PIPER

Já era praticamente meio dia quando nos reunimos todos do lado de fora do hotel prontos para deixar aquele lugar para trás. Eu principalmente estava bem ansiosa. Já não aguentava mais. Mas, acima de tudo, eu já estava ficando com medo da bronca que iria levar do meu pai. Não é como se eu tivesse conseguido inventar alguma desculpa por sumir vários dias sem mandar sequer uma mensagem. Acho que o melhor que eu podia fazer agora, era contar com a névoa.

Apesar de todos estarem aliviados em sair dali, a tristeza que o silêncio que rodeava tudo ali trazia era desconfortável demais. Ainda assim, respirei fundo tentando não pensar na bronca iminente e olhei para todos se preparando para ir embora. 

A maioria do pessoal entrava na van que Annabeth aparentemente ia dirigir, mas minha carona era o carro espalhafatoso vermelho de Apolo. O carro de Apolo era uma Maserati, segundo ele mesmo falou todo orgulhoso. Como também era um conversível, Meg estava mascando um chiclete sentada sobre o porta-mala com as pernas sobre o banco traseiro. Conosco também iria Percy, que estava perto da van conversando com Annabeth antes de se separarem, afinal o pessoal da van iria para Nova Roma. E também, ao lado da Maserati, Apolo e Reyna conversavam tentando entender para onde Reyna iria.

— Você vai com a gente ou vai ficar aqui esperando algo da minha irmã? - perguntou Apolo.

— A essa altura eu já esperava ter alguma coisa para ter decidido de vez. - disse Reyna.

— Pessoal… Eu estava pensando… - disse Zia botando a cabeça pro lado de fora da janela do carro - Lá no México, Quetzalcoatl tinha falado sobre alguém em Nevada atrapalhando eles… 

— Verdade! O Magnus disse isso! - exclamou Percy surpreso - Eu tinha esquecido disso.

— Só tinha a Piper por aqui. Não tinha como eles estarem falando da Piper, né? - perguntou Hazel - Aposto que nem os dias devem bater.

— Eu cheguei aqui antes de ontem… - disse.

— Estava pensando nisso também. - respondeu Annabeth - Acho que tem mais alguém, ou várias pessoas, além do que sabemos tentando resolver esse problema todo.

— Sinceramente, não acho tão inacreditável assim. - respondeu Kayla - Primeiro descobrimos que os romanos existiam e isso já foi incrível na época. Aí depois vieram os nórdicos, egípcios, astecas, maias, celtas e por aí vai… Se for parar pra pensar, se todo esse pessoal existe, é difícil sermos o único grupo tentando lidar com um problema que claramente está em vários países.

— Exato. - completou Annabeth.

— Você viu mais alguém por aqui, Piper? - perguntou Hazel.

— Não… - respondi.

Eu ainda me sentia um pouco perdida em tudo isso, tendo aparentemente chegado bem tarde na confusão. Então tentei me focar em entender a conversa. Quetzalcoatl parecia um nome que eu talvez tivesse visto em algum lugar e, pela conversa, julguei que devia ser um deus mexicano.

— Enfim… Acho que eu vou ficar aqui esperando qualquer mensagem de Lady Ártemis. - disse Reyna eventualmente quebrando o silêncio que se formou com todos pensando tentando resolver aquele quebra-cabeças - Vocês podem ir.

— Vai esperar sozinha? - perguntou Apolo parecendo meio surpreso e preocupado.

— É melhor. - disse Reyna - Você vai para Phoenix e depois que resolver o que tem por lá, conte-nos o que descobriu e vá até Nova Roma buscar quem quiser uma carona para Nova York.

— PERA PERA PERA! - exclamou apressadamente uma voz atrás de nós - Ai que bom, cheguei antes de vocês irem embora. Tô muito atarefado hoje pra perder uns minutos indo atrás de vocês.

Nos viramos na direção da voz, alguns prontos pra começar uma nova batalha, mas nos deparamos com Hermes que ia em nossa direção ao aparentemente ter saído do hotel. Eu estava sinceramente surpresa em vê-lo ali e, quando olhei para Apolo, notei que ele também parecia achar aquilo bem estranho, e talvez até preocupante, pois Apolo pareceu ter ficado mais pálido.

