FRANK

Colocar cinco pessoas num carro não é exatamente a tarefa mais fácil de todas, mas felizmente nosso carro era dos grandes, se não ficaria tudo bem apertado. Claro, tínhamos que carregar um deus junto com a gente, mas Yac garantiu que poderia ir no teto do carro. Na verdade, ele fez questão de ir no teto do carro. Segundo ele, ele preferiria assim do que “sentar junto com reles mortais”. Palavras dele, não minhas.

Estávamos todos na frente da entrada da agência de turismo que escondia a Base Del Quinto Sol, só nós cinco, eu, Hazel, Percy, Annabeth e Zia. Achei que Carter ia vir se despedir da Zia, mas pelo visto não foi o caso. Annabeth deve ter pensando a mesma coisa, pois questionou ela sobre isso.

— O Carter não vai vir te ver antes de ir? - perguntou ela.

— Já nos despedimos. - explicou Zia - Ele saiu bem cedo para procurar o Nomo que fica aqui no méxico para quem sabe ajudar nas coisas aqui da Base Del Quinto Sol.

— Seria bom uma ajuda mesmo. - disse Yac sentado no alto do teto do carro já soltando um suspiro - Já não basta termos que ir até a Alemanha, ainda temos que cumprir a promessa que fizemos para o deus da morte. E temos pouca gente, com muitos deles machucados, inclusive.

— Vocês vão conseguir… - falei apesar de não saber tantos detalhes assim do que eles precisavam para cada uma das coisas.

O deus deu de ombros aparentando estar um pouco desinteressado. Annabeth já estava no banco do motorista e, ao lado dela, Percy. Zia também já tinha sentado no banco de trás, então basicamente ainda faltava eu e Hazel para entrar no carro. Hazel estava indo fazer exatamente isso quando Nico surgiu correndo pela porta da Base Del Quinto Sol.

— Ai que bom. Vocês não foram ainda. - disse ele meio ofegante.

— Aconteceu alguma coisa? - perguntou Hazel já ficando alerta.

— Não… só… - respondeu ele mostrando que estava segurando dois fracos em suas mãos - As águas do Estige e do Aqueronte. 

Ele foi até o Percy e estendeu o braço repentinamente entregando os dois frascos pra ele. O frasco do rio estige, o rio da invulnerabilidade, e do Aqueronte, o rio da dor, me passavam uma sensação muito incômoda só de olhar.

Percy, sem entender muito, apenas pegou os dois frascos.

— Ahm…. e com isso fazemos o quê? E quando usamos? - perguntou ele.

— Não faça perguntas complicadas. Só sei que preciso te dar. - explicou Nico - Meu pai confirmou que você deve aguentar as águas do Estige, então sobrou pra você.

— Não é nada permanente não né? - perguntou Percy.

— Já disse… sem perguntas complicadas. - disse Nico suspirando botando as mãos no bolso do casaco - Eu não sei as respostas. Mas sei que vai ser útil em Las Vegas. Pra Hades falar que só você deve aguentar as águas do Estige… acho que você… sei lá… deve beber ou passar em você? Não sei. Não tem exatamente muita coisa que dá pra fazer com um tubinho de água, por mais mágica que essa água seja.

— Justo. - opinou Percy guardando os potes dentro do bolso da calça.

— Cuidado para eles não caírem desse jeito. - alertou Annabeth.

— Sim senhora. - respondeu Percy.

Eu então entrei no carro para que a viagem pudesse começar enquanto Nico simplesmente ficava encarando a gente fazendo os últimos preparativos. 

— Todos prontos? - perguntou Yac - Melhor sair de perto, garoto.

Nico deu uns passos para trás e, do nada, o carro deu uma largada que simplesmente não era esperada para um carro. Eu sentia meu corpo mais pesado e grudando contra o banco do carro. A paisagem na janela ao meu lado passava tão rápido que eu não conseguia identificar muita coisa além das cores cinza, verde e azul.

