Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

um capítulo de muita fofoca (o que eu faço de melhor)



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Finalmente, o primeiro fim de semana chegou e eles voltaram para casa. Mas foi um fim de semana como outro qualquer. Ellen gravando seus stories, comparecendo a compromissos e cozinhando coisas esquisitas. Katherine a flagrou assistindo a uns vídeos sobre pegadinhas, e ficou realmente preocupada.

Jack, por outro lado, não estava se comportando como de costume. Estranhamente ausente, teve de ir a Broken Hill resolver um problema de “material escolar” durante a tarde toda do sábado. Katherine sabia que era mentira, mas imaginou que ele estivesse mentindo somente para Ellen. Não deu muita atenção a ele.

No domingo à noite, quando ela e David voltariam para Broken Hill, Katherine resolveu introduzir o assunto que já estava guardando havia alguns dias. Sentiu frio na barriga antes de conseguir falar.

— Vocês se lembram da noite em que eu acertei David com o taco de beisebol? – perguntou de repente.

Viu Jack franzir a sobrancelha pelo retrovisor, mas logo o semblante dele relaxou. Como se ele já soubesse do que ela estava falando.

— Como eu poderia me esquecer? – David falou alto, indignado.

Katherine mostrou a língua para ele antes de continuar.

— Entrou alguém no meu quarto – disse ela de uma vez. – E ele desapareceu bem diante dos meus olhos. Como você fez. O que foi aquilo? O que você sabe sobre isso?

Jack encolheu os ombros e cruzou o olhar com ela pelo retrovisor, mas rapidamente desviou os olhos para a estrada.

— Nós… Bem, é, eu sei sim sobre isso – respondeu ele, hesitante. – Os vampiros produzem uma coisa… bom, vamos colocar como um hormônio. E a partir de uma certa idade, quando essa produção atinge um certo nível, você passa a emitir uns sinais…

— Que tipo de sinais? – David interrompeu.

Jack olhou para ele com o cenho franzido, querendo que ele ficasse quieto.

— E alguns funcionários do governo têm a função exclusiva de detectar esses sinais, e então aplicar mais desse hormônio em você. Vai ajudar com o processo das suas habilidades desabrocharem…

— Desabrocharem – David interrompeu de novo, sorrindo. – Que palavra bonita, Jack.

— É como aplicar óleo em engrenagens – continuou Jack, ignorando-o. – Vocês poderiam passar por isso sem esse hormônio, mas ele torna o processo mais fácil.

Katherine assentiu devagar e respirou fundo.

— Muito interessante, Jack – disse ela. – Tudo isso para contar que o governo de vocês invade as casas das pessoas e injeta coisas nelas?

Jack fez uma careta.

— Bem, sim – respondeu depois de um tempo. – Agora é o governo de vocês também. Não é ótimo?

Katherine revirou os olhos para o sarcasmo, e foram em silêncio pelo resto do caminho.

Era muito reconfortante saber que aquilo realmente havia acontecido da forma como ela vira. Estava tentando encontrar explicações para coisas inexplicáveis havia dias, e aquilo a deixava exausta. E paranoica também. Sentia como se finalmente houvessem tirado um peso de suas costas e agora ela podia relaxar.

Ela não estava relaxada, porém agora parecia que ela podia tentar se dar esse luxo.

Mas Katherine desejava que começassem logo essas habilidades de que ele tanto falava. Até ali, Broken Hill havia sido uma escola como qualquer outra. Qual a graça de ser vampira se ela ainda tinha que fazer ensino médio? Tirando a infraestrutura e algumas outras aulas legais, ela podia bem fingir que estava em Albert Einstein. Com uma amiga a menos, é claro.

Katherine não fizera amigos até o momento. E não era porque as pessoas eram chatas, nem nada. Ela que tinha um pouco de dificuldade de fazer amizade e iniciar conversas com desconhecidos. David, por outro lado, já havia encontrado os populares locais.

Era bem chato voltar a comer sozinha. Ela estava se acostumando à companhia e à amizade de David, coisa que não tinham já havia anos. Haviam ido além da trégua pela primeira vez em muito tempo, mas não durou muito.