E essa é a vida dos semideus. Uma hora você tá se preparando para sair do lugar onde teve uma enorme e sangrenta batalha, na outra tem um deus chegando apressado para falar com você. Nenhuma novidade por aqui, pessoal.

— H-Hermes? - disse Apolo dando uma gaguejada - Por favor, diz que não veio dizer que meu pai está querendo me castigar de novo.

— Quê? - perguntou Hermes meio perdido - Ah não não. 

Sei lá se Hermes ali era um bom sinal ou não, mas sei que todos estavam olhando para ele tensos e silenciosos tentando descobrir provavelmente isso. Alheio a nossas preocupações por pelo menos uma dica do motivo dele estar ali, Hermes começou a remexer a bolsa dele e então tirou de lá um pequeno frasco que parecia ter Néctar dentro e uma folha de papel dobrada.

— Entrega para Reyna. - disse Hermes estendendo os dois para ela - De Ártemis.

— Obrigada… - disse Reyna pegando as duas coisas e abrindo curiosa a folha de papel - Uma passagem para Bristol.

— Para hoje? - perguntei.

— Sim. - respondeu Reyna.

— E tem algo mais. - disse Hermes se virando para Apolo - Mas dessa vez é uma mensagem.

— Eu tô encrencado? - perguntou Apolo.

— Não. Já disse! Calma. - respondeu Hermes - As coisas mudaram de figura graças a Nyx. Querem fazer uma reunião extraordinária no Olimpo em 3 dias, ao meio dia. Tente estar lá, principalmente porque Artemis já disse que não iria por estar muito ocupada. Ahm… acho que está óbvio mas, é pra ir sozinho.

— Pera, reunião no Olimpo em 3 dias? - repetiu Apolo - Sobre o quê?

— Sobre todo esse caos, pelo o que entendi. - disse Hermes dando de ombros - Vários deuses foram convidados. Tipo, vários. Por isso estou tão ocupado hoje. 

— Pode falar alguns que foram convidados? - perguntei curiosa.

— Bem… nem tanto, na verdade. - admitiu Hermes - Tem alguns com a situação complicada e que preferem não revelar que estão indo ou considerando ir para uma reunião com nós então… como um bom diplomata, prefiro deixar a condição de discrição para todos igual.

— Temos outras mitologias na lista então. - disse Annabeth.

— Bem, tenho que ir. - disse Hermes - Tenho muito que resolver. 

Hermes então se virou de costas para nós, resmungou algo como “Maia” e de repente asas saíram de seus tênis. E assim, no segundo seguinte Hermes estava voando para longe com seus sapatos voadores. Como disse, só mais um dia normal da vida de um semideus.

— Será que meu pai não está mesmo com raiva de mim por eu ter desobedecido ele novamente? - perguntou Apolo talvez para si mesmo - A essa altura, ele já deve saber… 

— Se ele souber e estiver com raiva, a essa altura você já estaria mortal de novo ou bem frito por um raio, não? - perguntei.

— É bem provável. - disse Apolo - Mas não quero fazer o teste e ir para essa reunião.

— Você tem que ir! - insistiu Annabeth prontamente descendo do carro que estava e indo até Apolo para brigar com ele direito - Quanto mais soubermos melhor. E quem sabe do que vão falar nessa reunião aí.

— Affe… - resmungou Apolo passando a mão preocupado pelo cabelo.

— Deixa comigo! - exclamou Meg - O Apolo vai pra essa reunião nem que tenha que ser acorrentado e arrastado por mim!

— Vamos estar contando com você, Meg! - exclamou Percy.

— EI! - reclamou Apolo - Eu não tenho direito de opinar nisso não?

— Não. - respondemos todos ao mesmo tempo.

Apolo então bufou e cruzou os braços sem ter mais muito o que dizer além de resmungar baixinho para si mesmo. Sua opinião estava completamente vencida pela maioria ali. Mas ainda tínhamos outra questão a tratar.