— TEM COMO IR UM POUCO MAIS DEVAGAR?!  - gritou Hazel.

— San Diego não é exatamente aqui do lado! - exclamou Yac - Quando mais rápido formos, mais rápido vocês chegam lá.

— MAS NÃO ADIANTA DE NADA SE A GENTE CHEGAR LÁ MORTO OU VOMITANDO NOSSAS TRIPAS! - reclamou Zia dando um tapa no teto do carro.

A velocidade reduziu um pouco apesar de que eu podia imaginar Yac revirando os olhos. O tanto que a velocidade diminuiu foi o suficiente apenas para ficar como se estivéssemos viajando de avião, mas estávamos na terra. Era estranho ver a cidade passando rápido ao nosso lado e, por não termos batido em nada até agora, imagino que Yac estava cuidando disso também.

— Alguém tem um saco pra eu vomitar? - perguntou Hazel repentinamente.

— Wah! Não sei! Pera! - exclamei meio frenético procurando ao redor torcendo para um saco surgir do nada.

— Atrás do banco do Percy tem um! - avisou Annabeth - Botei antes de a gente sair achando que isso ia acontecer mesmo.

Hazel rapidamente se esticou pra cestinha que tinha atrás do banco do Percy enquanto provavelmente tentava não vomitar em cima dele também.  Eu teria me esticado para pegar, mas eu estava atrás do banco de Annabeth. Não era nem um pouco prático. Assim, tudo o que eu podia fazer era ficar tentando abanar Hazel.

Ela fechou os olhos e ficou lá, respirando fundo, com o saco prontinho para receber qualquer vômito.

— Quer que a gente pare um pouco? - perguntei.

— Não… eu consigo. - garantiu ela.

Hazel de fato lutou bravamente contra a vontade de vomitar. Só tivemos que parar uma vez, numa estrada no meio do nada rodeada de muita areia vermelha, pedras e algumas plantas, para que ela pudesse respirar um pouco e verdadeiramente vomitar. Acho que a ideia de vomitar num espaço tão pequeno como um carro não era agradável para ninguém.

Depois disso, continuamos a longa viagem. Pelo menos, como não começou naquela velocidade absurda de antes, Hazel conseguiu se manter mais firme. Ainda bem porquê até meu estômago tinha se revirado com aquela partida repentina da Base Del Quinto Sol.

Mesmo com a gente saindo bem cedo, já tinha passado do meio dia quando chegamos em San Diego. Eu tinha achado que nem ia perceber quando cruzassemos a fronteira entre México e Estados Unidos. Mas não, foi bem óbvio que tinhamos cruzado quando passamos por uma longa e alta cerca, quase um muro pra falar a verdade, que tinha mais outro muro por trás. Como se um já não fosse o suficiente.

Bem, em San Diego nos despedimos de Yac, que agradeceu nossa ajuda com o problema em Teotihuacan e Chichen Itza e logo foi embora. Eu posso dizer que estava aliviado por dar tchau para ele. Ele não parecia necessariamente uma pessoa ruim… ou um deus ruim… mas acho que eu preferia viajar num ritmo mais normal. 

Como estávamos com fome, paramos num McDonald’s no centro da cidade, mas dava para ver que Hazel estava receosa de colocar alguma coisa no estômago.

— Acho que eu preciso de só mais uns minutos e aí consigo comer… - disse ela encarando o cheeseburguer e a porção de batata enquanto ameaçava um gole no suco de laranja.

— Temos praticamente mais duas horas de viagem até Los Angeles. - disse Annabeth checando o caminho num mapa de papel (os problemas de ser um semideus e não poder usar o celular direito) no qual ela tinha anotado previamente o tempo e o caminho - Depois disso, mais umas 4 até Las Vegas.

— Certeza que é uma boa ideia chegar em Las Vegas, onde a deusa da noite está criando uma confusão… durante a noite? - perguntei.

— Com certeza não. - disse Annabeth suspirando.