Também era deprimente ficar sozinha. Ela aprendera a gostar da própria companhia, e apreciava alguns momentos que passava sozinha, mas o tempo todo era uma chatice. O único amigo dela na escola era Jack, e ele tecnicamente era obrigado a gostar dela, então não contava.

Por fim, a solidão voltara a se instalar nela. Era familiar, embora fosse devastadora. Fez Katherine pensar que deveria se ocupar antes dos pensamentos ruins saíssem do controle e tudo se tornasse uma mancha, como antes.

— Até mais, Jack – disse Katherine, quando chegaram. – Boa noite.

Jack pareceu perceber que ela estava desanimada, mas não disse nada. Ele mesmo devia estar absorto com os próprios problemas. Não era comum que ele estivesse em Broken Hill de domingo, e provavelmente passaria a noite em mais uma das reuniões que ele andara tendo a semana toda, inclusive no sábado.

Katherine subiu as escadas e foi para o quarto. David não a acompanhou, estava indo encontrar os amigos na piscina.

Ao chegar no quarto, pensou que precisava se ocupar. Se ficasse parada, a mente viraria um carnaval de pensamentos ruins, e era o que ela precisava evitar.

Começou a fazer as tarefas da semana, e adiantou algumas outras lições. Fizera a maior parte em casa, no fim de semana. Depois, desenhou um pouco, já fazia tempo desde que desenhara pela última vez. E quando já estava ficando com sono, pegou o livro e começou a ler.

O fluxo de pensamentos finalmente diminuía de intensidade, e os olhos começavam a pesar. Katherine fechou o livro sobre a barriga e cerrou os olhos, preparando-se para o cochilo. As luzes acesas nem a incomodaram.

O estrondo da porta a acordou com um sobressalto. Katherine abriu os olhos completamente desnorteada.

— Hã, oi? – disse alguém que estava na porta. – Você está me perseguindo ou o quê? O que está fazendo aqui?

Com o coração martelando por causa do susto, Katherine esfregou os olhos e se sentou na cama.

— Eu deveria estar perguntando isso — murmurou, o sono passando rapidamente para dar lugar ao choque. — Esse é o meu quarto! Que você acabou de invadir.

Katherine olhou bem para o rapaz parado na porta, carregando bolsas, e o reconheceu de repente. O menino que trombara com ela. O mesmo menino que brigara com Melanie naquele dia.

Ele soltou as malas no chão e Katherine fechou os olhos e apertou as costas contra a cabeceira da cama por um segundo, sentindo medo. Então balançou a cabeça, tentando se acalmar. A sombra de Alex estaria ali para sempre.

Isso é passado, pensou. Está segura aqui.

O menino apertou os olhos para ela, olhou para as malas e voltou a olhar para Katherine. Ela tentou entender o que estava acontecendo. Ele ficara parado na porta, pelo menos. Não entrou direto. Era bom sinal.

Mesmo assim, ela começou a olhar em volta, procurando algo com que se defender se ele realmente invadisse o quarto para fazer mal a ela.

Estou sendo paranoica, tentou dizer a si mesma, assustada. Isso não vai acontecer.

— E então? Esse é o meu quarto! Esse não pode ser o seu quarto. Você é menina. Estamos no dormitório masculino. Entendeu?

Ele falava pausadamente, como se ela fosse estúpida.

— Eles me colocaram aqui, mas é temporário – disse ela rispidamente, o medo dando lugar à irritação. – Estou dividindo quarto com o meu…

Quando a ficha caiu, Katherine arregalou os olhos.

— Sem chance de você e David serem colegas de quarto.

Quê?

Não fora só ele que dissera aquilo. David chegava naquele momento, e ficou igualmente sobressaltado ao ouvir o que Katherine falara.

E David não estava sozinho. Evan recuou para dentro do quarto quando a viu, e Katherine ficou confusa até que ela aparecesse na fresta da porta.

Katherine levou a mão à boca.

David chegara com os braços sobre os ombros de Melanie. A expressão no rosto dela, a princípio, era de surpresa, e logo se tornou divertimento.

