Un Maudit Amour escrita por Laurus Nobilis


Capítulo 6
Oito de abril de 1731




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Querida Emmeline,

 

Hoje pela manhã, eu e mamãe sentamos lado a lado na varanda para aproveitar a luz do sol, antes que esta se tornasse forte demais com a chegada do meio-dia. Os médicos dizem que isso faz muitíssimo bem à saúde. Não estávamos conversando muito, talvez porque mamãe tenha caído no sono de boca aberta em dois instantes.

Era realmente muito agradável descansar ali. As hortênsias em flor perfumavam todo o ar. Por sobre elas, as várias borboletas da primavera exibiam suas lindas cores. Os passarinhos planavam de um lado para o outro, entoando uma melodia encantadora enquanto alguns deles se banhavam de maneira adorável em uma pequena fonte que mantemos ali, espirrando água para todos os lados.

Eu me sentia em plena paz pelo que deve ter sido a primeira vez nos últimos dias e poderia ter adormecido também, se um novo ruído, não tão bem-vindo, não tivesse se misturado àquela idílica composição. A fofoca das vizinhas. Certo, isso era mais que normal. Às vezes parece que as vizinhas combinam intencionalmente de se encontrarem todos os dias diante de seus portões para ficar discutindo todo tipo de futilidade. Mas aquela fofoca parecia diferente. Uma delas estava irritada, falando alto demais – alto o suficiente para que eu ouvisse sem dificuldade.

"Você soube, Augustine? Você soube?!"

"O quê?", replicou Augustine em sua voz aguda.

"Meu marido me contou ontem... Tem ciganos frequentando a nossa rua!"

Aquela palavra me provocou um imediato arrepio, e me inclinei na cadeira para ouvir melhor.

"Ciganos? Mas eles não ficam só na grande praça?", questionou Augustine, soando espantada.

"Pelo jeito, não mais", disse a outra, furiosa. "Agora se veêm no direito de passear por bairros da classe alta, como se já não fossem invasores."

"Isso é um absurdo! Precisamos avisar os juízes."

"Você sabe que esses juízes são uns incompetentes. Tudo o que eu sei é que caso eu veja algum cigano perto da minha casa, vou espantá-lo a vassouradas como faço com os ratos. É isso mesmo que eles são. Ratos!"

Augustine Angelique soltou uma risada estridente e desprezível.

"Verdade!", concordou ela. "Farei o mesmo. Até porque é bem capaz de que, como os ratos, eles estejam querendo nos passar todo tipo de doenças."

Senti minha mandíbula tensionando. Por que ouvir aquilo estava me enfurecendo? Em minha opinião, madame Tremaine (eu reconhecia pela voz) era muito mais parecida com uma ratazana gorda e repugnante do que um rapaz simpático como Ignus, e seus vestidos caros e quilos de joias não disfarçavam isso. Sempre detestei pessoas que julgam as outras pela aparência, mesmo crescendo no meio delas, ou talvez por isso mesmo. Não é como se fosse algo pessoal.

Estremeci ao sentir o contato suave e familiar de uma mão no meu braço.

"Clémence, querida, está tudo bem?", indagou mamãe; a voz ainda grogue de sono.

Olhei para ela e tentei, com bastante esforço, sorrir.

"Claro, mãe. Mas acho que esse sol não está me fazendo tão bem. Estou meio com calor, meio tonta. Vou voltar para dentro."

Minha mãe concordou com um menear de cabeça preocupado enquanto eu voltava apressada para as sombras do interior da casa. Sentei pesadamente em uma cadeira de balanço diante da lareira extinta, tentando lidar com os milhares de pensamentos aflitos que bombardeavam minha mente. Aquela mulher falou de ciganos no plural, mas sei que não é qualquer cigano que vem transitando pelos arredores de nossa casa nos últimos dias. Havia uma enorme probabilidade de ser Ignus. E caso fosse... Ele não parece ter sido associado a mim, mas o problema agora não era esse. Se ele fosse flagrado de novo, algo ruim com certeza lhe aconteceria. E eu não queria isso. Precisava impedir.

Mas como?

Respirei fundo e reclinei a cabeça, fitando o vazio enquanto pensava. Não demorou muito até que a lógica sobrepusesse o desespero e uma ideia me surgisse. Seria arriscado, sem dúvida, mas não parecia haver qualquer escolha. A única forma de avisar Ignus do risco que corria era indo ao seu encontro.

