Entre Dois Mundos escrita por Jammie


Capítulo 2
Dois.


Notas iniciais do capítulo

Só passando por aqui para dizer que estou com fome...
Mas eu sempre tô com fome...
Bah, esqueçam o que eu disse kkk
Boa leitura, monstrinhos, amo vocês *_*



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Minha manhã começa solitária, como todos os dias.

Depois de tomar um banho e me preparar para a escola, eu largo minha mochila em um canto e ponho o avental, que geralmente fica guardado numa gaveta do armário. Como estou meio desmaiando de sono, não quero arriscar sujar minha camiseta branca e meus tênis novinhos a essa hora do dia, enquanto preparo o café da manhã.

A nossa cozinha era padrão. Pequena, mas bastante limpa e organizada com uma bancada de madeira separando-a da mesa.

É uma das partes da casa que mais gosto, além de meu quarto, então eu a mantenho impecável.

Por último, faço os ovos mexidos e os deposito sobre a mesa. Estavam um pouco feios, mas eu os ponho mesmo assim.

Provavelmente papai quem deveria fazer isso, mas após a morte de mamãe no acidente, ele nunca mais foi o mesmo. Desde então, eu quem o faço e durante à tarde e a noite uma senhora, Esme Green, cuidava das refeições e de algumas outras coisas.

Sinto muita falta de quando eu acordava todas as manhãs com um pai alegre, fazendo suas famosas panquecas. Tomávamos o café juntos, enquanto ele contava animadamente sobre sua mais recente obra.

Antes, papai escrevia romances de tirar o folego. Foi assim que ele e mamãe se aproximaram, quando mais jovens.

Um produzia e o outro sorvia apaixonadamente as palavras.

Logo, quando ela se foi, eu tive que empacotar todo o seu material e livros. Papai sequer conseguia olhar para eles. Desde então, mesmo não sendo uma leitora como mamãe, eu mantenho os livros na estante e no armário de meu quarto. Tê-los por perto, de alguma forma me ajudava a lembrar de que nem sempre fui essa aberração que sou, e a ter esperanças de que um dia ele voltaria a escrever.

— Bom dia, docinho. — ouço sua voz e me viro num sobressalto.

Não era sempre que papai descia para tomar café da manhã.

— Bom dia... — eu tento não me atrapalhar com as palavras — Fiz panquecas.

Ele não responde, apenas da um fraco sorriso antes de se sentar à mesa.

Forço um sorriso e o acompanho. Eu deveria estar feliz porque ele finalmente está saindo do quarto, voltando a trabalhar — está dando aulas de piano, uma antiga paixão — e as vezes até conversamos. Mas aquele homem não era sequer a sombra do que já foi. 

Ainda me lembro as primeiras noites em que dormimos em casa após o acidente.

De dia papai era forte, mas a noite eu podia escutar seu choro, abafado pelas paredes.

Eu assisti em silencio até que ele começou a perder peso gradualmente e se trancar no quarto de visitas.

Então uma noite, eu me arrastei — eu ainda não sabia me deslocar sozinha de cadeiras de rodas — até onde ele estava sentado no chão e ficamos os dois fitando o mural de fotos da família que mamãe havia improvisado na parede, sem dizer uma palavra.

Naquele momento, jurei a mim mesma que ia ser forte pelo papai.

Eu dou umas garfadas nos ovos mexidos e olho para o prato com desgosto, o sal queimando minha língua.

— Não estão tão ruins assim. — ele fala, depois de um tempo.

— Você só diz isso porque está com fome. — murmuro, fazendo uma careta.

— Exatamente. — retruca e da uma risadinha.

O som de seu riso era como gotas de chuva depois de um dia quente. Talvez eu ainda pudesse ter esperança. Talvez eu pudesse ter papai de volta.

 

Abro o meu armário, demorando-me mais do que o normal, para encontrar o livro de biologia em meio a minha bagunça. Geralmente não tenho muita paciência para ficar organizando coisas que vão estar reviradas em poucos minutos.

Logo, sinto um arrepio e vapor sai de minha boca. Droga.

Não preciso me virar para saber quem estava ao meu lado.

Seja bem vindo a minha vida de merda, em que não se pode dar sequer uns amassos em paz. 

Sério, até hoje não sei como consegui dar meu primeiro beijo aos quatorze anos. Quero dizer, não foi sequer um beijo, foi só um pouco de roçar de lábios, antes que eu quase arrancar o lábio inferior do garoto com uma mordida.

Em minha defesa, eu era nova nesse lance de mediunidade, então ver uma garota com o olho sangrando dando risadinhas, detrás de uma das estantes da biblioteca da minha antiga escola, era o suficiente para me deixar apavorada.

