Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 36
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

10 anos depois, chegamos ao fim dessa história



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— Você realmente não liga de morar nesse quarto? – Melanie perguntou, fazendo careta. – Tipo, literalmente tem sangue seu na parede.

Katherine deu de ombros.

— A pessoa que me agrediu aqui fui eu mesma que matei. Não tem mais como me dar qualquer tipo de gatilho. E eu nunca mais vou deixar ninguém se aproximar de mim o suficiente para eu ter medo de ser agredida de novo. Se existisse alguém capaz de me agredir.

Melanie ergueu as sobrancelhas sem desviar os olhos da tela do celular.

— Muita informação de uma vez – murmurou, rolando o feed e soando totalmente desinteressada novamente. – Mas essa é uma garota empoderada falando. Inspirador. O que vai fazer agora?

— Esperar você sair e apagar as luzes.

Melanie usou aquilo como deixa para se levantar da cama.

— Já estou atrasada mesmo. Vou sair já. Quer algo do café da manhã?

— Não – Katherine sorriu. – Obrigada. Boa aula.

— Bom sei lá o que você passa o dia fazendo – ela disse antes de fechar a porta. E apagou as luzes antes de sair.

Katherine se ajeitou na cama, colocou a máscara de dormir e se cobriu. Ela realmente não era mais fisiologicamente capaz de dormir, mas aprendera uma forma de se auto hipnotizar que era quase como dormir. Não havia sonhos e nem a sensação gostosa de dormir, mas pelo menos podia tirá-la do ar por algumas horas. E a fazia se sentir como um monge.

E ela realmente havia recebido algumas sentenças. A pior delas, claro, era não poder mais ver a luz do sol. Ainda não havia se acostumado com isso. Mas estava aprendendo a gostar da noite, e de ficar sozinha a maior parte do tempo. Era estranho, mas o silêncio estava se tornando confortável.

Por volta das seis da tarde era a hora da aparição oficial dela. Katherine gostava de pensar assim porque via a cara dos outros alunos quando ela saía pelos corredores.

— Tem macarrão com queijo lá embaixo – Melanie anunciou quando retornou ao quarto no fim da tarde. – Que você gosta.

— Legal – Katherine falou, levantando da cama. O corpo dela não tolerava mais comida, e ela só comia de vez em quando para matar a vontade, porque sabia que ia vomitar tudo depois.

— E o bonitinho da academia perguntou de você – Melanie continuou, de dentro do banheiro. Estava retocando o rímel, mas colocava a cabeça para fora de vez em quando para olhar para Katherine enquanto falava. – Falei para ele que vamos lá mais tarde.

— Por mim tudo bem – Katherine concordou enquanto terminava de trançar o cabelo no espelho do quarto.

Melanie sabia que o bonitinho da academia se chamava Chris, e que era o mesmo Chris com quem elas passaram pelo inferno em Nova York, mas ela gostava de fingir que não se importava. E funcionava com Chris também.

Desceram juntas para o jantar. Os amigos populares de Melanie não entendiam por que ela aceitara se mudar para o quarto de Katherine. Os amigos de Katherine não diziam em voz alta, mas ela sabia que eles achavam ofensivo que ela permitisse que Melanie roubasse o lugar de Carla. E o resto da escola, que não estava inteirado de muito do que acontecera antes de Nova York, esses eram fascinados pelas duas.

Melanie era fascinante por si só, desde sempre. Katherine achava que devia ser biologicamente impossível que aparecesse uma criatura mais deslumbrante que ela. E tão indiferente a todos, mesmo ciente de toda a atenção que recebia.

E as pessoas eram fascinadas por Katherine porque achavam que ela era algum tipo de super-herói. Todos os dias, alunos vinham até ela para cumprimentá-la nos corredores e dizer que a admiravam ou que eram gratos ao que ela tinha feito.

Sempre “aquilo que você fez foi incrível”, mas ninguém tinha coragem de dizer. Nenhum deles se referia diretamente ao que acontecera. Ninguém nunca falava “ei, foi incrível quando você ergueu no ar o cadáver do seu pai. Tenho tudo isso em vídeo!”.

Só Melanie falava, mas, novamente, era porque ela não estava nem aí.

— Olha aqui – ela disse durante o jantar, mostrando a notícia no celular. – Pode ser que façam um filme sobre você. Acho que é de terror – ela acrescentou com uma risadinha.

Katherine riu também.

— Eu vou ganhar alguma coisa?

— Acho que não – Melanie deu de ombros. – Se usarem só as informações do processo e as imagens da mídia, que são coisas públicas, acho que você não pode fazer nada.

— E tem imagem pra caralho – Katherine falou, rindo.

Melanie desviou os olhos da tela para olhar para ela e soltou uma risada alta.

— Eu adoro os seus GIFS. Devo ser a maior fã.

O salão já começava a encher. Katherine gostava de ir cedo ao refeitório para sair cedo, enquanto ele ainda estava vazio. Acenou para Melanie e subiu para o quarto sozinha, ciente dos olhares. Os alunos mais novos a encaravam com menos discrição, querendo chamar a atenção dela. Alguns dos mais velhos, que ela já conhecia antes, passaram a cumprimentá-la. Outros a evitavam como se ela fosse um espírito maligno.

— Oi, Kat. Bom dia.

E havia Evan. Que não cagava e nem saía da moita.

Katherine sorriu de volta para ele.

— Eu te vejo mais tarde? – Evan perguntou, erguendo as sobrancelhas. – Está tudo certo para hoje?

— Sim, tudo certo – Katherine deu de ombros.

— Ótimo, então – ele respondeu, beijou-a na bochecha e se afastou.