— Evan, o que faz aqui? – perguntou ela. – Quer se juntar a nós?

Katherine ficou em pé quando Evan foi recuando pelo quarto de costas, afrontado por Melanie. O olhar dela foi parar em Katherine e ela sorriu.

— Você de novo? – perguntou, curiosa. Apontou para Evan, e depois para Katherine. – Quer dizer que vocês estão…

— Que eu estava dormindo – Katherine resmungou, completamente irritada. – Que esse idiota apareceu aqui de repente e começou a gritar comigo. E que esse outro idiota estava trazendo você para o quarto que eu divido com ele. É isso que quer dizer.

O rosto de Evan estava vermelho. Se era de raiva, de ciúmes ou o que fosse, Katherine não saberia dizer.

— Melanie, é melhor você ir agora – David interveio, colocando as mãos sobre os ombros dela.

Katherine olhou para David com as sobrancelhas erguidas. Ele não falava com tanta gentileza nem com a própria mãe.

— Você é quem sabe – Melanie respondeu, fazendo biquinho. – Mas vou perder a festa.

Melanie saiu, balançando os quadris e sendo acompanhada pelo olhar de David, que rapidamente se voltou para Evan – que também estava olhando para a bunda dela.

— Primeiro – rosnou David. –, nunca mais entre num quarto em que a minha irmã estiver sozinha. Ou desacordada. Eu mato você.

Katherine esfregou os braços arrepiados, encostada à parede. Estava com medo do tom de voz do irmão, mas feliz por ele tê-la defendido. David podia irritá-la com as piadas sobre Alex, mas ele não havia esquecido.

Evan sustentou o olhar de David, levemente surpreso.

— E segundo – continuou. – Tire suas coisas daqui. Você não vai ficar aqui.

— Você acha que eu quis isso? – Evan rebateu. – Dividir quarto com o babaca que está ficando com a minha ex?

David avançou em Evan, e começaram a se empurrar. O coração de Katherine disparou, e ela fechou a porta para não atrair problemas. Sem pensar muito para que não tivesse tempo de mudar de ideia, entrou no meio dos dois para separá-los.

— Parem com isso! – gritou, se metendo no meio.

Levou um empurrão desajeitado de David, bateu contra Evan e se afastou dos dois rapidamente.

— Chega? – perguntou ela, encostada contra a parede com o rosto vermelho de raiva e euforia pelo que fizera.

Os dois baixaram os olhos.

— Foi mal, garota – murmurou Evan.

— Katherine – David sibilou. – Não é garota. É Katherine.

Katherine revirou os olhos para David e se sentou na cama com a cabeça entre as mãos. Queria que os dois saíssem dali.

— Eu preferia dividir quarto com a minha irmã – David resmungou.

— Muito obrigada – Katherine rebateu sarcasticamente.

— Eu também – Evan respondeu, sorrindo.

Katherine bufou e perdeu a paciência. Empurrou Evan ela mesma, porque o achava um estúpido.

— Você não tem respeito – rosnou ela quando o empurrou.

Evan caiu no chão ruidosamente, e a uma boa distância dos dois. Tanto ele quanto David olharam surpresos para ela, que estava com os olhos arregalados.

— De onde veio toda essa força? – perguntou Evan, levantando-se do chão.

— Você que é molenga – David zombou.

— Calem a boca, os dois – Katherine falou, cruzando os braços.

Ela também não sabia explicar o que fora aquilo e estava tão surpresa quanto assustada. Podia ter sido um pico de adrenalina pela irritação crescente com Evan, se é que adrenalina fazia aquelas coisas acontecerem. De qualquer forma, ela empurrara um cara que devia pesar uns oitenta quilos por bons três metros.

Evan pareceu animado.

— Vamos, tente me levantar.

Katherine fez uma careta para ele.

— Não quero encostar em você. Nem olhar mais pra sua cara.

— Será que ela pode jogar no nosso time? – Evan se perguntou, mas olhava para David.

Katherine achou que David fosse ignorá-lo ou que eles fossem brigar de novo, mas ele respondeu:

— Seria uma boa ideia… Vai, Katherine, tenta levantar ele de novo!