Não que eu não me assuste algumas vezes, mas já me acostumei com essas coisas.

Meses atrás, um deles apareceu em cima da minha cama e vomitou vermes e sangue em meu edredom. Foi bem nojento, mas eu apenas xinguei, desci para a sala e me joguei no sofá.

— Aqui não. — murmuro baixinho, fechando a porta do armário com força, ciente de que ela não está dando a mínima se eu estou afim de conversa.

— Por... Favor... — ela sussurra numa voz chorosa, tentando dizer algo.

Esse é o problema com os fantasmas. Eles geralmente demoram um bom tempo para conseguir dizer qualquer coisa inteligível.

Eu me volto para ela, depois de relancear os olhos para os dois lados do corredor para ter certeza de que não havia ninguém por perto, e finalmente consigo dar uma boa olhada em seu rosto.

Ela claramente foi uma garota bonita, quando viva. 

Olhos verdes e uma cascata acobreada de cachos até uma cintura esbelta. A única coisa que estragava sua beleza nesse momento,era a enorme fissura no seu pescoço, barriga e cortes nos braços — provavelmente golpes de faca — e o vestido floral, que seria muito bonito, não estivesse tão sujo e encharcado de sangue.

Provavelmente teria morrido de uma forma brutal.

Eles geralmente não tinham consciência disso, mas até o modo como apareciam para as pessoas significava algo. Uma mensagem de seu subconsciente danificado: "Olhe como eu morri".

Seus olhos verdes e sem vida são duas cascatas de lágrimas, me encarando, como se esperasse uma resposta e quebrando qualquer tipo de aversão que eu nutri por ela esses últimos dias.

— Não da pra falar agora, ok? Por que você simplesmente não vem me assombrar durante a madrugada, como sempre? Volte para o meu quarto e me espere lá.

Ela não responde nada, apenas lança um olhar triste antes de desaparecer.

— Sinto muito. — sussurro para o corredor vazio e rumo lentamente para a minha aula sem me importar se estava atrasada ou não.

Por algum motivo, eu me sinto culpada. Ela parecia querer dizer algo importante.

"Por favor...", ela disse. Depois de semanas inteiras não fazendo nada além de me observar e sussurrar que estava com frio.

O som de uma pancada me tira do torpor e eu paro no meio do corredor, em choque. 

Um garoto segurando o outro — que sangrava pelo nariz — pela gola da camisa e o empurrando furiosamente contra um dos armários.

— Fique longe da Megan!

— Não tenho culpa se sua garota gosta de mim. — o outro diz tranquilamente, apesar de estar com o nariz sangrando e leva mais uma série de pancadas.

Eu digo a primeira coisa que me vem a cabeça:

— Pode parar agora mesmo ou eu vou gritar.

Só então o primeiro percebe minha presença e me lança um olhar de desprezo, antes jogar o segundo mais uma vez contra o armário e sair impetuosamente enquanto o outro se abaixa tranquilamente para pegar um livro caído e por em sua mochila.

É impossível não se admirar com sua frieza. Mesmo sangrando, enquanto o outro garoto o agredia, ele não lutava nem tentava se proteger. E dava para perceber um pequeno sorriso em seu rosto. 

— Não foi esperto dizer aquilo. — digo, antes de estender a mão para lhe entregar um lenço, que ele aceita. 

— Sim, e se envolver em discussões alheias não é sinal de muita inteligencia.

Ponto para ele.

Cruzo os braços me perguntando mentalmente se seria errado eu lhe dar um olho roxo combinando com o nariz machucado e simplesmente ir para a aula.

— Desculpe, não quis ser rude. Mas não devia ter se envolvido nisso.

Ele se apoia contra o armário meio amassado limpando o sangue e eu aproveito para estuda-lo.

Apesar do nariz machucado, o desgraçado era exatamente o tipo que Sally chamaria de deus do sexo. Talvez eu entenda um pouco os motivos da tal Megan.

Alto, cabelos num tom muito escuro de castanho,olhos angulares na mesma cor, e uma boca bem desenhada que deixariam qualquer garota tentada. Um corpo magro e definido escondido debaixo de uma camisa social, jeans e botas pretas.

Ele sente meu olhar sob si e me encara por algum tempo, o rosto ilegível.

Então o sinal toca, para a mudança de turnos e eu sou a primeira a quebrar o contato visual.

— Enfermaria, terceiro corredor a esquerda. Devia dar uma olhada nisso aí.

— Bem... Meus agradecimentos. — murmura fazendo uma pequena revência, antes de se afastar preguiçosamente.

 

—... Nos animais mais evoluídos, os receptores especializados constituem a base...

