Take me to church escrita por Andreza Cullen


Capítulo 4
Terceiro capítulo




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— Terra, acorda! - escutei a voz de Brida seguida por alguns chaqualhar fortes, provavelmente eu havia dormido na aula novamente.

Olhei para ela com a sobrancelha erguida, perguntando mentalmente o que ela queria. Quando seu queixo apontou para o quadro verde a nossa frente li o recado com um pouco de dificuldade, pois as letras ainda estavam embaçadas pela sono.

"Excursão para a feira de artes em duas semanas, favor pegar a autorização na diretoria e trazer o dinheiro do frete"

Ótimo, eu já não esbanjava dinheiro, agora teria que tirar do meu orçamento para uma feira de artes. Mas também, o que seria do mundo se não fossem as artes?

Nós cinco estávamos esgotados hoje, se não fosse por Brida ter me ajudado no dever de Química eu estaria ferrada. Eu precisava de um banho gelado, vitaminas e férias!

Mesmo com todo o cansaço, ela não saia da minha cabeça. A cada segundo que minha mente saia de órbita e me forçava a tirar uma rápida soneca, o seu cheiro encobria o ar, ou a sua voz me fazia sorrir sozinha. Essa garota era furada, era tudo o que eu evitava. Ela era Hétero, preconceituosa, homofóbica, machista e infinitas coisas retrógradas que não atingiam a ela, mas sim as minorias vitimadas. E mesmo assim, aqui estou eu pensando nela. Qual a porra do seu problema Terra?!

Mas o pior de tudo não era isso, ela era filha dele.

Enxotei essa parte do pensamento, eu não me permitia pensar nisso, nunca mais.

Hoje eu iria direto da escola para o serviço, afinal não estou podendo recusar hora extra. Corri para pegar o ônibus, não sem antes encontrar um bilhete com “lésbica do capeta” dentro do meu caderno, que amor, até parece que eu ainda me importo com isso.

Enquanto o ônibus passava pela escola, tive alguns breves segundos de recompensa quando visualizei aquela cabeleira negra entrar em um Porsche preto, provavelmente um dos carros que aquilo que ela chama de pai dela colecionava. Ela estava com o nariz empinado como sempre, e adentrava o interior provavelmente confortável do conversível enquanto jogava o seu cabelo para trás.

Aquilo deveria ser registrado! Não era como naquelas cenas cinematográficas, era algo natural, com defeitos e o vento contra o seu favor, com uma cara de frustração ao perceber que a brisa forte não lhe daria o sossego planejado, e aquilo só a deixava mais perfeita.Tive vontade de gemer de desgosto quando o sinaleiro liberou o sinal verde e o ônibus voltou ao seu trajeto. Eu já está a conformada, ela é alguém cujo eu suspirasse de longe, que eu tivesse alguma paixonite. Nunca seria o tipo de pessoa que eu me envolveria com todo aquela intolerância, e além do mais Alhena era completamente Hétero. Ou achamos que era, já que nunca foi vista com nenhum namorado.

A surpresa foi, quando lá pelas 19:00 horas, meu horário de ficar no caixa, a vi perambulando pela livraria, dessa vez sozinha. Naquele momento, gelei. Percebi que eu soava frio e senti as maçãs do meu rosto esquentarem. Quando dei por mim e consegui o mínimo de raciocínio, ela estava se aproximando o caixa. Provavelmente eu não conseguiria formar uma frase decente.

Ela olhava para baixo ao se aproximar, lendo a orelha de um livro e provavelmente tropeçaria no tapete se tivéssemos um. Tentei manter a calma, era só a garota homofobica e machista de sempre, por que eu ficaria tímida perto dela? Esse pensamento me obrigou a voltar ao normal.

Quando ela parou em frente ao caixa e ergueu os olhos da obra, provavelmente me reconheceu, pois a surpresa era evidente em seu rosto. Sua boca se entreabriu e seus olhos castanhos ficaram levemente arregalados, mas o forte foram as suas maçãs do rosto, que ficaram vermelhas na hora. Ela desviou o olhar rapidamente.

Eu poderia ser iludida e pensar que ela ficou nervosa a me ver porque eu despertava algo nela, mas eu sabia que era por causa do escândalo, sobre a minha sexualidade pecaminosa para ela. Cogitei seriamente em chamar outra pessoa para atendê-la, ela provavelmente não queria falar comigo e eu não queria o preconceito dela perto de mim. Mas fui surpreendida quando ela foi a primeira a falar.

— Vocês aceitam esse cartão? - perguntou, mostrando um cartão não muito comum, mas que o nosso sistema reconhecia. Apenas concordei, sabendo que se eu abrisse a boca para falar algo me embolaria.

— Você não parece muito bem Terra - arqueei uma sobrancelha, ela sabia meu nome? Provavelmente devido ao escândalo, mas sua voz não mostrava nenhum pouco de nojo ou algo do tipo, chegava a ser doce até. Pisquei algumas vezes seguidas e tentei co tornar o embaraço da situação

— Um pouco de dor de cabeça, nada mais - respondi, sem a encarar o aconchego quente que eram os seus olhos enquanto colocava seu livro na sacola. Não havia concentração o suficiente para identificar o título, mas eu tinha certeza que não era Onze Minutos.

Enquanto eu fazia a cobrança de seu pedido, ela tirou uma caneta do bolso e começou a escrever em um marcador. Mal levantou os olhos do papel quando pedi para ela digitar a senha. Assim que a transação foi aceita e a nota fiscal gerada, continuei a encará-la, querendo prorrogar aquele momento. Seus cílios pequenos faziam uma leve sombra em baixo dos seus já que ela estava curvada escrevendo no papel sobre o caixa. Seu cabelo escuro era volumoso, comprido e em partes encaracolado, o que só a deixava mais linda. Sua pele possuía um leve toque de oliva. Tudo nela era convidativo, o pior é que tudo nela era proibido.

Quando percebi que ela havia parado de escrever, desviei rapidamente o olhar lhe entregando a sacola e a nota. Suas bochechas ainda estavam coradas quando ela me entregou o marcador.

— Esse remédio é ótimo para dor de cabeça, e acho que a vitamina de baixo lhe faria bem, você parece cansada - sua voz novamente não possuía nada que me fizesse crer alguma aversão por mim.

Provavelmente devo ter paralisado, pois quando voltei ao normal ele já estava pegando sua sacola e indo embora.

Ela me deu em breve aceno e eu consegui retribuir o gesto antes dela se virar. Assim que ele saiu da livraria eu saí daquele transe.

O que havia acontecido com aquela menina intolerante, metida e mimada? A garota filha de um dos homens mais influentes da cidade e que estava acostumada a ser o centro do mundo? Ele havia demonstrado... Procuração? Comigo? Alguém aos olhos dela tão pecaminosa e infiel?

Não consegui pensar em outra coisa até o final da noite. Para dizer a verdade não consegui pensar em outra coisa até o final da semana.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem :)



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