Katherine continuou andando, metade animada e metade se sentindo mal. Evan deixara bem claro que não sentia nada por ela, mas desde então haviam conversado um pouco melhor. Não sobre sentimentos, apenas sobre convivência. E em uma dessas conversas, Evan a beijou, Katherine deixou, e agora andavam se encontrando à noite.

Ela se sentia um objeto quando estava com ele, mas não conseguia dizer não. Preferia se sentir usada por Evan por não mais do que uma ou duas horas na semana do que ficar completamente sem ele. Mas Katherine estava decidida a superar. Prometera a si mesma que se livraria dele em doses homeopáticas.

Ao fechar a porta do quarto, correu para o banheiro. O macarrão já estava voltando. Havia sido péssimo descobrir sobre essa intolerância a comida na prática. Especialmente quando serviram comida com milho naquele refeitório do governo vampiro. Ela traumatizara boa parte dos Agentes naquela tarde.

Depois de terminar, Katherine se ergueu do vaso e passou a escovar os dentes. Toda vez que vomitava assim, jurava que jamais comeria comida novamente. Mas sempre havia uma última vez. Olhou para si mesma no espelho, sentindo culpa.

— Hoje é a última vez – prometeu. – Eu nem gosto mais dele de verdade. Gosto da lembrança dele que eu tenho. Chega de Evan depois de hoje. Não compensa o que ele me faz sentir.

Ela abriu a porta e encontrou Melanie com as sobrancelhas erguidas em reprovação.

— Estou esperando você para irmos à academia – ela falou, e cruzou os braços. – Mas pode terminar de repetir os seus mantras, se você quiser.

— Já terminei – Katherine resmungou, apanhando as roupas para ir se trocar.

— Você deveria ter aprendido na primeira vez – Melanie falou. – Já fiz tudo o que podia para te aconselhar.

— Tipo fazer ele me morder – Katherine rebateu com ironia.

— Não tinha como te dar uma lição melhor – Melanie encolheu os ombros. – Eu aprendi, quando foi a minha vez.

Katherine suspirou.

— Estou quase lá. Falta isso aqui para superar Evan – ela aproximou o polegar e o indicador até que quase se tocassem. – Estou pronta. Vamos.

Melanie assentiu, e saíram do quarto. Quando alcançaram o gramado do lado de fora do salão de jantar, Katherine andou mais devagar para poder olhar para o memorial de Carla, como fazia todas as noites. Doía, mas ela gostava de ver as homenagens. Gostava de saber que as pessoas podiam acrescentar algo novo para a memória de Carla todos os dias, de ver o quanto ela era amada. E gostava de se desculpar em silêncio.

Mas, naquela noite, havia algo novo. Uma vela vermelha grande com uma espécie de cruz ornamentada de pontas afiadas. Era bonita, porém deixou Katherine com uma sensação ruim que ela não soube explicar.

Talvez porque não houvesse muitas pessoas religiosas em Broken Hill, e ela só estivesse desacostumada a ver símbolos cristãos. Ou era devido à culpa esmagadora que ela sentia toda vez que se deparava com aquelas homenagens, sabendo que Carla ainda poderia estar ali se Katherine não tivesse permitido que Serpente a pegasse.

— O quê?

— O quê? – Katherine ecoou. – O que o quê?

Melanie revirou os olhos.

— Sei que você sempre fica com essa cara quando passamos por aqui. Mas hoje ela está pior.

— Não é nada – Katherine desconversou.

Ela seguiu o caminho olhando para os próprios pés, muito envergonhada de si mesma para conseguir falar. Todos os dias, Katherine desejava ter feito diferente. Era esmagador para ela se lembrar de que dissera a Carla que não deixaria nada de ruim acontecer. E saber que Carla ficara para trás para ajudá-la…

— Kate, espera – Melanie falou, mas ela continuou andando, sem escutar. Melanie segurou os ombros dela. – Espera, tem alguma coisa ali na frente. Olha.

Katherine ergueu a cabeça, irritada com Melanie, e olhou para onde ela estava apontando.

Uns cinquenta metros à frente, um grupo de pessoas estava reunido no meio do caminho de pedra que elas percorriam. Exclamavam e apontavam e havia gritos conforme mais gente se aproximava, vindo da academia, do campo de futebol à direita ou dos prédios de salas de aula à esquerda. Melanie apertava os olhos para enxergar.

Mesmo àquela distância, Katherine não teve dificuldade de ver a cena com detalhes horríveis, que só se tornavam mais nítidos a cada passo que elas davam para se aproximar. Quando os alunos a viram, abriram caminho como se ela fosse contagiosa e dirigiram olhares carregados de desconfiança.

Agora carrego a morte comigo, Katherine pensou, respirando fundo, tentando ignorá-los.

Era uma aluna, que chegara a Broken Hill depois dela. Barbara, ou Samantha, Katherine se odiou por não conseguir se lembrar. Ainda havia lágrimas no rosto dela, como se tudo tivesse acabado de acontecer.

Ela estava morta, presa a uma árvore que ficava somente uns cinco passos afastada da trilha de pedra que Katherine e Melanie percorriam. O pescoço e a cintura estavam atados à árvore com corda.

E fincado no peito dela havia uma cruz de madeira esculpida e trabalhada, com padrões exatamente iguais aos da vela dedicada a Carla.


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Notas finais do capítulo

meus sinceros agradecimentos a quem me acompanhou e leu até aqui. foi uma jornada de uma vida toda pra mim, e nem sei como reagir a isso. seja bom ou ruim, é o meu trabalho, e sou grata por não ter desistido desse livro. obrigada! ♥



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