Fique acordada, fique acordada, fique acordada...

Sinto meu corpo se inclinando sobre a mesa enquanto tento arduamente manter meus olhos abertos.

....acordada, fique acordada...

Sally, sentada ao meu lado me da uma cotovelada e eu me sento ereta para perceber os olhos do professor sobre mim. Eu espero por uma bronca, mas acho que ele resolve deixar passar.

"Você está bem? Você chegou atrasada na aula outra vez." — Sally escreve em seu caderno de anotações, nosso antigo método para conversar durante as aulas.

"Dia cheio e falta de sono. Vou sobreviver." — respondo. 

Ela faz uma cara de preocupada antes de escrever outra vez.

"Coraline anda espalhando um boato sobre a Melanie estar traindo o namorado. Parece que ela foi vista quase beijando outro cara, num dos corredores da escola, durante a aula de inglês."

Eu reviro os olhos.

"Não devia acreditar no que a vadia da Adams fala. Você se lembra do que houve ano passado, não é?" 

"Dessa vez ela tem provas. Ela tirou algumas fotos com o celular. Melanie conversando bem de pertinho com um garoto e então eles saindo de mãos dadas."

—Tem certeza que era a Mel? — pergunto baixinho, incrédula.

Melanie Parker foi minha parceira em biologia,ano passado.

Pequena, de olhos cinzentos, e um sorriso gentil, ela nutria uma paixão secreta por um garoto que estudava uma sala depois da nossa, Jordan Jakes. Então, poucas semanas antes do encerramento das aulas, ela tomou coragem e se declarou para ele. Algum tempo depois, já estavam namorando.

— Não sei se tenho certeza, mas as pessoas estão falando sobre isso. Espero que seja apenas um mal entendido. — Sally sussurra,antes de voltar o olhar para o professor.

— Eu também .

 

Quando a ultima aula do dia termina, eu caminho/me arrasto para fora da sala. Após as empolgantes aulas de calculo, minha mente estava um nó.

Eu me aproximo do meu armário e me concentro na sequencia de números para abri-lo.

— Jessie...

Alguém me chama e eu me viro para encontrar o olhar de Melanie.

— Você viu Jordan por aí? — ela pergunta, a voz um pouco triste — Eu preciso vê-lo.

— Não faço ideia. Hum... Você quer que eu ajude a procura-lo?

Ela dá um de seus doces sorrisos, mas eu sinto uma pontada de tristeza em seu olhar. Talvez ela já soubesse do boato que circulava pela escola. 

— Não... Mas obrigada mesmo assim. — ela murmura, começando ase afastar, quando para e me olha por cima do ombro. — diga que eu o amo, está bem?

— Eu... eu digo, Mel. Me liga se precisar de algo, ok?

Ela assente e se vira outra vez antes de se afastar.

Logo, sinto o ar ficando rarefeito, o familiar calafrio... A sensação de que há algo errado. Provavelmente a garota do meu quarto. Ela nunca antes havia aparecido para mim na escola. Talvez, ela realmente tinha algo importante para dizer.

— Jessie! — Sally chama meu nome, ainda ao longe no corredor e caminha apressadamente até mim, Matt ao lado, quase dando um encontrão em Melanie, que seguia lentamente, de cabeça baixa.

Os dois se aproximam, as expressões sombrias, e eu os encaro, esperando o pior.

— Jessie, você não sabe o que aconteceu... — a voz tremida de Sally, denunciava uma emoção que ela lutava para controlar.

Sally odiava chorar em publico.

— O que aconteceu, Sarah? — balbucio.

Sally me encara por um tempo em silêncio e então Matt responde por ela.

— Encontraram o corpo de Melanie detrás da escola.

Não. Não. Não...

— Mel... — soluço e Matt me puxa para um abraço.

Eu aperto com força seu corpo e Sally também se junta ao abraço.

Por cima do ombro eu olho para o espirito de Melanie, andando de cabeça baixa. Como se sentisse meu olhar sobre si, ela se vira e me da um sorriso triste.

Apesar dos meus olhos embaçados pelas lágrimas, eu vejo o que não havia percebido quando ela falou comigo.

Em sua garganta havia um enorme rasgo, quase escondido por seus cabelos escuros e sua blusa preta de gola alta e mangas.Provavelmente ela teria rasgos em seus braços e um golpe profundo na barriga. Exatamente iguais aos da garota no meu quarto.


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Notas finais do capítulo

Esse cap foi meio pesado neh?
Bem, obrigado por estar dando essa chance ao meu livro.
Comentem as partes que mais gostaram.. Enfim... bom dia, boa tarde, boa noite (boa madruga?)meus amores, beijinhos
Tia Jammie ama vocês.



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