Waves escrita por Charles Gabriel


Capítulo 8
Capítulo Oito


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! ♥



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Aquela era uma típica noite gelada de domingo e, de praxe, Thresh e Peeta estavam reunidos na sala de jantar, tomando Coca-Cola, comendo hambúrgueres, batatas fritas e, de acompanhamento, jogando partidas de xadrez. Mesmo estando dentro do casarão Mellark, os garotos se vestiam com as roupas de sempre. Thresh trajava uma jaqueta jeans com diversos broches de bandas de rock, all-star amarelo cano alto nos pés e uma bandana vermelha revestindo os cabelos afro – de certa forma, lembrava muito Jimi Hendrix. Já Peeta, usava jaqueta de couro preta e coturnos. Desde a adolescência, mesmo estando no conforto da casa, vestia-se assim, gostava de irritar o pai.

― O que é isso? – Plutarch resmungou enquanto se aproximava. Calça de moletom cinza, camiseta branca e chinelos nos pés. O cabelo grisalho bagunçado. E o olhar cansado.

― Uma partida de xadrez, ora.

― Eu sei, Peeta – confabulou – me refiro ao fato do senhor Marshall estar aqui.

― Se a montanha não vai até Maomé, vai Maomé à montanha – Thresh caçoou do patriarca.

― Quanta poesia, Thresh Marshall.

― Você sabe, tio. É meu talento – Respondeu dando de ombros.

― Quero essa mesa arrumada as dez em ponto.

― Ah, qual é, começamos a jogar agora pouco – Peeta rosnou.

― Não me interessa. Dez horas – Apontou para o relógio de pulso – Quando digo que é castigo, você tem que me obedecer.

Olhou firme para os garotos antes de sair.

― Teu velho é tenso, hein – Thresh moveu um peão.

― Ele que se dane – murmurou feroz, observando o tabuleiro, enquanto pensava em alguma tática.

― Tua mágoa por ele nunca vai passar desse jeito, Peeta – Marshall objetou, abrindo a lata de Coca-Cola, levando até os lábios e tomando uma quantia generosa.

― Podemos não falar sobre isso? – O loiro grunhiu, movendo outro peão.

― Beleza, você quem manda – levantou as mãos num sinal de rendição – podemos conversar sobre um assunto bem importante?

― Qual foi? – Perguntou, espalmando as mãos grandes na mesa de vidro.

― Você tem que parar de tratar a Katniss desse jeito, cara – lançou.

― Que jeito? – se fez de desentendido, enquanto levava uma batata frita até a boca.

― Não se faça de idiota, Mellark. Acha que não vi a garota chorando no sábado?

― O que? Não, ela não estava chorando – respondeu de boca cheia.

― Ah é? Como tem certeza?

― E como você tem certeza? Nem estava lá – retorquiu o loiro.

― Eu fui atrás de você, devolver a franquia de The Last Of Us e vi a garota correndo pro banheiro chorando – deu de ombros – por que está descontando sua mágoa numa pessoa que nem está envolvida nos teus problemas?

Peeta sentiu uma sensação esquisita se passar pelo coração.

― Não estou descontando nela – fingiu indiferença.

― Quer saber a minha opinião?

― Na real, eu não quero.

― Você está exagerando. Não acho isso certo. – Thresh murmurou, balançando a cabeça em negação – Katniss aparenta ser muito doce e você está quebrando o coração dela.

O modo como Marshall falava, fez Peeta sentir-se angustiado. Era o que sempre faziam nos fins de semana, conversar sobre jogos, problemas familiares ou alguma garota e essa sensação de desconforto, nunca havia o incomodado, pelo menos, não até agora.

― Eu não estou exagerando, só não quero ter que aturar a Everdeen.

Thresh não havia engolido essa. Era notório pelo semblante.

― Sabe o que eu acho, Mellark? Que você encontrou uma forma para se vingar de Snow e está se aproveitando da situação pra ser cruel.

― Você não ’tá falando sério – os olhos azuis eram céticos e a sensação de desconforto estava se tornando detestável diante a constatação do melhor amigo.

