CARTER

Quando eu acordei, vi que já tinha perdido boa parte do dia e também que não fazia ideia de onde os outros estavam. Eu imaginava que iria encontrar Zia ou Sadie rápido, mas não foi o que aconteceu. Pra completar, eu não conhecia o lugar. Então acabei andando sem rumo, atraindo olhares dos poucos semideuses com quais cruzei na minha caminhada solitária. Parecia um lugar legal, a Base Del Quinto Sol, só meio vazio demais para o tamanho talvez.

Eu não sabia bem explicar de onde a luz do sol estava vindo já que estávamos debaixo da terra até onde eu sabia. Mas ela de fato parecia entrar no lugar e, na verdade, ousava até dizer que o sol estava ameaçando se por. Eu tinha dormido tanto assim?

Infelizmente, ninguém tinha me dado um mapa daquele lugar, então fiquei andando sem rumo até que encontrei com Magnus no corredor parecido tão perdido quanto eu. Ver Magnus me fez lembrar do momento quando, ainda em Chichen Itza, ele me curou. Foi uma hora esquisita pois eu, por algum motivo, me lembrei bem claramente do dia do enterro de minha mãe. Senti toda a tristeza daquele momento e de como doía ouvir Sadie chorando.

— Hey… - disse ele acelerando o passo ao me ver me forçando a focar no agora, não em memórias antigas - Você viu o resto do pessoal?

— Eu ia te perguntar a mesma coisa. - respondi e ele começou a coçar a cabeça olhando ao redor.

Não sei se era impressão minha por ter lembrado do momento da cura em Chichén Itza, mas parecia ter surgido um clima meio estranho ali.  Como algo não dito que precisava ser dito. Mas logo concluí que não foi impressão não, pois ele foi logo falando.

— Ei… sobre Chichén Itza… - disse ele sem jeito com as palavras - Desculpe por… ter visto suas memórias do enterro na hora de te curar.

— Oh… aquilo não foi impressão minha então… - respondi sem saber o que responder e suspirando pesadamente entendendo agora o clima estranho que tinha ficado no lugar.

— Você tava muito mal e… quando os machucados são críticos assim eu não consigo controlar muito bem não acabar vendo memórias da pessoa. - explicou Magnus - Eu me sinto um intruso. Ainda mais porque a gente não se conhece há tanto tempo assim.

— Tudo bem, cara. - eu respondi embora certamente não estava no meu top 3 de coisas favoritas dividir o momento do enterro da minha mãe com alguém.

Não muito surpreendentemente, ficou um silêncio constrangedor depois disso. Talvez ele estivesse se perguntando o que se dizia a alguém quando você via memórias do enterro da mãe da pessoa, assim como eu estava me perguntando o que se dizia para alguém que via sua memória do enterro da sua mãe. Enquanto eu torcia para aquilo não acabar virando uma sessão de psicólogo e torcendo para que eu não tivesse que desenterrar ainda mais memórias da minha mãe, fui salvo pelo momento que ele apontou para a direção da qual eu tinha acabado de vir.

— Aquela ali não é a Zia? - disse ele.

Eu me virei e lá longe no corredor, de fato parecia ser a Zia se aproximando com passos rápidos. Ela estava abraçando o que parecia um suco de laranja em caixinha e dois burritos enrolados em plástico transparente e parecia levemente aliviada ao nos ver.

— Eu estava levando comida para você, já que não parecia sair da cama nunca. - justificou ela aparentemente já notando que eu ia acabar perguntando o porquê da comida - Mas quando cheguei no quarto você não estava lá.

— Como encontrou a gente? - perguntei.

— Cruzei com Zac no caminho e ele me falou que vocês estavam caminhando por aqui. - disse ela.

— Será que só a gente que é azarado tentando achar todo mundo? - perguntou Magnus suspirando pesadamente.

— É o que parece. - respondi com um sorriso torto e dando de ombros.

Eu mal tive de dizer algo mais, Zia foi logo jogando toda aquela comida nos meus braços e meu estômago, talvez detectando que comida estava tão perto, roucou ruidosamente me deixando bem constrangido. Felizmente, os dois ignoraram minha barriga e eu aproveitei a deixa para abrir um dos burritos e fazer minha barriga esfomeada calar a boca. Como eu estava mesmo com fome, deixei os dois discutindo sobre quais seriam nossos próximos passos.

— Obrigado. - respondi antes de dar uma mordida no burrito.

— Você por acaso perguntou pro Zac onde estão os outros? - questionou Magnus para Zia e ela afirmou com a cabeça.

— Ele disse que a Sadie tá na sala de cinema do 3º subsolo. - disse Zia olhando para mim e então para o Magnus - E o Alex também. Zac também falou de onde estavam os outros mas eu sinceramente não decorei muita coisa. Sadie na sala de cinema. Carter e Magnus no corredor do 1º subsolo, perto dos banheiros. Ele começou a falar bem rápido uma lista de onde cada um estava, só decorei o que precisava. Acho que tinha mais alguém nos jardins… talvez Percy e Annabeth… E não lembro se era Sam que estava na biblioteca ou Leo.

