I. Matar uma aula da professora Minerva McGonagall.

Lily Evans acordou maravilhosamente bem-disposta naquela manhã. Fez tudo o que tinha que fazer em seu dormitório e saiu mais cedo que de costume (apesar de sempre respeitar todos os seus horários) e andou até o salão principal plenamente calma. Ela estava tentando não pensar sobre a lista perdida (que, agora, não fazia tanta diferença assim para ela), enchendo sua mente de pensamentos sobre a matéria de Transfiguração da aula passada. Sua primeira aula da manhã de quarta-feira seria com a professora Minerva e ela sabia que conseguiria se distrair muito bem durante aquele dia.

Tomou seu café sozinha, como sempre fazia (duas torradas e um copo de suco de abóbora, sempre) e aproveitou o tempo livre para reler o capítulo estudado na aula passada. Quando o salão começou a encher e algumas pessoas começaram andar para suas próprias salas, Lily se levantou e seguiu o fluxo de estudantes. Andou calmamente em direção ao corredor onde a sala de aula em que Mcgonagall lecionava sua disciplina se encontrava.

Já no corredor, mas um pouco longe de sua sala, Lily estranhou quando o mesmo garoto que ela havia se esbarrado na noite anterior vinha em sua direção. O que passaria despercebido pela ruiva, se James Potter não estivesse a encarando fixamente e sorrindo, também.

“Por Merlin, por que James Potter está sorrindo para mim? E vindo na minha direção?” a ruiva pensou. Talvez ele fosse se aproximar apenas para zombar da cara dela, devido à noite passada. A qual, inclusive, arrependia-se muito pela sua falta de modos com o garoto que até mesmo havia sido simpático com ela. Tentou raciocinar rápido em alguma desculpa ou alguma forma de sair do caminho de James, mas mais uma vez, era tarde demais.

Parado na sua frente, o garoto continuou sorrindo para ela, o que fez Lily arquear a sobrancelha.

— Bom dia, Lily — ele a cumprimentou, com o maldito sorriso ainda estampado no rosto. A ruiva observou atentamente o rosto dele (duas pequenas covinhas e uma cicatriz minúscula no queixo, e nenhum vislumbre de barba), tentando guardar seus detalhes e um pouco confusa por ele ter dito seu nome. Quase ninguém sabia o seu nome. — Eu gostaria de me desculpar novamente por ontem. Eu estava distraído demais porque… — ele pigarreou, balançando a cabeça negativamente. — Bem, não importa, mas de qualquer forma, eu espero que você não tenha se machucado.

A garota apenas cruzou os braços e continuou o encarando com a sobrancelha arqueada. Algo muito parecido com o que tinha feito na noite anterior (coisa que ela não se orgulhava, é claro), mas era difícil demais para ela dizer algo. Não só porque aquele era James Potter, mas também porque Lily não era o tipo de garota que falava com ele.

Por isso, ela apenas assentiu e tentou dar um sorriso agradável. O que, provavelmente, pareceu mais esquisito do que ela planejava, já que foi a vez de James de arquear a sobrancelha.

— E eu acho… — ele continuou insistindo e Lily respirou fundo, olhando em volta e pensando em uma forma de escapar daquela situação. Ela esperava que James nunca mais a olhasse na vida, assim como tantas outras pessoas que esbarraram nela em um corredor haviam feito. Por que com o garoto tinha que ser diferente? — Eu acho que isso pertence a você. — quando ele proferiu essa frase, Lily voltou a encará-lo no mesmo momento, sentindo o coração disparar com força contra o peito.

Lá estava ele.

O maldito pergaminho.

Lily queria enfiar sua própria cara no Lago Negro naquele momento. Melhor: enfiar sua cara no Lago Negro, levando aquele pergaminho junto.

— Onde você encontrou isso? Por Merlim! — a ruiva arregalou os olhos, pegando o pergaminho que estava delicadamente dobrado da mão de James. Mas não dobrado da forma como ela havia deixado. — Você leu? Por Morgana, você leu? — perguntou um pouco alterada. Talvez ela não estivesse tão bem assim com a ideia de alguém lendo suas metas idiotas.

Ainda mais se esse alguém fosse James Potter. Não que ela tivesse algo contra ele: até porque, ela nem ao menos o conhecia. Mas ninguém a conhecia também e ela estava confortável com isso. Agora, uma pessoa sabia algo sobre ela. Algo pessoal demais e completamente constrangedor.