― Ah, eu ’tô sim. Te conheço desde o jardim de infância, seu idiota, sei bem o que se passa com você – levantou as sobrancelhas.

― Por que essa preocupação agora? ’Tá a fim dela?

Assim que as palavras deixaram a boca de Peeta, arrependeu-se pelo modo em que o tom de voz havia soado irritado, como se estivesse com ciúme.

― É claro que não, sabe que sou apaixonado pela FoxFace. Isso tem a ver com você, não comigo – retrucou, levantando a sobrancelha em descrença.

― Comigo? Não sei o que quis dizer com isso – articulou de forma apática.

― Então tá – deu de ombros.

― E se quer saber, acredito que apesar de Katniss aparentar ser frágil, tenho certeza que ela é muito mais do que isso. É notório, qualquer um vê.

― Qualquer um percebe isso, mas e você, Mellark? É só isso mesmo que vê? – Provocou, os olhos tão escuros como uma noite que não tem mais fim, fizeram os pelos da nuca de Peeta eriçarem.

― Você é patético, Thresh Marshall – retorquiu de forma entediada.

― Valeu pelo elogio, bro— deu um sorriso largo – mas, já que estamos falando sobre isso, vamos colocar as cartas na mesa.

― Lá vem...

― Cara, eu ’tô falando sério – declarou de forma austera – larga de ser um pé no saco e seja legal com a garota, quanto antes entrar nessa, mais cedo sairá.

Peeta olhou o tabuleiro de xadrez de forma pensativa, Plutarch estava sempre exigindo uma cópia da frequência escolar dos filhos, além de verificar o caderno dos gêmeos com frequência, como se fossem crianças. Era um fato, sentia-se farto. Talvez Thresh tivesse razão. E, talvez, se a mãe estivesse viva, os rumos e os caminhos, seriam outros.

★★★

― Plutarch, os meninos são umas pestes! E tudo isso, é culpa daquela rameira de tua mulher – Mags pisava duro no chão, enquanto observava o filho tomando alguma bebida alcóolica da qual não se dava ao trabalho de saber qual era.

― Effie sabe como cuidar dos filhos dela. – Respondeu dando de ombros.

Mags crispou os lábios com ódio e saiu em busca dos gêmeos, se a mãe não desse educação a eles, ela daria, ora essa. Percorreu o quintal com raiva, chamando pelos garotos, que não respondiam. Acabou os encontrando escondidos, atrás das enormes macieiras.

― O que é que vocês estão fazendo aqui? Já pra dentro!

― Estamos brincando, vovó – Peeta respondeu de forma gentil.

― Vocês são homens, não podem ficar brincando como se fossem fedelhos.

― O que é fedelho, vovó? – O garoto respondeu confuso.

― Ah, deixa essa velha chata reclamar sozinha. Ela não é a nossa mãe. – Cato afrontou, segurando na mão do irmão e o puxando para longe.

― Não fala assim dela, Cato, ela é nossa vovó – Peeta murmurou após alguns minutos.

― Pode até ser, mas não é nossa mãe. Ela não manda na gente.

― Quem não manda em vocês? – Uma bela mulher perguntou. A voz suave poderia encantar até mesmo os anjos.

― A velha chata da Mags – Cato cruzou os braços.

― Meu amor, não diga isso da sua avó – abaixou-se ficando na mesma altura que os garotos – ela ama vocês.

― Pode até amar, mas continua sendo uma velha chata.

― Cato, meu amor, já falamos sobre isso. O que eu te disse sobre tratar os mais velhos com respeito? Quero que peça desculpa para sua avó.

― Ah, não, mãe! – repuxou o rosto numa careta.

― Por favor, querido. Aproveite que ela está na cozinha e peça desculpas a ela – Sorriu de forma doce.

O garoto suspirou, mesmo estando contrariado, pediria desculpas. Saiu pisoteando o chão, indo em direção a cozinha, deixando a mãe e o irmão sozinhos.

― Você também acha a vovó Mags chata? – Effie questionou de forma séria.

― Não acho ela chata – Peeta admitiu – eu só tenho muito medo dela.