— Vamos focar na Sadie e na Alex então. - disse Magnus - Acho que fica do agrado de todo mundo. Só precisamos descobrir onde fica essa sala de cinema do 3º subsolo.

— Comecemos então achando o 3º subsolo. - disse Zia apontando com o dedão por cima do ombro - Tem um elevador por lá.

Juntos, fomos indo para o elevador e aproveitei que dentro dele ficávamos parados para comer um pouco mais de meu burrito. Eu já havia comido metade de um quando chegamos no 3º subsolo e troquei meu foco para descobrir, junto com eles, onde ficava a tal sala de cinema. Enquanto procurávamos a sala de cinema, uma parte de mim começou a ficar preocupada de a Sadie começar a pedir por uma sala de cinema na Casa do Brooklyn também.

Felizmente, a pessoa… ou deus, vai saber... que tinha arquitetado o lugar foi gentil o suficiente para colocar placas indicando onde ficava cada lugar. Apesar de as placas estarem em espanhol e na língua dos astecas, elas foram muito úteis para ajudar a gente a achar a sala de cinema. Enquanto andávamos, Zia tocou no assunto da faculdade.

— Temos que voltar para Nova York. - disse Zia - Temos que resolver as coisas da faculdade. Se demorarmos muito vamos perder o prazo de entregar os documentos.

— Vocês vão fazer o que na faculdade? - perguntou Magnus.

— História na Universidade de Nova York. - respondi orgulhoso me perguntando se meu pai teria orgulho também.

— Antropologia e Linguística. - disse Zia com uma expressão preocupada que já conhecia - Também na Universidade de Nova York. Mas tenho medo de não gostar do curso… Não estou com tanta certeza quanto o Carter.

— Não custa nada tentar… bem… custa… - eu disse suspirando - Mas você não vai saber se não tentar. E você também não parecia gostar muito do plano B.

— Parece ser legal… ir pra faculdade… - disse Magnus com uma voz que notei ser meio triste me fazendo lembrar que, pelo o que entendi desde quando a gente tinha se conhecido, nem ele, nem ninguém que saiu de Valhalla, estava ficando mais velho.

— Faculdade... Parece desesperador. - disse Zia segundos antes de chegarmos diante da sala de cinema.

Eu sinceramente esperava encontrar Sadie assistindo algum filme com Anúbis, Alex e talvez alguma pessoa mais. Algum filme tipo… não sei… Meninas Malvadas? Consigo imaginar Sadie assistindo isso. Não sei muito do gosto de filme do Alex e muito menos do Anúbis. Bem, independente de qual filme fosse o escolhido, eu certamente não imaginava encontrar todos tensos olhando pro Anúbis e o filme sendo totalmente ignorado.

— Aconteceu alguma coisa? - perguntei.

— Anúbis está conversando com Hades…  - disse Sadie.

Eu olhei pra Anúbis esperando ver algum tipo de conexão mágica ou no mínimo um celular, mas ele parecia simplesmente estar sentado no sofá, assim como os outros estavam, só que bem concentrado e com uma cara de preocupação.

— Tipo… agora? - perguntei.

— É. Agora. - respondeu Anúbis suspirando pesadamente e passando uma das mãos pelo cabelo.

Eu olhei ao redor de novo, esperando encontrar Hades escondido em algum lugar. Mas parecia uma sala de cinema como qualquer outra e eu só via eu, Zia, Magnus, Alex, Sadie, Anúbis, Frank e Rosa. Olhei para Zia e Magnus esperando que eles talvez tivessem entendido melhor do que eu, mas eles pareciam tão perdidos quanto.

— Erm… não quero soar idiota mas… onde e como? - perguntou Magnus.

— Museu Metropolitano de Arte de Nova York. - respondeu Anúbis.

— Não tente entender os detalhes, porque a gente não entendeu muito bem também. - admitiu Alex suspirando - Parece que ele tá em dois lugares ao mesmo tempo ou algo do tipo.

— E o que Hades está dizendo é… muito preocupante? - perguntei - Porque já temos muitas preocupações.

— Não sabemos ainda. - disse Frank suspirando - Ele não contou nada. Seja lá sobre o que os dois estão falando, não estamos ouvindo nem a parte dele da conversa.

— É ruim e preocupante sim… - respondeu Anúbis ainda aparentando estar bem concentrado até o momento que olhou para Sadie - Vamos precisar ir para a Inglaterra mesmo…Mas a parte mais preocupante deve estar em Las Vegas.

— Las Vegas…. Las Vegas… - disse Magnus como se estivesse tentando lembrar de algo - Minha geografia não é muito boa mas… fica no estado de Nevada né?

— Até onde sei, sim. Porquê? - quis saber Sadie.