Ela olhou para David com as sobrancelhas erguidas. Pareciam dois meninos dividindo um brinquedo. Estavam se empurrando havia minutos, e agora queriam brincar com o jogo novo.

— Isso aí foi sobrenatural – Evan falou, soando assustado e maravilhado.

— E como é a seletiva desse time? – David perguntou, com ar de pouco caso, e Evan respondeu da mesma maneira. Não queriam dar um ao outro a satisfação de conversar como seres humanos.

Começou a fazer as malas, ignorando-os. Sabia que, se o novo colega de quarto de David fora mandado para lá, logo ela teria que sair. Tentou ignorar o fato de que os dois estavam conversando sobre o time de futebol da escola, porque era melhor do que quando eles estavam tentando se matar.

Ouviu uma batida na porta, e em seguida Jack entrou no quarto.

— Bom, Evan – disse Katherine, enfiando as últimas roupas na bolsa. – Desculpe-me por empurrá-lo no chão. Mas você mereceu, por ser um babaca.

Evan abriu a boca para responder, mas ela deu as costas para eles e saiu para o corredor com Jack.

— Animada para conhecer a colega de quarto? – perguntou ele, caminhando com ela.

Katherine olhou para ele com a testa franzida de preocupação.

— Eles vão se matar lá dentro.

A porta do quarto 15 abafava a música alta que vinha de dentro.

Katherine estendeu a mão e bateu à porta. Esperou, mas não houve resposta. Bateu de novo. Dessa vez, a música diminuiu e ela pôde ouvir um suspiro exasperado. Em seguida, a maçaneta desceu e a porta foi aberta.

— O que você quer?

Katherine encolheu os ombros. A bela garota olhava para cima, para o rosto de Katherine, nem um pouco satisfeita por ter sido interrompida no que quer que estivesse fazendo antes. Cabelos cacheados, volumosos, pele negra e olhos brilhantes. E tinha alguns piercings.

— Morar aqui, acho – respondeu Katherine, indicando a mala no chão com a cabeça.

A garota se surpreendeu e recuou para dentro do quarto, abrindo passagem.

— Pensei que estivesse querendo me vender biscoitos com essas trancinhas aí – disse ela, enquanto Katherine entrava no quarto. – Mas me avisaram sobre você, gigante.

Katherine ergueu as sobrancelhas, e decidiu não retrucar. Afinal, a diferença de altura entre elas era realmente gritante, mas a garota que era minúscula. Passou os olhos pelo quarto e parecia que acabara de entrar na Disneylândia, com tanta informação para digerir.

Pôsteres, objetos sobre os móveis, edredom colorido e luminárias. Tinha até uma varanda. Ela deixou a mala sobre a cama vazia e andou em direção à varanda, a fim de conhecer a vista, mas parou ao sentir aquele cheiro.

O cheiro doce, forte, o cheiro que estava presente onde quer que Katherine fosse.

— Essa flor tem que estar em todos os lugares? – perguntou, olhando para a garota.

— Acho que sim – respondeu ela, dando de ombros e olhando para o vaso pequeno ao lado da varanda, que acomodava a flor negra. – Aliás, meu nome é Carla. Carla Aguiar.

— Brasil?

— Brasil – Carla confirmou. – Mas vim para cá com uns dez anos.

— Isso é incrível – disse Katherine, impressionada. – Eu nunca saí da Flórida. Poucas vezes saí daqui de Glaston, aliás. Eu sou Katherine B… Flores. Katherine Flores.

Carla franziu as sobrancelhas para a hesitação de Katherine, mas assentiu, fechou a porta do quarto e se jogou sobre a própria cama com o edredom colorido.

— Vou pintar aquela parede de preto daqui a dez minutos – disse ela, indicando a parede oposta à que as cabeceiras das camas se encostavam. – Quer ajudar?

— Pode ser – Katherine respondeu, sentando-se na cama sem edredom, surpresa. – Por que daqui a dez minutos? Está esperando alguém?