― Pois não tenha, meu doce – sorriu – ela já sofreu muito nessa vida, por isso age dessa forma. Cada um tem uma maneira de expressar seus sentimentos.

― Então, por que o papai não demonstra?

Essa pergunta foi como um soco no estômago de Effie. Ela não poderia dizer as crianças que as longas viagens que Plutarch fazia, era para encontrar-se com outra mulher e que, quando finalmente voltava, envolvia-se no trabalho, somente para não ter que lidar com os filhos. Eram raros os momentos em que ficava em casa. Não se sentia responsável pela família que havia feito. Era agressivo, grosseiro. Nos dias em que voltava bêbado pra casa, descontava toda sua revolta nos filhos e na esposa.

― Porque ele está ocupado com coisas do trabalho, meu amor – respondeu, forçando o sorriso – mas ele te ama.

― Hm... – resmungou, franzindo o nariz.

― Peeta, você pode prometer algo pra mamãe?

― Claro que sim! – disse afobado.

― Promete que sempre será gentil?

― Prometo! – os olhos azuis brilhavam em contentamento – mas por que isso, mamãe?

― Você tem um coração de ouro, meu filho. Nunca mude. E nunca se torne aquilo que mais te destrói.

★★★

Era isso. Estava descumprindo a promessa que havia feito para a mãe e ainda mais, estava cada vez parecido com o pai. A culpa abateu o coração de Peeta. Não queria ser como Plutarch, que fazia alguém chorar a noite toda pela indiferença e grosseria que lançava. Quantas vezes não ouviu o choro da mãe a noite? Quantas vezes não havia ido dormir chorando pela personalidade austera do pai? Eu sou um imbecil, pensou, revirando-se na cama.

Já era tarde, Thresh já havia ido embora antes mesmo de dar dez horas. As lembranças da infância o atingiam com toda a força e não poderia deixar de sentir culpa e remorso pelo que estava se tornando. Era algo gradativo. Quando você cria uma personalidade que seja capaz de te proteger, aos poucos, você vai se tornando parte dela e cada vez vai ficando mais difícil se livrar. Peeta era diferente do irmão. Calmo, reservado, tímido. Pelo menos, era o que costumava ser antes de tudo acontecer. A dor tornou-se tanta, que foi inevitável não mudar.

O que é a madrugada se não for dos melancólicos?

Os segundos tornavam-se minutos, que se transformaram em horas. A insônia poderia ser sufocante, ainda mais quando não há alguém para conversar. Peeta detestava admitir, porém, a cada dia se tornava o homem triste por trás dos olhos azuis, como The Who costumava cantar.

Já se passava das três, quando finalmente o sono veio, porém, não durou muito. Exatas três horas mais tarde, acordou com um barulho infernal vindo da cozinha. Gritos. Palavrões. Ofensas. A julgar pelas vozes, só poderia ser mais uma discussão do pai e do irmão. Esticou o braço a fim de olhar as horas no visor do celular, poderia voltar a dormir, entretanto, já estava quase na hora de se arrumar para ir ao colégio. Levantou-se, não sentindo ânimo algum. O dia seria difícil e a melancolia duradoura. Caminhou de forma lenta e abriu a porta do quarto. As vozes se intensificaram e fingiu não ouvir, indo diretamente para o banheiro tomando um banho quente e demorado.

― Plutarch, eu te odeio!

A voz grossa de Cato foi a última coisa a ouvir quando desligou o chuveiro. O silêncio reinando na casa. Trocou-se rapidamente e foi em direção ao quarto, pegar a mochila. Pretendia ir para a escola a pé. Era longe e gostava de ficar sozinho. Assim, poderia organizar a mente tão nublada. Saiu do quarto as pressas e desceu as escadas de forma entediada. Estava quase saindo, quando ouviu a voz potente do pai: ― Onde pensa que vai?

― Para a escola? – retorquiu de forma debochada.

― Sozinho? Nem pensar. Levarei vocês hoje. – Murmurou, rodando as chaves entre os dedos – E vá vestir um casaco.