Não seria complicado arranjar um pretexto: por coincidência, eu já marcara de ir visitar aquela minha mesma amiga Marianne no início da tarde, após o almoço. Tive o cuidado de assar-lhe uma fornada inteira de bolinhos de aveia e mel, seus preferidos. Imaginava que ela estivesse precisando, ao mesmo tempo em que torcia pelo contrário. Talvez ela já houvesse esquecido de quaisquer que fossem as besteiras nefastas que a vidente Lydia lhe contou naquele dia.

Ela abriu a porta para mim e a primeira coisa na qual reparei foram suas olheiras arroxeadas. Olheiras de quem não tem dormido bem. Ou chorado bastante. Com certeza, apenas impressão minha.

"Trouxe bolinhos!", exclamei, erguendo a bandeja ainda quente. Diante disso, minha amiga abriu um leve sorriso e tomou os doces nos braços, dando espaço para que eu pudesse entrar.

Cumprimentei seus pais e nos sentamos, todos juntos, para conversar na requintada sala de estar. Marianne estava sentada timidamente ao meu lado, comendo seus bolinhos sem emitir uma palavra. A cada momento ficava mais nítido o quanto ela estava mudada e como, infelizmente, não era apenas impressão minha. Parecia trêmula; amedrontada. Quase doente, embora eu soubesse que o que lhe afligia não devia ser nada físico. Era agonizante não poder simplesmente perguntar o que ela tinha ouvido naquele dia; algo que parecia corroê-la por dentro até agora.

Seus pais estavam tão bem-humorados quanto de costume e não pareciam notar nada de estranho na filha. Talvez porque ela sempre tenha sido um bocado quieta e soturna. Com sua conversa animada, eles compensavam a maior parte do silêncio dela. O principal assunto era, naturalmente, meu casamento.

Trajando um sorriso nostálgico, madame Jeveaux me contou sobre como ela e o pai de Marianne também haviam se unido por meio de um casamento arranjado, há mais de 20 anos. Em uma semana de convívio, estavam perdidamente apaixonados e continuavam assim até hoje. Era mesmo visível. Eles formam um dos casais mais bonitos que eu já conheci. Engoli a vontade de dizer que os dois tiveram muita boa sorte e talvez não fosse assim com todo mundo.

Não fiquei ali por tempo demais, argumentando que precisava resolver uma série de coisas em casa. Não era de todo mentira. Eu tinha coisas importantes a resolver, embora não em casa. Antes de sair, disse ao pé do ouvido de Marianne que caso ela precisasse de alguma ajuda ou quisesse desabafar sobre algo com alguém de confiança, poderia contar comigo. Em resposta, ela me lançou um olhar levemente aflito.

"Por quê? Pareço estar mal?", indagou em tom baixo.

Dei de ombros e fui embora dali sem prolongar demais a conversa.

Uma vez na rua, olhei para trás e para os lados, buscando ver se a família Jeveaux ou qualquer outra pessoa estava observando o que eu fazia. Aparentemente nada. Reprimi aquele medo e parti a passos rápidos na direção oposta à da minha casa.

Naquele ritmo focado, não demorei a alcançar a praça, que estava tão ruidosa e cheia como em qualquer outro dia. Parte de mim teve medo de encontrar aquele lugar calmo e deserto, preenchido apenas pelo vento. Que medo estranho. Eu bem sabia que os ciganos ainda levariam um tempo para ir embora, e essa não era uma questão que devesse me preocupar. Talvez fosse o nervosismo.

Enfim, havia pessoas o suficiente ali para que eu logo percebesse o quanto seria impossível encontrar Ignus no meio delas sem alguma ajuda. Eu precisava pedir informação. E não seria tão tranquilo quanto no dia em que eu estava procurando a tenda da vidente, pois quem eu precisava encontrar dessa vez era um "alguém": um cigano. Seria melhor se eu resolvesse aquilo de uma vez, em vez de perder tempo imaginando o que todos poderiam pensar. Eu estaria verdadeiramente encrencada se enrolasse demais naquele local e sabia que não havia retorno à essa altura.