— AH! JÁ SEI! - exclamou Jacques no pescoço de Magnus repentinamente me dando um susto, já tinha esquecido que ele estava ali sempre indo pra onde quer que Magnus fosse só que pendurado em seu pescoço - Antes, lá em Chichen Itza, o cara lá maia, asteca, sei lá, perguntou se a gente era um dos que estavam atrapalhando eles em Nevada! Sem dúvida tem coisa em Nevada!

— O que Hades falou que tem em Las Vegas? - perguntou Zia.

— Nyx. - respondeu Anúbis olhando então para mim e para Magnus - Vocês dois e Mestiço eram o que estavam pior né? Será que ele já acordou? Eu sei que vocês estão precisando descansar, mas nós realmente temos que conversar. E o quanto antes melhor.

— Nyx?! - exclamou Frank preocupado - Tipo… a deusa da noite?

— É. - respondeu Anúbis - Ela está em Las Vegas e Zeus está pensando em mandar algum dos filhos de Apolo para lá e talvez Percy e Leo. Nyx não é uma adversária tão fácil. Até onde sei, até os outros deuses gregos têm medo dela.

— Ah que legal… - resmungou Alex suspirando desanimado.

— Temos mesmo então que conversar já. E quem já estiver descansado já vai se preparando onde puder. - disse Rosa.

— Eu… vou atrás dos outros… - disse Zia já se virando para ir atrás do resto do pessoal.

— Espera… - disse Frank antes que Zia fosse embora - Vamos nos encontrar em algum lugar com alguma corrente d’água.

— Corrente d´água? - perguntei sem entender.

— Pra poder falar com o pessoal do acampamento também. Usando as mensagens de Íris. Eu ou Hazel temos que voltar pra Nova Roma. Não podemos ir os dois para Las Vegas. Então tem gente precisando ir pra Nova Roma, pra Las Vegas, pra Inglaterra e pra África.

— E temos que voltar pra Nova York também. - lembrou Zia olhando para mim e afirmei com a cabeça.

— São muitos lugares ao mesmo tempo - eu disse e Frank confirmou com a cabeça - Melhor enviar para cada lugar nossos melhores times para enfrentar os problemas que cada lugar vai ter. Estamos falando de vários pontos diferentes do mundo, não dois pontos diferentes do México como agora. Não dá pra facilmente mudar de ideia e ir ajudar algum grupo que esteja precisando.

— Podemos aproveitar e ligar pra Cleo. - lembrou Sadie - Pra saber também se ela sabe mais detalhes de onde está o tal papiro mágico que pode estar na Inglaterra.

Juntar todo mundo para conversar sobre as coisas que vinham acontecendo foi algo que demorou um pouco já que estavam todos bem espalhados pela Base Del Quinto Sol. Mas ao menos foi tempo o suficiente para eu terminar meus burritos e meu suco de laranja. Uma barriga cheia ajuda qualquer um a pensar melhor. Como precisávamos de uma corrente d’água para usar as mensagens de íris, nos reunimos no jardim onde, segundos antes, Percy e Annabeth estavam conversando. Os jardins tinham alguns bancos, o que foi muito bom para o pessoal que ainda estava precisando descansar, como Leo, Calipso, Mestiço e o novo participante dessa bagunça, Olujime.

Claro, os astecas e maias se juntaram também com a gente. Incluindo Yac e Zac, por mais distante que os dois deuses ficassem do resto do pessoal. Rosa parecia aliviada de Victoria ter voltado à salvo de Chichen Itza e o mesmo poderia se dizer sobre Victoria. As duas ficavam juntinhas sempre que possível, apesar de, pelo olhar de Miguel, ele não gostava muito de ver as duas tão pertinho assim. Mas ao menos ele parecia aliviado da irmã ter voltado inteira também. 

Dentre os astecas e maias, tinham alguns rostos novos. O que mais havia me chamado atenção no momento foi uma menina que parecia muito a Annabeth. Essa menina chamou muito a atenção de Magnus também que olhou para ela como se tivesse visto um fantasma.

— Tá tudo bem, cara? - perguntei pra ele enquanto ele olhava a garota de um jeito nada discreto que fez ela encarar ele de volta.

— O que foi? - perguntou a garota - Perdeu algo na minha cara?

— Você… - falou Magnus engolindo em seco - Por acaso seu sobrenome não é Chase né?

— Não… - disse ela estranhando a pergunta tanto quanto qualquer outro ali - González. Micaela González.

Por algum motivo que eu não entendi, Magnus suspirou aliviado enquanto, ao lado dele, Alex parecia segurar uma risada.

— Cuidado… - disse Alex - ela pode ter algum Chase na família ainda. Ou o nome de solteira da mãe é Chase… 

— Nenhum Chase… - disse Micaela sem entender o motivo daquilo.

Enfim, depois do que pareceu uma provável busca por parentes perdidos, Will pegou uma moeda e jogou na fonte que havia no centro do jardim enquanto Sadie ligava por Skype para Cleo. Não sei nossos amigos gregos, ou romanos, ou astecas, ou maias, mas eu com certeza nunca tinha feito uma reunião com tanta gente assim.