— Mas… dá tempo de Apolo dirigir até Phoenix,  depois Nova Roma e então voltar pra Nova York a tempo dessa reunião? - perguntei.

— Depende de quanto tempo vai demorar em cada lugar. - resmungou Apolo sentado no banco do motorista de sua Maserati meio emburrado - A carruagem-Maserati-do-sol pode não estar tão eficiente quanto normal, mas está boa o suficiente para fazer todas essas viagens mais rápido que o normal de um carro.

— Então vamos logo para aproveitar cada segundo. - disse Percy entrando no carro logo ao lado de Apolo.

Depois de trocarmos algumas palavras mais e acertamos que o pessoal da van iria deixar Reyna no aeroporto, eu, Apolo, Percy e Meg fomos em direção a Phoenix. E olha… Apolo tinha razão quando falou da carruagem do sol ser bem rápida. Nós tivemos que fechar o teto dela para que não ficasse mais um conversível, se não o vento ia ser complicado de lidar.

O deserto passava correndo pelas janelas numa velocidade que não era alta suficiente para ser absurda e sem sentido se você ignorar que estávamos tecnicamente num carro, mas certamente era alta o suficiente para render uma boa quantidade de multas. Algumas vezes Apolo até fez o carro voar, o que era bem mais confortável já que não tinha o atrito com o chão, mas acho que ao menos metade da viagem foi em terra firme.

Apesar dos detalhes mágicos da viagem, foi uma viagem bem normal. O rádio não funcionava tão bem por estarmos no meio do nada, então tivemos que usar uma playlist do Apolo que tinha várias músicas que eu não conhecia, mas também umas que pareciam ser de Beatles. O pessoal também conversava como se nada tivesse acontecido, mas eu só pensava no que eu iria falar para o meu pai e para a Shel.

— Relaxa. - disse Percy repentinamente me tirando do meu transe - A gente não vai deixar seu pai matar você.

— Conseguem pensar também numa justificativa para eu ter sumido por 2 noites sem avisar ninguém? - perguntei - Bem, até falei pra Shel me cobrir mas… não estava nos planos sumir por tanto tempo. Não sei como devem estar as coisas agora.

— Sequestro é dramático demais, imagino. - disse Percy.

— Pode ter ido pra uma baita festa também… - sugeriu Apolo.

— Que tipo de vida você acha que eu levo? - perguntei estranhando a sugestão de Apolo e ele simplesmente deu de ombros sem tirar os olhos da estrada.

— É Las Vegas… - justificou ele.

— Porque você não ligou para essa Shel antes para ver como estão as coisas por lá? - perguntou Meg.

— Eu não trouxe meu celular para não atrair monstros… - justifiquei - Mal uso mesmo.

— A Zia tinha um… - respondeu Percy e instintivamente me dei um tapa na testa pela minha burrice. Eu literalmente tinha visto ela usar o celular mais cedo. Esse é o lado ruim de você ser acostumado a viver sem um celular?

— Relaxa, vamos dar um jeito. - disse Apolo enquanto entrávamos na cidade de Phoenix finalmente depois de 2 horas de viagem.

Com a quantidade de pistas e carros aumentando, logo Apolo começou a dirigir de um jeito mais normal apesar de não ter demonstrado nenhum problema em desviar dos caminhões que apareciam antes quando estávamos muito rápido. Com um pouco de dificuldade, guiei eles para onde estávamos hospedados enquanto organizava minhas poucas e nada convincentes justificativas na minha cabeça.

— Apolo… - eu falei me encolhendo no banco de trás quando chegamos diante do pequeno hotel - Você já viu a Shel. Tenta trazer ela pra cá sem meu pai perceber para tentarmos descobrir qual a versão que meu pai sabe. Talvez ela ainda esteja tentando alongar seja lá qual mentira inventou para encobrir meu sumiço.

— O que você disse pra convencer ela disso? - perguntou Meg.