Caminhando mais a fundo pela multidão vibrante, logo encontrei alguém ideal a quem perguntar. A moça dançarina que eu vira em plena apresentação na primeira vez que estive ali estava sentada na beirada de seu palco de madeira, tomando água de um pequeno cantil e descansando um pouco. Após um segundo de hesitação, fui até lá e sentei ao lado dela. Ela abaixou o cantil e me olhou, parecendo surpresa.

"Oi!", cumprimentei, sorrindo. "Você dança muito bem."

A garota correspondeu ao sorriso com alguma dificuldade. Sua timidez era tangível. Era engraçado, porque seus olhos intimidavam demais e quem deveria ficar encabulada era eu. Eram da mesma tonalidade clara de uma maçã-verde recém-colhida e conseguiam ter mais brilho do que todos os adereços dourados em seus cabelos negros e pulsos. Por alguma razão que eu não compreendia, seu rosto parecia familiar.

"Obrigada", respondeu, finalmente, com uma voz profunda. "Anos de prática."

"Entendo", murmurei. Então prossegui com cuidado:

"Ouça... Estou procurando um rapaz que deve estar em algum lugar por aqui. O nome dele é Ignus. Ele é cigano."

De prontidão, a menina ergueu as sobrancelhas grossas:

"Meu irmão? Se ele não tiver escapulido ainda, deve estar na tenda de instrumentos musicais. Mas por quê...?"

"Obrigada!", exclamei, já me afastando sem olhar para trás. Eu tinha muita pressa. Não era como se quisesse ignorá-la e deixá-la me observando de longe, perplexa. Se Ignus era seu irmão, ela lhe perguntaria depois, de qualquer maneira, porque diabos uma moça tão arrumadinha e perfumada poderia estar atrás dele. E ele daria um jeito de explicar.

Eu já havia passado por aquela tenda, mas é claro que, afoita como estava, não reparei em quem vendia as mercadorias. Agora, me aproximando, eu podia ver. Ignus estava lá, de cotovelos apoiados na mesa e com ar de profundo tédio. Até que ele me viu e se levantou de imediato, abrindo um sorriso largo que me deixou desconfortável, para variar.

"Eu tive a impressão de te ver quando você passou por aqui, mas achei que não era possível!"

Sorrindo de volta, eu cheguei mais perto e ele estava tão feliz em me ver que... ergueu suas mãos e as colocou em minha cintura. Fiquei em choque a tal ponto que nem tive a reação automática de me desvencilhar. Apenas olhei para suas mãos em torno de mim, depois para seu rosto, e novamente para as mãos. Ele percebeu e se afastou assustado, como se tivesse encostado em um forno quente.

"Desculpe!", exclamou. "Eu esqueci. De onde venho, nós geralmente podemos encostar nas pessoas..."

"Tudo bem, dessa vez", respondi em um murmúrio. Então firmei o tom de voz: "Acabo de conhecer sua irmã. E não vim aqui por nada; tenho algo muito importante a lhe dizer."

"Você conheceu minha irmã? Minha irmã gêmea?"

Agora eu entendia porque o rosto daquela menina parecia tão familiar. Todos os seus traços são idênticos aos de Ignus. Menos a cor dos olhos; isso fazia uma grande diferença e me confundiu.

"Sim!", concordei, esquecendo um pouco da urgência da situação. "Como ela se chama?"

"Aurea. Do latim..."

"Ouro?", recordei.

"Como sabe?", quis saber, surpreso.

Soltei um involuntário suspiro.

"Eu detestava as aulas de latim quando era criança, mas parece que lembro de uma coisa ou outra. Seus pais foram bem criativos."

"Sim, até demais", disse ele com uma risadinha. Não eram apenas os olhos que o diferenciavam de forma marcante da irmã. "Enfim, qual era o assunto importante?"

Arregalei os olhos.

"Ah...! Ignus, você não devia ter começado a frequentar minha rua sem mais nem menos. Está correndo perigo."

"O quê?", questionou, franzindo o cenho.

Cheguei mais perto para responder, e então expliquei tudo o que ouvira naquela manhã. Quando me afastei, Ignus me encarava com aborrecimento. Não era bem a reação que eu previa.

"Você quer dizer que preciso ficar longe da sua casa, se não corro o risco de levar umas vassouradas na cabeça? Olha, eu falei brincando ontem. Se não quiser minha presença, você pode simplesmente..."

