se dispersado após o ritual. Aquele lugar fez com que retornassem as dúvidas e pensamentos assustadores do mestiço. Logo lembrou do diálogo que tivera com Mahpee, e como aquilo lhe trazia medo. Também veio a sua memória algumas conversas que escutara sobre um tal de “deus protetor”. Não tinha um conhecimento profundo daquilo, mas sabia quem poderia questionar sem medo: Macawi.

Aproximando-se do velho e bom índio, o mestiço começou:

— Macawi, faz um tempo não nos falamos.

Vendo que Pat não estava mais com a pintura típica da tribo, o nativo perguntou:

— Cansou de se pintar?

— Eu apenas não me acostumei — Pat deu uma risada sem graça. — Mas então, quero conversar com você sobre algo que tenho escutado. Algo que principalmente o Mahpee gosta de falar em alguns momentos.

— O que seria, jovem?

— Eu vi usarem o termo “deus protetor” alguma vezes. Sei que adoram a Mãe Natureza, por exemplo. Mas esse deus? Nunca vi nenhuma oração direcionada a ele. O que ele é?

Macawi respirou profundamente. Se antes a sua expressão parecia despreocupada, agora ele aparentava estar um pouco desconfortável.

— Eu já falei com Mahpee sobre isso, não entendo como ainda está em sua cabeça — disse com impaciência. — É uma coisa bem séria, Patwin.

— É algo que eu deveria saber? — O mestiço estava começando a sentir o medo tomar conta de si mais uma vez. — Eu conversei com Mahpee há um tempo. Acabei contando sobre como chegar na vila. Espero que não tenha nada a temer.

Macawi balançou a cabeça de um lado para o outro, como se reprovasse aquela ação.

— Não, não — ele começou. — Não foi uma boa coisa para se falar. Mas não se preocupe, ele não pode atacar a vila sozinha, independente de sua vontade. Mas o deus protetor...

Ele simplesmente não concluía seu pensamento. E isso estava começando a irritar o jornalista. Pat queria respostas.

— Só me diga a definição. Que deus é esse que foi abandonado pela maioria da tribo? — Fez a pergunta definitiva.

Com seus olhos profundos, o nativo encarou o mestiço. Finalmente deu uma resposta mais elaborada.

— Nós acreditamos em várias divindades. Você já conhece bem a Mãe Natureza, aquela que criou o mundo, a vida e tudo que podemos tocar. O Sol é outro deus, aquele que nos dá a capacidade de apreciar o mundo que a Mãe criou. A Lua, esposa do Sol, nos permite caminhar por esse mundo mesmo quando seu esposo está ausente. Há ainda o Mar, com seus animais únicos e o seu sal. Tem-se também o Céu com seus milhões de olhos brilhantes, vigiando cada uma das almas que caminham por aqui. Ele que nos julga dignos de partimos para o próximo plano após a morte — ele falava com emoção e verdade, deixando claro que acreditava completamente em cada palavra dita. — E há o deus protetor. Ele é diferente de todas as outras divindades. Ele é único.

— Por quê? — Patwin estava sedento por respostas.

— Ele pode caminhar entre nós, pode ser invocado. Ele sai do seu plano místico, viajando pelas diversas realidades e então encontra abrigo no corpo de um nativo escolhido. Esse nativo então ganha a força, a agilidade, a resistência e a ferocidade desse deus, sendo assim capaz de proteger a tribo em tempos difíceis. Foi muito usado durante guerras de tribos no passado. Entretanto, houve uma vez em que tudo saiu do controle.

Apesar do mais absurdo que a história parecesse, o mestiço não conseguia parar de prestar atenção. O mundo entrara em silêncio enquanto ele ouvia a voz de Macawi. O índio prosseguiu:

— As histórias são claras: a traição aconteceu com a chegada dos homens brancos.

— Traição? — Pat não entendia. — O deus traiu o próprio povo que o adorava?

— Os brancos arrasaram a terra secotan por motivos injustos. Como retaliação, a tribo decidiu invocar o deus que tantas vezes a protegera no passado. O objetivo foi cumprido, de fato. Os colonizadores foram massacrados por completo, ou ao menos assim que nos foi contado. Mas o deus não se sentiu saciado com o sangue de nossos algozes. Ele se voltou contra a própria tribo e promoveu uma carneficina. Por pouco não fomos completamente exterminados. Desde então o deus protetor foi banido de nossas orações e rituais. Ele nunca mais será invocado.