— Disse que era extremamente importante que eu fosse a um lugar mas que eu não poderia contar para ela, porque era complicado demais. - disse suspirando pesadamente - Mas implorei para ela confiar em mim e que, assim que eu estivesse pronta para contar, contaria para ela.

— Boa sorte nessa segunda parte. - disse Percy.

— Quer que eu vá assim mesmo ou mais Apolíneo? - perguntou Apolo.

— Ela não conhece Lester e acha que Apolo é amigo do meu pai, sendo que meu pai nem te conhece. - respondi - Se meu pai não estiver por perto, Apolo é melhor que Lester. Caso ele esteja por perto, melhor Lester.

— Ok. - respondeu ele saindo do carro.

Expliquei rapidamente para Apolo qual era o quarto que tínhamos nos hospedado no pequeno hotel e ele foi na missão dele de infiltração deixando eu, Meg e Percy sozinhos no carro dele. Não tínhamos muito mais o que fazer além de esperar, então foi isso que fizemos. Depois do que pareceu uma eternidade mas provavelmente foram só alguns minutos, vi Apolo se aproximando acompanhado de Shel. E quando digo Apolo, dessa vez digo literalmente Apolo, não Apolo em sua forma Lester.

Shel, minha namorada, parecia preocupada mas ao mesmo tempo desconfiada enquanto olhava pelo canto do olho para Apolo. Claramente alguém que ela viu só uma vez na vida arrastando ela até ali não era exatamente tão confiável assim. Mas então a expressão dela mudou drasticamente quando me viu saindo do carro. Isso foi tudo que ela precisou para sair correndo na minha direção e me abraçar e então, pronto, de repente tudo parecia estar bem.

 - Onde você estava!? - reclamou ela - Me deixou preocupada! Me pede para mentir assim para seu pai e então desaparece por 3 dias!? Você é louca?!

— Me desculpe… - resmunguei apertando ela no abraço.

— Não me venha com “Me desculpe”! - reclamou ela soltando do abraço e me olhando irritada mas com os olhos cheios de lágrimas - Me explica o que raios aconteceu!

— O que o meu pai sabe até agora? - perguntei.

— Bem… - disse ela suspirando pesadamente claramente sem paciência comigo - Eu até consegui enrolar ele falando que você tinha ido para uns eventos da faculdade e acabou emendando com umas festas com o pessoal da faculdade. Não é assim tão absurdo. Ou não seria se você não tivesse levado tanto tempo!

— Desculpe… não estava nos planos demorar tanto… - admiti.

— Ficamos bem preocupados e ele viu que você não levou o celular. - continuou Shel - Acho que ele andou investigando também, estava meio desconfiado, tanto que fomos na polícia hoje mais cedo.

— QUÊ?!  - gritei assustada.

— É! Então faz o favor de ir mostrar pra ele que está viva. - reclamou Shel chorando sem parar e batendo o pé no chão - Ele está lá no quarto se descabelando esperando qualquer ligação da polícia! Você deu sorte que o loirão ali me encontrou no corredor! Eu não sei o que raios você está fazendo com o cara que me apresentou como amigo do seu pai, mas depois que você resolver seus assuntos com o seu pai você vai me explicar tudinho! 

Sem olhar para os demais para que eu não perdesse a coragem, eu simplesmente suspirei e afirmei com a cabeça enquanto dentro de mim um medo crescia. E se ela reagisse como meu pai reagiu me forçando a apagar da memória dele esse pedaço de informação? Só de pensar nisso eu já fiquei com vontade de chorar. 

— Acho que vai demorar então… - disse eu olhando para o pessoal - Vão sem mim até o rio mas… me busquem aqui depois?

— Vai sair de novo? - perguntou Shel.

— É importante… mas eu vou te explicar tudo, Shel. Prometo. - eu disse.

— Vamos te esperar aqui. - disse Percy.

— É. Pra caso precise de uma forcinha. - completou Meg.

Eu acho que abri um sorriso fraco mas no geral eu me sentia mais lutando contra o meu choro. Respirei fundo engolindo todas as minhas lágrimas e então entrei no hotel junto com Shel pronta para encarar o desespero e a raiva de meu pai.