— É porque eu estou com preguiça de fazer agora, agora – respondeu Carla. – Ah, e não se ofenda com a piada das bandeirantes. Eu gosto das tranças.

Dez minutos depois, Carla realmente saltou da cama e buscou uma lata de tinta próxima do guarda-roupa. Entregou um rolo de pintura para Katherine e ficou com o outro. E espalhou jornal no chão.

— Você já tinha dois pincéis? – Katherine perguntou, estranhando. – Então sabia que eu chegaria agora?

Carla deu de ombros.

— Eu não sabia que você ia chegar agora, mas também não ia pintar tudo isso sozinha. Provavelmente eu ia chamar algum dos meus amigos. Você vai gostar deles.

Katherine sorriu para ela, um pouco desconcertada. Amigos, no plural? Já estava com medo de conhecer pessoas e elas não gostarem dela. Carla seria obrigada a conviver com ela, mas os amigos dela não.

Carla aumentou o som e deu a primeira pincelada na parede, espirrando tinta nas duas. Katherine sorriu e fez como ela, e começaram a pintar.

— Então, qual é a do seu sobrenome? – perguntou Carla, depois de um tempo.

Katherine olhou para ela, um pouco surpresa com a pergunta, mas achou que uma hora ou outra ela fosse perguntar.

— Meu pai era mexicano. E a minha mãe é americana, e não gosta muito que a gente use Flores. Prefere Brown. Mas eu estou aqui agora, então… dane-se ela.

Carla sorriu para ela, parecendo aprovar. Katherine também achou uma delícia falar aquilo em voz alta.

— Ela odeia que a gente fale espanhol, e queria que os nossos nomes fossem… assim – continuou ela. – Pelo menos meu pai insistiu. Ele queria Catarina, mas a minha mãe queria alguma coisa bizarra tipo Karen ou Lindsay. Katherine foi o acordo. E eu te conheço faz meia hora e estou contando como os meus pais escolheram meu nome.

Carla deu risada, o que amenizou um pouco o constrangimento de Katherine.

— Você disse que ela odeia que “a gente fale espanhol” – comentou ela. – A gente quem?

— Eu e meu irmão – explicou ela. – Ele está aqui também. Viemos juntos.

Nesse momento, Katherine sentiu um grande alívio por perceber que Carla não fazia a menor ideia de quem ela ou David podiam ser. Aquele peso e a situação desagradável que aconteciam quando as pessoas conheciam Ellen… Katherine estava livre daquilo naquele quarto.

Decidiu manter assim, pelo menos por enquanto.

— Você gostou? – Carla perguntou, um bom tempo depois.

Katherine sorriu timidamente para ela em resposta. Tinha gostado mesmo. Era uma pequena loucura na vida dela, que era sempre minuciosamente controlada e planejada pela mãe. Quer dizer, ainda havia a grande loucura dos vampiros, mas ela estava evitando pensar naquilo.

— E agora? – perguntou a Carla, referindo-se ao cheiro forte da tinta. – O que a gente faz?

Carla olhou para ela com expectativa.

— Agora, Kate, nós vamos dar um passeio. Posso te chamar de Kate?

Saíram do quarto nas pontas dos pés. Atravessaram o dormitório e desceram as escadas com Carla frequentemente mandando Katherine fazer menos barulho. Saíram pelas portas duplas e Carla começou a contornar o prédio.

— Para onde estamos indo? – Katherine sussurrou.

— Vamos lavar toda essa tinta.

Carla virou à esquerda, seguindo a parede do prédio, e deram de cara com uma piscina iluminada. Alguns garotos e uma garota riam e espirravam água uns nos outros, rindo e conversando.

— É brincadeira sobre lavarmos a tinta na piscina – disse Carla, contornando a piscina e entrando embaixo de um chuveiro. – Isso não seria legal.

Katherine a seguiu, sorrindo. Entrou no chuveiro depois de Carla, e nem fez careta para a água gelada. Era fim de verão, e ainda estava muito quente. Ali do chuveiro, ela podia ver vestiários e adiante um gramado, que devia ser o gramado que levava para os outros prédios de salas de aula.