Apesar de todo seu ceticismo, Patwin sentiu medo ao ouvir aquilo. Entretanto, não seria o único a sofrer com aquela emoção naquele dia. Longe dali, na vila dos autointitulados “civilizados”, uma figura desajeitada visitava a igrejinha local. Arnold, o xerife que fedia a álcool, caminhava de maneira soturna, não sendo tão discreto quanto deveria. Ao adentrar o local sagrado, voltou a andar da forma desajustada de sempre.

— A que devo a presença? — Padre Marcus rezava próximo ao Sacrário e logo percebeu a presença do homem.

— Eu só... — Arnold não sabia bem como falar, interrompendo sua própria fala para pensar melhor nas palavras. — Olha, eu preciso falar com o garoto.

Ali perto, David continuava o incessante trabalho de copiar os textos criptografados de John Dee. Não conseguia nem mesmo dormir sem antes se lembrar daquele velho vestido de preto com os longos cabelos brancos. “Era melhor ter ficado em Nova York”, repetia mentalmente várias vezes. Ao ouvir a voz do homem comumente embriagado, logo se levantou e caminhou até a nave central da igreja.

— Arnold? — Fingiu sentir surpresa. — Pensei que você fosse me mandar as novidades por escrito, ou algo do gênero.

— Não temos tempo para isso — Arnold disse com certa pressa na voz. — Ele pode escutar?

O xerife apontou para o padre, que fez uma careta com aquela pergunta.

— Claro — David esclareceu. — Ele é do nosso time.

— Então se prepare que a coisa é séria — começou o xerife. — Richard está na cidade!

— Richard?! O pintor maluco?

— Esse mesmo! Mas tem um problema: alguém o dedurou para Edward. Provavelmente uma pessoa qualquer que caminhava pelas ruas. Viram ele entrando na estalagem da mãe. Agora é questão de tempo para Muralha e Joseph irem pegá-lo. Jesus, eu não queria ser esse garoto hoje.

O pequeno jornalista permaneceu em silêncio. Aquela notícia era terrível e ele sabia bem que Richard não duraria muito nas mãos daquelas pessoas.

— E Patwin? Tem alguma notícia dele? — O garoto questionou.

— Nada. Ou ele se esconde muito bem, ou ainda está com os selvagens — respondeu Arnold.

Padre Marcus ficou pensativo enquanto David refletia sobre as últimas informações recebidas. Eram tempos intensos. Não bastavam as revelações chocantes do diário de John Dee, ainda tinha que lidar com aquela tragédia anunciada.

— Arnold, você tem que fazer algo — o pequeno jornalista suplicou. — Eu não posso ir lá fora, não posso deixar que me vejam. Mas você? Você pode chegar lá antes que eles e assim salvar Richard!

— Você é louco? — O xerife demonstrou medo genuíno. — Se descobrem que eu ajudei o maluco a escapar, é capaz de eu ser morto! Não, a verdade é que acabou para ele. Vim entregar a notícia apenas para te deixar atualizado, como combinamos.

David não tirava a razão do homem. Ele também tremia de medo só de pensar na possibilidade de pôr o pé fora das intermediações da igreja. Teve sorte de não ser descoberto enquanto transitava de um lugar para outro. “Richard deve ter voltado sujo e machucado. Nada discreto”, pensou o pequeno jornalista.

— Deve ter um jeito — falou em voz alta, como se isso fosse gerar boas ideias.

Em seu âmago, ele sentia que deveria fazer algo. Sim, deveria ir lá e avisar ao garoto e sua mãe, impedindo uma tragédia. Mas sua consciência o fazia lembrar dos riscos: poderia ser pego e preso. Talvez, até mesmo torturado. “O que esses monstros não fariam para achar Patwin?”, questionou o pequeno jornalista. O medo tomava conta de si.

— Eu irei — Padre Marcus se manifestou. — Eu não devo nada a Edward e nem mesmo sou um procurado por seus guardas. Não se preocupem comigo.

David recebeu com confiança as palavras de Marcus. Estava confiando nele e acreditava que o homem retornaria em segurança. Ainda assim, precaução nunca era algo para se esquecer.

— Se cuide, padre — disse o garoto.

— Pode deixar — Marcus respondeu com segurança. — Xerife, parabéns por estar trabalhando pelas pessoas, não por um homem sem escrúpulos.

Arnold deu um sorriso sem jeito e, após se despedir da dupla, logo saiu da igreja.

— Você sabe bem o que fazer: cuide da Selvagem. Eu retorno logo — o padre instruiu.