"Não!", retruquei, irritada. Em seguida, ergui minha mão direita para segurar seu braço, buscando enfatizar minhas palavras. É claro que eu não devia fazer aquilo, mas é verdade: a emoção leva a isso. E eu precisava que ele compreendesse o que eu queria dizer. Não queria me livrar dele.

Assim como eu fiz momentos antes, ele apenas olhou para minha mão delicada pressionando seu braço e sorriu levemente, em silêncio, esperando que eu continuasse.

"Madame Tremaine disse apenas 'vassouradas', mas você nunca viu o que minha vizinhança é capaz de fazer com ladrões; com vagabundos, ou ao menos com pessoas que eles considerem ser isso. Eu vi, Ignus. Eu vi."

"E o que seria?", ele perguntou baixinho.

Segurei seu outro braço. E ele segurou de volta. Muito errado, muito errado.

"Começa com vassouradas", continuei, aflita. "Mas não demora até que soltem os cães. Até que amarrem o infeliz em uma árvore e o espanquem ao ponto de ficar desfigurado. Até que dêem um tiro de espingarda. Já vi gente morrer, Ignus. Já vi manchas de sangue na rua. E eu passaria o resto da vida perturbada se algo assim acontecesse com você por minha causa."

Pela expressão em seu rosto, agora eu podia ver que ele compreendia. Ele se afastou, respeitoso, mas eu percebia que sua vontade era me abraçar ou algo do gênero. Finalmente olhei em torno, preocupada. Algumas pessoas nos encaravam, mas não muitas. Talvez fosse mais pelo simples fato de uma senhorita como eu estar conversando tão emocionada com um rapaz como ele.

"Acalme-se, meu amor."

Ele me chamou do quê? Voltei a olhá-lo de cenho franzido. Ele riu.

"Acalme-se", repetiu, sério novamente. "Entendo muito bem sua preocupação, mas eu não sou tão idiota quanto pareço. Sei me cuidar. Sei me precaver. Essa vida me ensinou. Reconheço que não previ o que poderia acontecer se eu começasse a te visitar sem mais nem menos, mas agora entendo. E vou tomar cuidado."

"Você não devia voltar lá", enfatizei, encarando o chão.

"E você não devia ter começado a falar comigo, em primeiro lugar."

"Está me imitando?", indaguei em tom suave, erguendo novamente os olhos.

"Não. Mas e se eu desse um jeito de visitá-la sem que ninguém pudesse me ver? Tenho algumas habilidades."

"Ficar invisível, por exemplo?", questionei sarcástica.

"Não", disse ele com um sorriso. "Você vai ver."

"Pela santa misericórdia de Jesus, Ignus!"

Ele revirou os olhos.

"Você confia em mim?"

Expeli o ar dos pulmões.

"Confio em você, mas não tanto no seu senso de auto-preservação."

Ignus riu com gosto.

"É o suficiente. Bem, Clémence, creio que você precisa voltar logo para casa. E eu tenho toda uma fila de clientes para atender." Ele indicou com o queixo as três pessoas que se agrupavam do outro lado da tenda, nos observando com um misto de curiosidade e impaciência. Acho que corei. "Então vá, e fique tranquila. Não vou ser retalhado, nem espancado, nem morto. Você não vai ser deserdada. Vai ficar tudo bem."

Encarei-o furiosa pela petulância, ou pelo menos tive essa impressão. Em seguida, assenti e me virei para ir embora.

"Cuide-se!", foi o que eu disse, previsivelmente, ao me despedir.

"Até breve!", foi o que ouvi de resposta, já ao longe, de maneira mais previsível ainda.

Talvez eu tenha corrido de volta para casa. Embora soubesse que não havia se passado tanto tempo assim. Ao alcançar minha rua, tentei agir com tranquilidade, deixando minha respiração ofegante voltar ao normal.

Dessa vez, mamãe e papai comentaram, em tom casual, sobre o quanto eu demorei. Disse apenas que a conversa estava muito boa, antes de correr para o andar de cima; para o meu quarto, e imediatamente me sentar para escrever esta longa entrada em meu diário.

Acho que estou oficialmente vivendo um caso ilícito e perigoso, Emmeline. Só falta... Ah, você sabe o que falta. Continuo noiva, tão noiva quanto nunca.


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Notas finais do capítulo

Um belo não-casal, né?