A vida era mesmo uma maravilha.

— Sinto muito — James voltou a dizer, surpreso. Era muito surpreendente que a garota muda de até alguns minutos atrás tivesse falado mais de uma frase em tão pouco tempo. Melhor, praticamente berrando na sua cara daquela forma. — Eu não… — antes que o moreno pudesse responder, Lily pediu para que ele fizesse silêncio. Ele encarou-a curioso, esperando o que ela ia dizer.

— Apenas esqueça. Foi uma bobagem feita em um momento de tédio e… — o garoto havia desviado o olhar de seu rosto, observando algo atrás da garota e ela quis bufar. Por que ela tinha aberto a boca para explicar algo para ele mesmo?

— Que aula você tem agora, Evans? — questionou, ainda encarando algo atrás dela. Dessa vez a ruiva bufou, querendo gritar com o garoto que mal conhecia. — Rápido! Que aula você tem agora? — insistiu, voltando a encará-la nos olhos. A boca de Lily se abriu e fechou, enquanto ela sentia os olhos de James Potter a analisarem por completo.

— Transfiguração — conseguiu murmurar, sentindo suas orelhas arderem de vergonha. O garoto franziu as sobrancelhas, olhando novamente para algo que estava atrás dela. Já irritada, Lily se preparou para olhar também para o que James tanto observava, mas foi interrompida pelo garoto, que a puxou pela mão e saiu correndo para uma das entradas do corredor que levava direto aos Jardins. — O que você pensa que está fazendo, Potter? — a garota perguntou assustada e extremamente confusa, tentando acompanhar o ritmo de James que corria em disparada. Lily ouviu apenas o rapaz murmurar um “continue correndo!”, apressado e tentou continuar acompanhando o ritmo dele, mas acabou virando o corpo para trás tentando enxergar o motivo de tudo aquilo.

Tudo o que Lily viu foi Minerva McGonagall andando calmamente pelo corredor, lendo um pergaminho. Os olhos de Lily se arregalaram pela segunda vez na manhã e, chocada demais para dizer algo, continuou correndo com James. Ele finalmente parou perto da margem do Lago Negro, encarando-a com expectativa no rosto.

— Você ficou maluco? — foi a primeira coisa que Lily pronunciou, ofegante. A garota apoiou as mãos nos próprios joelhos e respirou fundo, sentindo as pernas queimarem. Por Morgana, ela não era do tipo esportista! E definitivamente, os sapatos que usava não foram feitos para corridas.

— Aproveite a sensação da sua primeira meta cumprida, Evans — James disse sorrindo, arrumando a alça de seu suspensório que estava caindo, depois de soltar a sua mão. Surpresa, Lily apenas ficou encarando o garoto como se ele estivesse louco — Matar uma aula da McGonagall, certo? — questionou, pensativo. Provavelmente tentando lembrar da lista.

A maldita lista que ele havia lido.

Sem palavras, Lily notou que o pedaço de pergaminho ainda estava em sua mão, mesmo depois da correria. Abriu-o, sentindo o estômago afundar e ao ler a primeira meta, assentiu para o garoto sem saber o que dizer.

— Eu… Por que você fez isso? — finalmente perguntou. James, que estava observando a margem do lago procurando alguma coisa, voltou seu olhar para ela surpreso. — Não… Ler a lista. Mas por que você me fez… — falar nunca tinha sido o forte de Lily. Para a corvina, era muito mais fácil ler ou escrever as coisas. Respirou fundo, esfregando o rosto, que provavelmente já estava completamente vermelho naquele momento.

— Porque eu quero ver você cumprindo essas metas. — o rapaz afirmou, aproximando-se da ruiva, mas deixando um espaço confortável entre os dois. — Eu não te conheço. Não faço a mínima ideia de quem você é — falou, dando um sorriso para ela que finalmente tinha voltado a encará-lo. — Mas eu acredito que todo mundo deveria ter metas como essa e a possibilidade de as realizar. Ainda mais uma formanda! — ergueu os braços empolgado, o que fez a ruiva segurar uma risada. — E eu adoraria te ajudar se eu pudesse. Se você quiser, é claro — continuou e coçou a nuca um pouco pensativo — Eu tenho minha própria meta de ser uma pessoa melhor esse ano. Ajudar as pessoas, essas coisas — ele deu de ombros, como se não fosse esse o ponto em que ele queria chegar. — E eu acho uma boa oportunidade, se você aceitar.