Carla voltou a se aproximar dela, encharcada, e indicou as pessoas na piscina com um gesto de cabeça.

— Aqueles são Logan, Kristen e Joshua. Mas a gente chama ele de Josh – apresentou, sem que eles a ouvissem. Então ela aumentou o tom de voz. – Galera, essa é a Kate. Minha nova colega de quarto.

Depois disso, ela tirou as roupas e saltou na água somente de calcinha e sutiã.

— Você vem?

Katherine assentiu, mas não tirou as roupas. Pulou na água e sentiu um choque térmico agradável. Depois de um dia esquisito em casa, depois mais esquisitice com David e por fim um momento esquisitíssimo com Evan e David, a piscina fria foi como tirar a nhaca dela.

Suspirou com alívio e sorriu para os amigos de Carla, um pouco envergonhada.

— E então – disse o garoto apresentado como Logan. – Você fala?

Ele falava como se eles estivessem em um programa de auditório e ele fosse o apresentador. Katherine não conteve um sorriso. Embora lhe causasse um pouco de ansiedade estar naquele lugar completamente diferente com pessoas novas, procurou enfrentar a situação em vez de se encolher e se isolar como fazia normalmente. Respirou fundo antes de responder.

— Ainda estou quieta tentando processar tudo. As coisas acontecem bem rápido por aqui, né?

Logan soltou uma risada, e as bochechas gorduchas tomaram conta da face dele.

— É, querida, podem acontecer bem rápido mesmo – disse ele, ainda rindo. – Mas quando você se acostuma, você passa a achá-las lentas demais.

— Não deixa ele te assustar – disse o outro garoto, Joshua, apontando um dedo magro na direção de Logan. – Nenhum agito é suficiente para ele.

Kristen, a garota, havia permanecido em silêncio, somente observando o grupo com um sorriso até então. Com uma voz baixa e rouca, ela falou pela primeira vez:

— O único agito suficiente para Logan é o time de futebol treinando sem camisa.

Katherine olhou para ela, surpresa ao ouvi-la falar pela primeira vez. Enquanto os outros riram, Logan ergueu um dedo no ar, como que para se defender.

— Eu gosto dos outros esportes também! Tenho minhas preferências, é claro.

— Tipo a natação! – Carla zombou.

O grupo continuou rindo e se provocando. Katherine sentiu que eles eram daquele tipo de pessoa que conseguia deixar desconhecidos à vontade e sorriu, satisfeita. Eles a incluíam nas piadas e perguntavam coisas sobre ela.

— E eu morava em Windsboro, sabe? – Logan continuou, contando a longa história de como acabara em Broken Hill. – A população toda devia caber dentro de um Mc Donalds…

— Fala sério! – exclamou Joshua.

— O Mc Donalds certo – Logan se corrigiu. – De qualquer forma, eles faziam da minha vida um inferno. O único gay assumido da escola, e ainda por cima gordo? Eu não tinha a menor chance. Mas já que a Lady Gaga não apareceu para me salvar, aqueles ninjas vieram e me deram a injeção da sorte.

— Ninjas? – Katherine perguntou. – O vampiro?

Aquela palavra dita em voz alta produziu calafrios que atravessaram o corpo dela.

— Esses vampiros que te injetam a Substância são chamados de Agentes – Kristen explicou, novamente surpreendendo Katherine ao falar. Tanto pela voz rouca, quanto por ser mais quieta. – Eles trabalham para o governo e têm a identidade protegida.

Katherine absorveu lentamente o que ela estava dizendo.

— Quer dizer que qualquer um de vocês poderia ser um Agente? – perguntou ela, franzindo a testa.

— Poderíamos, se não fôssemos um bando de idiotas – Carla respondeu, rindo.

Os outros a acompanharam na risada.

— É brincadeira – disse Carla, ainda sorrindo. – Nós não podemos ser Agentes.

— São vampiros formados – Joshua explicou. – Em Broken Hill você não vai só completar o ensino médio. Vai aperfeiçoar as habilidades, aprender sobre a nossa história e tudo o mais que eles puderem te ensinar sobre ser vampiro.

