Entre Dois Mundos escrita por Jammie


Capítulo 1
Um


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal, tudo bom?
Espero que sim.
Bem, passando rapidinho, para dizer que toda quinta sai novo capítulo, okey?

Beijinhos e boa leitura
Jammie :3



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Muita gente se pergunta o que pensamos quando estamos morrendo. Uma música? O namorado? Os amigos? Um flash de seus momentos felizes e tristes do passado?

Bem, no meu caso, eu apenas pensei: "É isso? Acabou?" Essa frase soava em minha mente, enquanto eu sentia cada parte do meu corpo adormecendo bem devagar.

Meio assustador, não? Tente adicionar isso ao fato de ver seu corpo pálido e sem vida caído no chão.

Não me lembro de muita coisa. Apenas de ficar me olhando deitada no asfalto numa posição pra lá de estranha. O sangue... Havia muito sangue. Depois meu pai gritando alguma coisa ao telefone, as pessoas sussurrando ao meu redor.... E uma menina.

Alta e esbelta, pele e olhos cor de chocolate, e cabelo curto cacheado. Ela parecia ser apenas um pouco mais jovem que eu. E olhava diretamente para mim. Não para meu corpo. Para mim.

E então, acordar num leito de hospital, toda enfaixada e com tubos saindo por todo canto do meu corpo.

Isso me faz pensar como a vida se vai fácil. Em um momento você está rindo no parque e então, "Puff". Já era. Mas fazer o quê, é a vida.

Acho que essa é a parte que eu conto como foi o dia antes do meu momento "Puff".

 

Era um daqueles dias perfeitos quando tudo aconteceu. Verão, sol quente e um céu limpinho.

Eu havia acordado mais cedo — como em todos os verões passados —, para ajudar o papai a organizar as malas, enquanto minha mãe falava ao telefone, acertando os últimos detalhes da viajem.

Meus tênis novinhos — que ganhei no aniversário de quatorze anos alguns dias atrás —apertavam um pouco, mas isso não me fazia parar por um minuto sequer, a empolgação me impedindo de ficar quieta em algum lugar por muito tempo.

Verão passado, papai me fez pulseiras com as conchinhas que juntei na orla da praia, e durante a noite fizemos uma fogueira, assamos marshmellows e ele me contou algumas histórias engraçadas, enquanto mamãe se trancava em seu mundinho e lia algum livro que trouxe consigo.

— Ela não grudou os olhos um segundo, noite passada. — meu pai sussurrou no meu ouvido e deu uma risadinha enquanto tentava enfiar mais uma caixa no porta-malas do carro —  Dez dólares como ela dorme a viagem inteirinha.

Então ele da uma piscadela antes de fechar o bagageiro e se afastar, para ir a minha mãe e dizer que já estava tudo pronto.

Sentei no banco traseiro e coloquei meus fones de ouvido num volume baixo, enquanto minha mãe se aconchegava no banco da frente bocejando e meu pai da uma risada que dizia "sabia que você ia fazer isso".

De repente, ela se vira para mim e tira um dos meus fones.

— Ponha o cinto, querida. — ela diz para mim com um sorriso.

Mas eu odiava ter algo me apertando. E odiava quando ela bancava a atenciosa comigo. Eu apenas revirei os olhos antes de por meu fone novamente.

 — Não é como se fossemos para muito longe.— retruquei.

Mamãe se volta para a frente  e pude ouvi-la suspirar baixinho. Nunca tivemos uma boa relação uma com a outra. Me arrependo até hoje.

Eu devia ter pedido desculpas por ser rude. Podia ter sorrido de volta e dito que a amava. Podia ter colocado meu cinto e checado se o dela estava apertado o suficiente. Eu podia ter dito que a amava. Eu podia... Mas eu apenas fechei os olhos e dormi, para então acordar numa cama dura de hospital com uma garota de rosto desfigurado olhando para mim.

Mais tarde descobri que se chamava Livvy Miller, tinha quinze anos de idade antes de um cara bêbado jogar o carro pra cima dela. Ela morreu no hospital dois dias antes do meu acidente. Ela quem me disse que minha mãe estava morta.

Naquele momento, eu soube que minha vida jamais seria a mesma.

Os primeiros dias foram uma merda — me perdoe a expressão. Eu havia ganho alguns ossos fraturados, então tive que fazer reabilitação, tomar quilos de remédios e falar com uma psiquiatra quase todos os dias . Isso, claro, além de ter um pai chorando todas as noites e acordar com terríveis pesadelos.

No começo, eu até contava o que via, mas isso apenas fazia as pessoas balançarem a cabeça, com cara de pena e passar mais remédios e terapia. Só pude ter algum sossego quando finalmente entendi que devia manter isso em segredo e fingir que tudo corria bem.

