Take me to church escrita por Andreza Cullen


Capítulo 2
Primeiro capítulo




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Quando algumas garotas da minha escola espalharam que me viram de pegação com outra garota no banheiro, minha vida virou de cabeça para baixo.

“Nós vamos te curar, querida”

“Vamos tirar isso de você”

“Você precisa aceitar o que vem de Deus”

E quando eles perceberam que nada disso adiantaria, eu perdi meus pais, minha casa, meu carro, minha escola particular e qualquer centavo de poupança que eu poderia ter. Fui expulsa de casa, deserdada, desprezada e esquecida por que mais deveria me proteger e jogada a margem de uma sociedade homofóbica e opressora.

Eu não chorei, eu não me abati. Eu não pensei que eu havia perdido tudo, era como se eu houvesse ganhado minha liberdade, o direito de ser quem eu sou.

Hoje, ao auge final dos meus 18 anos, cursando o ultimo ano do ensino médio e trabalhando no único lugar confortável desse tribunal, uma loja de uma franquia de livrarias, eu e meu melhor amigo dividimos um apartamento microscópico que chamamos de "passagem", porque sairíamos daquela cidade o mais rápido possível, e eu guardo cada centavo do meu salário a espera desse dia.

 

 

 

...

 

 

Sabe aquele ensino médio que estamos acostumados a ver nas séries de canal fechado? Pois é, eles não são nada realistas, ainda mais se comparados com a escola pública.

Acordar às 6:20, pegar o ônibus as 7:05, correr para a escola e torcer para não perder a primeira aula é algo completamente normal para mim, uma rotina até que gostosa que eu sigo a quase dois anos.

Só mais alguns metros sem parar e eu pegaria o portão aberto. Sentir a ardência leviana na garganta e as pernas suavemente adormecidas era tão constante que se tornara normal.

Eu consegui pegar o portão aberto, recebendo um sorriso cúmplice do porteiro. Nós havíamos nos tornados “colegas” desde que eu o pegara no flagra com o professor de física.

Os corredores já estavam se esvaziando, mas a porta do 3°D ainda permanecia aberta, e eu agradeci profundamente por isso. Um atraso a mais no meu histórico não seria nada bom.

A maioria das pessoas daquela sala não me faziam bem. Aquela cidade não me fazia bem.

Me esmaguei entre os adolescentes animados na porta da sala e fui direto a minha carteira no canto dos fundos, onde meus amigos já conversavam sobre o trabalho de biologia que deveria ser entregue hoje.

— Essa é a nossa salvação! – ignorei o comentário de Danilo enquanto me juntava ao grupo, me sentando em uma das cadeiras.

— Terra, me diga que você fez o trabalho sobre Evolução das plantas, por favor – Brida, minha melhor e única amiga garota daquela escola, perguntou me lançando um olhar suplicante.

Eu havia estudado sobre evolução das plantas no 1° ano do Ensino Médio na escola particular, então aquele trabalho para mim foi fichinha, levado em conta que eu era uma ótima aluna.

Joguei o trabalho sobre a sua mesa para que ela e Danillo colocassem seus nomes junto ao meu, já que o trabalho poderia ser feito até em trio. Murillo, irmão gêmeo de Danillo, e Matheus teriam que se virar para arranjar outro trabalho.

Nós cinco somos muito unidos, ajudamos uns aos outros e nos defendemos com unhas e dentes. Eles e toda a cidade sabem da história do banheiro, já que foi um escândalo! Quando voltei a estudar no ano passado, depois de perder um ano por conta do ocorrido, e me matriculei em uma escola pública – já que meus pais nem olhavam mais na minha cara, que dirá pagar a mensalidade da minha escola – eles foram os primeiros a se aproximarem de mim e me tratarem como igual. Brida era incrível, ela tinha uma pose de durona, mas quem a conhecia de verdade via que era apenas fachada. Os gêmeos, o que falar desses dois? Os caras são dois palhaços! Te tiram de qualquer tristeza e te fazem rir. Matheus era o gentil, carinhoso. O tipo de cara que vai ser seu amigo sem segundas intenções.

Enquanto Brida e Danillo escreviam seus nomes no trabalho, Murillo começara a reclamar, mas foi silenciado quando Matheus jogou o trabalho dele em cima da mesa.

— Você só reclamou que não havia feito, mas não perguntou se eu fiz – ele deu de ombros, vindo na minha direção para me dar um abraço.

Alí, apenas com eles e com o Marco que eu não me sentia vigiada, e eu sabia que eles se sentiam da mesma forma.

A professora não tardou a chegar, explicando que seu atraso se deu por motivos que eu não me importo, já que ela me odeia.

A aula passou sendo interrompida a cada dois minutos por alguma baderna ou piadinha desnecessária de alguém querendo atenção. A boa noticia é que a minha nota – e conseqüentemente e de Brida e do Danillo – havia sido exemplar. Já que eu havia estudo essa matéria na outra escola, usei o tempo paraorganizar minha rotina, como eu sempre fazia.