— Podemos passar a noite em Los Angeles mesmo. - disse Percy - Ainda temos tempo até Grover e Kayla chegarem do acampamento mesmo. Nova York é bem mais longe.

— Mas só uma noite mesmo. - disse Annabeth suspirando cansada - Não podemos arriscar que Nyx vá até Nova Roma causar um estrago lá também. Ela está muito perto da costa. É só subir um pouco e logo ela chega em São Francisco e então em Nova Roma, que já apanhou o suficiente. Temos que lidar com esse problema o mais rápido possível.

— Falando em Nova Roma…  - eu disse olhando para Hazel e notando que ela já parecia estar melhor o suficiente para comer as batatas - Qual de nós dois vai ficar lá e qual vai seguir para Las Vegas?

— Boa pergunta. - disse ela suspirando - Temos que decidir isso em Los Angeles. Seria melhor se tivesse outro jeito. Mas toda ajuda é útil em Las Vegas provavelmente.

— Independente de qual vai pra Las Vegas, contem para o pessoal lá como está nossa situação. - sugeriu Annabeth - Vai que conseguimos alguém para ir até Las Vegas também. Não sabemos se vamos precisar de mais ajuda. Nyx é uma tremenda adversária.

Deixando a decisão de quem, dentre eu e Hazel, ficaria para trás, nós continuamos o caminho até Los Angeles levando também alguns lanches para a viagem. Principalmente porque Hazel não tinha comido tanto assim então tinha muita chance de ela ficar com fome antes que chegássemos em Los Angeles.

De Los Angeles até São Francisco, ainda precisava de algumas horas de carro. Era um trajeto totalmente fora do caminho para Las Vegas. Era como se Las Vegas, San Francisco, Los Angeles e San Diego formasem a letra Y. Los Angeles no meio, San Diego pra baixo, Las Vegas para um lado, San Francisco para o outro. 

O sol já estava se pondo quando chegamos em Los Angeles e começamos a buscar um lugar para dormirmos que, de preferência, não atraísse monstros. Infelizmente, não era uma coisa que costumam colocar no Trivago nem no Airbnb quanto às acomodações. 

— Ouvi falar que tinha um hotel mal assombrado aqui em Los Angeles… - comentou Zia levianamente.

— O Cecil? - perguntou Annabeth.

— Por favor me diz que você não tá dizendo isso como uma sugestão para nos hospedarmos nele? - perguntei assustado com a ideia de, além de monstros, ter que lidar com coisas que entendia bem menos.

— Não… foi só uma coisa que passou pela minha cabeça… - explicou Zia dando de ombros.

— Vamos ficar num hotel fora da área de Los Angeles. - disse Annabeth - É mais barato e não é mal assombrado.

Assim, nos livramos de nos hospedamos num hotel com uma terrível reputação e ficamos num hotel simples entre Los Angeles e Passadena. O quarto podia até precisar de uma reforma, mas não estávamos em posição de reclamar. Especialmente porque tínhamos enganado o cara da recepção que achava que só Percy e Annabeth iam ficar no quarto. Mas, na verdade, eu, Hazel e Zia também iríamos. Afinal ser semideus numa missão que vai pra meio mundo de cidades costuma ser pesado para o bolso. 

O quarto tinha duas camas de solteiro bem grandes e um sofá cheio de almofadas. O que significava que ao menos algum conforto todo mundo teria se dividíssemos bem. Annabeth e Percy pareciam muito tranquilos com a ideia de ficarem ali e dividirem uma cama. Percy foi inclusive logo tomando um banho enquanto Annabeth estava visivelmente concentrada em seus planejamentos encarando os dois frascos de água do submundo que Nico havia dado.

— É melhor eu dormir no sofá e você divide a cama com a Zia… - sugeri abaixando o olhar com certeza com a cara bem vermelha e, admito, atormentado com a quase possibilidade que tive de dormir do lado da Hazel. Era demais. Eu provavelmente iria passar a noite toda em claro se esse tivesse sido o caso. - Eu sou muito grande. Tudo bem pra você Zia?