Ninguém estava afim de saber que havia uma mulher de rosto pálido e roupas rasgadas  no corredor que dava para o refeitório da escola. Ou do garotinho que sempre acompanhava o professor de química, o senhor Goodrich.

Então eu apenas me mantive calada e inerte, tentando viver num mundo estranho sem chamar muita atenção. Sendo invisível.

Porque eu era boa nisso.

 

    —  Jessie, você está com uma cara estranha desde bem cedo. —  a voz de Matthew me tira do torpor e eu me viro para ele num sobressalto.

Estava distraída demais em minha cadeira, no fundo da sala, para perceber o olhar de Matt sobre mim. 

Matthew Collins é meu amigo desde quando eramos bem pequenos.

Ele é alto, de cabelos e olhos castanhos e um sorriso sempre presente. Bem diferente do menino franzino e assustado que conheci anos atrás.

Ainda me lembro a primeira vez que ele sorriu para mim.

Foi no dia  que Raquel Oliver — uma garota alta e assustadora — pediu o lanche dele e , como ele recusou, ela deu um empurrão quando ele se virava para sair, que acabou caindo e machucando feio o joelho no processo.

Eu fiquei furiosa com aquilo e mandei que ela pedisse desculpas. A coisa é que, como eu era bem maior que as outras crianças da minha idade, e tinha o respeito de muitas delas, a garota não teve outra escolha a não ser se retratar com ele.

Ele me observou em silencio enquanto eu limpava seu ferimento, sem reclamar em nenhum momento quando eu pus um band-aid do Bob esponja — que carregava sempre no bolso — sobre seu machucado.

Então, anos mais tarde, quando eu estava doente no hospital, Matt foi o único dos meus amigos que ficou ao meu lado.  Mesmo quando eu dizia para ele ir embora, que não queria falar com ninguém, ele continuava perto de mim. As vezes, quando eu acordava chorando depois de um pesadelo, ele subia na minha cama e me abraçava gentilmente até que eu me acalmasse. Eu dormia sentindo o calor de sua mão pressionada contra a minha.

 E foi assim que eu percebi que precisava daquele menino por perto. Algum tempo depois, começamos a estudar na mesma escola e apareceu Sarah Simmons.

Sally tinha cabelos loiros encaracolados, e incríveis olhos azuis escondidos atrás de suas lentes de óculos de grau — que os deixavam mais bonitos ainda. Era linda, engraçada e viciada em livros e filmes de terror. 

Me fazia assistir a alguns todo fim de semana. Apenas Matt ficava de fora. Ela bem que tentou fazê-lo ver um deles conosco uma vez, mas ele acabou vomitando em todo o seu tapete. Eu ri tanto que quase cuspi meu refrigerante junto.

Mas mesmo que eu gostasse muito — muito, muito — deles, eu escondia meu segredo. Eu jamais poderia jogar esse peso sobre alguém. Porque se eu contasse, nossa amizade jamais seria a mesma. Ou talvez, eles simplesmente se afastariam de mim.

— Matt, eu sou estranha. — digo sorrindo, e volto a folhear meu livro.

— Você não é estranha. Nunca foi. — ele retruca, então adiciona depois de uma pausa — Está tudo certo, não é?

Eu queria dizer:"Não. Nada está certo. Meus pesadelos estão piorando a cada noite e estou com medo."

Mas ao invés disso, eu sorrio.

— Claro que está.

Matt devolve um sorriso fraco e estuda meu rosto por algum tempo, parecendo ler o que eu não havia dito. Era meio que sua especialidade saber quando eu e Sally mentíamos.    

Mas eu apenas baixo o rosto até que ele volta seu olhar para a frente.

 

Mais tarde, nos sentamos à mesa que costumávamos sentar durante o intervalo todos os dias.

Sally, do outro lado, abre a mochila e tira uma caixa de biscoito meio tostados e solta um suspiro, antes de corajosamente  tentar uma mordida.

A Sra. Simmons era terrível na cozinha. Ela conseguia fazer uma simples panqueca parecer algo letal. A última vez que me arrisquei, passei o dia todo trancada, fazendo sons estranhos — sim, é exatamente isso que você está pensando — no banheiro do quarto de Sally, para então no outro dia ser motivo de risadinhas dos meus dois amigos. O problema é que ela adora cozinhar e fazer doces — mesmo não levando o menor jeito para isso — e acaba sempre sobrando para Sarah ou qualquer visitante o papel de cobaia.

Matt ri quando Sally cospe aquele negócio na bolsa e joga uma maçã para ela, que sorri agradecida e sopra um beijinho para ele, antes de devorar a fruta como se não visse comida há dias.