Sair da escola, correr para a passagem e almoçar rapidamente qualquer coisa. Depois, tomar um banho e sair em disparado para o serviço, no qual eu entrava as 13:40hrs. Usar o meu tempo de descanso de 1 hr e fazer compras de produtos de limpeza e ração para o Gus. Sair do serviço e pedir para o Marco e me buscar para me ajudar com as sacolas. Chegar em casa, comer um sanduíche e passar as roupas que sobraram de ontem, terminar um trabalho de filosofia sobre Khant, e enfim dormir, quando eu acabasse lá pelas 02:30 hr da manhã. Acordar as 06:00hrs, pegar o ônibus as 6:45... Seria um dia relativamente calmo.

Minha vida mudara completamente desde o episodio do banheiro, dois anos atrás. Agora eu morava “sozinha”, trabalhava para me sustentar e pagar minhas contas tinha responsabilidades e cuidava de mim mesma. Perdi meus pais, mas ganhei minha vida, e eu não me arrependo de nada.

Na hora do intervalo, usei os 15 min para terminar uma redação para a aula de português que viria a seguir. O tema era “O uso de celulares na sala de aula”, e eu a finalizei a redação exatamente 5 min antes de acabar o intervalo.

— Não enche e come – não me surpreendeu com Brida colocando um sanduíche na minha frente – Dá tempo, e eu coloquei cenoura especialmente para você – ela sentou no meu colo enquanto me olhava com um olhar persuasivo. Escorpianos.

Eu preferia um milhão de vezes essa escola do que a outra. Aqui eu tinha amigos verdadeiros, as pessoas não vão te julgar por não ter um carro de luxo ou por ter um emprego para se sustentar, e, embora ainda fossem poucas, algumas pessoas não me olhavam estranho pelo simples fato de eu gostar de garotas.

Tive que terminar o sanduíche enquanto voltávamos para a sala, a final, ninguém consegue comer um em 5 min. Aquele aglomerado de pessoas se esmagando entre o corredor largo, porem não o suficiente, ate a sala da aula me dava calafrios. Na nossa cidade haviam apenas duas escolas publicas que tinham ensino médio, e uma particular. Portanto, mesmo que minúscula a cidade, as escolas eram abarrotadas de adolescentes cheios de hormônios. Ali eles não te observavam esperando um deslize seu, estavam ocupado demais cuidando das próprias vidas, com algumas infelizes exceções, é claro.

Assim que as aulas acabaram, me despedi rapidamente dos meus amigos e corri para não perder o ônibus, se não eu poderia dizer adeus ao almoço. Escorei no ponto de ônibus para colocar a respiração no lugar quando percebi estar alguns minutos adiantada, tendo algum tempo para me recompor e torcer para ter algum lugar.

Assim que me sentei no coletivo, percebi que pelo balanço do mesmo eu não conseguiria escrever uma palavra sequer, então gastei os 20 min até a passagem gravando o que eu deveria escrever no trabalho de filosofia, enquanto eu reciclava a matéria do livro. Usei o tempo restante fazendo uma lista de compras para não comprar o desnecessário, afinal, dinheiro não dá em arvores. Agora, depois de um bom tempo, as pessoas preferirem ficarem em pé ao sentar ao meu lado nem me incomodava mais.

Olhar o borrão das ruas conforme o ônibus passava fazia meu tempo parar. O chacoalhar do veiculo em mistura com as cores que e passavam corridas pelas janela manchada de dedos era uma beleza mal aproveitada em toda aquela correria, um desfoque que merecia ser focado.

O único lugar que eu desviava o olhar era a Igreja. Só de olhar para a construção simples a lembranças me açoitavam como se fossem de alguns dias atrás. Era um local delicado em mim, um local que eu nunca mais tocaria.

Para a minha sorte, a passagem ficava apenas algumas casas depois do ponto do ônibus, o que me poupava alguns minutos preciosos. Assim que adentrei a lata de sardinha, fui recepcionada pelo vira lata mais astuta do mundo, ele em pé batia na minha barriga, mas seu tamanho era ofuscado pelos seus pelos acobreados e seus olhos doces.

— Okay, okay Gus. Já vou te servir o almoço.

Ele balançou o rabo e foi direto para a cozinha, provavelmente esperando sua refeição.

Almocei alguma qualquer coisa congelada e servi ao Gus um prato cheio de ração. O relógio marcava 12:40 e eu corri para o banheiro, me alternando entre tomar banho, escovar os dentes e conversar com Marco pelo telefone.

— Eu vou deixar o Gus solto no quintal dos fundos, você volta que horas hoje? – perguntei durantes os intervalos em que eu cuspia a pasta de dente.

— Chego as 03:00 da tarde hoje, vai precisar que eu te busque que horas?

— Esteja lá com Gus as 22:10 em ponto.

Ele finalizou o ligação, já que eu estava com as mãos molhadas e eu corri para me vestir.

O Gus ficou contente com o outro bocado de ração e sua água fresca no quintal dos fundos. Depois das varias trincas e cadeados do portão, afinal, perdi a conta de quantas vezes vandalizaram a minha casa com frases nojentas, corri para o ponto. Consegui pegar o ônibus e chegar a tempo no serviço


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Notas finais do capítulo

Até o próximo domingo :)
Beijusculos



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