O garoto até cogitou na hipótese de vestir um casaco, porém, não daria esse gostinho ao pai. Vestiria quando quisesse, não porque o pai havia mandado. Por esse e outros motivos, deixava um dentro da bolsa. Decidiu ficar estático no lugar, enquanto o homem subia as escadas, chamando por Cato.

― Peeta, o que aconteceu? Por que papai ’tá gritando tanto? – uma vozinha delicada o chamou a atenção.

Primrose segurava uma tigela com cereais coloridos. Os cabelos em duas tranças pendiam pelo casaco grosso de lã vermelha. E os olhos denotavam sonolência.

― Papai está bravo, só isso. Logo vai passar. – Sussurrou, abaixando-se, para manter o contato visual. Chamar Plutarch de pai embrulhava o estômago do garoto de diversas maneiras – Vá terminar seu café da manhã e não se preocupe.

A menina balançou a cabeça em positividade e logo sumiu das vistas do irmão mais velho. De certa forma, sentia-se feliz por Prim ter conhecido a versão menos agressiva do pai. Por sorte, Plutarch tratava a garota da melhor forma possível. Levantou-se, assim que viu o irmão descer as escadas. Olheiras profundas, cabelos bagunçados, olhos extremamente vermelhos e roupa amassada. Peeta conhecia aquele olhar, ele havia se entregado ao choro.

Desde o término com Clove, era o que Cato mais fazia: chorar, beber e passar a noite fora. Cada um lidava com a dor da forma que convinha, e o irmão, se entregava as bebidas e as drogas. Peeta costumava alertá-lo sobre os riscos, todavia, como resposta, ele dava de ombros ou fingia não escutar.

Não adianta chamar, quando alguém está perdido, procurando se encontrar.

★★★

O caminho até a escola foi silencioso. Nem mesmo Primrose ousou falar alguma coisa. Sentia que havia algo de errado, no entanto, preferia calar-se. Cato pareceu desligar-se totalmente do que estava acontecendo ao seu redor. E Peeta, estava de fones, ouvindo alguma música qualquer enquanto trocava mensagens com o melhor amigo.

Thresh, 06:30 a.m.

Seu pai tá indo te levar pra escola?

Que viagem...

O que deu nele?

Peeta, 06:31 a.m.

Brigou com Cato.

Ele não dormiu em casa.

Thresh, 06:32 a.m.

Cacete!

Sinto muito pelo seu irmão, cara.

Peeta, 06:32 a.m.

Já me acostumei.

 

A realidade, é que Peeta não havia se acostumado. Fingia indiferença quando se tratava de certos assuntos, contudo, havia algumas noites em que as lágrimas no travesseiro era o único acalento que tinha. Bloqueou a tela do celular, enquanto via a paisagem passar diante de seus olhos. O trânsito era intenso. As ruas caóticas. Pessoas andando num vai e vem. O celular vibrou novamente, pensou em ignorar, não estava com muita vontade de conversar, hoje era o dia em que queria apenas se fechar, só que, infelizmente, nem sempre o querer é poder. Alguns minutos se passaram e as vibrações no aparelho continuavam, sabia que Thresh não desistiria tão fácil. Desbloqueou o celular revirando os olhos e abriu a caixa de mensagens do melhor amigo.

Thresh, 06:33 a.m.

Cara, desculpa mudar de assunto

Mas, assim

Você vai seguir o conselho que te dei, né?

Thresh, 06:35 a.m.

Ah, maravilha...

Desapareceu!

Volta aqui, Mellark, quero falar com você

Não vai me responder?

Peeta, 06:37 a.m.

Não seja afobado, Thresh.

Estou aqui.

Thresh, 06:37 a.m.

Vai seguir meu conselho ou não?

Peeta, 06:38 a.m.

Vou.

Foi tudo o que respondeu antes de bloquear novamente o celular. O celular continuou a vibrar, porém, só falaria sobre o assunto quando estivesse na escola.

★★★

― Eu quero uma cópia da ficha de presença de vocês, juntamente com as notas. Enquanto não melhorarem, não vão sair. Estamos entendidos? – A voz de Plutarch era forte e autoritária.