— Tudo bem. - disse ela dando de ombros mas me olhando de um jeito que senti que ela estava lendo embaixo da minha cara vermelha.

— Por mim também… - disse Hazel enrolando um de seus cachos mais ainda com as mãos - Como vamos decidir quem vai pra Las Vegas?

— Eu vou… - eu disse e ela imediatamente me interrompeu.

— O quê? Não. Eu vou. - insistiu ela.

— Não… - eu disse resmungando - É melhor eu ir!

Esse era o problema né? Las Vegas era claramente a opção menos segura e nenhum queria deixar isso para o outro. Ficamos discutindo por alguns segundos até que fomos interrompidos por Zia que aparentemente não aguentava mais nossa briga que carecia de argumentos e era totalmente formada por versões diferentes de falar “eu vou”.

— Se um dos dois tem que ficar e nenhum quer ceder, temos que resolver esse impasse de algum jeito. - disse ela - Nem que seja no pedra-papel-tesoura.

— Que jeito incrível de decidir quem vai pra uma batalha importante… - disse Hazel.

— Vão aceitar uma decisão lógica? - perguntou Annabeth se juntando a conversa repentinamente - Por mais que a habilidade de se transformar em animais do Frank seja bastante útil, principalmente contra alvos que não estejam no chão e tudo mais, acho que a Hazel seria melhor. Sem ofensa Frank. Tem a viagem das sombras, o controle dos esqueletos e tal. Lembrando que Nyx é a pura noite e escuridão. Além disso, Kayla já está vindo, então temos um filho de Apolo no arco-e-flecha que… bem... 

— É um fiho de Apolo… - completei a frase sabendo bem que meu interesse pelo arco-e-flecha vinha de Marte, não de Apolo....

— Não era isso que eu ia dizer. - ralhou Annabeth - Você no arco-e-flecha é tão bom quanto muitos dos filhos de Apolo. Mas Kayla é uma das melhores arqueiras entre os filhos dele. Eu ia dizer que ela era uma filha de Apolo que estava treinando até pras olimpíadas! E eu não duvidaria nada se na próxima ela estiver lá. Você é um ótimo guerreiro e um excelente líder, mas acho que suas habilidades seriam melhor utilizadas em Nova Roma no momento.

— Eu concordo… - disse Hazel - Mas não se preocupe, irei para Nova Roma assim que as coisas se acalmarem em Las Vegas.

Eu suspirei derrotado. Era difícil ganhar contra duas garotas inteligentes.

— Reyna vai querer deixar Nova Roma depois que um de nós chegarmos e se juntar às caçadoras. - lembrei - Talvez ela ou alguém mais queira dar um pulinho em Las Vegas.

Ela concordou com a cabeça e foi mais ou menos por aí que Percy saiu do banheiro, Annabeth aproveitou o banheiro livre para tomar banho também e Zia resolveu que queria ir ao supermercado do outro lado da rua para comprar algumas coisas.

Depois do rodízio de banhos, algumas batatas moles ruins do McDonald’s mais cedo, uns hambúrgueres imortais e uns biscoitos que Zia comprou no supermercado, todos já estavam cansados o suficiente para dormir. 

No dia seguinte, acordamos tão cedo que o sol mal tinha nascido. Enquanto os outros se preparavam para entrar no carro e começar a jornada para Las Vegas, eu girava um dracma na minha mão preparando o estômago para chamar o táxi da danação. Eu e Hazel nos entreolhamos por alguns segundos e, sinceramente, eu estava preocupado com ela, com todos. Esse é o lado ruim das missões… que já são cheias de lados ruins na maioria das vezes. Você vê seus amigos indo para algum lugar e só pode torcer para que eles voltem bem. Mas, pensamento positivo. Já passamos por muitos problemas, esse era só mais um.