— Sério, você devia falar logo para sua mãe sobre isso. Não é justo ela fazer os doces só para você cuspir depois. — aconselho.

— Que você quer que eu diga? — ela devolve, jogando os restos de sua maçã dentro da caixa de biscoitos e adiciona com um sorriso —  Desculpe mamãe, mas seu Brownie tem gosto de estrumo de vaca batido no liquidificador ao leite. Agora, com sua licença, vou ali ao banheiro por minhas vísceras para fora.

Nós rimos e após alguns instantes Sally continua, com um ar mais triste.

— Isso a faz se sentir melhor. Papai vai se casar outra vez, e mesmo que ela diga que não se importa da pra ver que ela está meio mal com isso...

Os pais de Sarah sempre discutiam por qualquer motivo e então seu pai ia dormir na casa de algum amigo para retornar na manhã seguinte. Um dia, ele simplesmente não voltou. Hoje eles são divorciados e quase não se falam.

— Sally... — eu começo,  mas ela apenas da de ombros e força um sorriso.

É o seu jeito de dizer que aquele assunto ainda era pesado demais para ela, no momento.

Matt, percebendo o clima pesado, abre um sorriso e da um tapa na mesa, antes de anunciar:

— Sky Jamerson, da aula de biologia, vai dar uma festa na casa dela neste final de semana. Toda a escola vai estar lá. Ela disse para chamar vocês.

Sarah da um gritinho e bate palmas de empolgação.

— Bem, eu passo. — digo — Vou ficar estudando em casa esse fim de semana. Podem ir sozinhos, os dois.

— Vamos! Não seja chata — Sally pede, fazendo uma cara que é impossível não rir. —  não vai ter a menor graça sem você.

— Qual é, Jessie, vai me deixar ir sozinho numa festa com essa maluca? — Matt pergunta, ainda rindo.

Eu reviro os olhos e levanto as duas mãos em sinal de derrota.

— Tudo bem, eu vou.

— Eu sabia que te amava. — Sally diz com uma voz fofa antes de jogar suas coisas na mochila e se levantar num salto.

Matt apenas sorri satisfeito e descansa um dos braços sobre meus ombros, quando nos levantamos e rumamos para nossa próxima aula.

 

"Está frio... Está tão frio..."

Acordo assustada, numa cama empoçada de suor.

Mais um pesadelo.

Eu olho para o relógio a minha cabeceira. Quatro da manhã. Outra vez.

Ciente de que eu não vou conseguir voltar a dormir mesmo que tentasse, eu tomo um gole de água do copo que sempre deixo ao lado da cama, e levanto para dar voltas pelo meu quarto escuro. Aquilo me ajudava a pensar.

A voz feminina e chorosa ressoando em minha cabeça. Dizia sempre a mesma coisa no final dos meus pesadelos. Isso começou há algumas noites atrás.

Eu pego meu celular bem no instante em que ele toca, recebendo uma mensagem. 

Matthew.

Desde o acidente, ele assumiu uma postura de irmão mais velho, e me manda uma mensagem de texto todas as noites nesse horário. Ele sabe dos meus pesadelos e que nessa parte da manhã estou quase sempre acordada, olhando para o teto.

 

"E aí?"

Eu quase posso visualizar seu sorriso.

"Você não sente sono não?" — digito, enquanto subia novamente na cama.

Depois de alguns segundos ele retorna.

"Você está com sono?"

"Não consigo dormir."

"Hmm... feche os olhos e imagine que eu e Sally estamos aí com você. E então, nos visualize comendo um dos Brownies da Sra. Simmons. Melhor?"

Eu sinto os cantos de minha boca se levantando num sorriso. Matt sempre sabia como me fazer sorrir. 

"Melhor, obrigada." 

Ele demora algum tempo e então meu celular bipa outra vez.

"Por nada. Gosto muito de você."

"Também gosto muito de você Matthew Collins. Boa noite."

"Boa noite. :)"

Ponho meu celular debaixo do travesseiro e me aconchego um pouco. Em alguns minutos eu já estaria de pé para mais um dia de aula e o sono me fugia. Ainda assim, me deixo ficar deitada na cama.

Meu quarto estava escuro, mas não o suficiente para que não pudesse enxergar uma silhueta feminina no canto do meu quarto, nem meu cobertor quente, que pudesse conter os calafrios correndo por minha coluna.

    — Frio... — ela sussurra.

    — É, eu também estou com frio. Vá embora. — eu devolvo mau humorada, antes de puxar o cobertor sobre meu rosto.


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Notas finais do capítulo

Comentem e digam o que acharam do cap., pls
beijinhos e cheiro no sovaco



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