Peeta respondeu com um resmungo antes de sair. A resposta de Cato foi saindo do carro. Os gêmeos caminharam, lado a lado, enquanto os poucos alunos reunidos o observavam.

― O que aconteceu? – Peeta questionou num sussurro.

― Mesma merda de sempre – respondeu com escárnio na voz – eu não aguento mais.

― Apanhou dele?

― Sabe a resposta dessa pergunta. – Respondeu num fio de voz.

O patriarca poderia ser agressivo quando queria. Peeta já havia apanhado diversas vezes, porém, com os anos, isso foi parando, diferente do irmão. Cato, provavelmente, já havia apanhado muito mais que o gêmeo. Talvez pelas drogas usadas, pelas bebidas que tomava. A realidade, era que os dois haviam mais cicatrizes no coração do que na pele.

― Me diga que você não trouxe bebida pra escola... – constatou, molhando os lábios com a ponta da língua, ao observar uma garrafa pet mediana ser levada até os lábios do irmão.

― Claro que não – sorriu de forma debochada, bebendo todo o líquido. O fervor subiu até as bochechas de Cato, deixando-as vermelhas.

― Eu não acredito nisso...

― Acredite, maninho, é a realidade – a voz era arrastada.

Continuaram a andar por mais alguns corredores, até chegarem à sala de aula. Peeta não se deu ao trabalho de observar quem estava nela, apenas foi direto para os fundos, ouvir suas músicas, enquanto curtia sua melancolia. Encostou a cabeça na carteira, enquanto os solos de guitarra de Jimmy Page o embalavam para entrar num sono profundo, todavia, um burburinho chamou a sua atenção e foi obrigado a pausar a música e levantar a cabeça para ver o que se passava.

― Mas eu estou falando com você! Dá pra parar de ser chato? – Madge falava com antipatia.

― Virou guarda-costas, Undersee? – provocou o irmão gêmeo – Sabe, Katniss, tenho até inveja da sua roupa, se você não fosse tão chatinha, provavelmente, te chamaria pra sair.

Peeta sentiu repulsa do que Cato havia dito. Sabia que quando bebia poderia exagerar, mas não a esse ponto.

― Cato, chega! – Interviu. Provavelmente, o irmão não iria parar tão cedo.

― Qual é, maninho? Estou apenas me divertindo! – a respostas foi divertida, porém, não era o que Peeta achava.

― Isso não é divertimento e não tem graça – respondeu, enquanto tirava os fones de ouvido e observava a figura tão conhecida a poucos metros de distância. Semicerrou os olhos, a fim de afastar a claridade da janela que incomodava.

― Entende agora o porquê de nunca falar com você? Estraga absolutamente todos os meus planos!

― Você é quem estraga todos seus planos, sozinho.

Peeta sentiu vontade de morrer quando viu os olhos azuis magoados, saírem cambaleando sem olhar para trás. Havia pegado pesado, sabia o quanto o irmão poderia ser frágil – ainda mais quando bebia. Iria conversar com ele, pediria desculpas. Provavelmente a culpa o abateria pelo resto do dia, assim como a melancolia. Decidiu levantar, começar a desfazer o que havia feito. Sabia que, tentar desfazer algo, poderia ser pior, mas pelo menos, ele iria tentar. E não havia nada mais nobre do que as tentativas, pelo menos era isso o que achava. Sentou-se ao lado da colega e respirou fundo.

― Katniss – chamou – sinto muito pelo que meu irmão disse.

Era como se passasse uma eternidade na mente de Peeta.

― Não se preocupe, não dou ouvidos ao que ele fala – A garota respondeu. Olhos como a tempestade o observavam atentamente. O rapaz pensou em pedir desculpas pelo ocorrido de sábado, porém, outros alunos adentraram a sala. Decidiu não atrapalhar. Pediria desculpas antes de ir embora. Sabia que a colega ia pra biblioteca antes de ir pra casa, seria um bom momento para conversar.