Saindo da igreja, Marcus caminhou apressadamente até a estalagem de Margaret Olsen, onde ela mantinha seu filho oculto do resto da vila. Olhou em direção da mansão de Edward Muller. Nenhum sinal dos guardas. “Com sorte eles ainda nem saíram de lá”, pensou o padre. No entanto, ao abrir a porta do esconderijo, o homem viu que na verdade o azar que se fazia presente: os homens de Edward já estavam lá.

— Vamos, não torne isso difícil, moça — Joseph falava com uma voz compassiva.

Os dois guardas do odiável ricaço encaravam uma amedrontada Margaret na desarrumada estalagem. Ela estava atrás do balcão, enquanto eles se aproximavam cada vez mais e a pressionavam para revelar a localização do filho.

— Edward só quer conversar, nada mais — Muralha disse com a sua típica voz cheia de maldade. — Por que o medo?

— Se Muller quer conversar, ele que venha! — Margaret gritou. — É tão covarde a ponto de mandar seus dois lacaios?!

“Então ainda não o encontraram. Existe uma chance”, refletiu Marcus.

— Chega disso! — Falou com intensidade, atraindo os olhares das três pessoas ali presentes. — O que buscam, rapazes?

— Meu filho! — Margaret se antecipou. — Insistem que ele está aqui! Querem que eu dê as chaves dos quartos, mas esquecem que essa é minha propriedade. Edward não tem nenhum poder aqui!

— Padre, com todo respeito: mantenha-se longe disso. Não é da sua conta — Joseph mantinha sua voz comumente calma.

— Ah, eu acho que é da minha conta sim — Marcus desafiou o pedido. — Sou católico, não posso ser omisso enquanto o mal está acontecendo. Desculpe, é o meu dever moral.

— Dever moral — Muralha repetiu num tom jocoso. — O meu dever é pegar esse pintorzinho de quinta. É para isso que sou pago. Quer me impedir de trabalhar, padre?

O homem de grande estatura aproximou-se de Marcus de maneira ameaçadora. No entanto, o homem de Deus não recuou e manteve a cabeça erguida.

— Espero que essa não tenha sido uma tentativa de intimidação, rapazinho — quem usava o tom jocoso agora era o padre. — Porque você falhou miseravelmente.

Joseph estava se aproximando para afastar Muralha de Marcus, mas parou quando um som abafado tomou conta do ambiente. O grande homem virou-se. O tal barulho vinha do lado de fora da estalagem. Joseph logo entendeu o que deveria ter sido e, saindo do local, deu a volta pelo lado de fora e constatou o que suspeitava: Richard havia pulado pela janela, mas aterrissara da maneira errada.

— É ele! — Joseph gritou.

Muralha, Marcus e Margaret correram para averiguar. O pobre artista estava no chão, gemendo de dor enquanto segurava sua perna ferida.

— Parece que o passarinho tentou fugir do ninho, mas não sabia voar — Muralha falou com maldade.

Joseph começou a segurar o garoto, que tentou acertar o guarda e gritou:

— Afastem-se! Vocês não podem fazer isso!

— Meu filho! — Margaret tentou acolhê-lo, mas foi impedida por Muralha.

— Ele agora está conosco — disse o homem.

Respirando fundo, o padre se interpôs entre os lacaios de Muller e disse:

— Vocês não levarão este garoto!

Muralha, que segurava Margaret, deu uma gargalhada.

— Joseph, dê um jeito nesse homem — ordenou ao seu colega.

— Eu? Ele é um padre, Muralha — Joseph respondeu apreensivo.

— Então eu mesmo faço.

Largando Margaret, o grande se aproximou de Marcus e, sem hesitar, acertou um soco em seu olho. Foi uma pancada forte e sem medição alguma da força. Caindo para trás, o homem de Deus sentiu uma dor intensa que se espalhava por toda cabeça. Além disso, sangue começou a sair da área acertada. Gritando com a dor, ele ainda teve que enfrentar um desespero ainda maior quando percebeu que tudo que enxergava com aquele olho era nada mais que a escuridão total.

— O que você fez?! — Margaret gritava sem saber o que fazer ao ver a situação de seu filho e do padre.

Até mesmo Joseph olhava para Muralha com desgosto.

— Chega, já deu nossa hora — disse o grande homem, tratando logo de erguer o artista ferido para levá-lo ao seu chefe.

Joseph engoliu em seco, pois talvez o salário não valesse sua alma. Ainda assim, seguiu no modo automático e conduziu o garoto enquanto a mãe gritava em desespero, o padre sangrava no chão e uma multidão assistia a cena em choque.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado por ter lido mais este capítulo! O que achou? Quais as expectativas para os capítulos seguintes?

Forte abraço!



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