Parecia loucura. Talvez Lily estivesse tendo um daqueles sonhos lúcidos que ela tinha às vezes e nada daquilo passasse de alguma bobagem que seu cérebro havia inventado devido à noite passada.

Mas ali, com James Potter a encarando com expectativa e esperando uma resposta, ela teve certeza que estava acordada. Plenamente acordada.

— Eu nem… Ontem, quando eu cheguei no meu dormitório, eu pretendia destruir esse pergaminho. — começou a dizer, baixinho — Eu só não sei ao certo o que dizer. Ou pensar. Eu nem conheço você! — falou incrédula. Mais incrédula consigo mesma, por estar falando tão abertamente com o garoto daquela forma. Era tudo muito constrangedor. — É loucura eu aceitar ajuda de uma pessoa que eu nem conheço. Melhor, é loucura eu tentar… Cumprir essas metas malucas. Eu te disse, foram apenas fruto do meu tédio — ela mordeu o lábio inferior, parando de falar. Isso era uma grande mentira, mas James não precisava realmente saber.

— Você está me dizendo que isso — apontou para o pergaminho que Lily apertava firmemente com uma das mãos — É só fruto do seu tédio? — perguntou com a sobrancelha arqueada. Quando a ruiva assentiu, ele acabou soltando uma risada e desviou o olhar dela novamente, olhando para o chão. Deu alguns passos e se abaixou, pegando algo da grama e logo se voltando para Lily novamente. — Vamos jogar algumas pedrinhas no Lago até nossa aula acabar, Evans. Você sabe fazer isso?

Mais uma vez, Lily não sabia como agir. Ficou ali encarando o garoto, surpresa demais pelas suas reações. Por Merlim, as pessoas eram assim tão difíceis de se compreender, ou apenas James Potter era daquela forma?

— Na verdade eu sou muito boa nisso — confessou dando de ombros e pegando a pedrinha da mão de James. Os dois pararam um ao lado do outro se posicionando para lançar suas pedras. Lily nem sabia ao certo o porquê de estar fazendo aquilo, mas depois de tudo o que tinha acontecido, ela se permitiu apenas viver o momento e não questionar. Tanto tempo na Corvinal a fazia saber muito bem que perguntas demais podiam acabar deixando sua mente mais bagunçada do que o normal.

Assim que o garoto soltou um “Já!” os dois lançaram suas pedras. A de Lily pingou três vezes na água antes de afundar, enquanto a de James afundou de primeira, o que fez a ruiva rir baixinho.

 — Como você fez isso?  — ele perguntou chocado, olhando a garota com curiosidade. Ela deu de ombros, olhando para o chão em busca de outra pedra.

— Você só precisa usar a quantidade de força certa, na realidade — ela falou como se não fosse nada. O que, para Lily, realmente não era. — Eu posso tentar te ensinar.

James riu, balançando a cabeça surpreso. Ele continuava sem fazer a menor ideia de quem era aquela garota e porque ele a achava tão interessante, mas assentiu.

— Claro. Nós temos tempo de sobra — Lily ponderou, pensando na aula que estava perdendo. Mas naquele momento, nada mais podia ser feito além de aproveitar o tempo livre, então apenas assentiu também. — Me ensine seus truques mais secretos de como arremessar uma pedra no lago, Lily Evans. — murmurou sério, o que fez a garota apenas dar uma risadinha e colocar a pedrinha que segurava em sua mão.

Ali, matando sua primeira aula do dia, Lily ensinou James a arremessar pedras no Lago como ela fazia. E ele a ensinou a esquecer um pouco dos seus horários e se permitir apenas a fazer algo sem se preocupar com o que ela devia fazer depois.

O que, naturalmente, os levou a matar duas aulas e não só uma.

Coisa que Lily não considerou tão grave enquanto voltava para seu dormitório mais tarde naquele dia. Ainda não tinha respondido para James se continuaria a cumprir as metas, mas sentiu seu peito se apertar de satisfação quando ela riscou a primeira do pergaminho amassado.

Talvez ela pudesse cumprir mais uma ou duas… Não era nada demais. Pelo menos, naquele momento ela achava que não.

Mas ainda não tinha muita certeza disso.