Thresh apareceu um pouco antes do professor entrar. Deram socos um no outro, em forma de cumprimento e logo deram início a mais um dia de aula. Por mais que tentasse prestar atenção, não conseguia. Pensava no irmão. Em Katniss. E em tudo de ruim que já havia feito. A culpa martelava o coração e a mente do rapaz. Um tempo depois, a aula se encerra, fazendo Peeta dar um suspiro aliviado.

’Tá tudo bem? – Thresh pergunta. Um vinco na sobrancelha demonstrava preocupação.

― Estou me sentindo culpado – admitiu. De nada adianta mentir para o melhor amigo.

― Cara, se for pela Everdeen, não se preocupe. As coisas vão se acertar. – Falou de forma otimista, levando a mão até o ombro de Peeta, numa maneira de acalmá-lo.

― Não é só por ela – anuiu de forma cansada – é por tudo.

― Eu te proíbo de se abater dessa forma, Mellark. Cadê o ânimo? Quer que eu conte minhas piadas?

― Não! – respondeu sorrindo – suas piadas são péssimas.

― Então, sorria, camarada. A vida é como um jogo de League Of Legends.

― Está explicado, por este motivo só passo raiva – lançou.

A gargalhada de Thresh foi o estopim para poder rir também. Mesmo que naquele momento estivesse sorrindo, sentia o coração apertar dentro do peito. Caminharam até o corredor, encontrando Messalla Watson, que era o Mestre1 nos jogos de RPG de mesa. Costumavam jogar todos os fins de semana, porém, com o castigo de Mellark, não haviam jogado no último domingo.

― E aí, caras. Será que podemos jogar na sua casa no próximo fim de semana, Peeta? – Watson perguntou.

― Claro que sim – respondeu. Sentia saudades das reuniões. Era o único momento em que se sentia vivo.

― Cara, você nem acredita. Joguei xadrez com o Mellark ontem – Thresh contou – e aí o pai dele chegou e...

― Você me odeia tanto assim? – uma voz feminina interrompeu o falatório. Peeta se virou, encontrando os olhos cor de tempestade o observando com dúvidas.

― Do que você está falando? – Perguntou, sentindo o aperto no peito voltar novamente. Não a odiava.

― Você sabe muito bem ao que me refiro e, se está nervosinho que Snow tenha te obrigado a melhorar suas notas, desconte sua raiva em outro alguém. Não tenho culpa alguma nisso. – Os olhos faiscavam de ódio. A dor no peito do rapaz, tornou-se insuportável que quase o impossibilitou de falar.

― Tá legal, eu sei que tenho pegado pesado contigo. Foi mal— Levantou os braços em forma de rendição – Eu sei que não vem sendo legal minha atitude.

Não era bem esse o pedido de desculpas que planejava, porém, foi o que conseguiu dizer. Era fácil falar de sentimentos quando Thresh estava por perto, porém, não poderia dizer o mesmo de Watson. Eram colegas de longas eras, sabia que podia contar com ele, só que, o único que sabia o que se passava em seu coração, era Marshall. E somente ele poderia compreendê-lo.

― E não vem mesmo – tombou a cabeça de lado, ainda irritada.

― Eu estive conversando com Thresh e, que tal termos uma trégua? – Peeta deu de ombros, enquanto engolia em seco.

― Trégua? – Katniss questionou confusa.

― É, você sabe... – O rapaz coçou a nuca sentindo o fervor subir pelo rosto – você me ajuda com as matérias e eu prometo não te perturbar.

Soltou o ar de forma lenta.

Ela não vai aceitar, pensou. O coração se apertando e o ar faltando.

― Tudo bem – concordou.

Peeta soltou a respiração aliviada.

― Então, é... Colegas?— O rapaz estendeu a mão sem jeito, tremendo. Esperava que ninguém percebesse – nem mesmo ela.

― Colegas! – a morena respondeu, apertando a mão com força do garoto. Um pouco do peso incômodo no coração de Mellark, se esvaiu. Finalmente os rumos seriam outros.


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Notas finais do capítulo

1 – O narrador, mestre ou GM (Game Master) é o criador da história de RPG e julgará as ações de todos os personagens do jogo. O Mestre não possui um personagem próprio, mas controla todos os outros.

Até breve! :)



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