— Eles não ligam tanto assim pro ensino médio, na verdade – observou Logan.

— É mesmo – Carla concordou. – Não sei matemática básica.

— Garotas bonitas não precisam desse tipo de coisa – disse Kristen, e Carla sorriu para ela.

— Gays também não – Logan acrescentou. – Você é uma garota bonita, Kate, e com um pouco de sorte também deve ser gay, então deve estar a salvo conosco.

De repente, os olhos dele se arregalaram e a boca se abriu no formato de um grande “O”.

— Eu sabia que já conhecia você de algum lugar!

Katherine prendeu a respiração, pronta para a vergonha de contar sobre Ellen, e já certa de que aquilo se espalharia.

— Era você na mesa quando Evan e Melanie terminaram! – exclamou ele.

Foi a vez dela de arregalar os olhos, e soltar um longo suspiro de alívio.

— Não acredito que você estava no olho do furacão e nem contou a fofoca! – falou Carla.

— Quem é aquela criatura esculpida pelo próprio Drácula por quem a Melanie trocou Evan? O que aconteceu de verdade? A Lisa Chang me contou que Evan pegou eles se beijando!

— E desde quando você fala com a Lisa Chang? – perguntou Joshua, debochando.

— Ela senta na minha frente na aula de Literatura – respondeu Logan, fazendo careta.

— Não teve beijo nenhum – explicou Katherine. – E o outro cara é o meu irmão.

Os quatro a encararam, parecendo completamente chocados. Diante do silêncio, Katherine continuou, envergonhada:

— Bom, David insistiu para a gente se sentar naquela mesa, e logo em seguida a gente descobriu que era a mesa em que Melanie se sentava com Evan. E quando ela chegou, eu achei que ela só ia expulsar a gente de lá, que nem nas escolas normais…

— Aquele deus grego deve estar acostumado a se sentar na mesa dos populares, não o culpe – disse Logan, solenemente.

Katherine revirou os olhos para ele, rindo, e continuou:

— Então, eu achei que ela só fosse nos expulsar. Mas aí eles começaram a flertar, completamente do nada! E depois Evan chegou, e eles terminaram ali mesmo, na frente de todo mundo.

Logan olhou para a água com as sobrancelhas erguidas, processando a história. Depois de pensar um pouco, concluiu:

— Bom, nenhum dos dois presta. Era inevitável.

Katherine deu risada.

— Eles só se suportavam porque Melanie deve ter mordido ele – disse Logan.

— Ela com certeza mordeu ele – concordou Carla.

— O que isso significa? – Katherine perguntou. Estava ansiosa para saber mais sobre o Laço de Sangue que Jack queria tanto esconder.

Logan sorriu maliciosamente para ela.

— Você se conecta com a pessoa e vive tudo mais intensamente – explicou ele, parecendo deliciado. – Quando você tem um pacto com uma pessoa com quem você tem um relacionamento romântico, aquela paixão do começo é multiplicada e estendida, e faz tudo parecer incrível…

— E é justamente por isso— disse Joshua, apontando para Logan. – que você tem que tomar cuidado com o pacto de sangue. Vicia e ilude. É que nem droga.

Katherine assentiu, impressionada.

— E a pessoa que morde tem mais controle sobre o pacto que a pessoa que é mordida – disse Kristen sombriamente, em tom de aviso. – Não deixe qualquer um te morder.

— Melanie com certeza mordeu Evan – Carla falou. – Por isso que ela estava traindo ele, e ele deve estar chorando que nem um cachorro abandonado. Mas é como Logan disse: nenhum dos dois presta.

Katherine tentou absorver toda aquela informação, impressionada.

— E por que vocês chamam de “pacto”? Ouvi Jack dizer “Laços de Sangue” mais cedo.

Kristen abriu um sorriso e falou com a voz lenta:

— Os velhos chamam de Laço de Sangue, mas nós falamos pacto porque é que nem vender a sua alma para o diabo. Tem que ser muito louco para fazer e a recompensa é incrível, mas tem seu preço.


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Notas finais do capítulo

particularmente acho este uma obra de arte kkkkkkkk
fariam o pacto?



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